AGORA, SEM DESCULPA
Qualidades da produção não conseguem esconder falta de profundidade dos personagens, excesso de violência, nojeiras e outros erros que o diretor Guillermo del Toro cometeu também em Hollywood
- por André Lux, ex-crítico-spam
É interessante como alguns cineastas ganham fama por um suposto talento atrás das câmeras que acaba nunca se materializando nos seus filmes. O mexicano Guillermo del Toro é um desses casos. Depois de uma curta carreira em seu país de origem, migrou para Hollywood cheio de moral e realizou alguns filmes que eram basicamente combinações de terror com história em quadrinhos (“Mutação”, “Blade 2” e “Hellboy”). Apesar de ficarem um pouco acima da média geral desse tipo de produção, possuíam falhas e exageros que prejudicavam o resultado final. Mas, a culpa disso era sempre colocada nos estúdios, que forçavam o diretor a apelar para excessos em detrimento do desenvolvimento e aprofundamento dos personagens.
Entra “O Labirinto do Fauno”, filme pessoal e independente do cineasta, realizado com o apoio de uma equipe formada totalmente por profissionais de sua confiança e sem interferência de executivos gananciosos. Teria tudo, portanto, para ser a sua obra redentora. Mas, que decepção, todos os erros e exageros cometidos nos filmes estadunidenses também estão presentes aqui: excesso de violência gráfica, insistência em filmar melecas e outras nojeiras e, maior dos pecados, falta de aprofundamento dos protagonistas.
É uma pena, pois a premissa inicial é muito interessante e poderia ter rendido um excelente conto de fadas gótico, realmente rico e repleto de nuances psicológicos. Sem dizer que o filme tem um desenho de produção primoroso, fotografia caprichada e uma trilha musical excepcional de Javier Navarrete (fiquem de olho, pois a exemplo de outros compositores estrangeiros, como Gustavo Santaolala, certamente vai fazer carreira em Hollywood, atualmente infestada por músicos horrendos). Infelizmente, tudo está a serviço de um roteiro capenga, que tenta misturar sem sucesso os delírios de uma menina carente com o drama de um pequeno grupo de guerrilheiros na Espanha fascista dos anos 1940, dominada pela ditadura sanguinária do general Franco. As duas aproximações nunca combinam, até porque as realidades tratadas não se cruzam.
Faltou ao diretor e roteirista tato para criar situações que humanizassem os personagens principais, que no final das contas ficam reduzidos a meras caricaturas sem profundidade e, por isso, se tornam desinteressantes à medida que a trama avança. O caso mais grave é o do capitão fascista, cuja loucura nunca é justificada, deixando o ator Sergi López livre para super-representar. Com isso, as cenas de torturas e de violência extrema proporcionadas por ele chocam só por serem explicitamente grotescas e repulsivas – o ponto mais baixo do filme dá-se quando ele costura a própria boca sem anestesia, coisa que nem o próprio Rambo fez sem sentir alguma dor! Sem dizer que uma guerrilheira jamais o deixaria escapar vivo de uma situação daquelas.
Outro erro foi não justificar direito os devaneios da menina, interpretada pela fraca Ivana Baquero. Ela já começa o filme vendo fadas, destruindo a vontade do cineasta de mostrar o mundo dos sonhos dela como sendo uma fuga da realidade brutal que a cerca. Se tivesse começado a inserir a parte irreal a partir, por exemplo, do momento que os problemas com sua mãe começam a acontecer, teria sido mais coerente com a proposta inicial. No final, o único personagem mais humano do filme é o médico do capitão que também ajuda os rebeldes. Seus conflitos e medos são o que existe de mais palpável, ao ponto de fazer a gente se lamentar quando sai de cena prematuramente.
Tenho visto alguns profissionais da opinião entoando loas ao filme, chamando-o de obra-prima e outros exageros. Novamente com medo de serem acusados de “não terem entendido a proposta do diretor”, estão julgando a obra pela sua pretensão e não pelo resultado final.
“O Labirinto do Fauno” é um filme interessante. Porém, não resiste a uma análise mais profunda e nunca chega a cumprir suas promessas. Nem mesmo a conclusão trágica consegue ter a força poética pretendida. O que é uma pena, levando-se em conta as qualidades da produção.
Enfim, depois de mais essa escorregada, quem sabe um dia Guillermo del Toro percebe que enfiar um monte de cenas nojentas em seus filmes vai apenas alienar justamente aquele espectador para o qual ele parece querer tanto mostrar seu valor? A esperança é a última que morre...
Cotação: * * 1/2
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segunda-feira, 11 de dezembro de 2006
quinta-feira, 30 de novembro de 2006
Filmes: A FONTE DA VIDA
MASTURBAÇÃO MENTAL PORRETA
Diretor apaixonado pelo próprio umbigo tenta impressionar platéia com enigma indecifrável, cuja chave guardou só para ele e seus amigos mais chegados. Pseudo-intelectuais ficarão em êxtase.
- por André Lux
De tempos em tempos surge um filme sem pé nem cabeça feito por um sujeito pretensioso e auto-indulgente que deixa em êxtase os pseudo-intelectuais-metidos-a-besta de plantão. Como sabemos, existem pessoas que, ao não conseguir decifrar o significado de uma obra sem sentido que finge ser hiper-profunda, passam a endeusar seu realizador. David Lynch, por exemplo, adora enganar essa turma - tanto que chegaram a lhe dar prêmios por filmes ridículos como “Cidade dos Sonhos” (que não passava de um piloto rejeitado para série de TV no qual o diretor enfiou um monte de imagens delirantes que nada tinham a ver com a trama e um final enigmático para poder vender como longa-metragem).
O diretor Darren Aronofsky é outro desses charlatões. Mas, ao contrário de Lynch, Aronofsky se leva a sério e acha mesmo que tem algo seminal a dizer em cada filme que lança. Foi assim com o indecifrável “Pi” (sim, o título é aquele símbolo matemático, vejam só que chique!) e com o grotesco “Réquiem para Um Sonho” (que abordava de forma moralista o mundo das drogas e tinha como ponto alto uma dona de casa delirante sendo atacada por sua geladeira). Seu novo filme, “A Fonte da Vida” é mais um exemplo da obsessão do rapaz em impressionar seus admiradores os quais, novamente privados propositalmente de entender o significado de sua obra, vão achá-lo o máximo.
Se não acredita em mim, confira a trama do filme: alternando três realidades paralelas, “A Fonte da Vida” quer lançar luz sobre temas como “o sentido da vida”, “a força do amor” e a “imortalidade da alma”. Para isso, mistura imagens da inquisição espanhola, de uma busca pela cura do câncer e de um sujeito careca que viaja dentro de uma bolha de sabão intergaláctica à procura da vida eterna! Tudo isso embalado por cenografia e direção de fotografia soturnas, diálogos sussurrados pomposamente e uma trilha musical repetitiva e sufocante (mas gravada pelo conjunto Kronos Quartet, que luxo!).
Mas, pense de novo, pois nem tudo é o que parece. Aos poucos, somos ensinados que, na verdade, é a trama do presente que vale. Nela, vemos um casal formado por Hugh Jackman (o Wolverine de “X-Men”) e Rachel Weisz (de “A Múmia” e o “Jardineiro Fiel”.). Ela está morrendo de câncer e ele parece ser um cientista-cirurgião que procura desesperadamente a cura para a doença, na esperança de salvar a esposa. Entre as seções de quimioterapia e repentes de "iluminação espiritual", a moça escreve um romance passado na Espanha na época da Inquisição (detalhe: o livro é todo escrito à mão, com caneta tinteiro, letra perfeita e sem nenhum traço de Errorex!). A rainha Isabel (interpretada pela própria Weisz) passa uma missão ao seu mais fiel conquistador (o mesmo Jackman): achar a árvore da vida eterna (ou será a fonte da juventude?), localizada num templo Inca perdido na América central, pois só isso pode salvar seu reino da iminente invasão de um fanático religioso (sem dúvida um plano genial!).
Corte rápido para o mesmo Jackman, agora carequinha e de pijama, viajando pelo espaço sideral dentro de sua nave-bolha em busca de uma estrela moribunda, chamada pelos Incas de “Xibalba”, que em breve vai virar super-nova e, assim, devolverá a vida à sua ex-mulher. Enquanto não chega lá, ele flutua pelo ar, faz exercícios de tai-chi-chuan, come pedacinhos da árvore da vida (que está com ele na bolha) e tem alucinações com o passado. Ou será com o futuro? Vai ver tudo isso é só uma representação simbólica da jornada interior do personagem principal, que se recusa a aceitar a morte do ente amado. Pode ser também uma história-dentro-da-história que está sendo contada. Ou mesmo uma alucinação cognitiva do protagonista, que se proteja num futuro (ou passado?) longínquo para tolerar o presente. Como se vê, é masturbação mental das mais porretas!
Para muitos, toda essa baboseira pseudo-profunda sem sentido vai parecer algo magistral. Mas, para quem procura filmes realmente inteligentes (como “2001”, “Solaris” ou mesmo a trilogia “Matrix”), cujas alegorias enigmáticas se resolviam e se relacionavam intrinsecamente dentro do próprio roteiro, “A Fonte da Vida” é só mais uma obra aborrecida, pretensiosa e indecifrável - até porque o diretor guardou a chave do enigma que apresenta só para ele e, talvez, seus amigos mais íntimos. E, convenhamos, não é possível deixar de ridicularizar um filme que mostra personagens pronunciando, com total seriedade e afetação, a palavra “Xibalba” a cada 10 minutos de projeção!
Se você gosta de ser enganado por artistas apaixonados pelo próprio umbigo para se sentir inteligente, vá em frente. Esse filme é pra você. Caso contrário poupe seus preciosos neurônios para tentar decifrar obras ricas e que realmente têm algo a dizer sobre a condição humana.
Cotação: *
Diretor apaixonado pelo próprio umbigo tenta impressionar platéia com enigma indecifrável, cuja chave guardou só para ele e seus amigos mais chegados. Pseudo-intelectuais ficarão em êxtase.
- por André Lux
De tempos em tempos surge um filme sem pé nem cabeça feito por um sujeito pretensioso e auto-indulgente que deixa em êxtase os pseudo-intelectuais-metidos-a-besta de plantão. Como sabemos, existem pessoas que, ao não conseguir decifrar o significado de uma obra sem sentido que finge ser hiper-profunda, passam a endeusar seu realizador. David Lynch, por exemplo, adora enganar essa turma - tanto que chegaram a lhe dar prêmios por filmes ridículos como “Cidade dos Sonhos” (que não passava de um piloto rejeitado para série de TV no qual o diretor enfiou um monte de imagens delirantes que nada tinham a ver com a trama e um final enigmático para poder vender como longa-metragem).
O diretor Darren Aronofsky é outro desses charlatões. Mas, ao contrário de Lynch, Aronofsky se leva a sério e acha mesmo que tem algo seminal a dizer em cada filme que lança. Foi assim com o indecifrável “Pi” (sim, o título é aquele símbolo matemático, vejam só que chique!) e com o grotesco “Réquiem para Um Sonho” (que abordava de forma moralista o mundo das drogas e tinha como ponto alto uma dona de casa delirante sendo atacada por sua geladeira). Seu novo filme, “A Fonte da Vida” é mais um exemplo da obsessão do rapaz em impressionar seus admiradores os quais, novamente privados propositalmente de entender o significado de sua obra, vão achá-lo o máximo.
Se não acredita em mim, confira a trama do filme: alternando três realidades paralelas, “A Fonte da Vida” quer lançar luz sobre temas como “o sentido da vida”, “a força do amor” e a “imortalidade da alma”. Para isso, mistura imagens da inquisição espanhola, de uma busca pela cura do câncer e de um sujeito careca que viaja dentro de uma bolha de sabão intergaláctica à procura da vida eterna! Tudo isso embalado por cenografia e direção de fotografia soturnas, diálogos sussurrados pomposamente e uma trilha musical repetitiva e sufocante (mas gravada pelo conjunto Kronos Quartet, que luxo!).
Mas, pense de novo, pois nem tudo é o que parece. Aos poucos, somos ensinados que, na verdade, é a trama do presente que vale. Nela, vemos um casal formado por Hugh Jackman (o Wolverine de “X-Men”) e Rachel Weisz (de “A Múmia” e o “Jardineiro Fiel”.). Ela está morrendo de câncer e ele parece ser um cientista-cirurgião que procura desesperadamente a cura para a doença, na esperança de salvar a esposa. Entre as seções de quimioterapia e repentes de "iluminação espiritual", a moça escreve um romance passado na Espanha na época da Inquisição (detalhe: o livro é todo escrito à mão, com caneta tinteiro, letra perfeita e sem nenhum traço de Errorex!). A rainha Isabel (interpretada pela própria Weisz) passa uma missão ao seu mais fiel conquistador (o mesmo Jackman): achar a árvore da vida eterna (ou será a fonte da juventude?), localizada num templo Inca perdido na América central, pois só isso pode salvar seu reino da iminente invasão de um fanático religioso (sem dúvida um plano genial!).
Corte rápido para o mesmo Jackman, agora carequinha e de pijama, viajando pelo espaço sideral dentro de sua nave-bolha em busca de uma estrela moribunda, chamada pelos Incas de “Xibalba”, que em breve vai virar super-nova e, assim, devolverá a vida à sua ex-mulher. Enquanto não chega lá, ele flutua pelo ar, faz exercícios de tai-chi-chuan, come pedacinhos da árvore da vida (que está com ele na bolha) e tem alucinações com o passado. Ou será com o futuro? Vai ver tudo isso é só uma representação simbólica da jornada interior do personagem principal, que se recusa a aceitar a morte do ente amado. Pode ser também uma história-dentro-da-história que está sendo contada. Ou mesmo uma alucinação cognitiva do protagonista, que se proteja num futuro (ou passado?) longínquo para tolerar o presente. Como se vê, é masturbação mental das mais porretas!
Para muitos, toda essa baboseira pseudo-profunda sem sentido vai parecer algo magistral. Mas, para quem procura filmes realmente inteligentes (como “2001”, “Solaris” ou mesmo a trilogia “Matrix”), cujas alegorias enigmáticas se resolviam e se relacionavam intrinsecamente dentro do próprio roteiro, “A Fonte da Vida” é só mais uma obra aborrecida, pretensiosa e indecifrável - até porque o diretor guardou a chave do enigma que apresenta só para ele e, talvez, seus amigos mais íntimos. E, convenhamos, não é possível deixar de ridicularizar um filme que mostra personagens pronunciando, com total seriedade e afetação, a palavra “Xibalba” a cada 10 minutos de projeção!
Se você gosta de ser enganado por artistas apaixonados pelo próprio umbigo para se sentir inteligente, vá em frente. Esse filme é pra você. Caso contrário poupe seus preciosos neurônios para tentar decifrar obras ricas e que realmente têm algo a dizer sobre a condição humana.
Cotação: *
sexta-feira, 17 de novembro de 2006
Filmes: "OS INFILTRADOS"
OS RATOS TAMBÉM AMAM
Diretor Martin Scorsese finalmente consegue agradar tanto aqueles que buscam um produto de maior refinamento artístico, quanto os que preferem apenas passar algumas horas se entretendo no cinema.
- por André Lux
Sei que o que vou declarar a seguir soará como uma heresia a muitos profissionais da opinião que costumam idolatrar certos artistas, mas “Os Infiltrados” é o primeiro filme do diretor Martin Scorsese que eu realmente gostei, sem restrições. Tudo bem, reconheço que o sujeito é um bom diretor (especialmente de atores), que sabe tudo de cinema e inventa planos seqüências espetaculares. Mas só isso não basta para fazer um filme funcionar. Muitos de seus projetos anteriores, como “Gangues de Nova York”, “O Aviador” e “Os Bons Companheiros”, padeciam de narrações truncadas e excesso de duração, enquanto outros eram simplesmente chatos (“Época de Inocência” vem à mente, um filme onde absolutamente nada de interessante ocorre durante as mais de três horas de projeção!).
