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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Filmes: "Minority Report"

MORALISTA E REACIONÁRIO

Spielberg é imaturo e mal resolvido demais para adaptar a obra de um autor complexo e sombrio como Philip K. Dick

- por André Lux, crítico-spam

Depois do ridículo A.I. (INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL) esparava-se que o diretor Steven Spielberg tivesse aprendido de vez a lição: fazer filmes metidos a sérios e profundos não é a sua praia. É o que sugeriu ao anunciar que seu novo filme seria uma ficção científica com altas doses de aventura e suspense. Todavia, passamos a perceber que havia algo de podre no ar quando descobrimos que o filme seria baseado em um livro de Phillip K. Dick, autor fora do comum capaz de antever em meados dos anos 1950 coisas como clonagem humana, superpopulação nas grandes capitais e perda total da privacidade - fatos comuns nos dias de hoje. Sua obra transborda de críticas sociais, é extremamente amarga, pessimista e passível de diversas leituras e interpretações.

Dois de seus livros resultaram em obras-primas do cinema: BLADE RUNNER, de Ridley Scott, clássico do cinema de arte e um dos filmes mais influentes do final século 20, e O VINGADOR DO FUTURO, de Paul Verhoeven, montanha russa de ação e violência para consumo rápido dos fãs do brutamontes Arnold Schwarzenegger, mas que não deixava de trazer altas doses de tiradas ácidas e subversivas principalmente contra o fascismo e a militarização.

Agora é a vez de MINORITY REPORT ser levado às telas. Nele encontramos uma sociedade do futuro (2056) às voltas com um novo sistema de controle de crimes baseado nas visões pré-cognitivas de três seres modificados geneticamente. Graças a eles, os policiais podem antecipar-se aos crimes e prender os assassinos antes que os cometam. Esse sistema aparentemente infalível já levanta uma questão polêmica de cara: como um réu pode defender-se de um crime que poderia cometer, mas não cometeu? Não pode e por isso é preso para sempre e sem direito a defesa.

Além disso, essa sociedade futurista é totalmente controlada e vigiada por um sistema de leitura de retina onipresente. Ou seja, na previsão de Dick privacidade é algo que não vai existir no futuro. Nossos passos serão seguidos 24 horas por dia e qualquer deslize pode ser fatal. É o ser humano, mais do que nunca, reduzido a um mero número que fará parte de alguma estatística, totalmente domado por um sistema de comunicação de massa que o bombardeia em todos os cantos com propagandas e notícias manipuladas. Pesadelo maior que esse, impossível. Improvável? Lembre-se então dos reality shows do tipo “Big Brother” que nos enfiam goela abaixo cada vez mais...

Mas, como já era de esperar em se tratando de um filme de Spielberg, todas essas questões assustadoras já são descartadas de cara pelo diretor, que mais uma vez concentra toda sua atenção em pirotecnias visuais inócuas. Não há qualquer comentário sobre essa sociedade doente, nem sequer um mínimo questionamento sobre a perda da humanidade e o controle fascista, já que esses recursos de domínio e manipulação são meros adereços colocados na tela somente para 'embonecar' o filme e deixá-lo com cara de futurista.

Desperdiçar todas essas questões extremamente ricas e interessantes já é um crime por si só, mas se não bastasse isso ainda somos obrigados a engolir as mensagens moralistas e reacionárias de Spielberg, carregadas de ridículos ataques a consumidores de drogas e de louvor à família moldada no tradicional "american way of life". Chega a impressionar o tratamento dado pelo diretor ao personagem principal, o policial John Anderton (feito pelo inexpressivo Tom Cruise, repetindo aqui pela enésima vez seu tipo "baixinho invocado") que é um viciado em drogas pesadas dentro de casa, mas um profissional reto e limpinho quando está na delegacia. Além disso, ele só usa drogas (explica o diretor) porque se sente culpado pela morte do filho - afinal ele é o nosso "herói" e, portanto, tem que ter seu vício justificado de alguma forma, enquanto o resto dos usuários no filme é tratado como um bando de degenerados! Essa atitude superficial e moralista não é abandonada nem quando Anderton passa a ser perseguido pelo próprio sistema que ele tanto louvava, depois que os pre-cogs prevêem um assassinato cometido por ele, obrigando-o a fugir e tentar provar sua inocência.

