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sábado, 7 de outubro de 2017

"Blade Runner": diferenças entre as três principais versões

Filmes: "Blade Runner 2049"

PRETENSÃO DEMAIS, EMOÇÃO DE MENOS

O maior problema desse novo filme é que ele QUER ser uma obra-prima e, no final das contas, acaba sendo apenas pretensioso e incrivelmente arrastado

- por André Lux, crítico-spam


Blade Runner” fracassou na sua estreia em 1982, mas ao longo dos anos tornou-se cult e um dos mais influentes de todos os tempos, especialmente nos quesitos cinematografia e direção de arte. Dirigido por Ridley Scott na época em que ainda tinha algo a dizer, o filme é reconhecido hoje como uma obra-prima que mistura com perfeição ficção científica e policial “noir”, mas sua concepção passou longe de ter sido fácil. Pelo contrário, as brigas entre Scott e o elenco (especialmente Harrison Ford) e sua equipe técnica renderam inclusive livros e documentários excelentes.

A verdade é que ninguém sabia muito bem o que estava fazendo a partir de um roteiro vagamente inspirado em livro do excêntrico Phillip K. Dick. Nem mesmo Scott, haja vista o sem número de versões e novos cortes do filme (oficialmente são 6, culminando recentemente com o “Final Cut” supervisionado pelo próprio diretor!). Mas são assim que as obras geniais do cinema geralmente nascem: de produções conturbadas com poucos recursos e duelos homéricos entre artistas e executivos desesperados por espremer cada centavo atrás de lucro.

Surge então, 35 anos depois, a continuação do clássico, chamada de “Blade Runner 2049” e situada três décadas após os acontecimentos descritos no original. O maior problema desse novo filme é que ele QUER ser uma obra-prima e, no final das contas, acaba sendo apenas pretensioso e incrivelmente arrastado. É um filme de duas horas esticado em um de quase três. Embora o roteiro faça um esforço para ligá-lo ao original, não parece que a ação se passa no mesmo mundo. O estilo de fotografia escolhido pelo diretor Denis Villeneuve e o consagrado fotógrafo Roger Deakins é bem diferente do criado por Ridley Scott e pelo genial Jordan Cronenweth. Villeneuve, que acabara de fazer o brilhante “A Chegada”, aplica o mesmo estilo visual sonolento-esfumaçado aqui, mas isso acaba prejudicando seu “Blade Runner”, pois deixa a tela embaçada, opaca, fator que impede que as grandes tomadas com efeitos visuais brilhem. Muitas vezes mal dá pra ver o que está acontecendo ou para onde os personagens estão indo.

Infelizmente, o maior peso morto do filme novo é o próprio Blade Runner feito por Ryan Gosling, um ator limitado que passa o filme todo com a mesma cara de paspalho. Ficamos sabendo logo no início que ele é um “replicante”, ou seja, um clone designado para não ter emoções humanas e memórias implantadas. Não há, portanto, qualquer possibilidade de nos conectarmos com ele, especialmente quando interage com uma mulher que nada mais é do que um holograma tridimensional, no que é basicamente um robô namorando um programa de computador (subtrama que, por sinal, poderia ter sido descartada já que não chega a lugar algum e tem relevância nula para o filme). Como eles querem que a plateia se relacione com isso? Não dá. Logo, as aventuras de K (abreviatura do seu número de série) não passam qualquer emoção, até porque ele é virtualmente indestrutível. E sobra para o espectador acompanhar ele sendo jogado através de paredes, levando 38 socos na cara, 26 facadas e 14 tiros a queima roupa só para sair andando numa boa em seguida. Há uma luta à beira mar entre ele e outra "replicante" que é particularmente tediosa e alongada além da conta.