Nada disso acontece em “Os Infiltrados”. O filme é longo, mas a gente nem percebe, tamanho o nível de tensão e suspense que o diretor imprime em cada fotograma. Ficamos literalmente na ponta da cadeira durante quase toda a projeção, na expectativa do que vai acontecer em seguida na história. E o roteiro, inspirado no filme chinês “Internal Affairs”, reserva algumas surpresas chocantes, especialmente na conclusão.
Leonardo Di Caprio, que finalmente começa a ficar com cara de homem, está excelente no papel do policial que finge ser criminoso para se infiltrar na máfia irlandesa comandada por um verdadeiro psicopata (interpretado com seriedade e força por Jack Nicholson, que dá um show à parte). O ex-galã de “Titanic” consegue nos fazer sentir sua condição limítrofe por meio de vários nuances de interpretação, provando definitivamente que é um ator de verdade. No outro lado da moeda temos Matt Damon, que também funciona bem como o arrogante e inescrupuloso pau mandado do crime organizado infiltrado na polícia.
Apesar da direção de fotografia ser do consagrado Michael Bauhaus, Scorsese optou dessa vez por uma decupagem seca, isenta de malabarismos estéticos e mais focada nos atores, fator que deixa o filme ainda mais angustiante e realista, especialmente nas cenas de violência. Soma-se a isso uma montagem vibrante e uma trilha sonora que contrapõe canções pop intensas à partitura intimista de Howard Shore (o mesmo da trilogia “O Senhor dos Anéis”) e o resultado é um ótimo filme, capaz de agradar tanto aqueles que buscam um produto de maior refinamento artístico, quanto os que preferem apenas passar algumas horas se entretendo no cinema.
Em comum com outros filmes do cineasta, “Os Infiltrados” aborda o caos e a degradação urbana pelo ponto de vista da criminalidade sem ter uma moral definida, o que é algo sempre louvável particularmente nesses tempos moralistas em que vivemos atualmente. No mundo de Scorsese, ninguém presta, todos são mentirosos, manipuladores e falíveis. Não é à toa, portanto, que a figura que permeia o filme todo é a de um rato - tanto na forma de expressão verbal (que serve para rotular os infiltrados), quanto literal (na cena que encerra a projeção). Mas, atenção, até os ratos amam e são amados. Assim também como na vida real. Veja e comprove.
Cotação: * * * * *
Diretor Martin Scorsese finalmente consegue agradar tanto aqueles que buscam um produto de maior refinamento artístico, quanto os que preferem apenas passar algumas horas se entretendo no cinema.
- por André Lux
Sei que o que vou declarar a seguir soará como uma heresia a muitos profissionais da opinião que costumam idolatrar certos artistas, mas “Os Infiltrados” é o primeiro filme do diretor Martin Scorsese que eu realmente gostei, sem restrições. Tudo bem, reconheço que o sujeito é um bom diretor (especialmente de atores), que sabe tudo de cinema e inventa planos seqüências espetaculares. Mas só isso não basta para fazer um filme funcionar. Muitos de seus projetos anteriores, como “Gangues de Nova York”, “O Aviador” e “Os Bons Companheiros”, padeciam de narrações truncadas e excesso de duração, enquanto outros eram simplesmente chatos (“Época de Inocência” vem à mente, um filme onde absolutamente nada de interessante ocorre durante as mais de três horas de projeção!).
Nada disso acontece em “Os Infiltrados”. O filme é longo, mas a gente nem percebe, tamanho o nível de tensão e suspense que o diretor imprime em cada fotograma. Ficamos literalmente na ponta da cadeira durante quase toda a projeção, na expectativa do que vai acontecer em seguida na história. E o roteiro, inspirado no filme chinês “Internal Affairs”, reserva algumas surpresas chocantes, especialmente na conclusão.
Leonardo Di Caprio, que finalmente começa a ficar com cara de homem, está excelente no papel do policial que finge ser criminoso para se infiltrar na máfia irlandesa comandada por um verdadeiro psicopata (interpretado com seriedade e força por Jack Nicholson, que dá um show à parte). O ex-galã de “Titanic” consegue nos fazer sentir sua condição limítrofe por meio de vários nuances de interpretação, provando definitivamente que é um ator de verdade. No outro lado da moeda temos Matt Damon, que também funciona bem como o arrogante e inescrupuloso pau mandado do crime organizado infiltrado na polícia.
Apesar da direção de fotografia ser do consagrado Michael Bauhaus, Scorsese optou dessa vez por uma decupagem seca, isenta de malabarismos estéticos e mais focada nos atores, fator que deixa o filme ainda mais angustiante e realista, especialmente nas cenas de violência. Soma-se a isso uma montagem vibrante e uma trilha sonora que contrapõe canções pop intensas à partitura intimista de Howard Shore (o mesmo da trilogia “O Senhor dos Anéis”) e o resultado é um ótimo filme, capaz de agradar tanto aqueles que buscam um produto de maior refinamento artístico, quanto os que preferem apenas passar algumas horas se entretendo no cinema.
Em comum com outros filmes do cineasta, “Os Infiltrados” aborda o caos e a degradação urbana pelo ponto de vista da criminalidade sem ter uma moral definida, o que é algo sempre louvável particularmente nesses tempos moralistas em que vivemos atualmente. No mundo de Scorsese, ninguém presta, todos são mentirosos, manipuladores e falíveis. Não é à toa, portanto, que a figura que permeia o filme todo é a de um rato - tanto na forma de expressão verbal (que serve para rotular os infiltrados), quanto literal (na cena que encerra a projeção). Mas, atenção, até os ratos amam e são amados. Assim também como na vida real. Veja e comprove.
Cotação: * * * * *
quinta-feira, 16 de novembro de 2006
DVD: "ENRON – OS MAIS ESPERTOS DA SALA"
APAGÃO "MADE IN USA"
Filme denuncia a lógica capitalista que, cedo ou tarde, vai provocar danos irreversíveis ao planeta e colocar de joelhos a raça humana.
- por André Lux
Quando alguém vier pregar a você as maravilhas oriundas do enxugamento do Estado e das privatizações, pergunte se ele já assistiu ao excelente documentário “Enron – Os Mais Espertos da Sala”. Se a resposta for “não”, então nem perca seu tempo discutindo. Não vale a pena.
Quem acredita nessa ladainha que demoniza a regulamentação e o controle do Estado e pinta as empresas privadas como a salvação da economia só pode ser ingênuo ou mal intencionado.
O mais emblemático (e estarrecedor) exemplo das conseqüências destruidoras dessa corrente de pensamento inaugurada pelo ex-presidente Ronald Reagan na década de 1980, chamada carinhosamente de “neoliberal”, está registrada neste filme assinado por Alex Gigbey.
Exportada para o resto do mundo e implantada com maior voracidade nos países ditos de terceiro-mundo (Brasil, inclusive), essa ideologia que traveste o que existe de mais selvagem no capitalismo como sendo algo moderno, natural e irreversível, moldou e travou a mentalidade das pessoas na busca pelo consumismo sem limites (“consumo, logo existo”) e jogou a humanidade para a beira do abismo.
O caso da Enron ilustra de forma cabal o que acontece quando o cinismo, a arrogância, a ganância e a manipulação da informação se juntam sem qualquer limite e controle externo.
Apostando no que existe de mais agressivo em termos de marketing e relações públicas, seus executivos conseguiram elevar os preços das ações da empresa a níveis estratosféricos, sem que houvesse lastro real na contabilidade.
Isso se deu pela aplicação de uma técnica contábil absurda chamada de mark-to-market, por meio da qual projetavam lucros exorbitantes a partir do fechamento de transações que nem ainda haviam sido completadas, entre outras práticas simplesmente ilegais.
E, mesmo cientes da fragilidade e irracionalidade dos seus negócios, os manda-chuvas da Enron continuavam a propagar a solidez da empresa aos quatro ventos e estimulavam a compra das suas ações inclusive entre seus pobres funcionários que investiram nelas seus preciosos fundos de pensão.
Um das coisas que mais chama a atenção nessa história absurda é a maneira como a mídia e os analistas financeiros aceitavam e festejavam o “sucesso” da empresa sem levantar uma questão sequer a respeito desse verdadeiro milagre econômico – nem o fato da Enron atuar em uma dos mercados mais complexos e arriscados do mundo, que é o da prospecção e consumo de energia elétrica e gás, levantou suspeitas entre os “formadores de opinião” estadunidenses! Como se vê, o pensamento único propagado como verdade absoluta e incontestável não é privilégio da imprensa corporativa brasileira...
Todavia, o fato mais chocante deu-se quando negociadores (traders) da Enron literalmente derrubaram as usinas de força da Califórnia para fazer subir o preço da energia elétrica e salvar as finanças da empresa, prejudicando a economia do Estado e arriscando a vida de milhares de pessoas.
Essa operação está toda documentada e é apresentada didaticamente no filme, inclusive com gravações em áudio das conversar entre os negociadores, que não apenas falavam abertamente do golpe em andamento, como debochavam do povo que estava sofrendo as conseqüências.
Está aí representado o ápice do que o pensamento neoliberal, que visa o lucro financeiro acima de tudo e de todos, significa. Uma das conseqüências mais nefastas desse “apagão” operado pela empresa foi a queda do então governador da Califórnia, que acabou sendo substituído via um recall eleitoral no meio do mandado pelo ator Arnold Schwarzenegger (não por acaso do mesmo partido dos Bush). Qualquer semelhança com o “apagão” ocorrido no (desculpem o trocadilho) apagar das luzes do governo Fernando Henrique Cardoso não pode, portanto, ser mera coincidência.
E todas essas barbaridades aconteceram graças às brechas encontradas nas novas leis anti-protecionistas e ao suporte do governo Bush, recém eleito na época, cuja família mantinha laços estreitos com o fundador da Enron, Ken Lay, que chegou a ser cogitado para assumir uma pasta no secretariado do governo federal antes de ser condenado em seis acusações de fraude corporativa e morrer de ataque cardíaco em 2006 enquanto esperava a sentença.
No final, as ilusões criadas pelo criativo CEO da Enron, Jeffrey Skilling (condenado em 19 acusações de fraude corporativa), acabou e a empresa faliu totalmente em questão de semanas, deixando na miséria todos seus funcionários, mas não seus altos executivos que antes da derrocada já haviam vendido todas suas ações obtendo lucros astronômicos.
Essa história sórdida sobre os bastidores do capitalismo selvagem teria ficado oculta não fosse o trabalho dos jornalistas Bethany McLean e Peter Elkind, que dedicaram anos na investigação do caso Enron até a publicação do livro que dá nome ao filme.
Graças a isso, os principais ex-executivos da Enron foram presos e processados pela Justiça dos EUA. Prova de que o bom e velho jornalismo investigativo, praticamente extinto no Brasil, pode trazer contundentes resultados.
“Enron – Os Mais Espertos da Sala” é um filme obrigatório para qualquer pessoa interessada em conhecer os reais mecanismos que movimentam a lógica capitalista que, cedo ou tarde, vai provocar danos irreversíveis ao planeta e colocar de joelhos toda a raça humana - inclusive aqueles sujeitos que se julgam os mais espertos da sala.
Cotação: * * * * *
Filme denuncia a lógica capitalista que, cedo ou tarde, vai provocar danos irreversíveis ao planeta e colocar de joelhos a raça humana.
- por André Lux
Quando alguém vier pregar a você as maravilhas oriundas do enxugamento do Estado e das privatizações, pergunte se ele já assistiu ao excelente documentário “Enron – Os Mais Espertos da Sala”. Se a resposta for “não”, então nem perca seu tempo discutindo. Não vale a pena.
Quem acredita nessa ladainha que demoniza a regulamentação e o controle do Estado e pinta as empresas privadas como a salvação da economia só pode ser ingênuo ou mal intencionado.
O mais emblemático (e estarrecedor) exemplo das conseqüências destruidoras dessa corrente de pensamento inaugurada pelo ex-presidente Ronald Reagan na década de 1980, chamada carinhosamente de “neoliberal”, está registrada neste filme assinado por Alex Gigbey.
Exportada para o resto do mundo e implantada com maior voracidade nos países ditos de terceiro-mundo (Brasil, inclusive), essa ideologia que traveste o que existe de mais selvagem no capitalismo como sendo algo moderno, natural e irreversível, moldou e travou a mentalidade das pessoas na busca pelo consumismo sem limites (“consumo, logo existo”) e jogou a humanidade para a beira do abismo.
O caso da Enron ilustra de forma cabal o que acontece quando o cinismo, a arrogância, a ganância e a manipulação da informação se juntam sem qualquer limite e controle externo.
Apostando no que existe de mais agressivo em termos de marketing e relações públicas, seus executivos conseguiram elevar os preços das ações da empresa a níveis estratosféricos, sem que houvesse lastro real na contabilidade.
Isso se deu pela aplicação de uma técnica contábil absurda chamada de mark-to-market, por meio da qual projetavam lucros exorbitantes a partir do fechamento de transações que nem ainda haviam sido completadas, entre outras práticas simplesmente ilegais.
E, mesmo cientes da fragilidade e irracionalidade dos seus negócios, os manda-chuvas da Enron continuavam a propagar a solidez da empresa aos quatro ventos e estimulavam a compra das suas ações inclusive entre seus pobres funcionários que investiram nelas seus preciosos fundos de pensão.
Um das coisas que mais chama a atenção nessa história absurda é a maneira como a mídia e os analistas financeiros aceitavam e festejavam o “sucesso” da empresa sem levantar uma questão sequer a respeito desse verdadeiro milagre econômico – nem o fato da Enron atuar em uma dos mercados mais complexos e arriscados do mundo, que é o da prospecção e consumo de energia elétrica e gás, levantou suspeitas entre os “formadores de opinião” estadunidenses! Como se vê, o pensamento único propagado como verdade absoluta e incontestável não é privilégio da imprensa corporativa brasileira...
Todavia, o fato mais chocante deu-se quando negociadores (traders) da Enron literalmente derrubaram as usinas de força da Califórnia para fazer subir o preço da energia elétrica e salvar as finanças da empresa, prejudicando a economia do Estado e arriscando a vida de milhares de pessoas.
Essa operação está toda documentada e é apresentada didaticamente no filme, inclusive com gravações em áudio das conversar entre os negociadores, que não apenas falavam abertamente do golpe em andamento, como debochavam do povo que estava sofrendo as conseqüências.
Está aí representado o ápice do que o pensamento neoliberal, que visa o lucro financeiro acima de tudo e de todos, significa. Uma das conseqüências mais nefastas desse “apagão” operado pela empresa foi a queda do então governador da Califórnia, que acabou sendo substituído via um recall eleitoral no meio do mandado pelo ator Arnold Schwarzenegger (não por acaso do mesmo partido dos Bush). Qualquer semelhança com o “apagão” ocorrido no (desculpem o trocadilho) apagar das luzes do governo Fernando Henrique Cardoso não pode, portanto, ser mera coincidência.
E todas essas barbaridades aconteceram graças às brechas encontradas nas novas leis anti-protecionistas e ao suporte do governo Bush, recém eleito na época, cuja família mantinha laços estreitos com o fundador da Enron, Ken Lay, que chegou a ser cogitado para assumir uma pasta no secretariado do governo federal antes de ser condenado em seis acusações de fraude corporativa e morrer de ataque cardíaco em 2006 enquanto esperava a sentença.
No final, as ilusões criadas pelo criativo CEO da Enron, Jeffrey Skilling (condenado em 19 acusações de fraude corporativa), acabou e a empresa faliu totalmente em questão de semanas, deixando na miséria todos seus funcionários, mas não seus altos executivos que antes da derrocada já haviam vendido todas suas ações obtendo lucros astronômicos.
Essa história sórdida sobre os bastidores do capitalismo selvagem teria ficado oculta não fosse o trabalho dos jornalistas Bethany McLean e Peter Elkind, que dedicaram anos na investigação do caso Enron até a publicação do livro que dá nome ao filme.
Graças a isso, os principais ex-executivos da Enron foram presos e processados pela Justiça dos EUA. Prova de que o bom e velho jornalismo investigativo, praticamente extinto no Brasil, pode trazer contundentes resultados.
