ESPETACULAR E EMOCIONANTE
Mais importante do que o enredo são as questões que a obra levanta, principalmente as políticas, fortemente representadas nas figuras do Comediante e do Rorschach, os personagens mais carismáticos que não passam de sociopatas praticantes da máxima fascista “bandido bom é bandido morto!”.
- por André Lux, crítico-spam
Quem não leu “Watchmen” na época de seu lançamento não sabe a revolução que aquela obra causou no mundo dos quadrinhos. Lembro-me até hoje da angústia que era esperar que o próximo fascículo da saga criada por Alan Moore e Dave Gibbons chegasse às bancas. Por isso, acho difícil que o público atual, especialmente aquele que não conhece a graphic novel, será abalado pelo filme, já que o sem número de obras que beberam de sua fonte (como a animação “Os Incríveis”) certamente vão tirar seu impacto. É mais ou menos como o meu sobrinho de 16 anos, que nunca viu os “Indiana Jones” originais, mas assistiu ao quarto filme lançado há pouco tempo nos cinemas. Sabe o que ele me disse? “Pô, esse filme é cópia da Múmia!”. Pois é, tio sofre...
Mas, eu que sou fã incondicional da obra, achei “Watchmen”, o filme, espetacular. Sei que muitos vão reclamar das mudanças e reduções, porém isso é inevitável nesse tipo de empreitada e, na minha opinião, não reduziram em nada o valor da obra. Confesso que fiquei um pouco apreensivo ao saber que o diretor seria o mesmo do irregular “300”, Zack Snyder. Porém, o sujeito deu conta do recado e conseguiu transportar para as telas o clima e o desenho dos quadrinhos de forma quase irretocável. Só faço ressalvas a algumas cenas onde exageram na violência (defeito que “300” também tinha).
Todas as questões filosóficas e políticas levantadas pelo texto de Alan Moore (não por acaso, o mesmo autor de “V de Vingança”) estão no filme, que retrata uma realidade paralela, onde vigilantes mascarados faziam justiça com as próprias mãos e os EUA venceram a guerra no Vietnam graças à ajuda do invencível Dr. Manhattan, um semi-deus criado a partir de um cientista exposto a uma experiência radioativa que passa a maior parte da projeção peladão (imagino que os realizadores serão, no mínimo, excomungados por mostrarem um super-herói com o pinto de fora!).
Graças a tudo isso, o infame Richard Nixon é reeleito por três mandatos e os EUA viram um Estado praticamente fascista, onde até os vigilantes mascarados são considerados foras da lei – exceto o truculento Comediante e o Dr. Manhattan que, além do Vietnam, ajudam Nixon a derrubar “governos marxistas” no mundo (reparem como, nesse ponto, a obra foi premonitória do governo de Bush Júnior!). O problema é que isso causa uma escalada de tensões entre os EUA e a União Soviética, ao ponto de praticamente iniciarem uma guerra nuclear. Pode ter certeza que a trama é bem confusa e fica ainda pior quando chega a conclusão, que é arrebatadora, totalmente inesperada e vai exigir atenção máxima.
Mais importante do que o enredo em si, porém, são as questões que a obra levanta, principalmente as políticas, que estão mais fortemente representadas nas figuras do Comediante e do Rorschach, já que ambos acabam sendo os personagens mais carismáticos ao mesmo tempo em que não passam de dois sociopatas violentíssimos e praticantes daquela velha máxima fascista “bandido bom é bandido morto!”. O problema é que, no final das contas, a gente fica sem saber quem são realmente os bandidos e os mocinhos nessa história maluca - o que, espero, faça as pessoas pensarem um pouco melhor no perigo que esse tipo de ideologia maniqueísta esconde.
Tecnicamente o filme é irrepreensível, tem efeitos visuais muito bons, mas sem exageros, fotografia e edição adequadas ao clima caótico do enredo e faz bom uso (às vezes de forma irônica) de músicas famosas de Bob Dylan, Janis Joplin, Nat King Cole, Simon & Garfunkel entre outros. “A Cavalgada das Walkyrias” de Richard Wagner aparece na cena do Vietnam traçando paralelo com a insanidade de “Apocalipse Now” e duas faixas minimalistas de Phillip Glass foram usadas na cena da origem do Dr. Manhattan de forma primorosa. Já a trilha incidental, composta por um tal de Tyler Bates, é funcional, porém não acrescenta nada a mais, o que é sempre uma pena (nessa hora que sentimos a falta de um compositor de verdade, como um Goldsmith ou Morricone, criando uma partitura musical que eleve o filme e os personagens além do trivial).
O elenco, formado quase todo por atores pouco conhecidos, também é perfeito, embora quem roube a cena - exatamente como nos quadrinhos - seja o megafascista Rorschach, perfeito na pele de Jack Earle Halley (que foi um pedófilo em “Pecados Íntimos”).
Bom, já escrevi demais. Para resumir: o filme é espetacular, emocionante até. Vale a pena ser visto e revisto. E parece que vem aí uma versão ainda mais longa (essa que está nos cinemas tem 163 minutos), que vai incluir diversas cenas inéditas, inclusive os terríveis “Contos do Cargueiro Negro”. É esperar para ver!
Cotação: * * * * *
Um comentário:
Também sou fã de Alan Moore e realmente achei o filme a melhor adaptação de quadrinhos até hoje. A exceção ao Adrian Weidt, que não convenceu de jeito nenhum.
Mas não consigo me conformar com a alteração do final. Tirou todo o teor lovecraftiano e perdeu mais da metade da veracidade, que em boa parte era devida ao poder paranormal do cérebro clonado, capaz de injetar sonhos nas cabeças das pessoas (uma nítida alusão a Cthulhu).
E fica a questão. Nesse versão, que diabos o comediante viu que o assustou tanto?
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