"Vamos fazer amor?", diz o holograma para o robô
O charme do filme original - e principal motivo do seu brilhantismo - vem do fato dos “replicantes” estarem em busca da sua humanidade e sobrevivência, demonstrando no processo muito mais emoções como empatia e compaixão do que os próprios seres humanos que vivem em estado praticamente catatônico naquele mundo devastado e poluído. Graças a essa construção narrativa bastante simples, porém eficaz, nos conectamos e nos emocionamos com os arcos sofridos pelos personagens, principalmente o “replicante” Roy Batty, magistralmente interpretado pelo holandês Rutger Hauer, e pelo próprio Blade Runner feito por Harrison Ford, o qual no final pode ser ele mesmo um “replicante”. No filme novo não há nada disso. Os personagens humanos praticamente não existem (e são fracos, com destaque negativo para a chefe de polícia, feita pelo Robin Wright, um personagem que só serve para explicar a trama e agir de maneira totalmente ilógica) e os “replicantes” não tem qualquer desenvolvimento, sendo o pior a malvada assistente do magnata Niander Wallace (um Jared Leto sem qualquer sutileza), uma replicante chamada Luv, que é totalmente caricata e feita por uma atriz péssima.

No terceiro ato, o Blade Runner original, Rick Deckard, reaparece, mas Harrison Ford nem mesmo se esforça para atuar da mesma forma abrasiva e sorumbática do primeiro filme, limitando-se a ser... bem, ele mesmo - com direito a todas as caretas e trejeitos de sempre. O filme aí quer apresentar algumas reviravoltas na trama, mas sinceramente já tinha adivinhado quase tudo faz tempo, sendo que algumas não fazem sentido ou são apenas desinteressantes (a revolta dos “replicantes”, certamente uma porta para possíveis continuações).

O ponto mais baixo do filme, como seria de esperar, é a trilha musical composta pelo abominável Hans Zimmer (em parceria com o sujeito que fez a música de “It – A Coisa”), que nada mais é do que um punhado de barulhos irritantes, ora semelhantes ao peido de um rinoceronte, ora imitando o som de uma serra elétrica - com os volumes aumentados à centésima potência! De vez em quando tenta emular a maravilhosa trilha original de Vangelis, mas nem isso sabe fazer direito, acrescentando sempre algum som bombástico irritante por cima sem qualquer requinte. E sou obrigado a dizer que nem fica entre as piores trilhas dele! Zimmer tem a desculpa de ter sido chamado na última hora, depois que a trilha composta por Johann Johannsson (parceiro habitual do diretor Villeneuve) foi rejeitada. Mas é difícil imaginar que ele tenha criado algo pior do que Zimmer e seu afastamento deve ter sido exigência dos executivos do estúdio, preocupados com um possível fracasso do filme (quando isso acontece, a trilha musical é o primeiro item a “dançar”).

Zimmer, o abominável: "vai uns peidos de rinoceronte aí?"
Não vou exagerar dizendo que “Blade Runner 2049” é ruim. Não é. Tem qualidades, porém os defeitos as superam e a metragem exagerada (2h41) atrapalha muito. Uma coisa é ter ritmo lento, outra é caminhar a passos de tartaruga só para alongar a metragem, como se isso fosse sinônimo de profundidade. Não é. Sem dizer que a aproximação hiper-realista e minimalista do novo filme vai contra a poética e existencialista do original. Mas pra mim nem foi isso que atrapalhou e sim a total ausência de emoção e empatia com os protagonistas (chegaram a recriar o personagem de Sean Young, a “replicante” Rachel, em computação gráfica, mas o resultado é simplesmente risível).

Verdade seja dita: esse era um projeto suicida desde o início, já que é impossível superar ou mesmo chegar aos pés de uma obra-prima como “Blade Runner” e, francamente, poderia ter resultado bem pior (mas quem não é no mínimo fã do original não vai entender absolutamente nada do que acontece neste filme). Mas deveriam ter evitado alguns erros e clichês primários e concentrado o foco em construir personagens mais humanos e ao menos ter tentado dar continuidade à paleta visual e estética do filme original. Esses tipos de falhas, na conjuntura atual, são imperdoáveis.

Cotação: * * 1/2