“Enron – Os Mais Espertos da Sala” é um filme obrigatório para qualquer pessoa interessada em conhecer os reais mecanismos que movimentam a lógica capitalista que, cedo ou tarde, vai provocar danos irreversíveis ao planeta e colocar de joelhos toda a raça humana - inclusive aqueles sujeitos que se julgam os mais espertos da sala.
Cotação: * * * * *
terça-feira, 14 de novembro de 2006
Tributo: Veja Basil Poledouris regendo temas de "Conan, o Bárbaro"
Abaixo, alguns links de videos no Youtube gravados durante concertos de "Conan, o Bárbaro" em Ubeda, na Espanha. Foi a última apresentação ao vivo do compositor Basil Poledouris, que morreu de câncer dia 08 de novembro.
1) Abertura do concerto e ANVIL OF CROM (Tema principal de "Conan, o Bárbaro).
2) Riddle of Steal (O Enigma do Aço).
3) Ovação e Bis de ANVIL OF CROM.
4) Um video-tributo ao compositor, apresentando antes do concerto em Úbeda.
5) Poledouris ensaiando a orquestra em Úbeda.
quinta-feira, 9 de novembro de 2006
Tristeza: Morre o compositor Basil Poledouris
Morreu ontem, dia 08 de novembro, aos 61 anos depois de perder a luta contra o câncer o compositor de músicas para o cinema Basil Poledouris.
Em seu currículo, estão partituras memoráveis para filmes como "Conan, o Bábaro", "Adeus ao Rei", "Robocop", "Caçada ao Outubro Vermelho", "Wind - A Força dos Ventos", "Quigley - Contratado para Matar", "A Lagoa Azul", entre muitas outras.
Era um dos meus compositores favoritos, embora tenha feito poucos trabalhos ultimamente. Mas sua música vai ficar para sempre, ao lado das de outros que também já se foram (como Jerry Goldsmith, Henry Mancini, Elmer Bernstein, etc) . Hoje novamente derramei lágrimas para uma pessoa que nunca conheci pessoalmente, mas cuja música tocou fundo, me ajudou em momentos difíceis e trouxe alegria e emoção à minha vida...
Reproduzo abaixo a despedida final escrita por Douglas Fake, da Intrada Records, selo especializado em trihas de cinema:
"Intrada shares with you in mourning the passing of one of the greats of movie music: Basil Poledouris. His gifts touched just about every producer, film maker, musician, soundtrack company, aficionado, and casual fan in the film industry.
His music inspired us to start our label. His customary generosity made that first album happen. What musical treasures he left for us all to enjoy!
Basil loved the outdoors, the water, the rush of salty air as he went boating. My last contact with him was over those very waters he so treasured.
I'll not see, nor feel, nor hear the likes of him again.
Ever."
segunda-feira, 6 de novembro de 2006
Filmes: O GRANDE TRUQUE
SEM MAGIA
Enredo até poderia render um bom entretenimento, mas diretor filma com mão pesada esquecendo de injetar humor e magia, fatores que seriam essenciais para ajudar a tornar tudo verossímil e desfrutável.
- por André Lux
Chirstopher Nolan é mais um diretor que parece estar sendo amaldiçoado com a síndrome do sucesso, “doença” que em muitos casos acaba transformada em excesso de pretensão. Depois do inventivo “Amnésia” (filme narrado literalmente de trás para frente que causou frisson entre os profissionais da opinião), nunca mais conseguiu emplacar um bom projeto, tropeçando no claudicante “Insônia” e no irregular “Batman Begins”. Seu novo filme, “O Grande Truque” é mais uma bola fora.
Pretensioso, arrastado e sem brilho, conta a história de dois mágicos que passam da amizade ao ódio num piscar de olhos e buscam superar um ao outro a qualquer preço, chegando ao limite da obsessão e da falta de ética. O enredo até poderia render um bom entretenimento, afinal traz escondido na manga várias surpresas e reviravoltas (algumas óbvias, outras nem tanto), mas Nolan dirige com mão pesada esquecendo de injetar humor (nem que fosse negro) e magia, fatores que seriam essenciais para ajudar a tornar tudo verossímil e desfrutável.
Um filme sobre dois sujeitos que ganham a vida fazendo truques e enganando suas platéias já tem um apelo limitado para começo de conversa. E tudo piora quando percebemos que ambos são extremamente desagradáveis, sujos e misóginos. Hugh Jackman (o Wolverine de “X-Men”) e Cristian Bale (o novo Batman) até tentam dar credibilidade aos seus personagens, mas são derrubados pela pretensão e pela mão pesada do diretor e acabam atuando de maneira composta e forçada (Bale é o mais prejudicado, se perdendo num sotaque esdrúxulo, enquanto Jackman parece “engomado”). O resto do elenco faz mera figuração e desperdiça figuras de peso como Michael Kane e a atual queridinha da crítica, Scarlett Johanson, num papel que não é nada.
“O Grande Truque” tem méritos (como a reconstituição de época e a fotografia) e até consegue manter certo interesse enquanto não revela todos os seus segredos e se concentra na busca pela superação dos mágicos, mas qualquer tentativa de seriedade e credibilidade é sumariamente destruída quando entra em cena uma máquina construída pelo doutor Tesla (o cantor David Bowie, numa composição risível), cujos efeitos são de fazer inveja ao DeLorean que viaja no tempo inventado pelo cientista maluco de “De Volta para o Futuro”. A gente até quer acreditar naquilo tudo, mas como o diretor esqueceu de nos “avisar” que se tratava de um filme de fantasia, o ridículo toma conta e só resta rir do que é mostrado com seriedade e profundidade descabidas.
Adicione a tudo isso uma conclusão nada satisfatória e uma música sem brilho (que apesar de composta por David Julyan traz o nome do canhestro Hans Zimmer na produção, o que sempre é mau sinal) e temos aí mais um filme errado e fora de foco (ao ponto de tentarem esconder que se trata de um filme de época nos cartazes publicitários!). Mais um daqueles tantos que são rapidamente esquecidos e jogados no limbo eterno dos “projetos-interessantes-derrubados-pela-pretensão-do-seu-realizador”...
Cotação: * *
Enredo até poderia render um bom entretenimento, mas diretor filma com mão pesada esquecendo de injetar humor e magia, fatores que seriam essenciais para ajudar a tornar tudo verossímil e desfrutável.
- por André Lux
Chirstopher Nolan é mais um diretor que parece estar sendo amaldiçoado com a síndrome do sucesso, “doença” que em muitos casos acaba transformada em excesso de pretensão. Depois do inventivo “Amnésia” (filme narrado literalmente de trás para frente que causou frisson entre os profissionais da opinião), nunca mais conseguiu emplacar um bom projeto, tropeçando no claudicante “Insônia” e no irregular “Batman Begins”. Seu novo filme, “O Grande Truque” é mais uma bola fora.
Pretensioso, arrastado e sem brilho, conta a história de dois mágicos que passam da amizade ao ódio num piscar de olhos e buscam superar um ao outro a qualquer preço, chegando ao limite da obsessão e da falta de ética. O enredo até poderia render um bom entretenimento, afinal traz escondido na manga várias surpresas e reviravoltas (algumas óbvias, outras nem tanto), mas Nolan dirige com mão pesada esquecendo de injetar humor (nem que fosse negro) e magia, fatores que seriam essenciais para ajudar a tornar tudo verossímil e desfrutável.
Um filme sobre dois sujeitos que ganham a vida fazendo truques e enganando suas platéias já tem um apelo limitado para começo de conversa. E tudo piora quando percebemos que ambos são extremamente desagradáveis, sujos e misóginos. Hugh Jackman (o Wolverine de “X-Men”) e Cristian Bale (o novo Batman) até tentam dar credibilidade aos seus personagens, mas são derrubados pela pretensão e pela mão pesada do diretor e acabam atuando de maneira composta e forçada (Bale é o mais prejudicado, se perdendo num sotaque esdrúxulo, enquanto Jackman parece “engomado”). O resto do elenco faz mera figuração e desperdiça figuras de peso como Michael Kane e a atual queridinha da crítica, Scarlett Johanson, num papel que não é nada.
“O Grande Truque” tem méritos (como a reconstituição de época e a fotografia) e até consegue manter certo interesse enquanto não revela todos os seus segredos e se concentra na busca pela superação dos mágicos, mas qualquer tentativa de seriedade e credibilidade é sumariamente destruída quando entra em cena uma máquina construída pelo doutor Tesla (o cantor David Bowie, numa composição risível), cujos efeitos são de fazer inveja ao DeLorean que viaja no tempo inventado pelo cientista maluco de “De Volta para o Futuro”. A gente até quer acreditar naquilo tudo, mas como o diretor esqueceu de nos “avisar” que se tratava de um filme de fantasia, o ridículo toma conta e só resta rir do que é mostrado com seriedade e profundidade descabidas.
Adicione a tudo isso uma conclusão nada satisfatória e uma música sem brilho (que apesar de composta por David Julyan traz o nome do canhestro Hans Zimmer na produção, o que sempre é mau sinal) e temos aí mais um filme errado e fora de foco (ao ponto de tentarem esconder que se trata de um filme de época nos cartazes publicitários!). Mais um daqueles tantos que são rapidamente esquecidos e jogados no limbo eterno dos “projetos-interessantes-derrubados-pela-pretensão-do-seu-realizador”...
Cotação: * *
segunda-feira, 7 de agosto de 2006
Filmes: "ZUZU ANGEL"
CINEMA ENGAJADO
Filme serve como alerta, pois muitos que apoiaram a ditadura militar estão na ativa e continuam agindo contra a democracia.
- Por André Lux, crítico-spam
Mesmo ficando longe de ser uma obra cinematográfica marcante em termos estéticos e técnicos, “Zuzu Angel”, do diretor Sérgio Rezende (de “Lamarca”), é uma oportuna e engajada reconstituição do período mais negro da história recente do Brasil: a ditadura militar, que durou 21 anos e praticamente destruiu a cultura, a liberdade e o sistema educacional do país.
E tudo isso em favor de uma suposta “luta contra o comunismo”, que só serviu de fato para preparar terreno para a implantação dos dogmas neoliberais criados nos Estados Unidos, responsáveis pelo aumento exacerbado do abismo social, da insegurança e da dependência ao capital e às transnacionais estrangeiras em todos os países que os adotaram nas últimas décadas.
O filme narra a tragédia que destruiu a vida da estilista de moda Zuleika Angel Jones, cujo filho, ativista político pela volta da democracia, é preso, torturado e morto pelos militares e a luta dela por justiça.
Embora a parte técnica deixe a desejar (predomina a estética pobre e achatada da televisão) e o diretor Rezende não consiga evitar o uso de cacoetes frouxos (como uma pesada narração em off, longos flashbacks e alguns diálogos pouco naturais), “Zuzu Angel” vale como denúncia e também como reconstituição de época.
Em vários momentos também consegue emocionar, especialmente quando explora mais a fundo a relação entre a estilista e seu filho. As cenas de tortura são, felizmente, discretas, porém nunca menos que chocantes e repulsivas.
E pensar que existem muitas pessoas que não apenas endossam essas práticas, mas também as apóiam e festejam até hoje (vide o caso dos presos torturados no Iraque e no campo de concentração estadunidense em Guantanamo, só para citar dois exemplos mais recentes).
O elenco repleto de “globais” é homogêneo e ajuda a dar credibilidade à obra, embora o filme seja mesmo de Patrícia Pillar, no papel-título, que consegue mostrar em várias cenas que é uma boa e corajosa atriz. Infelizmente, por se tratar de uma adaptação cinematográfica de um caso real complexo, muita coisa tem que ser sintetizada e resumida.
E isso acaba prejudicando alguns personagens, principalmente o filho de Zuzu (interpretado por Daniel de Oliveira, de “Cazuza”) cuja trajetória e ideais acabam sendo reduzidos a duas ou três cenas e frases de efeito que, tiradas do contexto, soam forçadas e batidas (o que serve de prato cheio para que os profissionais da opinião mais reacionários ou doutrinados pelo cinemão made in Hollywood malhem o filme, a exemplo do que fizeram com “Olga”).
Mas, para aqueles que se identificam com a luta da protagonista ou ao menos não são obtusos ao ponto de se deixar cegar pela manipulação da mídia que sempre apoiou os golpistas, “Zuzu Angel” certamente funciona muito bem e vai proporcionar fortes emoções.
É emblemática, por exemplo, a cena em que um dos gorilas torturadores tenta furiosamente desligar o toca-fitas que reproduz a música “Apesar de Você”, de Chico Buarque (cuja canção “Angélica”, composta em homenagem a Zuzu, encerra o filme).
Além disso, esse filme serve também como um alerta para os que fatos narrados nunca mais voltem a acontecer. Um alerta que se torna ainda mais poderoso se levarmos em conta que muitos daqueles mesmos senhores que apoiaram e implantaram a ditadura militar no Brasil ainda estão na ativa tanto no cenário político quanto na mídia corporativa nacional e continuam agindo contra a democracia, sempre na vil esperança de retomar o poder para manter seus privilégios seculares.
Cotação: * * *
Filme serve como alerta, pois muitos que apoiaram a ditadura militar estão na ativa e continuam agindo contra a democracia.
- Por André Lux, crítico-spam
Mesmo ficando longe de ser uma obra cinematográfica marcante em termos estéticos e técnicos, “Zuzu Angel”, do diretor Sérgio Rezende (de “Lamarca”), é uma oportuna e engajada reconstituição do período mais negro da história recente do Brasil: a ditadura militar, que durou 21 anos e praticamente destruiu a cultura, a liberdade e o sistema educacional do país.
E tudo isso em favor de uma suposta “luta contra o comunismo”, que só serviu de fato para preparar terreno para a implantação dos dogmas neoliberais criados nos Estados Unidos, responsáveis pelo aumento exacerbado do abismo social, da insegurança e da dependência ao capital e às transnacionais estrangeiras em todos os países que os adotaram nas últimas décadas.
O filme narra a tragédia que destruiu a vida da estilista de moda Zuleika Angel Jones, cujo filho, ativista político pela volta da democracia, é preso, torturado e morto pelos militares e a luta dela por justiça.
Embora a parte técnica deixe a desejar (predomina a estética pobre e achatada da televisão) e o diretor Rezende não consiga evitar o uso de cacoetes frouxos (como uma pesada narração em off, longos flashbacks e alguns diálogos pouco naturais), “Zuzu Angel” vale como denúncia e também como reconstituição de época.
Em vários momentos também consegue emocionar, especialmente quando explora mais a fundo a relação entre a estilista e seu filho. As cenas de tortura são, felizmente, discretas, porém nunca menos que chocantes e repulsivas.
E pensar que existem muitas pessoas que não apenas endossam essas práticas, mas também as apóiam e festejam até hoje (vide o caso dos presos torturados no Iraque e no campo de concentração estadunidense em Guantanamo, só para citar dois exemplos mais recentes).
O elenco repleto de “globais” é homogêneo e ajuda a dar credibilidade à obra, embora o filme seja mesmo de Patrícia Pillar, no papel-título, que consegue mostrar em várias cenas que é uma boa e corajosa atriz. Infelizmente, por se tratar de uma adaptação cinematográfica de um caso real complexo, muita coisa tem que ser sintetizada e resumida.
E isso acaba prejudicando alguns personagens, principalmente o filho de Zuzu (interpretado por Daniel de Oliveira, de “Cazuza”) cuja trajetória e ideais acabam sendo reduzidos a duas ou três cenas e frases de efeito que, tiradas do contexto, soam forçadas e batidas (o que serve de prato cheio para que os profissionais da opinião mais reacionários ou doutrinados pelo cinemão made in Hollywood malhem o filme, a exemplo do que fizeram com “Olga”).
Mas, para aqueles que se identificam com a luta da protagonista ou ao menos não são obtusos ao ponto de se deixar cegar pela manipulação da mídia que sempre apoiou os golpistas, “Zuzu Angel” certamente funciona muito bem e vai proporcionar fortes emoções.
É emblemática, por exemplo, a cena em que um dos gorilas torturadores tenta furiosamente desligar o toca-fitas que reproduz a música “Apesar de Você”, de Chico Buarque (cuja canção “Angélica”, composta em homenagem a Zuzu, encerra o filme).
