OS RATOS TAMBÉM AMAM
Diretor Martin Scorsese finalmente consegue agradar tanto aqueles que buscam um produto de maior refinamento artístico, quanto os que preferem apenas passar algumas horas se entretendo no cinema.
- por André Lux
Sei que o que vou declarar a seguir soará como uma heresia a muitos profissionais da opinião que costumam idolatrar certos artistas, mas “Os Infiltrados” é o primeiro filme do diretor Martin Scorsese que eu realmente gostei, sem restrições. Tudo bem, reconheço que o sujeito é um bom diretor (especialmente de atores), que sabe tudo de cinema e inventa planos seqüências espetaculares. Mas só isso não basta para fazer um filme funcionar. Muitos de seus projetos anteriores, como “Gangues de Nova York”, “O Aviador” e “Os Bons Companheiros”, padeciam de narrações truncadas e excesso de duração, enquanto outros eram simplesmente chatos (“Época de Inocência” vem à mente, um filme onde absolutamente nada de interessante ocorre durante as mais de três horas de projeção!).
Nada disso acontece em “Os Infiltrados”. O filme é longo, mas a gente nem percebe, tamanho o nível de tensão e suspense que o diretor imprime em cada fotograma. Ficamos literalmente na ponta da cadeira durante quase toda a projeção, na expectativa do que vai acontecer em seguida na história. E o roteiro, inspirado no filme chinês “Internal Affairs”, reserva algumas surpresas chocantes, especialmente na conclusão.
Leonardo Di Caprio, que finalmente começa a ficar com cara de homem, está excelente no papel do policial que finge ser criminoso para se infiltrar na máfia irlandesa comandada por um verdadeiro psicopata (interpretado com seriedade e força por Jack Nicholson, que dá um show à parte). O ex-galã de “Titanic” consegue nos fazer sentir sua condição limítrofe por meio de vários nuances de interpretação, provando definitivamente que é um ator de verdade. No outro lado da moeda temos Matt Damon, que também funciona bem como o arrogante e inescrupuloso pau mandado do crime organizado infiltrado na polícia.
Apesar da direção de fotografia ser do consagrado Michael Bauhaus, Scorsese optou dessa vez por uma decupagem seca, isenta de malabarismos estéticos e mais focada nos atores, fator que deixa o filme ainda mais angustiante e realista, especialmente nas cenas de violência. Soma-se a isso uma montagem vibrante e uma trilha sonora que contrapõe canções pop intensas à partitura intimista de Howard Shore (o mesmo da trilogia “O Senhor dos Anéis”) e o resultado é um ótimo filme, capaz de agradar tanto aqueles que buscam um produto de maior refinamento artístico, quanto os que preferem apenas passar algumas horas se entretendo no cinema.
Em comum com outros filmes do cineasta, “Os Infiltrados” aborda o caos e a degradação urbana pelo ponto de vista da criminalidade sem ter uma moral definida, o que é algo sempre louvável particularmente nesses tempos moralistas em que vivemos atualmente. No mundo de Scorsese, ninguém presta, todos são mentirosos, manipuladores e falíveis. Não é à toa, portanto, que a figura que permeia o filme todo é a de um rato - tanto na forma de expressão verbal (que serve para rotular os infiltrados), quanto literal (na cena que encerra a projeção). Mas, atenção, até os ratos amam e são amados. Assim também como na vida real. Veja e comprove.
Cotação: * * * * *
Um comentário:
Remake meia-boca do original chinês.
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