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segunda-feira, 19 de junho de 2017

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sexta-feira, 16 de junho de 2017

Filmes: "The Wizard of Lies"

RETRATO DE UM PSICOPATA

Filme mostra como o mundo dos negócios e o capitalismo neoliberal são perfeitos para que predadores deitem e rolem

- por André Lux, crítico-spam

“The Wizard of Lies” (O Mago das Mentiras, em português) é um filme produzido pelo canal HBO sobre a vida de Bernie Madoff, um dos papas da bolsa de valores estadunidenses que na verdade era um grande enganador o qual construiu um esquema fraudulento de investimentos que no final arruinou a vida de milhares de pessoas.

Dirigido pelo veterano Barry Levinson (de “Sleepers”) e com Robert De Niro no papel do protagonista, o filme é baseado no livro da jornalista Diana B. Henriques que entrevistou Madoff na prisão. Mais do que o retrato de um psicopata, “The Wizard of Lies” mostra como o mundo dos negócios e, em última instância, o sistema capitalista neoliberal são perfeitos para que esse tipo de predador humano deite e role sobre a vida de milhões de pessoas sem qualquer tipo de controle. Em uma das cenas mais marcantes da obra, um dos filhos de Madoff é questionado pela agente do FBI como não poderia saber das fraudes perpetradas pelo pai, ao que ele responde: “Se vocês que deveriam saber de tudo, vigiar tudo, não sabiam, como é que eu ia saber?”.

O filme nem tenta fazer entender os motivos que levaram Madoff a fazer o que fez, até porque fica claro que ele realmente não tinha motivo algum, exceto aquela máxima: “Fiz porque podia”. De Niro tem uma atuação contida e que muito revela sobre a verdadeira natureza do personagem, que praticamente nunca muda de expressão nem demonstra qualquer tipo de empatia, compaixão ou remorso por suas vitimas, nem mesmo pela família que é destruída por suas ações – um dos filhos acaba de suicidando, o outro morre de câncer alguns anos depois e a esposa (Michelle Pfeifer) vive de favor da casa da irmã, na Flórida. Chega a afirmar que é mais feliz vivendo na prisão.

O único momento em que ele tem algum tipo de reação é quando fica indignado ao ser comparado em um grande jornal com Ted Bundy, um serial killer que matava e colecionava a cabeça de suas vítimas. “Como podem me comparar a esse sujeito? Você acha que eu sou um sociopata?”, questiona na cena final à jornalista. Basta olhar as fotos do verdadeiro Madoff e reparar na expressão de tubarão em seus olhos para saber a resposta.


Madoff e o olhar do tubarão neoliberal
O que nos faz perguntar: quantos Bernie Madoff estão por aí, à solta, no mundo dos negócios, na política e nas grandes corporações, tomando decisões por todos nós e empurrando a raça humana cada vez mais rumo ao abismo? Melhor nem pensar nisso, é assustador demais...

Cotação: * * *

domingo, 4 de junho de 2017

Filmes: "Mulher-Maravilha"

MULHER-ASSASSINA

O melhor é não passar nem perto dessa besteira, principalmente as crianças que deveriam ser o público alvo do gênero


- por André Lux, crítico-spam

A DC bem que tentou, mas ainda não foi desta vez que conseguiu produzir um filme baseado nos seus super-heróis em quadrinhos que consiga limpar a imagem péssima que conquistou com os anteriores, principalmente “Homem de Aço” e “Batman versus Superman”, dois dos filmes mais grotescos já lançados até hoje no gênero.

Obviamente os executivos da Warner leram a enxurrada de críticas dos fãs que, em sua grande maioria, abominaram as adaptações mais recentes e tentaram a todo custo elevar o nível nesse “Mulher-Maravilha”. Para isso, contrataram uma mulher para dirigir o filme, Patty Jenkins (de “Monstro”), e criaram um roteiro que é quase uma cópia carbono do primeiro “Capitão América”, tanto em termos de estrutura, quanto de motivações e até vilões (os alemães). Copiaram também o esquema de "peixe fora da água" e as tentativas de humor do primeiro "Thor". Mas não deu muito certo, embora seja realmente um pouco melhor que os outros da DC, o que não chega a ser um grande elogio dada a ruindade daqueles filmes.