Além disso, esse filme serve também como um alerta para os que fatos narrados nunca mais voltem a acontecer. Um alerta que se torna ainda mais poderoso se levarmos em conta que muitos daqueles mesmos senhores que apoiaram e implantaram a ditadura militar no Brasil ainda estão na ativa tanto no cenário político quanto na mídia corporativa nacional e continuam agindo contra a democracia, sempre na vil esperança de retomar o poder para manter seus privilégios seculares.
Cotação: * * *
sexta-feira, 21 de julho de 2006
Filmes: "KING KONG"
MACACO HISTÉRICO
Novo “King Kong” é mais uma prova que dinheiro e recursos ilimitados acabam tolhendo a criatividade e o bom senso de qualquer realizador.
- por André Lux
O sucesso fez mal ao diretor Peter Jackson. Depois de conquistar a aclamação de público e crítica com a trilogia “O Senhor dos Anéis”, embarcou num projeto duvidoso de refilmar pela terceira vez a batida história de “King Kong”. E, para isso, recebeu um cheque em branco da Universal, liberdade total de criação e um arsenal ilimitado de efeitos visuais digitais. Maus sinais, pois bons filmes raramente resultam dessa combinação.
E não deu outra. Seu “King Kong” é uma aberração total, interminável (tem quase três horas de duração, mas já está para ser lançada uma versão estendida com 40 minutos de cenas inéditas!), histérico e, em última instância, vazio de qualquer emoção.
Não consigo entender como um filme tão ruim, chato e por vezes repugnante pode ter recebido tantas críticas positivas. Será que é por causa do recurso usado por Jackson de fazer várias citações ao filme original e ficar prestando reverência à sétima arte por meio do personagem de Jack Black, um diretor de cinema canastrão com mania de grandeza? Pode ser, pois como sabemos os profissionais da opinião adoram esse tipo de coisa, já que se sentem inteligentes e cultos quando conseguem identificar “trivias” nos filmes.
O fato é que Jackson enrola demais no primeiro ato com uma história idiota sobre o cineasta que precisa fugir dos investidores para tentar ir até a Ilha da Caveira, gravar cenas para seu novo filme. E dá-lhe declarações de amor ao próprio umbigo e diálogos pseudo-espertos numa série de seqüências que poderiam ter ficado no chão da sala de montagem sem nenhum prejuízo à trama central – é só perceber que toda essa besteira das filmagens não chega a lugar nenhum e é descartada da metade para o fim.
Os atores escolhidos pelo diretor não convencem em momento algum, especialmente Adrien Brody, que tentam transformar num sub-Indiana Jones sem sucesso, pois o coitado parece o Gonzo dos "Muppets" e não tem nenhuma pinta de galã. Pior mesmo é Naomi Watts (do abismal “Cidade dos Sonhos”, de David Lynch), que passa o filme inteiro com a mesma expressão e não tem nem beleza, muito menos carisma para provocar tanto amor no macaco gigante, quanto mais empatia na platéia.
Mas tudo desanda de vez com a chegada da trupe à ilha e “King Kong” vira filme de terror quando são atacados por um bando de nativos malvados e repulsivos, com direito a violência explícita em câmera lenta e tremida. Daí para frente, somos forçados a assistir a uma corrida histérica e sem freios, com os heróis sendo perseguidos e mortos por centenas de dinossauros, insetos gosmentos (a seqüência mais grotesca do filme), morcegos gigantes e pelo próprio Kong em cenas alongadas que não passam qualquer tipo de emoção, de tão ridículas e exageradas. Por sinal, se a gente somar o número de mortos chegamos à conclusão que o navio que os levou até lá ficou sem qualquer tripulante!
O visual da ilha é totalmente falso, baseado única e exclusivamente em efeitos digitais, parecendo mais cenário de vídeo game. Muito longe da beleza realista das locações utilizadas em “O Senhor dos Anéis”. Pior mesmo para a coitada da protagonista que, não bastando ser uma atriz deficiente, ainda foi obrigada a contracenar com um gorila inexistente, fato que proporciona riso involuntário em várias cenas, especialmente quando ela tem que “seduzir” o monstro com uma dancinha lamentável para que ele não a devore viva.
O Kong, criado totalmente em computação gráfica em cima das reações do ator Andy Serkis (o Gollum, que tem um papel de destaque como o cozinheiro), também não convence, pois é exageradamente humano em suas expressões e nem chega a ser muito grande. Enfim, não impressiona, muito menos emociona. Por causa disso e da inexpressividade da protagonista o tema “A Bela que matou a Fera”, que deveria permear a história e dar contornos dramáticos à sua resolução, simplesmente não funciona.
Outro erro de Jackson foi insistir em usar música praticamente o filme todo, do início ao fim, o que deixa o espetáculo supersaturado e cansativo, ainda mais quando a trilha é do medíocre James Newton Howard (é particularmente canhestro e irritante o tema principal associado à ilha e depois ao gorila gigante). Pelo menos ele tem a desculpa de ter substituído na última hora o compositor original, Howard Shore (da trilogia “O Senhor dos Anéis”), que saiu da produção alegando diferenças de opinião com o diretor. Depois de ver o filme não fica difícil adivinhar quem estava com a razão...
Impressiona o fato de terem gasto tanto dinheiro e esforço para fazer um “King Kong” ainda pior do que a adaptação de 1976, que trazia Jeff Bridges e Jessica Lange às voltas com um homem vestido com roupa de macaco pisando em miniaturas ou, em algumas tomadas, com um boneco de 20 metros de altura que só mexia o braço. Sem dizer que não consegue nem de longe cumprir as pretensões de Peter Jackson de prestar homenagem ao original de 1933, que foi feito com bonecos fotografados quadro-a-quadro (recurso que pode até deixar o filme ingênuo nos dias de hoje), mas que ao menos era mais convincente e emocionante - tudo que a nova versão não consegue ser.
“King Kong” é mais uma prova que dinheiro e recursos ilimitados acabam tolhendo justamente a criatividade e o bom senso de qualquer realizador.
Cotação: *
Novo “King Kong” é mais uma prova que dinheiro e recursos ilimitados acabam tolhendo a criatividade e o bom senso de qualquer realizador.
- por André Lux
O sucesso fez mal ao diretor Peter Jackson. Depois de conquistar a aclamação de público e crítica com a trilogia “O Senhor dos Anéis”, embarcou num projeto duvidoso de refilmar pela terceira vez a batida história de “King Kong”. E, para isso, recebeu um cheque em branco da Universal, liberdade total de criação e um arsenal ilimitado de efeitos visuais digitais. Maus sinais, pois bons filmes raramente resultam dessa combinação.
E não deu outra. Seu “King Kong” é uma aberração total, interminável (tem quase três horas de duração, mas já está para ser lançada uma versão estendida com 40 minutos de cenas inéditas!), histérico e, em última instância, vazio de qualquer emoção.
Não consigo entender como um filme tão ruim, chato e por vezes repugnante pode ter recebido tantas críticas positivas. Será que é por causa do recurso usado por Jackson de fazer várias citações ao filme original e ficar prestando reverência à sétima arte por meio do personagem de Jack Black, um diretor de cinema canastrão com mania de grandeza? Pode ser, pois como sabemos os profissionais da opinião adoram esse tipo de coisa, já que se sentem inteligentes e cultos quando conseguem identificar “trivias” nos filmes.
O fato é que Jackson enrola demais no primeiro ato com uma história idiota sobre o cineasta que precisa fugir dos investidores para tentar ir até a Ilha da Caveira, gravar cenas para seu novo filme. E dá-lhe declarações de amor ao próprio umbigo e diálogos pseudo-espertos numa série de seqüências que poderiam ter ficado no chão da sala de montagem sem nenhum prejuízo à trama central – é só perceber que toda essa besteira das filmagens não chega a lugar nenhum e é descartada da metade para o fim.
Os atores escolhidos pelo diretor não convencem em momento algum, especialmente Adrien Brody, que tentam transformar num sub-Indiana Jones sem sucesso, pois o coitado parece o Gonzo dos "Muppets" e não tem nenhuma pinta de galã. Pior mesmo é Naomi Watts (do abismal “Cidade dos Sonhos”, de David Lynch), que passa o filme inteiro com a mesma expressão e não tem nem beleza, muito menos carisma para provocar tanto amor no macaco gigante, quanto mais empatia na platéia.
Mas tudo desanda de vez com a chegada da trupe à ilha e “King Kong” vira filme de terror quando são atacados por um bando de nativos malvados e repulsivos, com direito a violência explícita em câmera lenta e tremida. Daí para frente, somos forçados a assistir a uma corrida histérica e sem freios, com os heróis sendo perseguidos e mortos por centenas de dinossauros, insetos gosmentos (a seqüência mais grotesca do filme), morcegos gigantes e pelo próprio Kong em cenas alongadas que não passam qualquer tipo de emoção, de tão ridículas e exageradas. Por sinal, se a gente somar o número de mortos chegamos à conclusão que o navio que os levou até lá ficou sem qualquer tripulante!
O visual da ilha é totalmente falso, baseado única e exclusivamente em efeitos digitais, parecendo mais cenário de vídeo game. Muito longe da beleza realista das locações utilizadas em “O Senhor dos Anéis”. Pior mesmo para a coitada da protagonista que, não bastando ser uma atriz deficiente, ainda foi obrigada a contracenar com um gorila inexistente, fato que proporciona riso involuntário em várias cenas, especialmente quando ela tem que “seduzir” o monstro com uma dancinha lamentável para que ele não a devore viva.
O Kong, criado totalmente em computação gráfica em cima das reações do ator Andy Serkis (o Gollum, que tem um papel de destaque como o cozinheiro), também não convence, pois é exageradamente humano em suas expressões e nem chega a ser muito grande. Enfim, não impressiona, muito menos emociona. Por causa disso e da inexpressividade da protagonista o tema “A Bela que matou a Fera”, que deveria permear a história e dar contornos dramáticos à sua resolução, simplesmente não funciona.
Outro erro de Jackson foi insistir em usar música praticamente o filme todo, do início ao fim, o que deixa o espetáculo supersaturado e cansativo, ainda mais quando a trilha é do medíocre James Newton Howard (é particularmente canhestro e irritante o tema principal associado à ilha e depois ao gorila gigante). Pelo menos ele tem a desculpa de ter substituído na última hora o compositor original, Howard Shore (da trilogia “O Senhor dos Anéis”), que saiu da produção alegando diferenças de opinião com o diretor. Depois de ver o filme não fica difícil adivinhar quem estava com a razão...
Impressiona o fato de terem gasto tanto dinheiro e esforço para fazer um “King Kong” ainda pior do que a adaptação de 1976, que trazia Jeff Bridges e Jessica Lange às voltas com um homem vestido com roupa de macaco pisando em miniaturas ou, em algumas tomadas, com um boneco de 20 metros de altura que só mexia o braço. Sem dizer que não consegue nem de longe cumprir as pretensões de Peter Jackson de prestar homenagem ao original de 1933, que foi feito com bonecos fotografados quadro-a-quadro (recurso que pode até deixar o filme ingênuo nos dias de hoje), mas que ao menos era mais convincente e emocionante - tudo que a nova versão não consegue ser.
“King Kong” é mais uma prova que dinheiro e recursos ilimitados acabam tolhendo justamente a criatividade e o bom senso de qualquer realizador.
Cotação: *
terça-feira, 18 de julho de 2006
Filmes: "SUPERMAN RETURNS"
SUPERMANCADA
Apesar de ser vendido como continuação-homenagem, novo filme da franquia do homem-de-aço não passa de uma refilmagem canhestra e sem brilho do original
Mas, embora seja bem feito tecnicamente, não deu nada certo e o resultado chega a ser canhestro. A começar pelo elenco, que é totalmente inadequado. O protagonista é particularmente inexpressivo e ficou ainda pior ao ser forçado a clonar os trejeitos e expressões inventadas por Reeve para os filmes originais. A magrela e antipática Kate Bosworth não convence nem um minuto como Lois Lane e Kevin Spacey não tem o que fazer como Lex Luthor, que virou um personagem bobo e mal estruturado - sem dizer que também parece ter sido obrigado a imitar os tiques do vilão original (não seria mais lógico chamar Gene Hackman, ainda na ativa, de volta?).
O erro mais gritante, todavia, é que venderam “Superman Returns” como uma continuação-homenagem quando é na verdade uma mera refilmagem do primeiro filme, lançado em 1978, com ligeiras mudanças e novos personagens para tentar disfarçar. Mas, repare, a estrutura narrativa é a mesma: herói chega à Terra, fica um tempo no campo, vai para a cidade grande, flerta e voa pelos céus da cidade com a Lois Lane e enfrenta o vilão Lex Luthor, que quer provocar desastres naturais para obter lucros com terras. O roteiro inclusive aproveita dezenas de diálogos idênticos usados em “Superman – O Filme” (o que serve apenas para enganar nerds mais agressivos que confundem preguiça criativa com auto-reverência).
Por causa dessa necessidade de disfarçar a reciclagem de idéias, o filme acaba ficando com uma história totalmente absurda, que nem chega a fazer sentido. Já começa mal, com o Superman voltando à Terra depois de ficar cinco anos procurando sobreviventes do seu planeta natal, Krypton (por que, se ele sabia que havia sido completamente destruído?). Sua amada Lois Lane está de namorado novo (James Mardsen, o Ciclope dos “X-Men”, perdido num personagem ridículo) e tem um filho de cinco anos, cuja vida ela arrisca de maneira irresponsável – e não precisa ser gênio para adivinhar quem é o verdadeiro pai da criança (mas nem isso é bem aproveitado e o menino é péssimo ator). O vilão Luthor tem um plano mirabolante de criar novos continentes no mar, usando os cristais que roubou da Fortaleza da Solidão do homem-de-aço (no filme de 78 ele usa mísseis nucleares). Já o Superman fica reduzido a uma mera massa de músculos cuja única função na trama é ficar salvando pessoas dos estragos e sofrer de dores de cotovelo por ter sido dispensado pela Lois Lane. Afinal, que herói é esse que não vai investigar o sumiço dos seus preciosos cristais, muito menos o estranho pulso magnético que provocou um desastre quase mortal para sua amada?
Parece que o objetivo de Singer e da Warner era o de acender uma vela para dois santos, ou seja, desejavam agradar aos fãs dos filmes originais, ao mesmo tempo em que conquistariam apreciadores nas novas gerações de cinéfilos. No final, não conseguiram nem uma coisa nem outra. Se pelo menos tivesse cenas de ação fortes e emocionantes ainda valeria o ingresso, mas nem isso. Chega a ser arrastado, modorrento mesmo, e as tentativas de deixar a trama com pretensos ares místicos-religiosos (como comparar Superman com Jesus Cristo ou deus) são patéticas. Nem mesmo o tão falado visual retrô chega a marcar, já que tudo é filmado apressadamente em enquadramentos sem qualquer brilho. E é inacreditável que mesmo “Superman Returns” tendo consumido US$ 300 milhões em plena era da revolução digital, a gente continue achando que o filme de 1978 tem efeitos visuais mais convincentes e um visual bem mais bonito (e olha que ele está cheio de calças boca-de-sino e costeletas)!
As únicas duas coisas que prestam no filme são os créditos de abertura e o tema principal de John Williams, iguais aos do filme de Richard Donner de 1978, porém sem o mesmo brilho ou vigor.
Mas, cá entre nós, se o objetivo desse projeto (que ficou em gestação por anos e passou pelas mãos de dezenas de diretores, roteiristas e atores) era meramente fazer a Warner lucrar mais em cima da franquia, teria sido mais lógico dar um upgrade em “Superman – O Filme” e relançá-lo nos cinemas ou então fazer um longa com os personagens da boa série "Smallville". Ao menos poderíamos assistir novamente a um filme realmente bem feito e divertido ou a uma produção original, além de sermos poupados de ver a asquerosa "atriz" Parker Posey usando uma peruca sarará e fazendo caretas como a horrível assistente do Lex Luthor...
