segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Filmes: "Sniper Americano"

DOUTRINADO PARA MATAR

Coitados como Chris Kyle são ensinados que fazem parte de elite moral e que a violência é sempre a melhor solução

- por André Lux, crítico-spam

Ninguém pode dizer que Clint Eastwood seja um diretor ruim, muito menos que nunca tenha feito um bom filme. "As Pontes de Madison" e "Os Imperdoáveis" estão aí para quem quiser tirar a prova. 

Mas também não dá para negar que suas posições políticas estejam, digamos, bastante à direita e que vários de seus filmes, inclusive como ator, são francamente fascistas - vide o horroroso "O Destemido Senhor da Guerra" e seu personagem mais famoso, o detetive "Dirty" Harry, do tipo que atira primeiro e pergunta depois.

Esse "Sniper Americano" é, infelizmente, mais uma peça de propaganda do exército estadunidense e de suas "guerras pela liberdade", leia-se invasões de países em que os EUA tem interesses geopolíticos, leia-se, petróleo. O filme conta a história supostamente verídica do maior atirador de elite dos SEALs, um certo Chris Kyle (interpretado pelo bonitão Bradley Cooper que tem cara de gaiato e não convence muito no papel, apesar de se esforçar). Oficialmente, ele matou mais de 160 pessoas durante a "guerra" do Iraque, inclusive mulheres e crianças (seus primeiros assassinatos, diga-se de passagem).

O roteiro é baseado no livro do próprio Kyle e é muito ruim, sem qualquer tipo de sutileza ou mesmo diálogos verossímeis. Tudo soa como os mais batidos clichês desse tipo de filme, desde o treinamento feito por oficiais sádicos, até a conquista da sua cara-metade num barzinho cafona. Os diálogos entre ele e sua esposa, por sinal, são completamente falsos. Tudo filmado de forma burocrática por Eastwood - nem mesmo as cenas de guerra geram qualquer tipo de suspense.

Não faz mal, pois o que importa nesse tipo de peça de propaganda é espalhar mundo a fora que os estadunidenses são mesmo uma espécie de "raça superior" (Kyle chega a dizer isso quase literalmente no início do filme) e que usar seu exército composto por jovens submetidos a intensa lavagem cerebral para invadir outros países é algo totalmente justificável e louvável até. Afinal, fora dos EUA só existem mesmo "selvagens", não é mesmo?

Muita gente que critica o filme afirma que o protagonista é um psicopata, que não sente remorso por ter matado tanta gente. Mas não acho que é assim. Na verdade, pobres coitados como Chris Kyle são doutrinados desde criança a achar que fazem mesmo parte de uma elite moral e que usar a violência em casos de conflito é sempre a melhor solução, talvez a única. 

Não é à toa que vemos seu pai ensinando-o a matar animais com um rifle quando não passava de um menino (coisa que Kyle obviamente faz com seu filho também). Na mesa do jantar, o patriarca ensina seus filhos que o mal está à espreita e que existem apenas três tipos de seres humanos no planeta: as ovelhas (os mansos), os lobos (os malvados) e os cães pastores (a turma do bem, que protege as ovelhas dos lobos). "Não quero ver filhos meus virando ovelhas e se tornarem-se lobos vou enchê-los de porrada!", grita ao esmurrar a mesa com uma cinta. 

O pequeno Chris absorve bem a lição do pai e corre se alistar no exército quando "terroristas" explodem algumas embaixadas dos EUA no estrangeiro e logo é mandado para o Iraque, acreditando que irá assim vingar os ataques do 11 de setembro e, de quebra, proteger seus entes queridos em casa. 

Não há espaço para qualquer tipo de questionamento na cabeça unidimensional de pessoas como Kyle, que graças à sua pontaria certeira recebe o apelido de "Lenda" e é tratado como herói pelos seus companheiros de armas e também pelo filme. Eastwood em momento algum da projeção levanta qualquer tipo de dilema moral em relação às mortes ou mesmo á "guerra" no Iraque que, como qualquer pessoa minimamente bem informada sabe, foi invadido sob pretextos falsos.

No final, descobrimos que o protagonista foi assassinado por um veterano de guerra ao tentar ajudá-lo. Ou seja, acabou vítima da própria loucura que ele ajudou a criar. Mas pelo menos foi enterrado com muitas honras e seu caixão foi saudado por vários transeuntes que acompanharam o cortejo fúnebre com a bandeira dos EUA tremulando em suas mãos, ao som de um solene solo de trompete. The End.

Cotação: *

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Filmes: "Cinquenta Tons de Cinza"

DEPLORÁVEL

Até quando as mulheres, inclusive muitas feministas, vão defender valores machistas e misóginos como se fossem intrínsecos às mulheres?