“Mulher-Maravilha” começa mostrando ela ainda criança na ilha das amazonas querendo de qualquer jeito aprender a lutar com a tia Antíope (Robin Wright, desperdiçada), enquanto sua mãe a rainha faz de tudo para impedir. Só que essa atitude da mãe não tem qualquer lógica, afinal ela é uma deusa e seria muito mais razoável treiná-la desde cedo para enfrentar seu destino, já que ela foi criada para ser a última defesa contra o deus-vilão Áres, cuja identidade secreta fica óbvia desde o primeiro momento para qualquer um que já tenha visto esse tipo de filme mais de uma vez na vida. Enfim, essa sub-trama é uma perda de tempo de projeção, já que ela é treinada de qualquer jeito até crescer. Aí começa o segundo grande problema do filme, já que a protagonista passa a ser interpretada por Gal Gadot, uma dessas mulheres-palito que fazem a cabeça dos estilistas de moda atualmente. A moça, que foi "revelada" num desses "Velozes e Furiosos", é uma atriz muito limitada, o que fica evidente quando tenta demonstrar alguma emoção.

A terceira e maior falha é algo que infesta muitos filmes de super-heróis atualmente: a gente nunca fica sabendo quais são os poderes da “Mulher-Maravilha” ou suas limitações. Assim, do nada ela se transforma de uma garota que é facilmente derrubada pela tia a uma guerreira praticamente invencível, capaz até de pular mais que uma pulga superdesenvolvida e resistir a impactos brutais contra rochas e estruturas de ferro - mas aparentemente não a balas, já que é quase morta em várias cenas em que atiram contra ela. Não adianta dizer que é assim porque ela não sabia que tinha poderes, pois nunca é sinalizado que ela precisa desenvolver tais poderes. Ela os tem e pronto, começa a usar do nada, como se já soubesse que os tinha quando assim exige o roteiro. Isso tira qualquer suspense, já que não existem regras definidas, ou seja, vale tudo. Basta assistir ao maravilhoso “Superman – O Filme”, de 1978, para entender como se deve apresentar de forma adequada e muito simples os poderes e limites de um super-herói.

O coitado do Chris Pine (o Kirk dos novos “Star Trek” e que está em tudo quanto é filme) fica com a ingrata tarefa de ser um mero “homem-exposição”, já que seu personagem serve apenas para ficar explicando forçadamente a trama para a protagonista e, claro, para a plateia. Tentam um romance entre os dois, porém eles não demonstram qualquer química e o personagem de Pine é vazio demais até para gerar empatia, o que seria imperioso para que a catarse final funcionasse. O resto do elenco é fraco, com destaque negativo para o péssimo Danny Huston, eterno canastrão especialista em vilões e que foi o Striker no fraco “X-Men Origens: Wolverine”. 


Mulher-Maravilha ou Mulher-Palito?
A fotografia é escura, esmaecida (embora um pouco mais colorida que os filmes do Superman) e o desenho de produção é carnavalesco, principalmente na ilha das amazonas. A trilha musical é composta por um dos incontáveis discípulos do abominável Hans Zimmer, no caso um tal de Rupert Gregson-Williams (mas podia ser qualquer outro), e é aquela coisa horrorosa de sempre: bombástica, ensurdecedora, opressiva e sem qualquer tipo de nuance ou desenvolvimento temático – e ainda somos obrigados a ouvir o tema que Zimmer inventou para a “Mulher Maravilha” no famigerado “Batman versus Superman” que, como afirmei na minha análise daquele filme, ficaria bem para acompanhar as aventuras do “Chapolin Colorado”, de tão ridículo.

No final chegam ao cúmulo de mostrar a protagonista assassinando a sangue-frio uma pessoa desarmada, igual ao que fez o Superman em “Homem de Aço”, o que é um exemplo tenebroso para qualquer criança em mais um tiro no pé que só pode ser atribuído ao lamentável Zack Snyder, que aqui assina apenas como criador da estória e produtor. E mais uma vez somos atormentados por uma daquelas lutas entre dois seres supostamente imortais que, entre tapas e socos, soltam raios e causam explosões capazes de provocar um ataque epiléptico nos mais sensíveis.