Cotação: *
Apesar de ser vendido como continuação-homenagem, novo filme da franquia do homem-de-aço não passa de uma refilmagem canhestra e sem brilho do original
- Por André LuxEsse “Superman Returns” é um erro total, uma verdadeira supermancada. Eu até tinha esperanças de que o filme poderia ser razoável, afinal foi dirigido pelo competente Bryan Singer (dos dois primeiros “X-Men” e “Os Suspeitos”) e idealizado como uma continuação-homenagem aos dois primeiros filmes estrelados por Christopher Reeve (“Superman – O Filme” e “Superman II”, rodados simultaneamente em 1977, enquanto as partes III e IV foram ignoradas). Tanto é que escolheram até um ator parecido com Reeve, o novato Brandon Routh, usaram o mesmo tema criado por John Williams e até imagens de arquivo de Marlon Brando, como Jor-El, o pai do herói.
Mas, embora seja bem feito tecnicamente, não deu nada certo e o resultado chega a ser canhestro. A começar pelo elenco, que é totalmente inadequado. O protagonista é particularmente inexpressivo e ficou ainda pior ao ser forçado a clonar os trejeitos e expressões inventadas por Reeve para os filmes originais. A magrela e antipática Kate Bosworth não convence nem um minuto como Lois Lane e Kevin Spacey não tem o que fazer como Lex Luthor, que virou um personagem bobo e mal estruturado - sem dizer que também parece ter sido obrigado a imitar os tiques do vilão original (não seria mais lógico chamar Gene Hackman, ainda na ativa, de volta?).
O erro mais gritante, todavia, é que venderam “Superman Returns” como uma continuação-homenagem quando é na verdade uma mera refilmagem do primeiro filme, lançado em 1978, com ligeiras mudanças e novos personagens para tentar disfarçar. Mas, repare, a estrutura narrativa é a mesma: herói chega à Terra, fica um tempo no campo, vai para a cidade grande, flerta e voa pelos céus da cidade com a Lois Lane e enfrenta o vilão Lex Luthor, que quer provocar desastres naturais para obter lucros com terras. O roteiro inclusive aproveita dezenas de diálogos idênticos usados em “Superman – O Filme” (o que serve apenas para enganar nerds mais agressivos que confundem preguiça criativa com auto-reverência).
Por causa dessa necessidade de disfarçar a reciclagem de idéias, o filme acaba ficando com uma história totalmente absurda, que nem chega a fazer sentido. Já começa mal, com o Superman voltando à Terra depois de ficar cinco anos procurando sobreviventes do seu planeta natal, Krypton (por que, se ele sabia que havia sido completamente destruído?). Sua amada Lois Lane está de namorado novo (James Mardsen, o Ciclope dos “X-Men”, perdido num personagem ridículo) e tem um filho de cinco anos, cuja vida ela arrisca de maneira irresponsável – e não precisa ser gênio para adivinhar quem é o verdadeiro pai da criança (mas nem isso é bem aproveitado e o menino é péssimo ator). O vilão Luthor tem um plano mirabolante de criar novos continentes no mar, usando os cristais que roubou da Fortaleza da Solidão do homem-de-aço (no filme de 78 ele usa mísseis nucleares). Já o Superman fica reduzido a uma mera massa de músculos cuja única função na trama é ficar salvando pessoas dos estragos e sofrer de dores de cotovelo por ter sido dispensado pela Lois Lane. Afinal, que herói é esse que não vai investigar o sumiço dos seus preciosos cristais, muito menos o estranho pulso magnético que provocou um desastre quase mortal para sua amada?
Parece que o objetivo de Singer e da Warner era o de acender uma vela para dois santos, ou seja, desejavam agradar aos fãs dos filmes originais, ao mesmo tempo em que conquistariam apreciadores nas novas gerações de cinéfilos. No final, não conseguiram nem uma coisa nem outra. Se pelo menos tivesse cenas de ação fortes e emocionantes ainda valeria o ingresso, mas nem isso. Chega a ser arrastado, modorrento mesmo, e as tentativas de deixar a trama com pretensos ares místicos-religiosos (como comparar Superman com Jesus Cristo ou deus) são patéticas. Nem mesmo o tão falado visual retrô chega a marcar, já que tudo é filmado apressadamente em enquadramentos sem qualquer brilho. E é inacreditável que mesmo “Superman Returns” tendo consumido US$ 300 milhões em plena era da revolução digital, a gente continue achando que o filme de 1978 tem efeitos visuais mais convincentes e um visual bem mais bonito (e olha que ele está cheio de calças boca-de-sino e costeletas)!
As únicas duas coisas que prestam no filme são os créditos de abertura e o tema principal de John Williams, iguais aos do filme de Richard Donner de 1978, porém sem o mesmo brilho ou vigor.
Mas, cá entre nós, se o objetivo desse projeto (que ficou em gestação por anos e passou pelas mãos de dezenas de diretores, roteiristas e atores) era meramente fazer a Warner lucrar mais em cima da franquia, teria sido mais lógico dar um upgrade em “Superman – O Filme” e relançá-lo nos cinemas ou então fazer um longa com os personagens da boa série "Smallville". Ao menos poderíamos assistir novamente a um filme realmente bem feito e divertido ou a uma produção original, além de sermos poupados de ver a asquerosa "atriz" Parker Posey usando uma peruca sarará e fazendo caretas como a horrível assistente do Lex Luthor...
Cotação: *
terça-feira, 11 de julho de 2006
Filme: "O LIBERTINO"
Prazer pela tragédia
Filme explora protagonista que é um retrato das incongruências e idiossincrasias que inviabilizam a existência humana
- por André Lux
Fazia muito tempo que não assistia a um filme tão perfeito e intelectualmente desafiador como esse “O Libertino”. Ao contrário do que sugere o pôster ou as chamadas publicitárias, não se trata de uma obra cômica ligeira, no estilo “Casanova”, que também tinha como protagonista um hedonista inveterado, ficando mais próximo da acidez trágica de “Ligações Perigosas”. Aqui, conta-se a história do poeta inglês John Wilmont, Conde de Rochester, talentoso artista que destrói a própria vida graças à busca desenfreada pelo prazer e pela rebeldia sem causa. Mas, a sua verdadeira busca era mesmo pela tragédia. Tanto é que o próprio Wilmont (Johnny Depp) já avisa no monólogo que abre o filme: “Vocês não vão gostar de mim”.
Centrado nos últimos anos de sua vida, “O Libertino” é um denso e afiado estudo sobre a busca pela autodestruição que guia, em maior ou menor grau, a maioria dos seres humanos e, como conseqüência, nossa sociedade como um todo. Interpretado de maneira soberba por um sensual e maduro Johnny Depp, o protagonista é uma pessoa vazia e perdida que, plenamente consciente da sua existência pueril e inútil, busca desesperadamente por fortes emoções regadas sempre a sexo, drogas e álcool (não necessariamente nessa ordem). E quanto mais radical se tornam suas experiências, maiores tornam-se o seu cinismo, o seu ceticismo e o desprezo que sente por si mesmo e mais fundo ele mergulha no próprio flagelo – chegando literalmente a se “desfazer” em sangue e muco, corroído pela sífilis e pelo alcoolismo, com meros 33 anos de idade (o que é mostrado em tintas realistas que poderão chocar) e justamente quando começa a dar sinais de que poderia estar amadurecendo psicologicamente.
O roteiro de Stephen Jefreys, baseado em sua própria obra teatral, é muito bom e traz diálogos forte e extremamente afiados, perfeitamente encenados por excelentes atores. Palmas também para a direção precisa do estreante Laurence Dunmore, que não tem medo de estampar de forma clara a hipocrisia e a falta de escrúpulos da elite dominante no século XVII (que, infelizmente, não mudou em nada até hoje), muito menos as várias facetas do Conde, o qual passa de sedutor a repugnante em questão de segundos.
“O Libertino” é ainda tecnicamente brilhante e conta com uma fotografia primorosa (que às vezes parece mesmo uma pintura), toda granulada e esmaecida graças à iluminação das cenas feita sempre com luz natural que dão ao filme um ar quase de sonho (ou pesadelo). A música do minimalista Michael Nyman (de “O Piano” e dos filmes de Peter Greenway) também é perfeita e ajuda a construir o clima hipnótico que conduz toda a projeção.
Mas que fique bem claro. Esse é o tipo de filme feito para chocar, mas não aquele choque oriundo de recursos dramáticos vulgares, gratuitos ou forçados, pelo contrário. Cada fotograma foi meticulosamente construído para explorar e destacar as diversas nuances e facetas do protagonista que, no final das contas, nada mais é do que um retrato das incongruências e idiossincrasias que praticamente inviabilizam a existência humana. Por tudo isso, vai provocar reações extremadas de amor ou ódio que vão depender do estímulo que cada espectador receber do material apresentado. Confesso que sempre tive atração por esse tipo de enredo e abordagem, portanto, fui fisgado logo de cara. Mas é bom estar preparado e ciente do que está por vir, pois esse prato pode ser indigesto.
Cotação: * * * * *
Filme explora protagonista que é um retrato das incongruências e idiossincrasias que inviabilizam a existência humana
- por André Lux
Fazia muito tempo que não assistia a um filme tão perfeito e intelectualmente desafiador como esse “O Libertino”. Ao contrário do que sugere o pôster ou as chamadas publicitárias, não se trata de uma obra cômica ligeira, no estilo “Casanova”, que também tinha como protagonista um hedonista inveterado, ficando mais próximo da acidez trágica de “Ligações Perigosas”. Aqui, conta-se a história do poeta inglês John Wilmont, Conde de Rochester, talentoso artista que destrói a própria vida graças à busca desenfreada pelo prazer e pela rebeldia sem causa. Mas, a sua verdadeira busca era mesmo pela tragédia. Tanto é que o próprio Wilmont (Johnny Depp) já avisa no monólogo que abre o filme: “Vocês não vão gostar de mim”.
Centrado nos últimos anos de sua vida, “O Libertino” é um denso e afiado estudo sobre a busca pela autodestruição que guia, em maior ou menor grau, a maioria dos seres humanos e, como conseqüência, nossa sociedade como um todo. Interpretado de maneira soberba por um sensual e maduro Johnny Depp, o protagonista é uma pessoa vazia e perdida que, plenamente consciente da sua existência pueril e inútil, busca desesperadamente por fortes emoções regadas sempre a sexo, drogas e álcool (não necessariamente nessa ordem). E quanto mais radical se tornam suas experiências, maiores tornam-se o seu cinismo, o seu ceticismo e o desprezo que sente por si mesmo e mais fundo ele mergulha no próprio flagelo – chegando literalmente a se “desfazer” em sangue e muco, corroído pela sífilis e pelo alcoolismo, com meros 33 anos de idade (o que é mostrado em tintas realistas que poderão chocar) e justamente quando começa a dar sinais de que poderia estar amadurecendo psicologicamente.
O roteiro de Stephen Jefreys, baseado em sua própria obra teatral, é muito bom e traz diálogos forte e extremamente afiados, perfeitamente encenados por excelentes atores. Palmas também para a direção precisa do estreante Laurence Dunmore, que não tem medo de estampar de forma clara a hipocrisia e a falta de escrúpulos da elite dominante no século XVII (que, infelizmente, não mudou em nada até hoje), muito menos as várias facetas do Conde, o qual passa de sedutor a repugnante em questão de segundos.
“O Libertino” é ainda tecnicamente brilhante e conta com uma fotografia primorosa (que às vezes parece mesmo uma pintura), toda granulada e esmaecida graças à iluminação das cenas feita sempre com luz natural que dão ao filme um ar quase de sonho (ou pesadelo). A música do minimalista Michael Nyman (de “O Piano” e dos filmes de Peter Greenway) também é perfeita e ajuda a construir o clima hipnótico que conduz toda a projeção.
Mas que fique bem claro. Esse é o tipo de filme feito para chocar, mas não aquele choque oriundo de recursos dramáticos vulgares, gratuitos ou forçados, pelo contrário. Cada fotograma foi meticulosamente construído para explorar e destacar as diversas nuances e facetas do protagonista que, no final das contas, nada mais é do que um retrato das incongruências e idiossincrasias que praticamente inviabilizam a existência humana. Por tudo isso, vai provocar reações extremadas de amor ou ódio que vão depender do estímulo que cada espectador receber do material apresentado. Confesso que sempre tive atração por esse tipo de enredo e abordagem, portanto, fui fisgado logo de cara. Mas é bom estar preparado e ciente do que está por vir, pois esse prato pode ser indigesto.
Cotação: * * * * *
segunda-feira, 26 de junho de 2006
Filmes: "POSEIDON"
SEM SAL NEM AÇUCAR
Roteiro simplista, personagens vazios e excesso de efeitos deixam refilmagem de “Poseidon” sem qualquer dramaticidade
Para quem assistiu o “Destino do Poseidon” original, de 1972, fica impossível não compara-lo com essa refilmagem dirigida pelo alemão pau-para-toda-obra Wolfgang Petersen (de “Tróia” e “Força Aérea Um”). E o segundo perde feio no quesito dramaticidade. Culpa do excesso de efeitos especiais e do orçamento generoso (140 milhões de dólares) que transformam o filme em mais uma viagem de montanha russa, cheia de aventura e correrias, mas sem qualquer substância. Isso quer dizer que, tirando a adrenalina e a ansiedade gerada pelas intermináveis seqüências onde os personagens liderados por Kurt Russel e Josh Lucas escapam do perigo por um triz (com as ocasionais vítimas entre os coadjuvantes), não sobra mais nada no quesito emoção.
Mas o problema maior é da falta de sutilezas do roteiro, que falha em proporcionar qualquer tipo de aprofundamento nos personagens ou mesmo criar situações dramaticamente interessantes. A ausência de conflitos ou mesmo de personagens de caráter duvidoso também contribui para deixar o filme sem qualquer sal ou açúcar. No “Poseidon” de 2006 todo mundo é bonzinho, prestativo, disposto a se sacrificar pelo próximo e profundo como uma poça de água. Vejamos o personagem interpretado por Richard Dreyfuss, por exemplo. No início, descobrimos que ele é gay e quer se matar, pois acabou de ser abandonado pelo namorado. Qual a relevância disso no transcorrer do filme? Absolutamente nenhuma! O mesmo pode ser dizer de todos os outros, inclusive da latina que viaja clandestinamente (Mia Maestro, de "Diários de Motocicleta"), o ex-prefeito e ex-bombeiro (Russel), o ex-militar e atual jogador de cartas profissional (Lucas).
Esse tipo de abordagem simplista e superficial não gera qualquer empatia entre o público, que pode roer as unhas durante as cenas de perigo, mas não dá a mínima quando alguém morre ou se fere. E filme-catástrofe que não é capaz de gerar emoções jamais será memorável. O original podia ter menos recursos e situações de perigo, porém, mesmo longe de ser um clássico da sétima arte, tinha personagens mais humanos e interessantes, cujas personalidades, conflitos e deficiências eram explorados com calma e paciência, levando o filme numa crescente, onde o suspense girava em torno deles e não das pirotecnias visuais.
Já nesse típico subproduto da “era MTV”, onde mais (dinheiro, recursos, efeitos) geralmente quer dizer menos (drama, interesse, verdade), o que importa mesmo é COMO as pessoas vão morrer nas (ou escapar das) labaredas, inundações e destruições espetaculares, geradas por toneladas de efeitos visuais moderníssimos, porém geralmente vazios e redundantes, embalados por uma trilha musical “genérica” e barulhenta escrita por mais um desses compositores picaretas que abundam em Hollywood ultimamente (e pensar que a música do original era do mestre John Williams, ainda em início de carreira...).
Ou seja, dá para assistir se você não esperar muito, mesmo porque algumas tomadas de efeitos especiais são realmente muito bem feitas (especialmente quando a Tsunami vira o navio de ponta cabeça). É só forma sem qualquer conteúdo, daqueles que você esquece cinco minutos depois de sair da sala de projeção.
