MAS QUE DROGA!
Boa premissa é destruída pela mão pesadíssima do diretor, que apela a todo momento para moralismos totalmente descabidos e maneirismos estéticos excessivos
- por André Lux, crítico-spam
O diretor Darren Aronofsky virou queridinho de pseudo-intelectuais depois de realizar o obscuro e pretensioso ''Pi '' (daqueles que ninguém entende e, por causa disso, ficam achando que viram algo genial). Seu próximo filme, ''Réquiem para um Sonho'', foi também louvado por muitos mesmo sendo uma grande e inegável porcaria.
Explico. O filme pretende mostrar a dura realidade de vários tipos de drogados, não se limitando somente ao universo dos usuários de entorpecentes ilegais, mas abordando também aquelas pessoas que são viciadas em outros tipo de drogas, as legais (TV, remédios, alcool, etc). Num mundo onde somente os usuários de drogas proibidas são alvo de campanhas e ataques da sociedade hipócrita, a intenção é até louvável, embora obviamente pretensiosa (a começar pelo título). Pena que ela seja destruída pela mão pesadíssima do diretor, que apela a todo momento para moralismos totalmente descabidos e maneirismos estéticos excessivos. No final, não da nem para entender direito o que Aronofsky quis dizer com seu filme, já que muda a todo momento os rumos e as características de seus personagens viciados em drogas.
O principal exemplo dessa "esquizofrenia" conceitual já é notada logo de cara no próprio protagonista (o sempre péssimo Jared Leto, de ''O Quarto do Pânico''), pintado como um jovem desajustado e bandido, que inicia o filme roubando a TV da própria mãe (Ellen Burstyn) para trocá-la por drogas. Ele e sua namoradinha (Jennifer Connelly, que tem uma rápida e gratuita cena de nudez frontal a qual a atriz hoje deve repudiar), também mostrada como sendo uma jovem despudorada e sem o menor escrúpulo, passam o filme transando em lugares proibidos e causando pequenas delinqüências, enquanto injetam drogas pesadas nas veias. Não faz o menor sentido, portanto, quando ambos têm arroubos de bom-mocismo (ele tentando mostrar para a mãe que drogas fazem mal e ela ficando toda enojada e com crises existenciais ao fazer sexo oral em um negro - ela é racista? - e participar de uma orgia para descolar drogas). Moralismo dos mais estúpidos e canhestros, diga-se de passagem, sem dizer que essas reações são incompatíveis com a personalidade que o autor imputou a eles no início.
É estranho também o rumo que Aronofsky dá à trama. No início todos vão muito bem, enquanto a dupla de amigos (completada pelo horrível Marlon Wyans, cujo curriculo inclui coisas como ''Todo Mundo em Pânico'' e ''Dungeons and Dragons'') consomem suas drogas sem parar e aproveitam para ganhar dinheiro fácil, diluindo e vendendo o que sobra (é assim que pretendem realizar os tais ''sonhos'' aos quais o título do filme se refere!). A coisa só fica ruim mesmo quando o traficante do bairro é morto e não conseguem mais comprar seus entorpecentes.
Parece que o diretor quer dizer que você só terá problemas com drogas se elas faltarem em sua casa, afinal é só a partir dai que passam a se dar mal - e sempre por causa da falta de droga, nunca pelo seu uso! E tudo fica ainda mais ridículo quando a dupla sai da sua cidade para tentar buscar a razão de seu vício em Miami, uma viagem de mais de 600 km. Só sendo muito ingênuo mesmo para acreditar que numa magalópole como Nova Iorque iam conseguir comprar drogas só de uma pessoa!
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"Socorro, minha geladeira quer me pegar!" |
Triste mesmo é ver uma grande atriz como Ellen Burstyn interpretar uma senhora obesa (nem isso é convincente, pois percebe-se claramente que ela é uma pessoa magra usando roupas folgadas) que passa o resto de seus dias vendo programas de TV do tipo "auto-ajuda" (encenados de maneira incrivelmente estereotipada) e que fica viciada em remédios para emagrecer (baseados em anfetaminas) depois que é convidada para participar de seu show favorito. Para se ter uma idéia da fria em que a atriz se meteu, o ponto alto de sua participação no filme é quando passa a alucinar e fugir dos ataques da sua geladeira psicopata! Sua indicação ao Oscar, portanto, deve ter sido fruto da simpatia que os membros da academia sentiram por sua coragem de submeter-se a tão humilhante experiência.
Se não bastasse toda essa bobagem, o diretor ainda cisma em prender a câmera nos atores e filmar tudo em velocidada acelerada, talvez para tentar passar a sensação de "viagem" que estão tendo. Mas o efeito é usado à exaustão e cansa. Há também, a cada dez minutos de projeção, a inserção de uma cena rápida de aplicação de droga e regozijo (com direito a efeitos sonoros do tipo "Fzzzz-Shiiiii-Ahhhh!!"), que parece ter sido extraída de algum video-clipe psicodélico, sem falar do excesso de efeitos visuais e do uso de lentes angulares que nada acrescentam à trama, exceto para deixá o filme com aquele aspecto "moderninho" a lá MTV.
E quanto mais perto da conclusão chega, mais ridículo ''Réquiem para um Sonho'' fica, ao ponto de virar fita de terror em seus momentos finais, com direito a longas sessões choques elétricos (sem que haja a menor razão ou lógica para isso), membros esquartejados e bacanais sado-masoquistas doentios. E dizem que a versão que saiu aqui no Brasil é censurada. Isso quer dizer que a sem cortes deve ser ainda mais exagerada e repulsiva. Se quiser ver um filme que trata o problemas das drogas de forma muito mais lúcida e pertinente, prefira ''Traffic'', pois esse aqui é, me perdoem o trocadilho, uma verdadeira droga.
Cotação: *