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terça-feira, 18 de outubro de 2016

Bem vindo ao fantástico clube dos intensos

- por Ester Chaves

Prazer, nasci com a alma transbordante.

Sinto tudo derramando, e não sei explicar porquê acontece e se há algum remédio para isso.

Se houver cura, dispenso. As coisas normais não me atiçam. Não me aceleram. Não me continuam.

Preciso da sofisticação do que é aparentemente simples. Do abraço da brisa nos poros. Dos respingos do sol adornando a tarde. Da carícia na ponta dos dedos, da massagem demorada nas costas. Preciso sentir que há um outro. Preciso senti-lo existindo, respirando perto, pulsando, trocando ideias e experiências. Preciso dessa vizinhança das almas que conversam até mesmo sem nada dizer.

O ritmo lento da normalidade não me empurra, não me anima. Não me agita. Não me faz querer voar para a voragem dos olhares que troco na rua, para os encontros que fazem com que as almas se encaminhem para dentro de si mesmas e se abracem por dentro.

Eu não nasci para o morno. Eu não nasci para a realidade pálida que não se oferece à ousadia. Eu não nasci para os dias parados e sem cores. Eu nasci para pintar. Eu nasci para amar intensamente, de dentro para fora! Por dentro e por fora, sem medo do não e do adeus repentino. O único medo é não avançar quando quero. Não amar quando posso. Quando o coração sinaliza que já não dá para desconversar e mudar a estrada.

Eu nasci para o fogo, para intimidade quente de um cobertor dividido. Para um sorriso que se abre sem procurar motivo. Para o café forte coado no coador de pano. Para o delírio de uma bela canção executada no violino.

Quem é intenso, é delicado, é esvoaçante. Tem renda no pensamento e mania de levitação.

Ser intenso é reconhecer-se em tudo, é colocar borda na alma dos outros. É retirar o tapume dos olhos quando a realidade ameaça a doçura.

Quem é intenso sabe o quanto pode ser considerado estranho por “sentir demais” num mundo de palavras e sentimentos tão mecânicos, onde qualquer demonstração de afeto é confundida com fraqueza.

Fraco é quem não sabe mais sentir. Quem não sabe abraçar com o olhar. Fraco é quem joga a toalha e vive no modo “automático”. Sentindo pouco, guardando emoções para usar depois, estocando sentimento para uma oportunidade especial.
Especial é ser intenso. E quem disse que não tem lágrimas?

O coração do intenso não é blindado. Vez ou outra, uma pancada forte o acerta em cheio, e ele, dolorido, reclama, arde, soluça no travesseiro e pede proteção. A tristeza às vezes bate à porta, maltrata, derruba algumas certezas, revira alguns sonhos, esculacha, mas não é capaz de matar a esperança.

A esperança nos intensos é como um membro primordial do corpo, não é possível arrancar. Não se desfaz à toa. A esperança nunca anda só. Quem tem esperança tem artimanha e carta na manga para reerguer o castelo depois da tragédia e ainda sobra disposição para fazer graça.

O grande trunfo do intenso é, sem dúvida, a sua capacidade de não saber disfarçar o que sente. Os sentimentos estão sempre falando alto, se espalhando pelos gestos, orquestrando as ações. O intenso nunca nega o que é. A alma não deixa…

Ester Chaves é escritora brasiliense. Graduada em Letras pela Universidade Católica de Brasília e Pós-Graduada em Literatura Brasileira pela mesma instituição. Atuante na vida cultural da cidade, participou de vários eventos poético-musicais. Já teve textos publicados em jornais e revistas. É colunista nos sites “CONTI outra, artes e afins”, “A Soma de Todos os Afetos”, “Escritos Meus” e “Fãs da Psicanálise”.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Filmes: "Syriana"


CORRUPÇÃO S/A

Quem acreditou na ladainha neoliberal sobre a honestidade das corporações privadas frente à corrupção do Estado vai ter que rever seus valores

- Por André Lux, crítico-spam


Fazia tempo que não era lançado um filme tão complexo e contundente como SYRIANA, que bem poderia se chamar “Corrupção S/A”. Dirigido por Stephen Gaghan, roteirista do excelente TRAFFIC, conta com um elenco de primeira linha liderado por George Clooney (também um dos produtores executivos) para mostrar, com tintas realistas e engajamento político, a podridão que envolve o mundo dos negócios, no caso o de exploração e venda de petróleo no Oriente Médio.