Cotação: * *
Roteiro simplista, personagens vazios e excesso de efeitos deixam refilmagem de “Poseidon” sem qualquer dramaticidade
Para quem assistiu o “Destino do Poseidon” original, de 1972, fica impossível não compara-lo com essa refilmagem dirigida pelo alemão pau-para-toda-obra Wolfgang Petersen (de “Tróia” e “Força Aérea Um”). E o segundo perde feio no quesito dramaticidade. Culpa do excesso de efeitos especiais e do orçamento generoso (140 milhões de dólares) que transformam o filme em mais uma viagem de montanha russa, cheia de aventura e correrias, mas sem qualquer substância. Isso quer dizer que, tirando a adrenalina e a ansiedade gerada pelas intermináveis seqüências onde os personagens liderados por Kurt Russel e Josh Lucas escapam do perigo por um triz (com as ocasionais vítimas entre os coadjuvantes), não sobra mais nada no quesito emoção.
Mas o problema maior é da falta de sutilezas do roteiro, que falha em proporcionar qualquer tipo de aprofundamento nos personagens ou mesmo criar situações dramaticamente interessantes. A ausência de conflitos ou mesmo de personagens de caráter duvidoso também contribui para deixar o filme sem qualquer sal ou açúcar. No “Poseidon” de 2006 todo mundo é bonzinho, prestativo, disposto a se sacrificar pelo próximo e profundo como uma poça de água. Vejamos o personagem interpretado por Richard Dreyfuss, por exemplo. No início, descobrimos que ele é gay e quer se matar, pois acabou de ser abandonado pelo namorado. Qual a relevância disso no transcorrer do filme? Absolutamente nenhuma! O mesmo pode ser dizer de todos os outros, inclusive da latina que viaja clandestinamente (Mia Maestro, de "Diários de Motocicleta"), o ex-prefeito e ex-bombeiro (Russel), o ex-militar e atual jogador de cartas profissional (Lucas).
Esse tipo de abordagem simplista e superficial não gera qualquer empatia entre o público, que pode roer as unhas durante as cenas de perigo, mas não dá a mínima quando alguém morre ou se fere. E filme-catástrofe que não é capaz de gerar emoções jamais será memorável. O original podia ter menos recursos e situações de perigo, porém, mesmo longe de ser um clássico da sétima arte, tinha personagens mais humanos e interessantes, cujas personalidades, conflitos e deficiências eram explorados com calma e paciência, levando o filme numa crescente, onde o suspense girava em torno deles e não das pirotecnias visuais.
Já nesse típico subproduto da “era MTV”, onde mais (dinheiro, recursos, efeitos) geralmente quer dizer menos (drama, interesse, verdade), o que importa mesmo é COMO as pessoas vão morrer nas (ou escapar das) labaredas, inundações e destruições espetaculares, geradas por toneladas de efeitos visuais moderníssimos, porém geralmente vazios e redundantes, embalados por uma trilha musical “genérica” e barulhenta escrita por mais um desses compositores picaretas que abundam em Hollywood ultimamente (e pensar que a música do original era do mestre John Williams, ainda em início de carreira...).
Ou seja, dá para assistir se você não esperar muito, mesmo porque algumas tomadas de efeitos especiais são realmente muito bem feitas (especialmente quando a Tsunami vira o navio de ponta cabeça). É só forma sem qualquer conteúdo, daqueles que você esquece cinco minutos depois de sair da sala de projeção.
Cotação: * *
segunda-feira, 19 de junho de 2006
Opinião: Filmes em DVD
Aproveitei o feriado prolongado para tirar o atraso e ver em DVD alguns novos filmes que havia perdido no cinema e novos lançamentos obscuros. Confira abaixo, por sua conta e risco, minha opinião sobre eles...
CRASH – NO LIMITE
A Academia de cinema estadunidense acertou ao dar o Oscar de melhor filme de 2005 para “Crash”. Apesar de tratar de tema parecido – a intolerância –, o filme de Paul Haggis é ainda mais atual e pertinente do que "Brokeback Mountain”. O racismo é algo inaceitável, mas faz parte da nossa vida, gostemos ou não. E essa é a proposta do filme, colocar o dedo naquela ferida que ninguém gosta de ver.
O roteiro é brilhante e coloca vários personagens em tramas paralelas que, em algum ponto da história, acabam se cruzando. O racismo é tratado de forma realista, sem panfletagem ou moralismo, e não se limita ao ódio entre brancos e negros, abrangendo todo o tipo de preconceito racial, inclusive contra árabes, hispânicos e dos próprios negros contra outras etnias.
A boa notícia é que todos os personagens se comportam de maneira suficientemente humana para não existir “mocinhos” e “bandidos” no filme. Mesmo aqueles que, a princípio, parecem ser os melhores acabam cometendo atos deploráveis, da mesma forma que os pintados como pessoas desprezíveis tomam atitudes louváveis inesperadamente.
“Crash” reserva alguns momentos muito fortes e até chocantes, não por apelarem para violência gratuita ou clichês, mas justamente por serem encenados de forma tão natural que os deixam ainda mais próximos da realidade. O elenco impecável também ajuda, diga-se de passagem.
Ou seja, um filme que se vale a pena assistir, ainda mais quando é produto de uma cultura onde o racismo é algo explícito e declarado, embora isso faça a gente questionar: existe racismo “bom”? Será que o preconceito racial que existe no Brasil, velado e implícito, não é ainda pior do que o que existe nos EUA? Esse é só um exemplo do tipo de reflexão e polêmica que “Crash” certamente vai provocar nos espectadores. E isso, convenhamos, não é pouco.
Cotação: * * * *
PONTO FINAL
Esse filme do Woody Allen é uma decepção total. Fraco, bobo, arrastado e ilógico. E, se não bastasse isso, é um drama sem qualquer pitada de comédia que não passa de (mais uma!) reciclagem do conto “Crime e Castigo”, de Dostoievski, que o protagonista folheia no início e o próprio Allen já havia aproveitado antes, com mais sucesso, em “Crime e Pecados”.
Mas o elenco, encabeçado pelo andrógino Jonathan Rhys-Meyers (quase um sósia do Joaquim Phoenix), é particularmente fraco e os diálogos são banais e frouxos. A trama consiste na ascensão social de um tenista fracassado que se casa com a filha de uma família rica de Londres (mas poderia ser em qualquer lugar). Só que ele se engraça justamente com a noiva do cunhado (Scarlett Johansson, menos apática que de costume) e os dois acabam virando amantes.
A partir daí o filme fica extremamente previsível e, quando tudo termina absurdamente em tragédia, ameaça virar mais uma história policial – o que, felizmente, não acontece, pois a metragem já beirava às duas horas e não havia mais tempo para nada. Allen tenta disfarçar a sua total falta de inspiração acrescentando um recurso narrativo pseudo-esperto que sugere que está, na verdade, fazendo um estudo sobre o quanto a sorte ou o azar podem influenciar a vida das pessoas. O que seria interessante, caso o diretor não perdesse todo o tempo de projeção mostrando uma história absolutamente banal só para enfiar duas cenas que dão razão à tal pretensão sugerida, sem maior impacto ou conseqüência (mas parece que o truque funcionou, pois vários profissionais da opinião andaram louvando o filme!).
Poderia, ao menos, ter inserido comentários mais agudos sobre a realidade e a política social que move as altas castas gerando assim algum tipo de conflito ou reflexão, mas nem isso o filme tem – tanto é que os personagens secundários não têm nada a fazer ou dizer, virando mera decoração, e o protagonista não tem qualquer profundidade ou carisma, parecendo até meio catatônico.
Sinceramente, o filme é muito fraco e, a exemplo do também decepcionante “Melinda e Melinda”, dá claros sinais que Allen está precisando de umas boas férias ao invés de ficar insistindo em fazer um filme por ano. Às vezes, um bom descanso faz bem para que novas idéias surjam na cabeça de um artista...
Cotação: * *
PLANO DE VÔO
“Plano de Vôo” é mais um daqueles filmes que foram criados para serem uma coisa, mas, no meio do processo, acabaram virando outra. Concebido para ser uma espécie de “Duro de Matar” num avião, no qual um policial durão teria que enfrentar terríveis terroristas para salvar a vida do seu filho em pleno vôo, “Plano de Vôo” acabou virando um veículo para Jodie Foster exibir seus talentos, no que os produtores certamente consideraram uma espertíssima jogada: “Que tal ao invés do machão dando porrada, tivermos uma mulher indefesa e perturbada psicologicamente lutando para reaver a filha que desapareceu no avião”?
Pois bem. Sumiram então os terroristas e o filme se esforça para ser o que não é. Para isso, usa recursos que buscam “enganar” o espectador (sempre uma má idéia, segundo o mestre Hitchcock) na tentativa de se vender como um suspense psicológico, no qual uma mãe (Foster), que acaba de perder o marido num trágico acidente (seria suicídio?), tenta recomeçar a vida voltando para os Estados Unidos junto com sua filha. No avião (na verdade um super-avião moderníssimo que ela ajudou a projetar) vai o caixão com o corpo do marido. Só que, ao acordar de um cochilo, percebe que sua filha sumiu. E começa a corrida dela para tentar convencer a todos que a menina foi seqüestrada.
A partir daí o diretor usa uma série de recursos dramáticos para tentar nos convencer que a protagonista pode sim estar sofrendo de ilusões paranóicas, já que ninguém havia visto sua filha entrar no avião ou mesmo ao lado dela (!). Depois, no auge da sua crise de histeria, é informada que a filha havia mesmo morrido junto com o pai - e acredita (!!). Será mesmo que foi tudo um sonho e ela entrou no avião sozinha, imaginando ter a filha morta ao seu lado?
Infelizmente, como todo filme de suspense estadunidense, esse questionamento dura pouco e logo somos informados que tudo não passava de um plano criminoso perfeito, cujos detalhes não vou revelar para não estragar as “surpresas”. Basta dizer que para dar certo, precisava contar com imensos “saltos de lógica” por parte dos vilões, os quais previram, por exemplo, que realmente NINGUÉM ia ver a mãe com a filha no avião (sem esse detalhe o tal plano iria por água abaixo), entre outros absurdos dignos de gargalhadas. Ok, justiça seja feita: o filme é bem feito e usa vários efeitos digitais para “incrementar” o super-avião e até consegue manter algum grau de suspense enquanto a trama não é revelada, contando para isso com o bom desempenho da competente Jodie Foster.
Mas é muito pouco para salvar um projeto que já nasceu errado e, depois, só piorou. Enfim, uma bobagem comercial que tenta, sem sucesso, se vender como algo diferente.
Cotação: * *
POR AMOR OU POR DINHEIRO?
Filme francês francamente bizarro, daqueles que não deixam claro ao que vieram. Uma mistura de comédia de humor negro com sátira social, vale pela presença da sempre bela e voluptuosa Monica Belucci, que aparece semi-nua com freqüência.
Conta a história, sempre de uma maneira meio surreal, de um sujeito que diz a um prostituta (Belucci) ter ganhado na loteria e a convida para morar com ele, com pagamentos mensais. Obviamente, ela aceita e, a partir daí, o filme vai ficando cada vez mais esquisito, com um clima de comédia de absurdos, onde os atores desempenham seus papéis na mais absoluta seriedade enquanto as situações bizarras se acumulam.
E o riso surge justamente desse contraste (inclusive com o uso de uma trilha sonora exagerada que busca acentuar isso), mas não o bastante para tornar o filme memorável ou mesmo recomendável. Gerard Depardieu tem um papel pequeno, mas sempre é uma presença interessante. Além disso, tem uma fotografia bonita e o diretor Bertrand Blier busca sempre enquadramentos inovadores e uma edição fluída.
Verdade seja dita, embora tenha alguns momentos bem divertidos (como a discussão com a vizinha incomodada pelo barulho dos gemidos da prostituta, a intrusão dos colegas de escritório do protagonista e a festa final), parece que o negócio dos realizadores era mesmo deixar Mônica Belucci peladona o maior número de vezes possível no set de filmagem! Pelo menos disso não podemos reclamar.
Cotação: * * *
A MARCHA DOS PINGUINS
O filme é bonito, muito bem fotografado e conta um fato interessante, que é justamente a tal marcha do título, empregada pelos pingüins Imperadores para se acasalarem, enfrentando de forma emocionante todos os tipos de dificuldades, como frio terrível, tempestades, fome e o ataque de predadores.
Mas, por mais que tente disfarçar, não deixa de ser um documentário sobre a vida natural e, nesse quesito, deixa a desejar. Faltam muitas informações a respeito do comportamento dos animais, suas motivações e sobre as técnicas usadas para garantir a sobrevivência dos filhotes. O diretor optou por tentar transformar o documentário numa espécie de drama épico ao dar vozes aos pingüins, mas isso soa quase sempre forçado, piegas e, infelizmente, bem pouco informativo.
Melhor seria se tivesse utilizado uma narração mais neutra ou letreiros explicativos. Do jeito que ficou, inclusive abusando de canções de ninar bem fraquinhas (embora a trilha incidental, da mesma autora, seja muito boa), acaba resultando em algo mais próximo de um filme infantil, onde os bichinhos “falam” como se fossem humanos sobre sua condição e necessidades. Por isso, pode funcionar melhor como um “filme família” (e é sempre bom educar os mais novos sobre a importância de respeitar a natureza), mas como cinema documental não chega a cumprir suas promessas.
Cotação: * * *
CRASH – NO LIMITE
A Academia de cinema estadunidense acertou ao dar o Oscar de melhor filme de 2005 para “Crash”. Apesar de tratar de tema parecido – a intolerância –, o filme de Paul Haggis é ainda mais atual e pertinente do que "Brokeback Mountain”. O racismo é algo inaceitável, mas faz parte da nossa vida, gostemos ou não. E essa é a proposta do filme, colocar o dedo naquela ferida que ninguém gosta de ver.
O roteiro é brilhante e coloca vários personagens em tramas paralelas que, em algum ponto da história, acabam se cruzando. O racismo é tratado de forma realista, sem panfletagem ou moralismo, e não se limita ao ódio entre brancos e negros, abrangendo todo o tipo de preconceito racial, inclusive contra árabes, hispânicos e dos próprios negros contra outras etnias.
A boa notícia é que todos os personagens se comportam de maneira suficientemente humana para não existir “mocinhos” e “bandidos” no filme. Mesmo aqueles que, a princípio, parecem ser os melhores acabam cometendo atos deploráveis, da mesma forma que os pintados como pessoas desprezíveis tomam atitudes louváveis inesperadamente.
“Crash” reserva alguns momentos muito fortes e até chocantes, não por apelarem para violência gratuita ou clichês, mas justamente por serem encenados de forma tão natural que os deixam ainda mais próximos da realidade. O elenco impecável também ajuda, diga-se de passagem.
Ou seja, um filme que se vale a pena assistir, ainda mais quando é produto de uma cultura onde o racismo é algo explícito e declarado, embora isso faça a gente questionar: existe racismo “bom”? Será que o preconceito racial que existe no Brasil, velado e implícito, não é ainda pior do que o que existe nos EUA? Esse é só um exemplo do tipo de reflexão e polêmica que “Crash” certamente vai provocar nos espectadores. E isso, convenhamos, não é pouco.
Cotação: * * * *
PONTO FINAL
Esse filme do Woody Allen é uma decepção total. Fraco, bobo, arrastado e ilógico. E, se não bastasse isso, é um drama sem qualquer pitada de comédia que não passa de (mais uma!) reciclagem do conto “Crime e Castigo”, de Dostoievski, que o protagonista folheia no início e o próprio Allen já havia aproveitado antes, com mais sucesso, em “Crime e Pecados”.
Mas o elenco, encabeçado pelo andrógino Jonathan Rhys-Meyers (quase um sósia do Joaquim Phoenix), é particularmente fraco e os diálogos são banais e frouxos. A trama consiste na ascensão social de um tenista fracassado que se casa com a filha de uma família rica de Londres (mas poderia ser em qualquer lugar). Só que ele se engraça justamente com a noiva do cunhado (Scarlett Johansson, menos apática que de costume) e os dois acabam virando amantes.
