REBELDES SEM CAUSA
Sair por aí se drogando, roubando, gerando filhos e vivendo na imundice para depois escrever sobre essas experiências passa longe do meu ideal de “revolução”.
- por André Lux, crítico-spam
Dizem que a chamada geração beatnik “mudou o mundo” e o comportamento das pessoas gerando uma legião de apreciadores de seu estilo de escrever.
Pode até ser, mas para mim não eram mais do que moleques sem eira nem beira que passaram a maior parte da juventude fumando maconha, bebendo álcool e usando outras drogas pesadas enquanto viajavam de um lugar para outro sem qualquer motivo ou razão de ser e transavam entre si sem maiores consequências.
Pelo menos é isso que nos ensina essa adaptação de “Na Estrada” do papa do movimento beatnik Jack Kerouac, que morreu aos 47 anos de cirrose decorrente de seu alcoolismo. O brasileiro Walter Salles filma tudo com grande respeito à obra e quer nos convencer que aqueles garotos sem rumo e drogados seriam uma espécie de “oráculos da nova era”. Todavia tudo que produziram depois nada mais foi do que narrar suas próprias desventuras recheadas de drogas e imundice (toda vez que alguém começa a se beijar no filme vem logo uma pergunta à mente: “quando será que foi a última vez que eles escovaram os dentes?”).
Não tenho nada contra a experimentação ou mesmo a rebeldia, desde que tenha alguma causa ou sentido. Mas não é o que se vê aqui, onde todos podem ser descritos como meros rebeldes sem causa. Muita gente vai querer defendê-los dizendo que lutavam contra o sistema, mas isso é balela. Pelo menos no filme em questão não há qualquer discussão ou debate sobre isso e os personagens passam o tempo inebriados pela fumaça de seus cigarros de maconha e pelos delírios literários autoindulgentes, enquanto rumam velozmente para a autodestruição.
Ao assistir “Na Estrada” veio a mente a comparação com “Diários de Motocicleta”, o outro filme de Salles sobre uma viagem, onde acompanhamos o jovem Che Guevara conhecendo a américa latina junto com seu amigo Alberto Granado. Mas as semelhanças terminam aí.
Enquanto em “Diários” acompanhamos o amadurecimento do protagonista decorrente das experiências e encontros que absorve durante a viagem, fato que o ajudou a se tornar um dos maiores ícones da luta contra a opressão no mundo, em “Na Estrada” observamos entediados um bando de jovens autodestrutivos perambulando de um local para o outro sem qualquer traço de amadurecimento ou mesmo aprendizado.
Numa das cenas mais repugnantes do filme, vemos Viggo Mortensen (no papel de Bull Lee, que seria o alter-ego do escritor beat William Burroughs) dormindo com o filho no colo depois de se injetar na veia com heroína ou coisa que o valha, enquanto a esposa igualmente drogada sai correndo atrás de lagartixas no mato. É por isso que essa gente se considerava “contra o sistema”? E por falar em Burroughs, seu livro mais famoso “O Almoço Nu” também virou um filme nas mãos de David Cronenberg (aqui ridiculamente chamado de “Mistérios e Paixões”) e resultou num produto igualmente intragável e inútil.
Entendo que para muita gente esse mundo repleto de junkies autodestrutivos produz uma forte atração, porém obviamente não é o meu caso. Sair por aí se drogando, roubando lojas, gerando filhos de maneira inconsequente e vivendo na imundice para depois escrever sobre essas experiências passa longe do meu ideal de “revolução”.
Cotação: *
11 comentários:
Entendo você. Gosto desse diretor, e em boa parte por ter sempre retratado em seus filmes algo além do que uma bela paisagem bem filmada e atuada. Mas apesar de tudo, vou vê-lo, afinal, paisagem é sempre paisagem.
Engraçado, o último filme que eu vi foi justamente "Mistérios e Paixões", que você comenta no seu texto. É ruim pra cacete mesmo...
Embora discorde de você, admirei sua audácia e sua objetividade, a clareza com a qual se posiciona ideologicamente. Você teceu sua crítica atendo-se apenas à obra, e se esqueceu do contexto em que ela foi produzida. Aquela geração nada mais foi que um reflexo da realidade vigente. Não sei se serviria de consolo, mas pelo menos eles se apegaram à literatura, à poesia, e isso já suprime e até mesmo supera esta geração atual, dita, no sentido de não usar drogas e coisa e tal,"saudável", contudo vazia.
Quanto à comparação de "Diários de Motocicleta" Assino em baixo, endosso que você disse.
Muito bom, seu blogue, parabéns!
Abraço,
Chris
Perfeita sua análise, rebeldia não é revolução, é mais querer ser o opressor em vez de oprimido. Na peça rasga coração do oduvaldo vianna filho havia o personagem Lorde Bundinha que descreve muito bem esse comportamento. Um diretor de cinema que é o proprio lorde bundinha é o bernardo betolucci, tão futil e tão "fashion"
Me perdoe André, mas vc. cometeu uma erro clássico ao julgar uma geração, baseado em suas vivência e amadurecimento atuais. Um filme com esta temática, não foi feito para este tipo de crítica.
Serve por outro lado, para documentar a imperfeição humana, que temos que aceitar como sendo parte de nosso legado.
Não vivi esta época, mas conheço os darks e góticos, por exemplo e sei que são reflexo de uma vivência familiar sofrida, de um estado injusto, etc.
Não podemos jamais julgar e condenar sumariamente quem pensa e reaja de forma diferente, exceto se estiverem prejudicando outras pessoas de forma iniquívoca.
Só uma correção: o certo é "imundície".
Não, é imundice mesmo.
Olha, não vi o filme, mas conheço a obra que o inspirou e lá, me parece não há uma intenção deliberada de revolução. Acho que ela é revolucionária (ou considerada como tal) devido a suas inovações na literatura e por mostrar de maneira ao mesmo tempo crua e poética as vidas de jovens desajustados provenientes de um determinado contexto.
Pelo que entendi, quando falam que essa geracao ''mudou o mundo'', querem dizer que eles mudaram os costumes relacionados a sexualidade, drogas e, como ja foi dito, em relacao a literatura.
Tambem nao gostei do filme; mas ele tem seu valor.
Eu vejo essa tal geração "beatnik" como o outro lado da mesma moeda. De um lado você tem a repressão sem sentido e do outro a transgressão sem limites.
Inconsequência e autodestruição também não é comigo. O próprio filme é uma rebeldia sem causa, nada presta.
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