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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

Filmes: "SYRIANA"


CORRUPÇÃO S/A

Quem acreditou na ladainha neoliberal sobre a honestidade das corporações privadas frente à corrupção do Estado vai ter que rever seus valores

- Por André Lux, crítico-spam


Fazia tempo que não era lançado um filme tão complexo e contundente como SYRIANA, que bem poderia se chamar “Corrupção S/A”. Dirigido por Stephen Gaghan, roteirista do excelente TRAFFIC, conta com um elenco de primeira linha liderado por George Clooney (também um dos produtores executivos) para mostrar, com tintas realistas e engajamento político, a podridão que envolve o mundo dos negócios, no caso o de exploração e venda de petróleo no Oriente Médio.

Qualquer um que algum dia acreditou na ladainha neoliberal sobre a suposta honestidade das corporações privadas frente à inerente corrupção do Estado, muito usada para difundir a tão propaga “necessidade” das privatizações nas últimas décadas, vai ter que rever seus valores no final da sessão - mesmo porquê quem são os responsáveis pela corrupção no Estado, senão os próprio governantes e, em última instância, seus eleitores?

Embora SYRIANA tenha formato de thriller político e apresente várias tramas paralelas que só irão se unir no final, o que move o enredo é a disputa política entre dois irmãos num emirado árabe no Golfo Pérsico. Um deles é o típico playboy alienado e vendido ao sistema capitalista, que torra a fortuna da família com iates, drogas e mulheres, enquanto o outro, Príncipe Nasir (Alexander Siddig), tem intenções mais nobres.

Vem dele, por sinal, uma das falas mais reveladoras do filme. Quando interpelado pelo executivo feito por Matt Damon sobre o inevitável fim das reservas petrolíferas mundiais e as conseqüências disso para os povos do Oriente Médio, que fatalmente vão retornar ao barbarismo, dispara: “E você acha que eu não sei disso? Quando aceitei a melhor oferta da China para explorar meus poços, o fiz pensando em meu povo, em usar o dinheiro para melhorar a condição de vida de todos, investir em infra-estrutura e bem estar social. Por isso, agora sou chamado pela mídia e pelo seu governo de terrorista, comunista e ateu!”.

Mas o ponto que mais impressiona em SYRIANA, não só pela crueza, mas também pela alta dose de verossimilhança, são as interferências diretas promovidas pelo Governo dos Estados Unidos, via sua Central de Inteligência (CIA), nos negócios realizados na região. Seus agentes agem como verdadeiros “anjos da guarda” para garantir que somente as empresas estadunidenses fechem negócios no Golfo Pérsico, nem que para isso precisem torturar e matar qualquer um que se colocar no caminho.

Do outro lado, as grandes corporações fazem das tripas coração para abocanhar contratos milionários de exclusividade. Manipulação, distorção, mentiras e corrupção são palavras banais neste negócio. Numa seqüência exemplar, um político conservador (interpretado por Tim Blake Nelson), ao ser flagrado em ato de corrupção por advogado que representa os interesses de uma empresa, dispara uma frase que já se tornou antológica: “Corrupção? Corrupção é a intrusão do governo no mercado na forma de regulação. Temos leis contra ela justamente para que possamos sair impunes. Corrupção é a nossa proteção! Corrupção nos mantém salvos e aquecidos! É graças à corrupção que você e eu viajamos o mundo ao invés de brigar nas ruas por um pedaço de carne! Corrupção é o motivo da nossa vitória!”.

Qualquer semelhança com a realidade, não é mera coincidência.

Infelizmente, nem tudo são flores em SYRIANA (a começar pelo nome, que não é explicado, mas é usado tanto para se referir à Síria - como em Pax Syriana-, quanto como um rotulo hipotético para referir-se a países do Oriente Médio que têm semelhança com a Síria). Ou seja, quem não tiver um conhecimento razoável da situação atual da região, incluindo aí os conflitos entre seus inúmeros grupos político-religiosos, e de como funciona o mercado das fusões nos Estados Unidos vai ter grande dificuldade de seguir a trama. Há também um excesso de personagens que deixa a situação ainda mais complicada (o drama familiar do executivo feito por Damon, por exemplo, não acrescenta nada ao filme e pode confundir o espectador).

O agente da CIA, feito por Clooney, também sofre de certa letargia e ingenuidade incongruentes com o personagem. Jamais alguém com tamanha experiência e bagagem em fazer o jogo sujo para o Tio Sam seria manipulado e enganado de forma tão fácil, muito menos ficaria tão surpreso ao ser descartado num momento de crise.

Todavia, mesmo apresentando essas falhas e incoerências, é inegável que SYRIANA mereça respeito e crédito, não apenas por tocar numa ferida aberta que pouquíssimas pessoas teriam coragem de expor, mas, principalmente, por deixar claro que, do mundo dos negócios promovidos pelas grandes corporações transnacionais, ninguém sai limpo.

E as conseqüências de tudo isso serão, a médio e longo prazos, catastróficas para a humanidade, como bem mostra o filme ao acompanhar a trajetória de um emigrante paquistanês que, expulso do emprego, brutalizado pela polícia e sem qualquer esperança de um futuro melhor, abraça a causa do terrorismo contra o inimigo de seu povo.

Mais atual e pertinente do que SYRIANA, sinceramente, dificilmente um filme será.

