CINEMA ENGAJADO
Filme serve como alerta, pois muitos que apoiaram a ditadura militar estão na ativa e continuam agindo contra a democracia.
- Por André Lux, crítico-spam
Mesmo ficando longe de ser uma obra cinematográfica marcante em termos estéticos e técnicos, “Zuzu Angel”, do diretor Sérgio Rezende (de “Lamarca”), é uma oportuna e engajada reconstituição do período mais negro da história recente do Brasil: a ditadura militar, que durou 21 anos e praticamente destruiu a cultura, a liberdade e o sistema educacional do país.
E tudo isso em favor de uma suposta “luta contra o comunismo”, que só serviu de fato para preparar terreno para a implantação dos dogmas neoliberais criados nos Estados Unidos, responsáveis pelo aumento exacerbado do abismo social, da insegurança e da dependência ao capital e às transnacionais estrangeiras em todos os países que os adotaram nas últimas décadas.
O filme narra a tragédia que destruiu a vida da estilista de moda Zuleika Angel Jones, cujo filho, ativista político pela volta da democracia, é preso, torturado e morto pelos militares e a luta dela por justiça.
Embora a parte técnica deixe a desejar (predomina a estética pobre e achatada da televisão) e o diretor Rezende não consiga evitar o uso de cacoetes frouxos (como uma pesada narração em off, longos flashbacks e alguns diálogos pouco naturais), “Zuzu Angel” vale como denúncia e também como reconstituição de época.
Em vários momentos também consegue emocionar, especialmente quando explora mais a fundo a relação entre a estilista e seu filho. As cenas de tortura são, felizmente, discretas, porém nunca menos que chocantes e repulsivas.
E pensar que existem muitas pessoas que não apenas endossam essas práticas, mas também as apóiam e festejam até hoje (vide o caso dos presos torturados no Iraque e no campo de concentração estadunidense em Guantanamo, só para citar dois exemplos mais recentes).
O elenco repleto de “globais” é homogêneo e ajuda a dar credibilidade à obra, embora o filme seja mesmo de Patrícia Pillar, no papel-título, que consegue mostrar em várias cenas que é uma boa e corajosa atriz. Infelizmente, por se tratar de uma adaptação cinematográfica de um caso real complexo, muita coisa tem que ser sintetizada e resumida.
E isso acaba prejudicando alguns personagens, principalmente o filho de Zuzu (interpretado por Daniel de Oliveira, de “Cazuza”) cuja trajetória e ideais acabam sendo reduzidos a duas ou três cenas e frases de efeito que, tiradas do contexto, soam forçadas e batidas (o que serve de prato cheio para que os profissionais da opinião mais reacionários ou doutrinados pelo cinemão made in Hollywood malhem o filme, a exemplo do que fizeram com “Olga”).
Mas, para aqueles que se identificam com a luta da protagonista ou ao menos não são obtusos ao ponto de se deixar cegar pela manipulação da mídia que sempre apoiou os golpistas, “Zuzu Angel” certamente funciona muito bem e vai proporcionar fortes emoções.
É emblemática, por exemplo, a cena em que um dos gorilas torturadores tenta furiosamente desligar o toca-fitas que reproduz a música “Apesar de Você”, de Chico Buarque (cuja canção “Angélica”, composta em homenagem a Zuzu, encerra o filme).
Além disso, esse filme serve também como um alerta para os que fatos narrados nunca mais voltem a acontecer. Um alerta que se torna ainda mais poderoso se levarmos em conta que muitos daqueles mesmos senhores que apoiaram e implantaram a ditadura militar no Brasil ainda estão na ativa tanto no cenário político quanto na mídia corporativa nacional e continuam agindo contra a democracia, sempre na vil esperança de retomar o poder para manter seus privilégios seculares.
Cotação: * * *
2 comentários:
Andre Lux...
parabéns pelo blog...
flutuei aqui...
Zuzu Angel...foi uma grande mulher...beijos
Leca
Vi o filme ontem. Deixou a desejar. O formato televisivo, tecnicamente pobre, atrapalhou demais. Já vimos histórias parecidas, porém com narrativas primorosas, no argentino "A História Oficial" e principalmente no maravilhoso "Desaparecido", do Costa-Gavras.
Sérgio Rezende bem que podia aprender com o cineasta grego, aliás, como filmar cinema engajado sem cair nessa narração mecânica e tirando proveito máximo do que a linguagem cinematográfica oferece. Enfim, "Zuzu Angel" ficou só nas boas intenções e na relevância do tema, que considero muito pertinente.
Minha cotação: **
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