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quinta-feira, 29 de outubro de 2020

“Os 7 de Chicago” mostra como a “justiça” é usada para destruir os adversários dos donos do poder

É impossível não perceber as semelhanças entre o julgamento de cartas marcadas do filme e a perseguição feita contra Lula e o Partido dos Trabalhadores no Brasil.

- por André Lux

Não poderia ser mais oportuno o lançamento na Netflix de “Os 7 de Chicago”, novo filme do diretor e roteirista Aaron Sorkin (“A Rede Social”). A obra, baseada em fatos reais acontecidos nos EUA em 1968, mostra de forma didática como a “justiça” pode e é usada para perseguir e condenar adversários dos donos do poder.

O termo usado para essa prática é “Lawfare”, junção da palavra “law” (lei) e o vocábulo “warfare” (guerra) que significa “guerra jurídica”. Ou seja, uso ou manipulação das leis como um instrumento de combate a um oponente desrespeitando os procedimentos legais e os direitos do indivíduo que se pretende eliminar.

É impossível não perceber as semelhanças entre o julgamento de cartas marcadas a que foram submetidos os réus retratados em “Os 7 de Chicago” e a perseguição feita, por exemplo, pela Lava Jato e o ex-juiz Sérgio Moro contra Lula e o Partido dos Trabalhadores aqui no Brasil.

Quem acompanhou de maneira minimamente sensata o julgamento do ex-presidente Lula sabe que ele já havia sido condenado antes mesmo do processo ser iniciado, sobrando para o ex-juiz Moro apenas conduzir um teatro grotesco que desrespeitou todos os direitos constitucionais do acusado, inclusive ignorando provas apresentadas pela defesa e impedindo até que seus advogados falassem.

É exatamente isso que testemunhamos durante a projeção de “Os 7 de Chicago”, onde o desfecho do julgamento já havia sido decidido meses antes no gabinete do Procurador Geral da República logo após a posse do novo presidente dos EUA, Richard Nixon. Assim, toda e qualquer manifestação da defesa ou dos réus era sumariamente ignorada e até rechaçada pelo juiz Julius Hoffman, que hoje está na lata do lixo da História como tantos outros iguais a ele.

Juízes Hoffman e Moro: na lata do lixo da História

O filme é tecnicamente brilhante e conta com um elenco excelente, onde os destaques ficam para Sacha Baron Cohen (isso mesmo, o “Borat”!), certamente em sua melhor e mais contida atuação, e o veterano Frank Langella como o famigerado juiz Hoffman, numa performance precisa e deveras enervante. O único ponto baixo é Mark Rylance, ator queridinho do Spielberg por uns tempos, mas que é muito fraco, fala sempre para dentro e não convence nunca como o advogado do grupo.

Mas nem tudo são flores. A direção é titubeante, especialmente quando tenta imprimir um ar dinâmico e cômico no início do filme que não cabe num assunto tão pesado e sério como esse. Só quando o personagem do co-fundador dos Panteras Negras Bobby Seale é amarrado e amordaçado em pleno tribunal é que o cineasta parece se dar conta da seriedade do tema e deixa de lado essa aproximação farsesca que tenta a toda hora tirar sorrisos marotos do espectador.

O roteiro também peca em alterar os fatos reais de maneira ingênua numa tentativa de gerar catarse e emoções fáceis. Principalmente quando quer “humanizar” o procurador Richard Schultz (feito por Joseph Gordon-Levitt) que agiu como um verdadeiro carrasco durante o julgamento, mas no filme é pintado como uma pessoa sensível e sensata. E no discurso final de um dos réus, algo que destoa completamente da realidade e só serve para tentar transformar sem sucesso a obra em um novo “Sociedade dos Poetas Mortos”. Mas esses problemas não chegam a incomodar tanto e o filme mantém a dignidade e importância.

Chega a ser vergonhoso ler e assistir às inúmeras análises do filme em questão feitas por profissionais da opinião daqui, nas quais destacam o absurdo do julgamento de cartas marcadas e o quanto esse tipo de prática prejudica e pode até destruir a democracia. Porém, praticamente nenhum deles traça o óbvio paralelo com o tratamento dado pela “justiça” ao ex-presidente Lula, muitos certamente por não serem capazes de enxergarem as semelhanças e outros certamente por não terem coragem de se posicionar.

Mas o pior mesmo são aqueles que só ficam indignados quando esse tipo de prática espúria ocorre em solo estrangeiro, enquanto aqui batem palmas para o arbítrio quando é praticado contra alguém que não gostam. Ou seja, ficar apontar as injustiças absurdas num julgamento que ocorreu há mais de 50 anos em outro país é fácil. Já traçar os paralelos com o que acontece hoje embaixo dos nossos narizes, aí não é só pra quem tem coragem.

É por causa dessas pessoas que tipos como os juízes Hoffman e Moro florescem e conseguem transformar a Justiça em um show de horrores que, em última instância, corrói a democracia por mínima que seja e leva ao poder figuras grotescas como Hitler, Trump e Bolsonaro.

Cotação: * * * 1/2

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