A diluição da trama é ainda intensificada pela inclusão de diversos personagens completamente esquemáticos e estereotipados, cujas aparições na tela remetem a programas de humor rasteiro e escatológico, estilo 'Zorra Total' da Rede Globo. Difícil saber quem é pior: a cientista vestida como árvore de natal que mora no meio do mato e cultiva plantas carnívoras, o hacker encardido metido a engraçadinho, o nerd histérico e abobalhado que cuida dos pré-cognitivos, o agente do governo Federal todo arrogante (feito de maneira posada e artificial por Collin Farrel) e que implica de cara com o herói, o guarda da prisão com sotaque de caipira tocando “Fantasma da Ópera”. O ponto mais baixo de toda essa estupidez é a seqüência da operação dos olhos de Anderton, feita por um médico totalmente repulsivo (o ator Peter Stormare chega a expelir gratuitamente largas doses de muco nasal em frente à câmera!) e sua enfermeira grotesca. Será que a intenção do diretor era nos fazer rir de tudo isso? Infelizmente só conseguiu causar asco e constrangimento.

Se não bastasse a destruição de todas as boas premissas da história, que nas mãos de um cineasta mais engajado ou ao menos mais maduro intelectualmente poderia ter rendido uma excelente aventura futurista, o filme é incrivelmente arrastado e enfadonho. Existem apenas três seqüências de ação propriamente ditas - Cruise pulando sobre carrinhos digitais, sendo perseguido por policiais voadores e fugindo de uma montadora de carros futuristas (que ao que parece já saem de fábrica prontos para serem usados, inclusive com combustível!). O resto do filme limita-se a uma previsível montagem das peças de um quebra-cabeça que poderia até ser intrigante caso não fosse tão previsível e banal - qualquer pessoa que já tenha visto uns dois filmes policias estilo noir vai ser capaz de adivinhar de cara quem é o vilão traidor da história, bem como todos os desenlaces baseados nos maiores clichês do cinema.

Sem dizer que o plano deles de espalharem o sistema pré-cognitivo para o resto do país é um tremendo furo do roteiro, já que o existente funciona apenas graças a um acidente genético que gerou os seres que fazem as previsões. Como, portanto, poderiam exportar essa “tecnologia” para outros estados?

Assim como em INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL o design visual do futuro é lamentável alternando, sem a menor coerência, ambientes limpos e herméticos repletos de transeuntes tranqüilos e bem vestidos, com becos sujos e decadentes onde seres humanos maltrapilhos vivem em habitações decadentes. Temos a impressão que os personagens pulam, de uma hora para outra e sem a menor lógica ou justificativa, dos cenários esterelizados de 2001 para as ruas sombrias e poluídas de BLADE RUNNER.

Mas pior mesmo é a conclusão na qual Spielberg, não satisfeito em detonar todas as chances do filme tornar-se minimamente interessante ou ao menos divertido, arruma um final feliz digno das maiores gargalhadas, com direito até a narração em off que não apenas explica todos os detalhes da trama (afinal, os espectadores são burros e precisam de alguém para resumir tudo) como ainda encerra o filme numa cena que parece ter sido tirada do clássico "Os Três Porquinhos". Só faltou mesmo o "... e viveram felizes para sempre!".

Digno de nota é o fato de que o título do filme, MINORITY REPORT, não tem qualquer relação com a trama e aparece somente durante diálogo de uma cena sem trazer maiores conseqüências para o desenrolar do roteiro - e para brasileiros tem menos ainda, já que a fala dos personagens é traduzida apenas como “relatório”. Triste é ver os defensores de Spielberg justificando seu fracasso com frases do tipo "Quem não gostou não entendeu...". Impossível, pois com explicações didáticas e infantis pipocando na tela a cada 20 minutos de projeção não tem como não entender um filme como esse.

A verdade pura e simples é que MINORY REPORT é a prova cabal de que Spielberg continua uma pessoa imatura e mal resolvida, perfeito talvez para realizar filmes de fantasia para jovens e crianças (vide o excelente E.T.), mas nunca para ficções-científicas baseadas na obra de um autor complexo e sombrio como Philip K. Dick.

Cotação: *

4 comentários:

Cybershark disse...

Demorou pra repostar a velha safra de resenhas!

Em tempo: até gosto do Minority Repor, embora realmente não chegue aos pés dos geniais Blade Runner e Total Recall.

Verhoeven é muito subestimado, tomara que você veja e escreva sobre os longas holandeses, que precisam ser divulgados.

Zé Augusto disse...

André, você vê no filme "maldito" "Saló, ou os 120 dias de Gomorra" traços de DNA presentes no BBB?
Abraços,
http://osamigosdopresidentelula.blogspot.com/2012/01/ancestrais-do-bbb-salo-ou-os-120-dias.html

Pedro(O verdadeiro) disse...

O filme é um ótimo passatempo. Não é o melhor do Spielberg, mas tmb não é o pior.

Guilherme disse...

Não vi mas odiei.