Cotação: ****1/2

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

Filmes: "Cinema Paradiso"

MAIS, NEM SEMPRE É MELHOR

Versão estendida de ''Cinema Paradiso'' apresenta cenas inéditas que, ao mesmo tempo, contestam e reafirmam o valor deste clássico

- Por André Lux

Escrito e dirigido em 1989 por Giuseppe Tornatore, ''Cinema Paradiso'' é considerado hoje uma das mais belas e tocantes homenagens já feitas ao cinema. Foi agraciado com o Prêmio Especial do Júri em Cannes e com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, tornando-se um imenso sucesso de crítica e de público - inclusive por causa da trilha musical esplendorosa do mestre Ennio Morricone.

O filme conta a história de Salvatore Di Vitta (Totó), um famoso cineasta que, após receber uma triste notícia, relembra sua vida e, principalmente, como aprendeu a amar a sétima arte graças à sua amizade com Alfredo (Phillipe Noiret), o responsável pela projeção do pequeno cinema em sua cidade-natal.

Todavia, pouca gente sabe que o filme foi um tremendo fracasso de bilheterias quando lançado originalmente na Itália. Por isso, foi recolhido e remontado pelo diretor, que eliminou cerca de 50 minutos da versão original para depois lançá-lo novamente nos cinemas, sem sucesso de novo (o filme só emplacou mesmo depois de ser premiado em Cannes e no Oscar).

Agora, mais de 15 anos depois de seu lançamento mundial, finalmente temos acesso à versão original de ''Cinema Paradiso'', pois acaba de ser lançado no Brasil o DVD que contém a chamada ''Nova Versão'' do filme, que tem 2 horas e 54 minutos de duração e traz restauradas todas as cenas que haviam sido deixadas na sala de montagem por Tornatore.

Todas essas cenas novas são originais, filmadas na época, nada de refilmagens ou atualizações.

Essa versão restaurada traz várias adições à trama original (deixando bem mais claro o fato de Totó ter virado um famoso cineasta), estender a participação de alguns personagens (como a velha mãe) e incluir duas cenas de sexo gratuitas (uma delas com Toto perdendo a virgindade com uma prostituta no cinema).

Mas o grande destaque mesmo desta versão é mostrar o reencontro, muitos anos depois, de Totó (Jacques Perrin, de ''Z '') com sua primeira namorada, Elena. Para quem não se lembra, ambos acabaram sendo separados por uma série de desventuras e, na versão reduzida, nunca mais se viam, ficando a situação sem resolução.

É bom advertir que essa nova versão de ''Cinema Paradiso'' poderá ser um pouco chocante para aqueles que, como eu, aprenderam a amar o filme tal qual foi lançado nos cinemas. É particularmente angustiante testemunhar o reencontro dos antigos namorados quando ambos já estão na casa dos 50 anos e com a vida feita. Mais triste ainda é aprender que o culpado direto pela separação deles foi exatamente o Alfredo.

Isso mesmo: na versão restaurada, aprendemos que o velho projecionista influiu diretamente no desenlace trágico do romance entre o casal de jovens, de tal modo que passamos até a sentir uma certa raiva pelo simpático senhor!

Suas motivações eram perfeitamente louváveis e legítimas, mas é inegável que as conseqüências de seus atos foram desastrosas para a vida afetiva do jovem Totó (interpretado por Marco Lenardi na adolescência), a ponto de transformá-lo em um adulto melancólico e amargo, incapaz de esquecer seu romance adolescente e ser feliz com seu sucesso profissional.

Por causa disso, fica muito difícil tomar uma posição definitiva sobre a ''Nova Versão''. Ela realmente explora mais a fundo a relação entre os personagens, o que resulta num filme mais denso e adulto. Todavia, muito da mágica e do encantamento do original acabam perdendo-se ou diminuindo, principalmente na relação entre Totó e Alfredo.

Por causa disso, a conclusão do filme torna-se mais amarga e pouco redentora. Na verdade, devido ao aumento significativo de todo o terceiro ato, o foco narrativo de ''Cinema Paradiso'' acaba sendo bastante alterado, ficando mais centrado no romance entre Totó e Elena e menos no amor do menino (Salvatore Cascio, excepcional) e do projecionista pela magia do cinema.

Muito do que havia ficado nas entrelinhas na versão reduzida é agora explicado e esmiuçado, o que deixa o filme menos idílico e nostálgico. Será isso uma melhoria em relação ao original? Caberá a cada espectador julgar qual das duas visões do filme é a melhor.

Uns vão preferir a antiga, mais enxuta, poética e emocionante, enquanto outros vão satisfazer-se com a nova, mais madura e menos escapista em sua conclusão. Particularmente, prefiro a magia da versão antiga.

Confesso que a nova versão deixou um gosto muito amargo em minha boca, o qual nem mesmo a exibição final da montagem dos ''beijos do Alfredo'' foi capaz de tirar... Sem dizer que fica muito difícil de acreditar que alguém continuaria obcecado por um amor adolescente por mais de 30 anos, ao ponto de negar qualquer felicidade e possibilidade de um novo amor real.

Todavia, ao analisar as duas versões fica evidente o poder que a edição pode ter num filme, já que as cenas adicionadas, ao invés de simplesmente ''aumentarem'' a duração, acabam mudando totalmente seu foco conceitual. O que nos leva a uma conclusão inegável: ver um filme na forma o qual foi originalmente concebido é sempre uma experiência interessante e pertinente, ainda mais no caso de ''Cinema Paradiso'', onde ambas versões são tão contrastantes entre si.

Cotaçâo
Versão do Cinema: * * * * *
Versão Estendida: * * * 1/2