Qualquer um que algum dia acreditou na ladainha neoliberal sobre a suposta honestidade das corporações privadas frente à inerente corrupção do Estado, muito usada para difundir a tão propaga “necessidade” das privatizações nas últimas décadas, vai ter que rever seus valores no final da sessão. Embora SYRIANA tenha formato de thriller político e apresente várias tramas paralelas que só irão se unir no final, o que move o enredo é a disputa política entre dois irmãos num emirado árabe no Golfo Pérsico. Um deles é o típico playboy alienado e vendido ao sistema capitalista, que torra a fortuna da família com iates, drogas e mulheres, enquanto o outro, Príncipe Nasir (Alexander Siddig), tem intenções mais nobres.

Vem dele, por sinal, uma das falas mais reveladoras do filme. Quando interpelado pelo executivo feito por Matt Damon sobre o inevitável fim das reservas petrolíferas mundiais e as conseqüências disso para os povos do Oriente Médio, que fatalmente vão retornar ao barbarismo, dispara: “E você acha que eu não sei disso? Quando aceitei a melhor oferta da China para explorar meus poços, o fiz pensando em meu povo, em usar o dinheiro para melhorar a condição de vida de todos, investir em infra-estrutura e bem estar social. Por isso, agora sou chamado pela mídia e pelo seu governo de terrorista, comunista e ateu!”.

Mas o ponto que mais impressiona em SYRIANA, não só pela crueza, mas também pela alta dose de verossimilhança, são as interferências diretas promovidas pelo Governo dos Estados Unidos, via sua Central de Inteligência (CIA), nos negócios realizados na região. Seus agentes agem como verdadeiros “anjos da guarda” para garantir que somente as empresas estadunidenses fechem negócios no Golfo Pérsico, nem que para isso precisem torturar e matar qualquer um que se colocar no caminho.

Do outro lado, as grandes corporações fazem das tripas coração para abocanhar contratos milionários de exclusividade. Manipulação, distorção, mentiras e corrupção são palavras banais neste negócio. Numa seqüência exemplar, um político conservador (interpretado por Tim Blake Nelson), ao ser flagrado em ato de corrupção por advogado que representa os interesses de uma empresa, dispara uma frase que já se tornou antológica: “Corrupção? Corrupção é a intrusão do governo no mercado na forma de regulação. Temos leis contra ela justamente para que possamos sair impunes. Corrupção é a nossa proteção! Corrupção nos mantém salvos e aquecidos! É graças à corrupção que você e eu viajamos o mundo ao invés de brigar nas ruas por um pedaço de carne! Corrupção é o motivo da nossa vitória!”.

Qualquer semelhança com a realidade, não é mera coincidência.

Infelizmente, nem tudo são flores em SYRIANA (a começar pelo nome, que não é explicado, mas é usado tanto para se referir à Síria - como em Pax Syriana-, quanto como um rotulo hipotético para referir-se a países do Oriente Médio que têm semelhança com a Síria). Ou seja, quem não tiver um conhecimento razoável da situação atual da região, incluindo aí os conflitos entre seus inúmeros grupos político-religiosos, e de como funciona o mercado das fusões nos Estados Unidos vai ter grande dificuldade de seguir a trama. Há também um excesso de personagens que deixa a situação ainda mais complicada (o drama familiar do executivo feito por Damon, por exemplo, não acrescenta nada ao filme e pode confundir o espectador).

