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segunda-feira, 22 de julho de 2013

Filmes: "O Homem de Aço"

GROTESCO E OFENSIVO

Só um degenerado poderia conceber algo como esse filme baseado nos quadrinhos do “Super-homem” que fazem a cabeça da garotada há décadas

- por André Lux, crítico-spam

Eu tenho pena das crianças de hoje em dia. Sei que parece papo de velho falando, mas sinceramente, só um degenerado poderia conceber algo tão grotesco quanto esse “Homem de Aço”, filme baseado nos quadrinhos do “Super-homem” que fazem a cabeça da garotada há décadas e renderam pelo menos dois longas metragens espetaculares: “Superman – O Filme” e a sequência “Superman II”.

O sucesso dos filmes dirigidos por Richard Donner e Richard Lester, no final dos anos 1970, vinha justamente do fato deles não se levarem a sério. Afinal, estamos falando de um sujeito praticamente indestrutível que se veste com as cores da bandeira dos EUA, usa capa e a cueca vermelha por cima da calça, pelo amor de Zod! Ou seja, é um filme para crianças! No final, durante o vôo de despedida em volta da Terra, Christopher Reeve até cumprimentava a plateia, como que dizendo "Ei, é apenas uma brincadeira".

Não faz o menor sentido, portanto, tentar aplicar ao “Superman” o mesmo estilo ultra-realista dos novos filmes do “Batman”. Mas, que nada, como deu certo com o "Cavaleiro das Trevas", por que não fazer o mesmo com o “Superman”, não é mesmo? Aí chamaram David S. Goyer e Christopher Nolan para escrever o roteiro (os mesmos dos novos “Batman”, vejam só!) e Zack Snyder (de “300” e “Watchmen”) para dirigir. E o resultado é um dos filmes mais grotescos e ofensivos de todos os tempos!

Confesso que fui um dos poucos que gostou do “Watchmen” do Snyder, mas seu “300” é bem fraquinho e seu filme anterior, “Sucker Punch”, é simplesmente nojento. Sinceramente, não dá para dizer o que é pior nesse “Homem de Aço”, mas sem dúvida o troféu abacaxi vai para a trilha musical do abominável Hans Zimmer, que é uma monstruosidade de ruindade, do começo ao fim, do tipo que deixa qualquer um com dor de cabeça. Eu já havia comentado brevemente o CD com a trilha do Zimmer, mas no filme fica ainda pior. Chega a ser embaraçoso o nível de amadorismo e falta de talento de Zimmer junto com um filme tão pretensioso e desmiolado como esse.

O começo, em Krypton, não faz o menor sentido. No original, Jor-El (interpretado com grande carisma por Marlon Brando) tentava em vão avisar aos governantes da destruição eminente do planeta. No novo filme, todo mundo concorda com os avisos do Jor-El (na pele de Russel Crowe, que se transformou num dos maiores canastrões da atualidade),  mas mesmo assim nada fazem para fugir do planeta, mesmo tendo altíssima tecnologia e naves poderosas!

Depois que o Superman chega à Terra, o filme pula para o presente e sua infância aparece em flash-backs onde descobrimos que seu pai adotivo era um tremendo babaca, além de ser um caipira extremamente articulado e metido a intelectual! A cena da morte dele é de provocar gargalhadas, de tão ridícula. Por sinal, colocar Kevin Costner e Diane Lane como os pais do herói não funciona nem um minuto, pois os dois atores são requintados demais para convencer como dois fazendeiros broncos do Kansas.

Tem outras coisas idiotas no filme. Como o fato de não decidirem se o Superman usa gumex no cabelo ou não. Na cena em que se entrega aos militares, por exemplo, ele está de gumex. Já na sequência seguinte, na nave, não está mais com gumex. Mas, depois, quando foge, volta o gumex! Também não ficam claras as extensões dos poderes do vilões. Pelo que dizem, o Superman levou anos absorvendo a radiação do sol para ficar poderoso, mas Zod e sua gangue ficam com a mesma força assim que chegam à Terra. E assim por diante...

Mas nada supera em ruindade o sujeito que colocaram para fazer o general Zod, um tal de Michael Shannon que, além de ser péssimo ator, tem uma voz de taquara rachada e um corte de cabelo estilo Cebolinha! E por que diabos o sujeito quer tanto destruir a Terra? Bastava ele pegar o tal Codex com o Superman numa boa e ir para qualquer outro planeta que eles já haviam colonizado antes para reconstruir a civilização de Krypton. Afinal, nesta nova versão, Zod não tem motivos para ter ódio de Jor-El e querer se vingar de seu filho, como no original.

Zod e Cebolinha: separados no nascimento
 Entretanto, o que deixa esse "Homem de Aço" intragável são as infinitas cenas de ação e lutas, todas completamente exageradas e ridículas, sempre feitas em animação digital no pior estilo vídeo game. E a destruição causada por elas? A primeira briga entre o herói e alguns vilões simplesmente arrasa Smallville! E o ataque em Metrópolis, então? Dá pra imaginar que milhões de pessoas morreram não apenas por causa do raio que sai da nave de Zod (que literalmente destrói prédios inteiros), mas também da luta entre ele e o Superman! E tudo bem, ninguém fala nada sobre isso! Ah é, mas o Super salva a Lois Lane e um soldado! Para completar a orgia de nojeiras e insensibilidade, o nosso "herói" ainda mata o vilão quebrando seu pescoço! Que coisa bonita e edificante para as crianças verem, não?