Incrivelmente o filme vem recebendo ótimas críticas mundo afora, o que apenas demonstra delírio coletivo dos profissionais da opinião ou então uma vontade muito grande de acreditar que a DC conseguiu finalmente fazer um filme divertido como os da Marvel, o que não é nem de longe uma verdade. Alguns estão enxergando no filme um tratado feminista, mas sinceramente isso não faz sentido porque o fato dela ser mulher pouca importância tem à trama (até porque não passa de um Capitão América de saias) e nem mesmo a sociedade das amazonas é explorada a contento (deviam ser todas lésbicas já que não existiam homens por lá, não?).

Resumindo, é mais do mesmo e o melhor é simplesmente não passar nem perto de mais essa besteira, principalmente as crianças que deveriam ser o público alvo do gênero.

Cotação: *1/2

sábado, 3 de junho de 2017

Filmes: "Machuca"

TRÁGICO E DOLOROSO

Assista este filme para entender porque, afinal, ninguém tem coragem de se assumir como sendo de “direita” na América Latina...

- por André Lux, crítico-spam

Você já se perguntou por que ninguém tem coragem de admitir que seja de “direita” na América do Sul? Assista “Machuca” e vai saber a resposta. Este filme chileno do diretor Andrés Wood se passa durante os últimos meses do governo socialista de Salvador Allende, quando o padre que dirige uma escola para crianças da classe média alta implanta uma política do governo que reserva vagas para alunos oriundos das classes pobres.

Um desses meninos é justamente o Machuca do título, que acaba ficando amigo de Gonzalo, um filho das “elites” e provável alter-ego do próprio cineasta (o filme termina com uma frase em homenagem a um padre real, que obviamente deve ter semelhanças com o personagem de "Machuca").

A amizade dos dois representa o abismo que existe entre as classes sociais, o qual fica escancarado quando um vai visitar a casa do outro. Gonzalo, que mora numa bela residência, tem um pai boa praça, porém ausente e alienado, enquanto sua mãe é a personificação da “dondoca” suburbana fútil e louca por dinheiro (ao ponto de ser amante de um político rico do qual recebe vários “presentes” chiques). A irmã do menino namora uma boçal violento e agressivo que faz parte do “Comando de Caça a Comunistas” chileno.

Já Machuca mora numa favela com a mãe, a irmã e um tio. Seu pai é um bêbado que aparece só para arrancar dinheiro da mãe e dar porrada nos filhos. Só por curiosidade, li um profissional da opinião dizendo que o filme “falha” ao mostrar a pobreza de forma idílica! Concordo com ele, afinal quem é que não sonha em morar num barraco feito de tábuas e lonas enquanto recebe uns sopapos do pai bêbado e cafetão dia sim, dia não?

Enfim, dessa improvável amizade acompanhamos os dois meninos passando por várias situações que servem para reforçar o caos político promovido pelos golpistas que se abatia sobre o país. O tio de Machuca ganha a vida vendendo bandeiras dos partidos de direita e de esquerda nas várias passeatas contra e a favor do governo. E leva os garotos juntos, que ignorantes do que se passava, saiam alegremente repetindo os jargões dos manifestantes, seja de qual tendência eram representantes.

Mas as coisas começam a mudar para Gonzalo quando encontra o namorado truculento da irmã e a própria mãe numa das passeatas, durante a qual a irmã de Machuca é humilhada e agredida por fazer parte da “ralé”. Em outra cena emblemática e muito triste, os pais da high society protestam numa reunião do colégio contra a presença das crianças pobres que, nas palavras deles, não devem se misturar com seus filhos. Uma das mães pobres faz então um tocante discurso sobre a trágica história de toda sua família, só para ser acusada por uma dondoca de “ressentida, rancorosa, volte para o lugar de onde veio!”.

Não quero revelar mais da trama, mas basta dizer que o filme segue o ritmo dos golpistas até a sangrenta derrubada do governo socialista pelos milicos do general Pinochet, que lançaram sobre o Chile a mais brutal e selvagem ditadura da América Latina. Ditadura que foi notável também por ter sido o primeiro regime a implantar - sobre o cadáver de milhares de cidadãos que ousaram lutar por um mundo mais justo e menos desigual - a nefasta ideologia neoliberal, que hoje colocou o mundo de joelhos.

Nem preciso dizer que o final de “Machuca” será terrivelmente trágico e doloroso. E basta assisti-lo para entender porque, afinal, ninguém tem coragem de se assumir como sendo de “direita” por essas bandas...

