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domingo, 24 de outubro de 2021

Novo “Duna” é um prato requintado que vai agradar quem procura ficção científica de qualidade

Filme é extremamente bem realizado, repleto de nuances e inflexões narrativas que captam a rica essência da obra original, porém com voz própria na linguagem cinematográfica

- por André Lux

Sou grande admirador da saga “Duna”, criada pelo escritor Frank Herbert a partir de 1965 e que influenciou diretamente um sem número de outros produtos começando com “Star Wars”, passando por “Matrix” e até “Game of Thrones”, a qual descobri a partir da adaptação feita por David Lynch para os cinemas em 1984. Versão essa que tinha inúmeros problemas e fracassou nas bilheterias, porém possuía também qualidades, entre elas um elenco formidável, além de desenhos de produção, figurino e de criaturas sensacionais, sem falar da música competente do grupo Toto (veja aqui minha análise das adaptações de "Duna" anteriores).

Confesso, portanto, que sempre tive grande dificuldade de aceitar outra versão de “Duna” para as telas tão ligado que sempre fui ao filme de 1984. Foi assim com a minissérie da Sci-Fi realizada no ano 2000 que embora fosse muito mais fiel à obra original, foi feita com parcos recursos financeiros e tinha um visual risível, parecendo muitas vezes desfile de escola de samba.

Chega então a última adaptação do livro gigantesco de Herbert, desta vez realizada por Dennis Villeneuve, cineasta brilhante que tem feito ótimos filmes (meu favorito é de longe “A Chegada”), um verdadeiro artista que, a exemplo do que foi Ridley Scott no passado, transforma cada fotograma em verdadeiras obras de arte. E “Duna” não é diferente. O filme é um espetáculo deslumbrante (e por isso exige ser visto ao menos uma vez nas telas dos cinemas), com fotografia e efeitos visuais de tirar o fôlego sempre acompanhadas por um senso de escala que impressiona. Os desenhos de produção e figurinos vão na direção oposta do barroco colorido do longa de Lynch, apostando em linhas retas e curvas sóbrias dignas da arquitetura contemporânea.

O mais interessante no meu caso é que não gostei muito do filme na primeira vez que assisti (no Imax). Embora tenha achado o visual sensacional, tive dificuldades em entrar na proposta da nova adaptação. Culpa disso certamente foi o meu apego ao “Duna” de 1984 e também ao extenso conhecimento do livro e suas tramas políticas complexas e intrincadas. Certamente se tivesse escrito minha análise depois dessa primeira experiência ela seria majoritariamente negativa. Mas senti que algo não estava correto e fui ver novamente no cinema. E isso fez toda a diferença!

Já sabendo o que ia encontrar, fui capaz de me distanciar da versão de Lynch e também do livro e finalmente consegui mergulhar de cabeça. Nem mesmo a música do abominável Hans Zimmer me incomodou na segunda exibição. Sim, a sua partitura para “Duna” sofre de quase todos os defeitos do resto do seu trabalho: é intrusiva, simplória, pesada, opressiva e ensurdecedora! Porém, me arrisco a dizer que mesmo assim essa provavelmente é sua melhor trilha pois, a despeito dos problemas, possui alguns momentos inspirados e até impactantes (dentro do baixo padrão Zimmer de qualidade, que fique claro).

O roteiro consegue sintetizar bem as grandes questões da obra de Herbert sem entrar em muitos detalhes e excesso de informações, fatores que deixaram o filme de 1984 incompreensível para quem não leu o livro. Apesar de enfurecer os fãs mais puristas, foi uma decisão acertada que deu leveza e permite um acompanhamento mais fácil por parte do espectador não familiarizado com o material.

Gostei muito da maneira como Villeneuve se manteve fiel à lógica do enredo original, no qual o conceito de “messias” e “escolhido” não passa de maquinações engendradas pelas Bene Gesserit para facilitar a manipulação e dominação dos povos dos mundos daquele universo, sempre ávidos por crenças religiosas em seres sobrenaturais. Esse, por sinal, foi o erro mais grotesco da versão de 1984 já que transformou Paul em um messias real com poderes mágicos, algo que arrebenta com toda a construção do livro.

Filme tem visual impressionante

Algumas escolhas prejudicam o ritmo da trama, especialmente o arco que envolve o traidor dos Atreides apresentado aqui de forma muito apressada, culminando com o ataque dos Harkonnens que parece acontecer apenas poucos dias após a chegada dos Atreides em Arrakis. O elenco é muito bom, embora alguns personagens importantes tenham pouco tempo de tela, o que afeta a composição dos atores, porém não enfraquece a narrativa principal que fica focada mais em Paul e sua mãe Jessica (aqui bem mais emotiva e insegura do que no livro).

O filme tem 2 horas e 35 minutos, mas parece menos, o que é sempre um dos melhores elogios, terminando de forma abrupta no que seria o início da segunda metade do livro e deixando um gosto de quero mais. O fato da continuação ainda não ter sido confirmada pelo estúdio aumenta ainda mais a ansiedade pois, diferente de “O Senhor dos Anéis” cujos três filmes foram filmados simultaneamente, Villeneuve rodou apenas a primeira parte.

“Duna” é um prato requintado que vai agradar em cheio quem procura ficção científica de qualidade e sabe apreciar um filme extremamente bem realizado, repleto de nuances e inflexões narrativas que captam a rica essência da obra original, principalmente as alegorias ao petróleo, ao cristianismo e islamismo e à ecologia, porém com voz própria dentro da linguagem cinematográfica.

Cotação: ****1/2

3 comentários:

Anônimo disse...

muito bom

Unknown disse...

Fiquei surpreso com a sua análise, já que eu achava que você ia descer o sarrafo no filme. Eu, que não li o livro, achei só razoável (como tbm acho mediano o de 84).

Uma dúvida fundamental: o que você escreveria naquela sua análise pós-primeira sessão que não escreveu nessa? O que tinha te incomodado mais que agora não incomodou mais?

André Lux disse...

Na verdade percebi que fui ver o filme com a mente recheada de preconceitos, pois como disse era muito difícil pra mim aceitar outra adaptação de Duna devido à minha ligação com o filme do Lynch. E também porque fiquei super-analisando as diferenças com o livro.

Então me incomodei com coisas que não passavam de preciosismo, como por exemplo ninguém explicar o que é um Mentat, nem sequer citarem o nome do Piter, etc.

Mas depois de refletir percebi que isso são futilidades que, embora enriqueçam a leitura do livro, acabam sendo inúteis para uma adaptação cinematográfica e só serviriam para desviar o foco do principal e confundir as pessoas.

Assim, quando entrei pra ver pela segunda vez, minha mente estava "limpa" para poder apreciar o novo filme pelo que ele realmente é, e não pela minha expectativa do que deveria ter sido. E aí percebi que é sim ótimo.

Algo que raramente acontece comigo, geralmente quando vejo um filme que não gostei novamente ele tende a piorar, caso do Blade Runner 2049, por exemplo.