Sei que muita gente vai dizer, com razão, que o Superman não passa de um porta voz da indústria cultural imperialista dos EUA e que, por isso, já passa valores deturpados desde o começo. Sim, é verdade. Não dá para negar isso (e nesse novo filme ainda chegam ao cúmulo de perguntar ao Superman com a sutileza de um elefante como poderão ter certeza que ele nunca vai trair os EUA, ao que ele responde: "Hey, fui criado no Kansas"!). Porém, mesmo assim, quando você assiste ao primeiro "Superman" com o Christopher Reeve existem muitos valores ali que podem ser serem benéficos para uma criança, como o fato do herói "nunca mentir", ser fiel aos seus amigos ou colocar sua própria vida em risco para salvar os seres humanos, que ele aprendeu a amar e respeitar. 

Mas neste novo filme nada disso está presente e as crises de consciência do herói são forçadas e tolas. E ainda tentam forçar paralelos entre o Superman e Jesus Cristo em uma cena patética em que ele vai se confessar numa igreja e no fato dele ter 33 anos também... Ninguém merece!

Dá até pena do coitado do Henry Cavill (que esteve na série "Os Tudors") que é bonitão e tem pinta de Superman, mas é um ator por demais limitado para tentar dar algum sentido a um personagem ilógico num filme completamente sem eira nem beira como esse. Se não bastasse tudo isso, o filme é mal feito, tem uma fotografia péssima (toda esmaecida e granulada como é a moda agora dos supostos "ultra-realistas"), desenho de produção feio (algumas naves parecem besouros e outras ridículos pintos gigantes!) e edição picotada e truncada (nas cenas de luta mal conseguimos ver o que se passa).

Felizmente, esse lixo não está fazendo o sucesso esperado, o que significa que talvez não façam uma continuação ou ao menos vão ter que repensar os conceitos antes de aprová-la.

Cotação: ZERO 




domingo, 7 de julho de 2013

Filmes: "Conflito das Águas"

ATÉ A CHUVA!

Filme retrata o que aconteceu na Bolívia na orgia neoliberal que foi enfiada goela abaixo dos povos do mundo, principalmente na América do Sul

- por André Lux, crítico-spam

“Conflito das Águas” é um retrato muito bem feito do que aconteceu na Bolívia no auge da orgia neoliberal que foi enfiada goela abaixo dos povos do mundo, principalmente na América do Sul, no final do século 20. 

Como indica o título original desse maravilhoso filme espanhol “Também a Chuva” foi privatizada naquele país que, anos depois, elegeu Evo Morales para Presidente. Parece brincadeira, mas não é: no ano 2000 o governo da Bolívia chegou ao cúmulo de privatizar toda a água do país – inclusive a água da chuva, de modo que qualquer um que a recolhesse enquanto caia do céu estaria cometendo um crime!

O filme é dirigido com grande sensibilidade por Iciar Bollain e conta com um roteiro formidável, que dá vida a três histórias paralelas que se entrecruzam. A principal trata da produção de um filme sobre o descobrimento da América, a ser dirigido pelo personagem interpretado por Gael Garcia Bernal (que foi Che Guevara em “Diários de Motocicleta”). 

O produtor, um sujeito que a princípio só pensa em economizar o dinheiro do orçamento, regozija-se do fato de que na Bolívia tudo é mais barato (leia-se, a miséria é tão grande que a população local trabalha na produção muitas vezes em troca de um saco de arroz).

É neste contexto que entra um nativo Aymara que, lutando pelos direitos de seus colegas de serem testados para o filme conforme foi prometido num folheto distribuído pelos produtores, consegue o papel principal de líder dos indígenas. Só que esse sujeito é também o líder, na vida real, da revolta da população pobre contra o governo neoliberal e suas medidas desumanas.

A partir dessa elaborada trama, somos apresentados a diversas alegorias entre a desesperadora situação dos nativos durante o “descobrimento” da América (na verdade, foi uma invasão seguida de um massacre) e a realidade miserável enfrentada pela mesma população cinco séculos depois. Aos poucos, os membros da produção do filme dentro do filme vão sendo afetados de forma profunda pelos eventos que acontecem à sua volta, tanto em nível físico quanto moral.

Esse é o tipo de cinema que leva à reflexão sem precisar ser didático ou panfletário. Todos os personagens são multidimensionais e humanos, com qualidades e defeitos, dúvidas e convicções. Nada é preto no branco, tudo é cinzento, embora não seja possível fugir à realidade de que o neoliberalismo foi (ou é ainda, já que muitos o defendem mesmo depois de ter levado o mundo à beira do abismo) um dos sistemas ideológicos mais cruéis e desumanos da história da humanidade. 

Se alguém ainda tem dúvida, basta assistir a esse excelente filme, cujas qualidades técnicas e dramáticas são tão evidentes que o resultado final é nada menos que devastador.

Cotação: * * * * *