A partir daí o filme fica extremamente previsível e, quando tudo termina absurdamente em tragédia, ameaça virar mais uma história policial – o que, felizmente, não acontece, pois a metragem já beirava às duas horas e não havia mais tempo para nada. Allen tenta disfarçar a sua total falta de inspiração acrescentando um recurso narrativo pseudo-esperto que sugere que está, na verdade, fazendo um estudo sobre o quanto a sorte ou o azar podem influenciar a vida das pessoas. O que seria interessante, caso o diretor não perdesse todo o tempo de projeção mostrando uma história absolutamente banal só para enfiar duas cenas que dão razão à tal pretensão sugerida, sem maior impacto ou conseqüência (mas parece que o truque funcionou, pois vários profissionais da opinião andaram louvando o filme!).
Poderia, ao menos, ter inserido comentários mais agudos sobre a realidade e a política social que move as altas castas gerando assim algum tipo de conflito ou reflexão, mas nem isso o filme tem – tanto é que os personagens secundários não têm nada a fazer ou dizer, virando mera decoração, e o protagonista não tem qualquer profundidade ou carisma, parecendo até meio catatônico.
Sinceramente, o filme é muito fraco e, a exemplo do também decepcionante “Melinda e Melinda”, dá claros sinais que Allen está precisando de umas boas férias ao invés de ficar insistindo em fazer um filme por ano. Às vezes, um bom descanso faz bem para que novas idéias surjam na cabeça de um artista...
Cotação: * *
PLANO DE VÔO
“Plano de Vôo” é mais um daqueles filmes que foram criados para serem uma coisa, mas, no meio do processo, acabaram virando outra. Concebido para ser uma espécie de “Duro de Matar” num avião, no qual um policial durão teria que enfrentar terríveis terroristas para salvar a vida do seu filho em pleno vôo, “Plano de Vôo” acabou virando um veículo para Jodie Foster exibir seus talentos, no que os produtores certamente consideraram uma espertíssima jogada: “Que tal ao invés do machão dando porrada, tivermos uma mulher indefesa e perturbada psicologicamente lutando para reaver a filha que desapareceu no avião”?
Pois bem. Sumiram então os terroristas e o filme se esforça para ser o que não é. Para isso, usa recursos que buscam “enganar” o espectador (sempre uma má idéia, segundo o mestre Hitchcock) na tentativa de se vender como um suspense psicológico, no qual uma mãe (Foster), que acaba de perder o marido num trágico acidente (seria suicídio?), tenta recomeçar a vida voltando para os Estados Unidos junto com sua filha. No avião (na verdade um super-avião moderníssimo que ela ajudou a projetar) vai o caixão com o corpo do marido. Só que, ao acordar de um cochilo, percebe que sua filha sumiu. E começa a corrida dela para tentar convencer a todos que a menina foi seqüestrada.
A partir daí o diretor usa uma série de recursos dramáticos para tentar nos convencer que a protagonista pode sim estar sofrendo de ilusões paranóicas, já que ninguém havia visto sua filha entrar no avião ou mesmo ao lado dela (!). Depois, no auge da sua crise de histeria, é informada que a filha havia mesmo morrido junto com o pai - e acredita (!!). Será mesmo que foi tudo um sonho e ela entrou no avião sozinha, imaginando ter a filha morta ao seu lado?
Infelizmente, como todo filme de suspense estadunidense, esse questionamento dura pouco e logo somos informados que tudo não passava de um plano criminoso perfeito, cujos detalhes não vou revelar para não estragar as “surpresas”. Basta dizer que para dar certo, precisava contar com imensos “saltos de lógica” por parte dos vilões, os quais previram, por exemplo, que realmente NINGUÉM ia ver a mãe com a filha no avião (sem esse detalhe o tal plano iria por água abaixo), entre outros absurdos dignos de gargalhadas. Ok, justiça seja feita: o filme é bem feito e usa vários efeitos digitais para “incrementar” o super-avião e até consegue manter algum grau de suspense enquanto a trama não é revelada, contando para isso com o bom desempenho da competente Jodie Foster.
Mas é muito pouco para salvar um projeto que já nasceu errado e, depois, só piorou. Enfim, uma bobagem comercial que tenta, sem sucesso, se vender como algo diferente.
Cotação: * *
POR AMOR OU POR DINHEIRO?
Filme francês francamente bizarro, daqueles que não deixam claro ao que vieram. Uma mistura de comédia de humor negro com sátira social, vale pela presença da sempre bela e voluptuosa Monica Belucci, que aparece semi-nua com freqüência.
Conta a história, sempre de uma maneira meio surreal, de um sujeito que diz a um prostituta (Belucci) ter ganhado na loteria e a convida para morar com ele, com pagamentos mensais. Obviamente, ela aceita e, a partir daí, o filme vai ficando cada vez mais esquisito, com um clima de comédia de absurdos, onde os atores desempenham seus papéis na mais absoluta seriedade enquanto as situações bizarras se acumulam.
E o riso surge justamente desse contraste (inclusive com o uso de uma trilha sonora exagerada que busca acentuar isso), mas não o bastante para tornar o filme memorável ou mesmo recomendável. Gerard Depardieu tem um papel pequeno, mas sempre é uma presença interessante. Além disso, tem uma fotografia bonita e o diretor Bertrand Blier busca sempre enquadramentos inovadores e uma edição fluída.
Verdade seja dita, embora tenha alguns momentos bem divertidos (como a discussão com a vizinha incomodada pelo barulho dos gemidos da prostituta, a intrusão dos colegas de escritório do protagonista e a festa final), parece que o negócio dos realizadores era mesmo deixar Mônica Belucci peladona o maior número de vezes possível no set de filmagem! Pelo menos disso não podemos reclamar.
Cotação: * * *
A MARCHA DOS PINGUINS
O filme é bonito, muito bem fotografado e conta um fato interessante, que é justamente a tal marcha do título, empregada pelos pingüins Imperadores para se acasalarem, enfrentando de forma emocionante todos os tipos de dificuldades, como frio terrível, tempestades, fome e o ataque de predadores.
Mas, por mais que tente disfarçar, não deixa de ser um documentário sobre a vida natural e, nesse quesito, deixa a desejar. Faltam muitas informações a respeito do comportamento dos animais, suas motivações e sobre as técnicas usadas para garantir a sobrevivência dos filhotes. O diretor optou por tentar transformar o documentário numa espécie de drama épico ao dar vozes aos pingüins, mas isso soa quase sempre forçado, piegas e, infelizmente, bem pouco informativo.
Melhor seria se tivesse utilizado uma narração mais neutra ou letreiros explicativos. Do jeito que ficou, inclusive abusando de canções de ninar bem fraquinhas (embora a trilha incidental, da mesma autora, seja muito boa), acaba resultando em algo mais próximo de um filme infantil, onde os bichinhos “falam” como se fossem humanos sobre sua condição e necessidades. Por isso, pode funcionar melhor como um “filme família” (e é sempre bom educar os mais novos sobre a importância de respeitar a natureza), mas como cinema documental não chega a cumprir suas promessas.
Cotação: * * *
terça-feira, 11 de abril de 2006
Filme: V DE VINGANÇA
Viva a revolução!
Qualquer pessoa de esquerda ou que tenha simpatia pelas lutas por justiça social vai lavar a alma com esse filme que não tem medo de colocar o dedo na ferida da sociedade e reflete de maneira alegórica a nossa condição atual.
- Por André Lux, crítico-spam
Em certo momento da graphic novel “V de Vingança”, um dos personagens descarrega todas as balas de seu revólver contra o protagonista da história, que mesmo assim continua avançando sobre ele. “Por que você não morre??”, grita desesperado, para ouvir como resposta: “Não há carne e sangue dentro deste manto, há apenas uma idéia. Idéias são à prova de balas” (dá até para imaginar um certo senador de extrema-direita fazendo essa pergunta depois que seu sonho de “acabar com a raça” de um grupo de pessoas não deu muito certo).
Essa é a força que está por trás da história criada por Alan Moore (o mesmo de “Watchmen”) que acaba de ser levada aos cinemas pelas mãos dos criadores da série “Matrix”, Larry e Andy Wachowsky, que apenas assinam o roteiro e produzem dessa vez. Qualquer pessoa que seja assumidamente de esquerda ou que tenha simpatia pelas lutas por justiça social vai lavar a alma com esse filme, dirigido com precisão por James McTeigue, que não tem medo de colocar o dedo na ferida da sociedade. Trata-se, mais uma vez, de uma história passada num futuro próximo (2020), mas que reflete de maneira alegórica a nossa condição atual. E como reflete!
O roteiro mostra o que seria a Inglaterra sob o domínio de um governo ditatorial de extrema-direita, que chegou ao poder aproveitando-se do caos generalizado que tomou conta do mundo graças às guerras infinitas provocadas pelos Estados Unidos (que no filme já se encontra à beira do colapso). Estimulando o medo, a intolerância racial, sexual e social e reprimindo a população por meio da violência, da religião e da intensa manipulação midiática, o novo governo lança mão também de um artifício aterrador: atos de terrorismo contra sua própria população. Tudo isso em nome de “salvar” a população e “libertar” o país. Já ouvimos tudo isso antes, não?
Mas, ao contrário do que parece, “V de Vingança” não é um mero filme de ação e explosões (embora elas existam), e sim um intenso thriller político que, após um início truncado e titubeante, pega o espectador pelo colarinho e não larga mais. Para isso conta com dois trunfos: a atuação impecável de Natalie Portman, como Evey, que sofre uma transformação brutal, tanto física quanto psicológica no decorrer da trama, e de Hugo Weaving (o Mr. Anderson de “Matrix”), que dá vida ao anarquista conhecido apenas como V e passa o filme todo coberto por uma máscara de Guy Fawkes, o lendário cidadão britânico que tentou explodir o parlamento inglês no século 17. Verdade seja dita, nada mais difícil do que passar emoções a partir de um personagem mascarado (ainda mais quando a máscarar é dura e totalmente inexpressiva como a usada no filme), mas mesmo assim, graças à entonação e à expressão corporal de Weaving, a personalidade magnética de V cresce à medida que a trama progride, tornando-se arrebatadora no final.
O filme é entrecortado por dezenas de diálogos brilhantes ( “O povo não deveria temer seu governo. O governo é que deve temer o povo”) e reserva algumas seqüências absolutamente emocionantes, particularmente a da leitura de uma carta que traz um grito ensurdecedor contra a intolerância e a favor das diferenças e a cena que marca o despertar angustiante de Evey do seu estado anterior de letargia e alienação para o mundo real que a cerca. Quem já passou por esse doloroso, porém importantíssimo, processo vai ter dificuldades em segurar as lágrimas.
Com tantos conteúdos abertamente a favor da revolução popular e do conceito marxista que prevê sociedades criadas a partir da exploração das classes fatalmente criarão seus próprios algozes (“ação e reação”), é natural que “V de Vingança” provoque tantas críticas ferozes proferidas pelos defensores do sistema atual, sempre ligados aos setores mais conservadores e reacionários da sociedade, que se expressam livremente por meio da sua imprensa corporativa.
Mas esse tipo de reação histérica apenas dá mais força aos méritos dessa brilhante obra, que certamente vai ficar na cabeça das pessoas por um bom tempo - ao menos para aquela parcela dos espectadores que ainda se prestam a pensar e refletir sobre o que acabaram de assistir.
Alan Moore, o autor da graphic novel original, rejeitou a adaptação e não quis nenhum tipo de envolvimento com o filme desde o seu início, tanto é que seu nome nem consta dos créditos (embora o desenhista David Loyd tenha participado ativamente). Azar o dele, pois “V de Vingança”, o filme, não causa nenhum demérito à história em quadrinhos. Afinal, mesmo com várias mudanças e acréscimos (principalmente na conclusão que ficou um pouco ingênua apesar do forte apelo alegórico), o conceito principal permaneceu intocado: ideais nunca morrem - e sem eles não somos nada.
Cotação: * * * *
Qualquer pessoa de esquerda ou que tenha simpatia pelas lutas por justiça social vai lavar a alma com esse filme que não tem medo de colocar o dedo na ferida da sociedade e reflete de maneira alegórica a nossa condição atual.
- Por André Lux, crítico-spam
Em certo momento da graphic novel “V de Vingança”, um dos personagens descarrega todas as balas de seu revólver contra o protagonista da história, que mesmo assim continua avançando sobre ele. “Por que você não morre??”, grita desesperado, para ouvir como resposta: “Não há carne e sangue dentro deste manto, há apenas uma idéia. Idéias são à prova de balas” (dá até para imaginar um certo senador de extrema-direita fazendo essa pergunta depois que seu sonho de “acabar com a raça” de um grupo de pessoas não deu muito certo).
Essa é a força que está por trás da história criada por Alan Moore (o mesmo de “Watchmen”) que acaba de ser levada aos cinemas pelas mãos dos criadores da série “Matrix”, Larry e Andy Wachowsky, que apenas assinam o roteiro e produzem dessa vez. Qualquer pessoa que seja assumidamente de esquerda ou que tenha simpatia pelas lutas por justiça social vai lavar a alma com esse filme, dirigido com precisão por James McTeigue, que não tem medo de colocar o dedo na ferida da sociedade. Trata-se, mais uma vez, de uma história passada num futuro próximo (2020), mas que reflete de maneira alegórica a nossa condição atual. E como reflete!
O roteiro mostra o que seria a Inglaterra sob o domínio de um governo ditatorial de extrema-direita, que chegou ao poder aproveitando-se do caos generalizado que tomou conta do mundo graças às guerras infinitas provocadas pelos Estados Unidos (que no filme já se encontra à beira do colapso). Estimulando o medo, a intolerância racial, sexual e social e reprimindo a população por meio da violência, da religião e da intensa manipulação midiática, o novo governo lança mão também de um artifício aterrador: atos de terrorismo contra sua própria população. Tudo isso em nome de “salvar” a população e “libertar” o país. Já ouvimos tudo isso antes, não?
Mas, ao contrário do que parece, “V de Vingança” não é um mero filme de ação e explosões (embora elas existam), e sim um intenso thriller político que, após um início truncado e titubeante, pega o espectador pelo colarinho e não larga mais. Para isso conta com dois trunfos: a atuação impecável de Natalie Portman, como Evey, que sofre uma transformação brutal, tanto física quanto psicológica no decorrer da trama, e de Hugo Weaving (o Mr. Anderson de “Matrix”), que dá vida ao anarquista conhecido apenas como V e passa o filme todo coberto por uma máscara de Guy Fawkes, o lendário cidadão britânico que tentou explodir o parlamento inglês no século 17. Verdade seja dita, nada mais difícil do que passar emoções a partir de um personagem mascarado (ainda mais quando a máscarar é dura e totalmente inexpressiva como a usada no filme), mas mesmo assim, graças à entonação e à expressão corporal de Weaving, a personalidade magnética de V cresce à medida que a trama progride, tornando-se arrebatadora no final.
O filme é entrecortado por dezenas de diálogos brilhantes ( “O povo não deveria temer seu governo. O governo é que deve temer o povo”) e reserva algumas seqüências absolutamente emocionantes, particularmente a da leitura de uma carta que traz um grito ensurdecedor contra a intolerância e a favor das diferenças e a cena que marca o despertar angustiante de Evey do seu estado anterior de letargia e alienação para o mundo real que a cerca. Quem já passou por esse doloroso, porém importantíssimo, processo vai ter dificuldades em segurar as lágrimas.
Com tantos conteúdos abertamente a favor da revolução popular e do conceito marxista que prevê sociedades criadas a partir da exploração das classes fatalmente criarão seus próprios algozes (“ação e reação”), é natural que “V de Vingança” provoque tantas críticas ferozes proferidas pelos defensores do sistema atual, sempre ligados aos setores mais conservadores e reacionários da sociedade, que se expressam livremente por meio da sua imprensa corporativa.
Mas esse tipo de reação histérica apenas dá mais força aos méritos dessa brilhante obra, que certamente vai ficar na cabeça das pessoas por um bom tempo - ao menos para aquela parcela dos espectadores que ainda se prestam a pensar e refletir sobre o que acabaram de assistir.
