Compositor criou uma boa partitura mesmo não tendo o nível de complexidade e originalidade da composta por Gabriel Yared que foi rejeitada
- por André Lux, crítico-spam
Imagino que qualquer pessoa que acompanhe a carreira do compositor James Horner desde o seu início se pergunte de tempos em tempos por que ele parece ser incapaz de escrever uma trilha sonora totalmente original, mesmo tendo demonstrado mais de uma vez ter o talento e a habilidade necessários para isso. Desde que iniciou seu trabalho no cinema, Horner já foi capaz de criar partituras que alternam com precisão momentos vibrantes e fortes com outros mais delicados e intimistas. Que ninguém aqui negue a capacidade que ele tem para manipular as emoções da platéia e de tirar performances grandiosas de uma orquestra! Agora, quando o quesito é originalidade...
O que nos traz à sua última partitura, ''Tróia'', que para início de conversa já chega cercada de controvérsia. Horner foi chamado às pressas para substituir Gabriel Yared, cuja trilha original foi rejeitada depois de algumas reações negativas em uma exibição teste. É possível comparar as duas agora que Yared disponibilizou várias faixas do seu trabalho na internet. De cara podemos perceber que a música composta pelo autor da belíssima trilha de ''O Paciente Inglês'' é muito mais rica e complexa do que a criada por Horner.
E talvez seja exatamente isso que tenha feito os produtores de ''Tróia'' entrarem em paranóia. Como é que as platéias de hoje em dia, acostumadas a ouvir músicas de baixíssima qualidade geradas por ''compositores'' canhestros como Hans Zimmer e seus clones, serão capazes de assimilar uma partitura cheia de nuances, riquezas e orquestrações complexas como a escrita por Yared? Perguntas como essa acendem imediatamente o sinal vermelho de alerta em se tratando de uma superprodução como ''Tróia''.
Assim, ao invés de apostar na inteligência do espectador e apoiar a riquíssima trilha original, o diretor Petersen deixou-se convencer que seu filme corria risco de fracassar por causa da música (!) e resolveu despedir Yared sem nem ao menos lhe dar uma chance de ''melhorar'' seu trabalho, o qual ele vinha desenvolvendo há quase um ano. Em pânico recorreram a James Horner, que já havia trabalhado com Petersen em ''Mar em Fúria''.
Sai Yared, entra Horner. Com menos de um mês para escrever, orquestrar e gravar a nova trilha, o compositor de ''Titanic'' não teve escolha senão correr contra o tempo, escrevendo a nova partitura a toque de caixa. Com todos esses fatores contrários, o desastre era quase certo. Afinal, se Horner não foi capaz de criar trilhas originais para bons filmes como ''O Homem Bicentenário'' mesmo trabalhando com vários meses de antecedência, imagine neste caso.
Mas, quem diria, sua trilha para ''Tróia'' traz alguns temas e passagens que soam tão originais quanto seus magníficos scores para ''Krull'' ou ''Cocoon''. Confesso que até a cena do desembarque das tropas gregas nas praias de Tróia, não tinha sido capaz de identificar nenhum trabalho de ''copiar e colar'' que virou a especialidade de Horner nos últimos anos. De fato, o tema que criou para o guerreiro Aquiles é sensacional e, até que me digam o contrário, soa bastante original (mas vale lembrar que todos pensavam o mesmo sobre o tema de ''Willow'', até que se descobriu ser um plágio descarado do primeiro movimento da ''Symphony No. 3 in E flat op. 97 - Rhenish", de Robert Schumann).
É na faixa ''Achilles Leads the Myrmidons'', sem dúvida o ponto alto da trilha, que temos a rendição triunfal do ''Tema de Aquiles'', tocado com vigor pelos metais. Mas é partir daí também que a partitura começa a descambar para os mais irritantes ''horneirismos'' (os chamados autoplágios usados pelo desavergonhado compositor), a começar pelo mais óbvio: aquele bendito tema de quatro notas que ele usa desde ''Jornada nas Estrelas 2 - A Ira de Khan'' e faz questão de incluir em quase todas as suas trilhas quando há uma situação de perigo na tela. Quem duvida, é só assistir ''Willow'' (é o tema do vilão general Kael), ''Círculo de Fogo'' (atenção para as aparições do vilão nazista interpretado por Ed Harris), ''A Máscara do Zorro'' e mesmo ''Mar em Fúria''. O pior é que esse tema nem mesmo é original, já que é uma mínima variação do motif dos invasores teutônicos escrito por Sergei Prokofiev para o filme russo de Eisenstein, ''Alexander Nevsky'' (1939), e que Horner já havia usado na íntegra em ''Mercenários das Galáxias'' em 1980!
E por falar em Prokofiev, Horner volta a recorrer à trilha de ''Alexander Nevsky'' para musicar a seqüência do primeiro ataque do exército grego às muralhas de Tróia. O início da faixa ''The Greek Army And Its Defeat'' é uma cópia em carbono de ''The Battle in the Ice'' do filme de Eisenstein. O mesmo tipo de problema ocorre com o tema de amor para ''Briseis and Achilles'', que é nada mais do que uma variação do usado pelo compositor em ''Coração Valente''.