Cotação: * * * *

Filmes: "Brazil - O Filme"

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FUTURO DO PRETÉRITO

Alegoria ácida sobre a perda da humanidade numa sociedade totalitária e consumista, mistura "1984" e "O Processo" com toques do Monty Python. 

- Por André Lux, crítico-spam

Lá pelo final de 1985, os executivos da Universal Pictures, preocupados com o possível fracasso de um filme que produziram e estavam para distribuir nos EUA, marcaram uma reunião urgente com o seu realizador durante a qual pediram pouca coisa: que ele reduzisse a metragem, trocasse a trilha sonora orquestral por outra com canções pop e, especialmente, mudasse a conclusão amarga para um típico happy end hollywoodiano, do tipo "o amor vence tudo". 

Essas mudanças iriam, na opinião deles, tornar o filme muito mais comercial, garantindo seu sucesso. O cineasta explicou então, na sua característica maneira pouco ponderada, que o filme deveria ficar do jeito que havia sido idealizado, caso contrário ele iria botar fogo nos negativos!

A cena narrada acima pode parecer o delírio de algum comediante, mas ela aconteceu de verdade - infelizmente. O filme em questão chama-se "Brazil", e o diretor, Terry Gilliam. 

Insatisfeitos com o resultado final do terceiro longa-metragem do ex-integrante do grupo Monty Python, o qual consideraram pesado e amargo demais para os padrões aceitos pelo público dos EUA, os executivos da Universal decidiram que "Brazil" deveria ser reeditado e transformado em um filme mais "aventuresco" e "leve". 

Dos originais 142 minutos de projeção, que foram lançados pela Fox sem problemas na Europa e em outras partes do mundo (como o Brasil), Gilliam concordou em reduzir o filme em cerca de 20 minutos. Mas não foi o suficiente.

A Universal era liderada na época pelo infame Sid Sheinberg que, entre outros absurdos, foi o responsável direto pela destruição de "A Lenda", de Ridley Scott (que deixou o estúdio retalhar e mudar a trilha musical de seu filme) e pela aprovação do lamentável "Howard, O Pato", de George Lucas. Sheinberg, a exemplo do que acontece ao protagonista do próprio filme de Gilliam, tornou-se o "torturador particular" do cineasta, cercando-o de todas as formas possíveis (inclusive legais) para poder retirar o projeto das mãos dele a fim de torná-lo "mais comercial".

Versões e (in)Versões
Essa feroz batalha entre o artista e os engravatados da Universal (em mais uma reedição do clássico embate entre David e Golias) é uma das mais famosas e ilustrativas acerca de como funciona o sistema de produção em série da indústria cultural estadunidense. 

E ela está descrita, com riqueza de detalhes, ilustrações e depoimentos de todos os envolvidos, no excelente livro "The Battle of Brazil", de Jack Mathews, jornalista de Los Angeles que cobria a produção do filme na época. Mathews transformou seu livro em um documentário de uma hora de duração, que pode ser assistido no box de "Brazil", lançado pela The Criterion Collection na região 1, que traz nada menos do que três discos.

No primeiro disco, temos a versão de Terry Gilliam para o filme, com seus gloriosos 142 minutos de projeção, remasterizado digitalmente no formato widescreen 1.85:1, trazendo ainda uma faixa de áudio com comentários do diretor. No segundo, chamado de "The Production Notebook", encontramos vários making of, entrevistas com os roteiristas Tom Stoppard e Charles McKeown, com o compositor Michael Kamen (que utiliza na trilha de forma magistral trechos de "Aquarela do Brasil", de Ary Barroso), storyboards, cenas raras da produção dos efeitos especiais, além é claro do excepcional documentário "The Battle of Brazil".

O material mais curioso, todavia, está contido no terceiro disco: nada mais do que a infame versão "Love Conquers All" ('O Amor Vence Tudo) de "Brazil", montada à revelia do diretor, trazendo meros 94 minutos de projeção e um ridículo happy end, que simplesmente detonam a obra em questão deixando-a totalmente sem sentido. 

Pior que essa grotesca (in)versão foi exibida nas televisões dos EUA, por anos a fio. Existe ainda um canal de áudio onde David Morgan, expert em Terry Gilliam, faz uma análise extremamente crítica de todas as alterações feitas.

