Assim como reflete um dos personagens sobre o enigmático planeta, o filme apresenta apenas escolhas, cabendo ao espectador fazer a sua
- por André Lux, crítico-spam
Há pelo menos uma
cena antológica em "Solaris" de Steven Soderbergh: ao falar sobre a
descoberta do estranho planeta que dá nome ao filme com seu amigo psiquiatra
Chris Kelvin (George
Clooney), o cientista Gibarian descreve: "Ao observarmos Solaris,
ele reagia como se soubesse que estava sendo observado". Ao mesmo tempo em
que essa fala é proferida, observamos a bela Rheya (Natascha McElhone)
desfilando sedutoramente na tela, reagindo ao olhar penetrante de Kelvin. Essa
cena primorosamente dirigida e editada é a chave para a compreensão do filme
como um todo, especialmente a sua conclusão.
Baseado no livro do escritor polonês Stanislaw Lem, "Solaris" narra a
história de um grupo de cientistas a bordo de uma estação espacial em órbita de
um planeta que parece ter vida própria e estranhos poderes, capaz de
materializar sonhos e desejos dos tripulantes levando todos à beira da loucura.
Para tentar solucionar o enigma, é enviado ao local o psiquiatra Kelvin, que
passa também a sofrer com as aparições de sua falecida esposa cuja morte o
deixou traumatizado.
Essa trama já havia sido adaptada para os cinemas em 1972 pelo pretensioso
cineasta russo Andrei Tarkovsky. Embora a nova versão também tenha um ritmo
lento e bastante cerebral, as semelhanças entre as duas versões acabam aí. No
primeiro filme predominava um clima árido desprovido de emoção e sobravam
discussões filosóficas enigmáticas e enfadonhas, bem como intermináveis sequências
que nada acrescentavam à trama (como um passeio de carro pelas ruas de Moscou
que durava longos minutos!). Tudo isso prejudicava a narrativa e alienava o
espectador, de tal forma que transforma a conclusão do filme em algo
praticamente indecifrável.
Já Soderbergh, também autor do roteiro da nova versão, preferiu investir em um
clima mais humano dando ênfase ao relacionamento do casal central, cujos
encontros e desencontros são apresentados por meio de uma narrativa brilhante e
convincente, na qual presente, passado e futuro se misturam e se fundem sem
nunca perder o fio da meada. É louvável o grau de maturidade que o diretor tem
ao analisar a relação do casal, fato que parece incomodar algumas pessoas
(prova disso é a ridícula polêmica levantada em relação à nudez de Clooney em
uma cena casual).
Ao contrário da verborrágica e indecifrável fita de Tarkovsky, as questões
levantadas pelo autor do livro - muitas delas relativas à própria natureza do
ser humano - ficam perfeitamente claras na nova versão e, portanto, relevantes
tanto para a trama do filme quanto para o espectador mais atento. É nesses
momentos que "Solaris" chega perto de tornar-se uma obra-prima da
ficção científica.
Pena que o filme caia um pouco quando surgem em cena os atores coadjuvantes
Jeremy Davies (como Snow) e Viola Davis (comandante Gordon), pois ambos são
muito fracos e destoam do restante. O visual do planeta também deixa a desejar
(ficou parecendo uma bexiga cor-de-rosa que brilha no escuro) e perde feio se
comparado ao do filme de Tarkovsky, que era muito mais enigmático e
perturbador.
Muitos reclamam também da conclusão do novo filme, que
realmente difere da do livro e da primeira versão, mas a verdade é que ela em
nada afeta o resultado final. Apenas demonstra que Soderbergh não teve medo de
apresentar sua própria versão do que o planeta buscava - fato deixado em aberto
na obra original.
Quem procura algo mais no cinema do que simples diversão e entretenimento
descerebrado deve assistir ''Solaris'',
uma ficção científica que não procura dar respostas ou soluções fáceis e
certamente vai exigir um maior grau de maturidade e atenção da plateia. Assim
como reflete um dos personagens sobre a natureza do enigmático planeta, o filme
apresenta apenas escolhas, cabendo ao espectador fazer a sua.
Cotação: ****
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