É claro que poderíamos dar um desconto ao compositor por causa do pouco tempo que teve à disposição, mas como ele lança mão desses recursos discutíveis sempre acaba ficando sem sentido desculpa-lo. Ainda mais porque ele foi capaz de, mesmo com toda a pressão, criar alguns temas muito bons e mais originais do que faz quando tem tempo de sobra nas mãos. Outro exemplo de uma boa idéia é o motif para a cidade de Tróia, que é grandioso e funciona bem junto com as imagens.
Dito isso fica impossível não perceber o quanto a trilha de Horner é inferior à de Yared, particularmente nos quesitos originalidade e complexidade (compare, por exemplo, as faixas que ambos escreveram para o duelo entre Heitor e Aquiles). Mas é preciso ressaltar que, no filme, a música de Horner funciona bem e, sem dúvida, deixa ''Tróia'' com um apelo mais popular, já que foi escrita num idioma mais próximo do que estamos acostumados a ouvir em nossa cultura ocidental, enquanto Yared compôs sua partitura baseada muito mais no idioma oriental-europeu.
A verdade é que só será justo comparar as duas trilhas quando for possível ver o filme com a trilha de Gabriel Yared. Afinal, sua música foi composta para fazer parte de ''Tróia'' e, mesmo demonstrando qualidades de sobra ao ser apreciada em separado, só poderá ser analisada quanto à sua efetividade junto com as imagens. Existem muitas trilhas por aí que são ótimas em CD, mas não funcionam nem um pouco no filme (como ''As Horas'', de Phillip Glass, por exemplo).
Levando tudo isso em conta, sou obrigado a afirmar para minha própria surpresa que James Horner foi capaz de criar para ''Tróia'' uma trilha que se mantém no mesmo nível de seus melhores trabalhos, exceto é claro pela repetição insistente e vexatória do seu infame ''Tema de Perigo'' e pela lamentável e descabida canção pop que encerra o filme, cantada por Josh Groban.
Talvez o que Horner esteja precisando para mudar os rumos de sua carreira é justamente de mais trabalhos para fazer em cima da hora...
Cotação: * * *
11 comentários:
Que cotação fajuta! "Tróia", além de ser um filmão, tem uma das melhores trilhas da década. O fato de ter trabalhado às pressas só aumenta o mérito do compositor.
Ô lôco! Três estrelas tá bom demais...
Merece quatro no mínimo. O pior (e no entanto mais engraçado) é ver você quase se contorcendo pra reconhecer a bola dentro do músico. Até pra elogiar fala mal. "Sou obrigado a afirmar" é dose! Hahahahaha!
Horner é FODA!
Mas eu gosto do Horner. Pena que ele desperdice seu talento se auto imitando tanto! Deve achar que ninguém percebe...
Até concordo que o autoplágio conta uns pontos negativos. Mas daí a fazer vista grossa para todos os outros méritos dele (e são muitos) já e demais. Nessa faixa ''The Greek Army And Its Defeat'', convenhamos, ele fez um CRTL+C do Prokofiev sim, mas com estilo! Idem para a chupinhada (com as devidas adaptações) do tema que ele roubou do Williams no "Círculo de Fogo" - o que quase te fez surtar quando vc escreveu a resenha no E-Pipoca, lembro até hoje...
Pare pra ler suas resenhas antigas qualquer dia. Quem lê várias pensa que o Horner é pior que o Zimmer, caceta. É muita injustiça.
Justamente por ser melhor do que o Zimmer é que a cobrança também é maior. Plágio é algo que desmerece muito o trabalho de qualquer um. Pra mim, pelo menos. Às vezes valorizo bem mais algo ruim mas original do que um plágio descarado muito bem feito...
Plágio é ruim sim, ainda mais na frequencia que ele utiliza. Mas ele reveste essas cópias bem pacas, dá outras roupagens quase sempre muito adequadas à atmosfera das imagens. Esse faixa do Tróia é um bom exemplo.
Quando eu lia suas resenhas do E-Pipoca ficava procurando deméritos na obra do Horner e não achava, a não ser esse negócio do (auto)plágio. É o único defeito dele.
Na minha opinião é um defeito abismal... A trilha do "Gladiador", por exemplo, não seria tão horrível se quase tudo dela não fosse plagiado de Holzt, Wagner e Ennio Morricone. O plágia desvia a atenção do filme e, portanto, age como um fator negativo.
Ah, não, a trilha do "Gladiador" é medíocre de qualquer jeito. Não é só questão de plágio, mas a "roupagem" que o compositor dá. Zimmer vira e mexe faz questão daqueles sintetizadores insuportáveis. Tenta criar efeitos bombásticos e quase sempre o tiro sai pela culatra em faixas insuportavelmente barulhentas e desconexas. Pior que ele só o Elfman, mas aí já é bater em bêbado.
Ou seja, o que já é ruim, com plagio fica pior ainda...
Putz, esse filme é muito ruim. Tá doido!
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