O agente da CIA, feito por Clooney, também sofre de certa letargia e ingenuidade incongruentes com o personagem. Jamais alguém com tamanha experiência e bagagem em fazer o jogo sujo para o Tio Sam seria manipulado e enganado de forma tão fácil, muito menos ficaria tão surpreso ao ser descartado num momento de crise.

Todavia, mesmo apresentando essas falhas e incoerências, é inegável que SYRIANA mereça respeito e crédito, não apenas por tocar numa ferida aberta que pouquíssimas pessoas teriam coragem de expor, mas, principalmente, por deixar claro que, do mundo dos negócios promovidos pelas grandes corporações transnacionais, ninguém sai limpo.

E as conseqüências de tudo isso serão, a médio e longo prazos, catastróficas para a humanidade, como bem mostra o filme ao acompanhar a trajetória de um emigrante paquistanês que, expulso do emprego, brutalizado pela polícia e sem qualquer esperança de um futuro melhor, abraça a causa do terrorismo contra o inimigo de seu povo.

Mais atual e pertinente do que SYRIANA, sinceramente, dificilmente um filme será.

Cotação: ****1/2

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Filmes: "Inferno"

ESQUEMÁTICO

Apesar dos defeitos, até que dá pra louvar algo que estimula as pessoas a conhecerem um pouco de ciência e arte


- por André Lux, crítico-spam

Esse é o primeiro filme baseado na obra do Dan Brown que eu comento, mas o texto vale para os outros dois primeiros numa boa, afinal seguem o mesmo padrão esquemático que o autor aplica nos seus livros. Qual seja: uma trama extremamente rebuscada e rocambolesca que une conceitos pseudo-científicos, um conhecimento razoável de obras clássicas e perseguições em várias localidades turísticas europeias enquanto o herói tenta decifrar os quebra-cabeças deixados para trás, sempre acompanhado de uma bela mulher. Sem dúvida uma fórmula eficaz que atrai os mais variados tipos de leitores e espectadores.

O mais popular acabou sendo “O Código Da Vinci” que realmente era mais interessante, talvez por girar em cima da obra do genial artista e inventor Leonardo Da Vinci e também por trazer conjecturas bastante pertinentes sobre a vida de Jesus, principalmente no papel que Maria Madalena teria em sua vida. O segundo tratava de uma trama completamente absurda que visava em última instância levar um extremista ao posto de Papa da igreja Católica.

Esse “Inferno” segue a mesma toada. A maior diferença é que começa já em plena ação, com o professor Langdon (Tom Hanks, sempre carismático) acordando em um hospital com amnésia e sendo perseguido por várias organizações, enquanto tenta desvendar mais um mistério que agora usa a obra de Dante para montar as peças do quebra-cabeça que pode levar à liberação de uma doença que vai exterminar quase toda a humanidade.

Enfim, é mais do mesmo. Quem gosta, certamente vai tolerar os clichês (como os protagonistas sempre escapando dos perseguidores por um triz) e os absurdos da trama. O maior deles, claro, reside no fato de que o vilão não precisava ter montado todo aquele esquema para liberar sua arma química, muito menos esconder dos seus seguidores ou fugir de quem estava querendo pegá-la para vender a terroristas. O sujeito tinha total convicção que a solução para todos os problemas do mundo era acabar com a superpopulação atual, portanto faria qualquer coisa para que seu plano desse certo o mais rápido possível, não é mesmo?

Apesar da trilha sonora péssima do sempre abominável Hans Zimmer e dos defeitos apontados acima, é perfeitamente desfrutável, principalmente graças ao ótimo elenco e pelas locações exóticas e fotogênicas. Todavia, é mais indicado para quem gosta de ver citações superficiais a autores e obras famosas e de mistérios que, claro, são sempre explicados de forma didática no final para que ninguém fique se achando burro. Mas, em tempos de “Velozes e Furiosos” e outras imbecilidades terminais até que dá pra louvar algo que pelo menos estimula as pessoas a conhecerem um pouco de ciência e arte, convenhamos...

Cotação: * * 1/2