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A cultura japonesa é por demais complexa para ser traduzida de forma ligeira e fica mais ridículo quando tentam encaixá-la nos moldes do pensamento maniqueísta estadunidense.
- por André Lux, crítico-spam
Antes de iniciar minha análise, faço questão de deixar bem claro que só tolero filmes sobre “grandes guerras” quando são: 1) críticas ferozes ou sátiras ácidas à estupidez da mentalidade militarista e a governos que metem seus povos em tragédias inúteis, como “Platoon”, “M.A.S.H.”, “Doutor Fantástico” e “O Sentido da Vida”, do Monty Phyton; ou 2) documentários que servem como registro histórico. Com a exceção das citadas acima, acho qualquer outra abordagem feita sobre esse assunto infeliz e duvidosa, por mais bem intencionada ou ingênua que seja.
“Cartas de Iwo Jima”, portanto, não ganha minha simpatia na partida. A minha repulsa a um projeto como esse aumenta ainda mais quando me dou conta que se trata de um filme estadunidense que pretende contar a história de um conflito vencido por eles, mas só que mostrando o outro lado, ou seja, o lado dos soldados derrotados – no caso, os japoneses. Maior petulância e arrogância não podem existir, convenhamos.
E, por mais que o superestimado diretor Clint Eastwood, que alterna abominações ultra-fascistas como “O Destemido Senhor da Guerra” com obras sensíveis tipo “As Pontes de Madison”, se esforce em pintar seu filme com tintas realistas e neutras, é impossível engolir o roteiro esquemático e raso típico dos enlatados de Roliudí. A intenção, em “Cartas de Iwo Jima”, parece ser a de tentar ensinar ao povo estadunidense que por trás dos soldados japoneses existiam também seres humanos. Derrotados, sim. Humilhados, também. Mas, vejam só: humanos como eu e você. Incrível, não?
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Então temos o padeiro bonzinho que é obrigado a ir para a guerra abandonando a mulher grávida, o general sensível e culto (formado em Havard, claro!) que sofre por saber que a derrota é inevitável, o rígido que desejava entrar para a “gestapo” japonesa, mas foi expulso depois de recusar-se a matar um cachorrinho na frente de crianças, o fanático que quer se suicidar em nome da honra, o galante oficial praticante de equitação (que, obviamente, também morou nos EUA)... e por aí vai. Já deu para sentir, não? E não vamos nos esquecer que, para deixar tudo mais perfumado, ainda temos a mão inconfundível de Steven Spielberg, que assina como um dos produtores.
Não tenho nada contra melodramas humanos ou pieguice, mas tudo isso inserido num filme de guerra supostamente sério e realista não dá pé. Podem até dizer que os personagens foram baseados em relatos reais, porém a cultura japonesa é por demais complexa para ser traduzida de forma tão ligeira e tudo fica ainda mais ridículo quando tentam encaixá-la nos moldes do pensamento maniqueísta estadunidense (como já havíamos comprovado no também sofrível “Memórias de uma Gueixa”). Eastwood chega ao cúmulo de usar uma trilha musical melosa, com direito a manjados solos de trompete, totalmente incompatível com a cultura que aborda!
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Enfim, ainda resta a pergunta: será que “Cartas de Iwo Jima” conseguiu convencer os espectadores estadunidenses que em outros países do planeta Terra também existem seres humanos parecidos com eles? Se a resposta for sim, então ao menos serviu para alguma coisa. Mas, sinceramente, eu duvido muito. Afinal, por lá os "formadores de opinião" são gente boa como o Rambo e o Duro de Matar...
Cotação: * *
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