Orwell encontra Kafka no circo do Monty Python
Quanto ao filme, trata-se de uma alegoria extremamente ácida e anárquica sobre a perda da humanidade frente a uma sociedade totalitária e cada vez mais repleta de burocracia e obcecada pelo consumismo. Trata-se de uma mistura de "1984", de George Orwell, com ''O Processo'', de Kafka, com toques do humor bizarro e non-sense próprios do sexteto inglês do qual Gilliam fazia parte, o Monty Python.

Além disso, o filme é premonitório do futuro catastrófico imposto ao mundo caso a doutrina neoliberal, que na época ainda estava em processo de implantação, fosse levada às últimas conseqüências. 

Reparem como o Estado retratado no filme é o sonho de qualquer defensor do neoliberalismo: enxuto, isento de qualquer responsabilidade social e praticamente restrito ao aparato policial de vigilância e repressão constante às classes mais baixas, mantido graças a um clima de medo e paranóia constante propagado pela mídia e por supostos ataques de "terroristas".

O protagonista dessa epopéia, interpretado brilhantemente por Jonathan Price, é Sam Lowry, um funcionário público apático e conformista, que passa acidentalmente a lutar contra o sistema depois que descobre que a mulher de seus sonhos existe e está marcada para morrer. 

É a típica trama do anti-herói forçado a agir, mesmo contra sua vontade, para conquistar seus desejos. Na sua aventura, ele conta ainda com a ajuda do engenheiro-de-calefação-autônomo e dublê-de-terrorista, Harry Tuttle (na pele de um Robert De Niro praticamente irreconhecível).

Só que catarse e redenção são palavras que não fazem parte do dicionário de Terry Gilliam, como Lowry vai descobrir dolorosamente no final. E a melhor explicação para essa filosofia de vida vem do próprio diretor: "Nós não damos respostas, apenas apontamos para o óbvio que ninguém quer ver, de um modo engraçado. E quando as pessoas pegam-se rindo daquilo, esperamos que elas pensem: 'Ei, eu não deveria estar rindo, isso é horrível!'".

Sobre o motivo do filme se chamar "Brazil", Gilliam explica: "Port Talbot é uma cidade de ferro, onde tudo é coberto por um pó cinza de metal. Até a praia é completamente coberta de pó preto. O sol estava se pondo e era realmente bonito. O contraste era extraordinário. Eu tinha essa imagem de um cara sentado nessa praia moribunda com um rádio portátil, sintonizando estranhas canções escapistas latinas como [Aquarela do] Brasil. A música o transportou de alguma forma e fez o seu mundo menos cinza".

Quanto ao desfecho da "Batalha por Brazil", o vencedor foi, em última instância, o nosso "David" da sétima arte, que passou a usar táticas de guerrilha para promover o lançamento de seu filme intacto, tais como patrocinar exibições piratas para estudantes e críticos de cinema, bem como tornar público o martírio pelo qual estava sendo obrigado a passar pela Universal - Gilliam chegou a pagar um anúncio de página inteira no jornal Variety com a seguinte mensagem: "Querido Sid Sheinberg. Quando você vai lançar meu filme 'Brazil'?". Em um outro momento, Gilliam mostrou uma foto do executivo em um programa de entrevistas do qual participava, e soltou no ar, ao vivo: "Esse é o homem responsável pela minha dor".

Mas tamanha audácia provou-se válida, tanto que o filme ganhou os principais prêmios da Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles (melhor Filme, Diretor e Roteiro) e acabou sendo lançado intacto (mas modestamente) nos cinemas dos EUA, dividindo público e crítica, fato que não incomodou em nada o cineasta. "Para algumas pessoas, meu filme foi o equivalente a um espancamento", diz Gilliam rindo. "Para outras, foi uma experiência maravilhosa. Perfeito. Eu não fiz o filme pensando em agradar alguém...". 

É certo que, depois desse evento notório e constrangedor, as políticas dos grandes estúdios, relativas a quem seria responsável pelo corte final dos filmes, nunca mais foram as mesmas.

Infelizmente, essa caixa com os três discos dificilmente será lançada no Brasil. Portanto, você precisará ter um bom dinheiro sobrando para colocar suas mãos nela. Mas, se tiver, certamente não vai se arrepender!

Por aqui, o filme foi lançada pela Fox (que detém os direitos de distribuição fora dos EUA) na versão normal sem cortes, mas desprovida de qualquer extra ou comentário (veja reprodução da capa à direita).

Cotaçâo: * * * * *
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