TRISTE DECADÊNCIA
Infelizmente, aos 78 anos de idade, Woody Allen insiste em fazer um filme por ano, mesmo sem ter qualquer inspiração
Infelizmente, aos 78 anos de idade, Woody Allen insiste em fazer um filme por ano, mesmo sem ter qualquer inspiração
- por André Lux, crítico-spam
Vou ser bem sincero: alguns filmes do Woody Allen foram muito importantes
na época em que eu comecei a descobrir a importância do auto-conhecimento e da
análise psicológica, principalmente “Hanna e Suas Irmãs”, "Manhattan" e “Noivo Neurótico,
Noiva Nervosa”. Até alguns daquela fase pesada dele, em que tentava emular
Bergman, me estimularam.
Claro que, depois que a gente passa essa fase do descobrimento e se
aprofunda mais nos assuntos, percebe-se que Allen emprega uma psicologia
superficial em seus filmes, mas que mesmo assim ainda sobrevivem a uma revisão,
principalmente pelo bom humor auto-depreciativo e pelos diálogos rápidos e
afiados.
Mas, verdade seja dita, de uns anos para cá, nosso querido Woody não tem
mais nada a dizer e fica se repetindo ad nauseun ou então tentando fazer
críticas sociais que são de dar pena, de tão canhestras. Dos últimos 10 filmes
dele que assisti, o único minimamente memorável foi “Vicky Cristina
Barcelona”, muito mais devido às quentes cenas de lesbianismo e ménage a trois
entre os protagonistas do que por outra qualidade.
Esse novo dele, “Blue Jasmine”, chega a ser doloroso de assistir. Gira em
torno de um ex-dondoca (Cate Blanchett) que perdeu tudo, depois que o marido foi
preso por fraudar a Receita, e é obrigada a ir morar com a irmã de classe média
baixa. É realmente duro de engolir a pobreza das caracterizações criadas por
Allen, todas rasas como uma poça de água e baseadas nos piores estereótipos
(ricos são elegantes, finos e cultos, enquanto os pobres são feios, toscos e
imbecis).
Com a exceção de Blanchett, que se esforça em dar alguma vida a uma
personagem tola, vazia e já à beira da loucura (passa boa parte da projeção falando sozinha no meio da rua), o resto do elenco é pavoroso, principalmente a irmã da
protagonista. Alguns críticos chegaram a ver no filme uma "homenagem" ao
clássico "Um Bonde Chamado Desejo", de Tennessee William, que foi adaptado para
o cinema como "Uma Rua Chamada Pecado" e estrelado pelo genial Marlon Brando.
Esse é o novo Brando? Sério? |
Mas só pode ser brincadeira. Primeiro porque, tirando uma ou outra semelhança,
"Blue Jasmine" nada tem a ver com a peça. Não chega nem a insinuar a formação de um triângulo amoroso! E, segundo, porque comparar Brando com
o ridículo ator que interpreta o "machão tosco" no filme de Allen é uma piada de
mau gosto. Está muito mais para o Joey Tribiani, de "Friends", e olhe lá!
O que dizer do roteiro, escrito pelo próprio Allen? Além de ser chato e
repleto de flashbacks inúteis, é ainda cheio de furos e incoerências. Como é que
alguém pode fazer uma denúncia ao FBI capaz de levar uma pessoa à cadeia se o
filme fez até então um grande esforço para mostrar que ela nada sabia das
operações ilegais em questão? E desde quando um machão do tipo "mecânico mulherengo com gumex no cabelo" tem crises de choro e dá piti em público por causa de um simples pé
na bunda? E o namorado novo da Jasmine, que acha que ela é uma rica decoradora
de interiores e até a pede em casamento sem nem saber onde ela mora? E até parece que uma mulher daquelas, que nem é tão velha e até antes de casar estudava em uma grande universidade, não saberia sequer ligar um computador!
Se o filme ao menos fosse engraçado ou dramático tudo estaria perdoado. Mas
que nada. É um porre só, mal feito, repleto de papo furado e pobre em conteúdo. Parece que
Allen tentou fazer algum tipo de crítica ou leitura do momento de crise atual
que vivem os EUA, onde os pobres e a classe média (como sempre) estão pagando o
pato pela orgia neoliberal que tomou conta do país e levou o sistema à ruína.
Mas, sinceramente, nem isso fica registrado. É tudo tão canhestro e tolo que não
dá nem para analisar o filme por esse prisma.
Enfim, é triste observar a decadência de alguém que foi um dia um grande
cineasta, cheio de ideias e com muito a dizer. Infelizmente, aos 78 anos de idade, Allen insiste em fazer um filme por ano, mesmo sem ter qualquer inspiração. Melhor seria dar um tempo e esperar pelas ideias refrescarem um pouco...
Cotação: *
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