- por André Lux, crítico-spam

Existem duas formas de se analisar “Cinquenta Tons de Cinza”, que é baseado num livro escrito por uma mulher de 52 anos que começou como uma “fan fiction” da saga “Crepúsculo” (isso já diz praticamente tudo sobre a obra) e acabou virando febre principalmente entre mulheres acima dos 40 anos.

A primeira é encará-lo como nada mais do que um “pornô light”, daqueles onde o sexo é apenas sugerido e com pitadas de práticas pouco ortodoxas, no caso o sadomasoquismo. Nesse quesito ele é pífio e só vai excitar quem realmente tem pouca experiência sexual ou sofre de repressão aguda.

Outra forma é enxerga-lo como um retrato perfeito da sociedade machista-patriarcal que vem castrando as mulheres há séculos. Nesse sentido, o que mais impressiona nesse "Cinquenta Tons de Cinza" é aquele moralismo tosco e primário que prega que todo mundo que possui fetiches ou gosta de sexo fora dos "padrões" é um louco degenerado que obviamente sofreu abusos quando criança e agora precisa ser "salvo", de preferência por uma donzela virgem de 27 anos (hein??) que dirige um fusca 66 azul calcinha...

Ou seja, nada mais é do que o mito do príncipe encantado que precisa ser salvo de suas "perversões satânicas" para poder amar a donzela pura e casta. Pregação das mais primárias e moralistas do mundo, semelhante à tal "cura-gay" defendida por dementes mundo a fora.

O lance do sadomasoquismo que o sr. Grey diz adorar não tem nada a ver com a trama e aparece de forma totalmente forçada só para atrair pessoas sexualmente reprimidas que fantasiam com essas práticas secretamente e não tem coragem de realizar, mas no fundo querem mesmo é casar, ter um monte de filhos e morar num lindo castelo, com direito a passeio de helicópteros e cartão de crédito ilimitado. Ou alguém acredita que a casta (e aparentemente à beira do retardamento mental) Anastasia também iria se apaixonar e se entregar aos jogos de SM de um sujeito pobre e feio? 


Só isso pode justificar tamanho sucesso de uma obra tão mal escrita e pueril, com personagens ridículos e que agem sem qualquer lógica ou motivação palpável, repleta de clichês patéticos e diálogos risíveis ("Eu não faço amor, eu fodo!" e "O que são plugs anais?" fizeram eu gargalhar incontrolavelmente).

Do ponto de vista puramente cinematográfico, o filme é uma piada. Fotografado de forma abaixo do medíocre, sem qualquer erotismo e com uma trupe de atores tão ruins que chega a dar vergonha alheia, particularmente os dois protagonistas que, além de tudo, ainda são feios e completamente sem graça. É tudo tão tosco que nem vale a pena comentar mais.

O que mais entristece, todavia, é ver tantas mulheres louvando uma obra tão grotesca e deplorável como essa e morrendo de desejo por um homem abusivo que compra suas parceiras para tratá-las literalmente como escravas, só porque ele é podre de rico e bonitão. Até quando essas as mulheres, inclusive muitas que se dizem feministas, vão continuar defendendo valores absolutamente machistas e misóginos como se fossem valores intrínsecos às mulheres? 

Pelo jeito, ainda vai demorar para conseguirem se livrar desse lixo que foi enfiado em suas goelas abaixo por uma sociedade cada vez mais doente e inviável.

Cotação: ABAIXO DE ZERO

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Filmes: "O Destino de Júpiter"

FLASH GORDON 2.0

Se você não é um cínico e tem um Q.I. maior do que uma ostra em coma, certamente vai curtir o novo filme dos criadores de "Matrix"

- por André Lux, crítico-spam 

“O Destino de Júpiter” é mais um caso de delírio coletivo dos profissionais da opinião, só que às avessas, pois quase todos eles estão malhando o novo filme dos irmãos Wachowski (de “Matrix) com o argumento básico de que tem uma trama confusa e sem sentido.

Por aí a gente percebe o estado lamentável que se encontra hoje a crítica cinematográfica mundial, repleta de curiosos que não entendem absolutamente nada de cinema, muito menos da história da sétima arte, caso contrário teriam percebido de imediato que “O Destino de Júpiter” é uma divertida homenagem aos clássicos da ficção científica do passado, especialmente “Flash Gordon”.

Além disso, o filme é repleto de citações a obras como “Brazil” (com direito a uma participação especial do próprio Terry Gilliam numa das cenas mais divertidas), “Soylent Green” (aquele em que Charlton Heston descobre no final que a bolachinha verde que a população come é feita de gente!), “Duna”, "Cinderela" e, claro, ao próprio “Matrix”. De quebra, descobrimos até como são feitos aquele benditos sinais nas plantações mundo a fora e qual o verdadeiro motivo da extinção dos dinossauros!