Alan Moore, o autor da graphic novel original, rejeitou a adaptação e não quis nenhum tipo de envolvimento com o filme desde o seu início, tanto é que seu nome nem consta dos créditos (embora o desenhista David Loyd tenha participado ativamente). Azar o dele, pois “V de Vingança”, o filme, não causa nenhum demérito à história em quadrinhos. Afinal, mesmo com várias mudanças e acréscimos (principalmente na conclusão que ficou um pouco ingênua apesar do forte apelo alegórico), o conceito principal permaneceu intocado: ideais nunca morrem - e sem eles não somos nada.
Cotação: * * * *
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006
Filmes: "SYRIANA"
CORRUPÇÃO S/A
Quem acreditou na ladainha neoliberal sobre a honestidade das corporações privadas frente à corrupção do Estado vai ter que rever seus valores
- Por André Lux, crítico-spam
Fazia tempo que não era lançado um filme tão complexo e contundente como SYRIANA, que bem poderia se chamar “Corrupção S/A”. Dirigido por Stephen Gaghan, roteirista do excelente TRAFFIC, conta com um elenco de primeira linha liderado por George Clooney (também um dos produtores executivos) para mostrar, com tintas realistas e engajamento político, a podridão que envolve o mundo dos negócios, no caso o de exploração e venda de petróleo no Oriente Médio.
Qualquer um que algum dia acreditou na ladainha neoliberal sobre a suposta honestidade das corporações privadas frente à inerente corrupção do Estado, muito usada para difundir a tão propaga “necessidade” das privatizações nas últimas décadas, vai ter que rever seus valores no final da sessão - mesmo porquê quem são os responsáveis pela corrupção no Estado, senão os próprio governantes e, em última instância, seus eleitores?
Embora SYRIANA tenha formato de thriller político e apresente várias tramas paralelas que só irão se unir no final, o que move o enredo é a disputa política entre dois irmãos num emirado árabe no Golfo Pérsico. Um deles é o típico playboy alienado e vendido ao sistema capitalista, que torra a fortuna da família com iates, drogas e mulheres, enquanto o outro, Príncipe Nasir (Alexander Siddig), tem intenções mais nobres.
Vem dele, por sinal, uma das falas mais reveladoras do filme. Quando interpelado pelo executivo feito por Matt Damon sobre o inevitável fim das reservas petrolíferas mundiais e as conseqüências disso para os povos do Oriente Médio, que fatalmente vão retornar ao barbarismo, dispara: “E você acha que eu não sei disso? Quando aceitei a melhor oferta da China para explorar meus poços, o fiz pensando em meu povo, em usar o dinheiro para melhorar a condição de vida de todos, investir em infra-estrutura e bem estar social. Por isso, agora sou chamado pela mídia e pelo seu governo de terrorista, comunista e ateu!”.
Mas o ponto que mais impressiona em SYRIANA, não só pela crueza, mas também pela alta dose de verossimilhança, são as interferências diretas promovidas pelo Governo dos Estados Unidos, via sua Central de Inteligência (CIA), nos negócios realizados na região. Seus agentes agem como verdadeiros “anjos da guarda” para garantir que somente as empresas estadunidenses fechem negócios no Golfo Pérsico, nem que para isso precisem torturar e matar qualquer um que se colocar no caminho.
Do outro lado, as grandes corporações fazem das tripas coração para abocanhar contratos milionários de exclusividade. Manipulação, distorção, mentiras e corrupção são palavras banais neste negócio. Numa seqüência exemplar, um político conservador (interpretado por Tim Blake Nelson), ao ser flagrado em ato de corrupção por advogado que representa os interesses de uma empresa, dispara uma frase que já se tornou antológica: “Corrupção? Corrupção é a intrusão do governo no mercado na forma de regulação. Temos leis contra ela justamente para que possamos sair impunes. Corrupção é a nossa proteção! Corrupção nos mantém salvos e aquecidos! É graças à corrupção que você e eu viajamos o mundo ao invés de brigar nas ruas por um pedaço de carne! Corrupção é o motivo da nossa vitória!”.
Qualquer semelhança com a realidade, não é mera coincidência.
Infelizmente, nem tudo são flores em SYRIANA (a começar pelo nome, que não é explicado, mas é usado tanto para se referir à Síria - como em Pax Syriana-, quanto como um rotulo hipotético para referir-se a países do Oriente Médio que têm semelhança com a Síria). Ou seja, quem não tiver um conhecimento razoável da situação atual da região, incluindo aí os conflitos entre seus inúmeros grupos político-religiosos, e de como funciona o mercado das fusões nos Estados Unidos vai ter grande dificuldade de seguir a trama. Há também um excesso de personagens que deixa a situação ainda mais complicada (o drama familiar do executivo feito por Damon, por exemplo, não acrescenta nada ao filme e pode confundir o espectador).
O agente da CIA, feito por Clooney, também sofre de certa letargia e ingenuidade incongruentes com o personagem. Jamais alguém com tamanha experiência e bagagem em fazer o jogo sujo para o Tio Sam seria manipulado e enganado de forma tão fácil, muito menos ficaria tão surpreso ao ser descartado num momento de crise.
Todavia, mesmo apresentando essas falhas e incoerências, é inegável que SYRIANA mereça respeito e crédito, não apenas por tocar numa ferida aberta que pouquíssimas pessoas teriam coragem de expor, mas, principalmente, por deixar claro que, do mundo dos negócios promovidos pelas grandes corporações transnacionais, ninguém sai limpo.
E as conseqüências de tudo isso serão, a médio e longo prazos, catastróficas para a humanidade, como bem mostra o filme ao acompanhar a trajetória de um emigrante paquistanês que, expulso do emprego, brutalizado pela polícia e sem qualquer esperança de um futuro melhor, abraça a causa do terrorismo contra o inimigo de seu povo.
Mais atual e pertinente do que SYRIANA, sinceramente, dificilmente um filme será.
Cotação: ****1/2
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006
Filmes: "Cinema Paradiso"
MAIS, NEM SEMPRE É MELHOR
Versão estendida de ''Cinema Paradiso'' apresenta cenas inéditas que, ao mesmo tempo, contestam e reafirmam o valor deste clássico
- Por André Lux
Escrito e dirigido em 1989 por Giuseppe Tornatore, ''Cinema Paradiso'' é considerado hoje uma das mais belas e tocantes homenagens já feitas ao cinema. Foi agraciado com o Prêmio Especial do Júri em Cannes e com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, tornando-se um imenso sucesso de crítica e de público - inclusive por causa da trilha musical esplendorosa do mestre Ennio Morricone.
O filme conta a história de Salvatore Di Vitta (Totó), um famoso cineasta que, após receber uma triste notícia, relembra sua vida e, principalmente, como aprendeu a amar a sétima arte graças à sua amizade com Alfredo (Phillipe Noiret), o responsável pela projeção do pequeno cinema em sua cidade-natal.
Todavia, pouca gente sabe que o filme foi um tremendo fracasso de bilheterias quando lançado originalmente na Itália. Por isso, foi recolhido e remontado pelo diretor, que eliminou cerca de 50 minutos da versão original para depois lançá-lo novamente nos cinemas, sem sucesso de novo (o filme só emplacou mesmo depois de ser premiado em Cannes e no Oscar).
Agora, mais de 15 anos depois de seu lançamento mundial, finalmente temos acesso à versão original de ''Cinema Paradiso'', pois acaba de ser lançado no Brasil o DVD que contém a chamada ''Nova Versão'' do filme, que tem 2 horas e 54 minutos de duração e traz restauradas todas as cenas que haviam sido deixadas na sala de montagem por Tornatore.
Todas essas cenas novas são originais, filmadas na época, nada de refilmagens ou atualizações.
Essa versão restaurada traz várias adições à trama original (deixando bem mais claro o fato de Totó ter virado um famoso cineasta), estender a participação de alguns personagens (como a velha mãe) e incluir duas cenas de sexo gratuitas (uma delas com Toto perdendo a virgindade com uma prostituta no cinema).
Mas o grande destaque mesmo desta versão é mostrar o reencontro, muitos anos depois, de Totó (Jacques Perrin, de ''Z '') com sua primeira namorada, Elena. Para quem não se lembra, ambos acabaram sendo separados por uma série de desventuras e, na versão reduzida, nunca mais se viam, ficando a situação sem resolução.
É bom advertir que essa nova versão de ''Cinema Paradiso'' poderá ser um pouco chocante para aqueles que, como eu, aprenderam a amar o filme tal qual foi lançado nos cinemas. É particularmente angustiante testemunhar o reencontro dos antigos namorados quando ambos já estão na casa dos 50 anos e com a vida feita. Mais triste ainda é aprender que o culpado direto pela separação deles foi exatamente o Alfredo.
Isso mesmo: na versão restaurada, aprendemos que o velho projecionista influiu diretamente no desenlace trágico do romance entre o casal de jovens, de tal modo que passamos até a sentir uma certa raiva pelo simpático senhor!
Suas motivações eram perfeitamente louváveis e legítimas, mas é inegável que as conseqüências de seus atos foram desastrosas para a vida afetiva do jovem Totó (interpretado por Marco Lenardi na adolescência), a ponto de transformá-lo em um adulto melancólico e amargo, incapaz de esquecer seu romance adolescente e ser feliz com seu sucesso profissional.
Por causa disso, fica muito difícil tomar uma posição definitiva sobre a ''Nova Versão''. Ela realmente explora mais a fundo a relação entre os personagens, o que resulta num filme mais denso e adulto. Todavia, muito da mágica e do encantamento do original acabam perdendo-se ou diminuindo, principalmente na relação entre Totó e Alfredo.
Por causa disso, a conclusão do filme torna-se mais amarga e pouco redentora. Na verdade, devido ao aumento significativo de todo o terceiro ato, o foco narrativo de ''Cinema Paradiso'' acaba sendo bastante alterado, ficando mais centrado no romance entre Totó e Elena e menos no amor do menino (Salvatore Cascio, excepcional) e do projecionista pela magia do cinema.
Muito do que havia ficado nas entrelinhas na versão reduzida é agora explicado e esmiuçado, o que deixa o filme menos idílico e nostálgico. Será isso uma melhoria em relação ao original? Caberá a cada espectador julgar qual das duas visões do filme é a melhor.
Uns vão preferir a antiga, mais enxuta, poética e emocionante, enquanto outros vão satisfazer-se com a nova, mais madura e menos escapista em sua conclusão. Particularmente, prefiro a magia da versão antiga.
Confesso que a nova versão deixou um gosto muito amargo em minha boca, o qual nem mesmo a exibição final da montagem dos ''beijos do Alfredo'' foi capaz de tirar... Sem dizer que fica muito difícil de acreditar que alguém continuaria obcecado por um amor adolescente por mais de 30 anos, ao ponto de negar qualquer felicidade e possibilidade de um novo amor real.
Todavia, ao analisar as duas versões fica evidente o poder que a edição pode ter num filme, já que as cenas adicionadas, ao invés de simplesmente ''aumentarem'' a duração, acabam mudando totalmente seu foco conceitual. O que nos leva a uma conclusão inegável: ver um filme na forma o qual foi originalmente concebido é sempre uma experiência interessante e pertinente, ainda mais no caso de ''Cinema Paradiso'', onde ambas versões são tão contrastantes entre si.
Cotaçâo
Versão do Cinema: * * * * *
Versão Estendida: * * * 1/2
Versão estendida de ''Cinema Paradiso'' apresenta cenas inéditas que, ao mesmo tempo, contestam e reafirmam o valor deste clássico
- Por André Lux
Escrito e dirigido em 1989 por Giuseppe Tornatore, ''Cinema Paradiso'' é considerado hoje uma das mais belas e tocantes homenagens já feitas ao cinema. Foi agraciado com o Prêmio Especial do Júri em Cannes e com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, tornando-se um imenso sucesso de crítica e de público - inclusive por causa da trilha musical esplendorosa do mestre Ennio Morricone.
O filme conta a história de Salvatore Di Vitta (Totó), um famoso cineasta que, após receber uma triste notícia, relembra sua vida e, principalmente, como aprendeu a amar a sétima arte graças à sua amizade com Alfredo (Phillipe Noiret), o responsável pela projeção do pequeno cinema em sua cidade-natal.
Todavia, pouca gente sabe que o filme foi um tremendo fracasso de bilheterias quando lançado originalmente na Itália. Por isso, foi recolhido e remontado pelo diretor, que eliminou cerca de 50 minutos da versão original para depois lançá-lo novamente nos cinemas, sem sucesso de novo (o filme só emplacou mesmo depois de ser premiado em Cannes e no Oscar).
Agora, mais de 15 anos depois de seu lançamento mundial, finalmente temos acesso à versão original de ''Cinema Paradiso'', pois acaba de ser lançado no Brasil o DVD que contém a chamada ''Nova Versão'' do filme, que tem 2 horas e 54 minutos de duração e traz restauradas todas as cenas que haviam sido deixadas na sala de montagem por Tornatore.
Todas essas cenas novas são originais, filmadas na época, nada de refilmagens ou atualizações.
Essa versão restaurada traz várias adições à trama original (deixando bem mais claro o fato de Totó ter virado um famoso cineasta), estender a participação de alguns personagens (como a velha mãe) e incluir duas cenas de sexo gratuitas (uma delas com Toto perdendo a virgindade com uma prostituta no cinema).
Mas o grande destaque mesmo desta versão é mostrar o reencontro, muitos anos depois, de Totó (Jacques Perrin, de ''Z '') com sua primeira namorada, Elena. Para quem não se lembra, ambos acabaram sendo separados por uma série de desventuras e, na versão reduzida, nunca mais se viam, ficando a situação sem resolução.
É bom advertir que essa nova versão de ''Cinema Paradiso'' poderá ser um pouco chocante para aqueles que, como eu, aprenderam a amar o filme tal qual foi lançado nos cinemas. É particularmente angustiante testemunhar o reencontro dos antigos namorados quando ambos já estão na casa dos 50 anos e com a vida feita. Mais triste ainda é aprender que o culpado direto pela separação deles foi exatamente o Alfredo.
Isso mesmo: na versão restaurada, aprendemos que o velho projecionista influiu diretamente no desenlace trágico do romance entre o casal de jovens, de tal modo que passamos até a sentir uma certa raiva pelo simpático senhor!
Suas motivações eram perfeitamente louváveis e legítimas, mas é inegável que as conseqüências de seus atos foram desastrosas para a vida afetiva do jovem Totó (interpretado por Marco Lenardi na adolescência), a ponto de transformá-lo em um adulto melancólico e amargo, incapaz de esquecer seu romance adolescente e ser feliz com seu sucesso profissional.
Por causa disso, fica muito difícil tomar uma posição definitiva sobre a ''Nova Versão''. Ela realmente explora mais a fundo a relação entre os personagens, o que resulta num filme mais denso e adulto. Todavia, muito da mágica e do encantamento do original acabam perdendo-se ou diminuindo, principalmente na relação entre Totó e Alfredo.
Muito do que havia ficado nas entrelinhas na versão reduzida é agora explicado e esmiuçado, o que deixa o filme menos idílico e nostálgico. Será isso uma melhoria em relação ao original? Caberá a cada espectador julgar qual das duas visões do filme é a melhor.
Uns vão preferir a antiga, mais enxuta, poética e emocionante, enquanto outros vão satisfazer-se com a nova, mais madura e menos escapista em sua conclusão. Particularmente, prefiro a magia da versão antiga.
Confesso que a nova versão deixou um gosto muito amargo em minha boca, o qual nem mesmo a exibição final da montagem dos ''beijos do Alfredo'' foi capaz de tirar... Sem dizer que fica muito difícil de acreditar que alguém continuaria obcecado por um amor adolescente por mais de 30 anos, ao ponto de negar qualquer felicidade e possibilidade de um novo amor real.
Todavia, ao analisar as duas versões fica evidente o poder que a edição pode ter num filme, já que as cenas adicionadas, ao invés de simplesmente ''aumentarem'' a duração, acabam mudando totalmente seu foco conceitual. O que nos leva a uma conclusão inegável: ver um filme na forma o qual foi originalmente concebido é sempre uma experiência interessante e pertinente, ainda mais no caso de ''Cinema Paradiso'', onde ambas versões são tão contrastantes entre si.
Cotaçâo
Versão do Cinema: * * * * *
Versão Estendida: * * * 1/2
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