Obviamente que não são só esses ingredientes que garantem a qualidade de um filme, mas “O Destino de Júpiter” tem muitos outros. Depois de sucessivos desastres (“Speed Racer” e “Cloud Atlas”), os Wachowski voltam a forma e criam um roteiro bastante interessante, cheio de reviravoltas e boas sacadas que, infelizmente, vai exigir do espectador um mínimo de inteligência e raciocínio lógico. Digo infelizmente porque hoje em dia o nível do Q.I. do espectador médio é o mesmo de uma ostra em coma, portanto qualquer obra que obrigue-o a pensar e tirar conclusões por conta própria vai ser imediatamente tachada de “confusa” ou “chata”.

Não estou dizendo que o filme seja uma obra prima complexa e profunda, longe disso. Tem bastante falhas por sinal, principalmente nas cenas de perseguição que acabam sendo esticadas e exageradas demais e no uso de clichês bobocas que poderiam ter sido facilmente evitados (aquela cena com as abelhas deu vergonha alheia), mas não é nada que comprometa o resultado final, até porque os cineastas não tem vergonha de deixar claro desde o começo as origens e pretensões da obra.

O bom e velho Terry em ação
Gostei muito do desenho de produção, bem bizarro e às vezes no limite do exagero, mas muito criativo e original. 

Outro destaque positivo é a música de Michael Giachinno (dos novos “Star Trek” e "Os Incríveis"), composta no idioma de mestres como John Williams, Jerry Goldsmith e John Barry sem a complexidade e genialidade deles, é verdade, porém mil anos luz à frente do som simplório que picaretas como Hans Zimmer e seus clones despejam nas telas atualmente.

Os dois protagonistas são fracos, mas não comprometam e até mesmo o canastrão do Channing Tatum segura as pontas, ainda mais num personagem que beira o ridículo: um albino mutante, mistura de homem e lobo com orelhas de elfo. Ou seja, não é para ser levado a sério mesmo!

Em tempos de cinismo exacerbado como esse em que vivemos é fácil entender porque um filme como "O Destino de Júpiter" não agrada aos críticos e acaba naufragando nas bilheterias. Mas, se você não é um desses e tem um Q.I. mais alto do que o de uma ostra em coma, certamente vai curtir esse "Flash Gordon 2.0", cheio de efeitos visuais bacanas, personagens rocambolescos e até comentários críticos ao consumismo desenfreado do capitalismo. Tem coragem?

Cotação: * * * 1/2

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Filmes: "O Som ao Redor"

BISONHO

Como cineasta, Kleber Mendonça Filho é um ótimo crítico de cinema 

- por André Lux, crítico-spam

"O Som ao Redor" é um filme dirigido por Kleber Mendonça Filho, um sujeito que atua também como crítico de cinema e cujos textos eu acompanhei durante um certo tempo. 

Mas, como quase todos os que vivem de tecer opiniões sobre o trabalho alheio, ele não era muito chegado a ser contestado ou mesmo ter seus erros apontados pelos leitores. Por ter ousado cometer tais heresias, acabei sendo esculachado publicamente por ele em seu site, onde entre outras coisas, me rotulou de "crítico-spam", apelido que adotei carinhosamente e uso até hoje (clique aqui para saber mais detalhes dessa divertida história).

Quando soube que ele tinha dirigido um longa metragem (até então só tinha feito alguns curtas), fiquei bastante curioso para ver o resultado final, até porque a obra recebeu elogios entusiasmados e até foi indicada para a lista dos brasileiros que poderiam concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Chegaram a dizer que era melhor até que "Cidade de Deus"! Certamente ajudou essa boa vontade toda o fato de ter sido produzido de forma independente e fora do domínio mercadológico da Globo filmes, fato que gerou até uma divertida pendenga entre Kleber Mendonça e um dos arrogantes diretores da Vênus Platinada.

Sinceramente, eu devo ter visto o filme errado. Pois o que assisti foi um desfile canhestro de atores amadores incrivelmente mal dirigidos, os quais nem conseguiam pronunciar suas linhas direito ou então começavam a falar em cima do outro, deixando mais do que evidente que nem mesmo ensaiaram o suficiente (as atuações das crianças, então, são catastróficas). Alguns pareciam até estarem dopados, de tão catatônicos, especialmente o rapaz que faz o corretor de imóveis e sua namoradinha. As cenas de amor entre eles tem a mesma intensidade de uma corrida de lesmas! 

O roteiro, do próprio Kleber, não conta uma história propriamente dita, mas apenas mostra várias situações corriqueiras que envolvem moradores de um bairro de classe média de Recife que, eventualmente, se cruzam. Até aí não há nada que desabone a obra, pois vários outros filmes já tiveram esse mesmo tipo de narrativa, como "Short Cuts", de Robert Altman, com resultados excelentes. 

O problema é que aqui nada de interessante ou pertinente acontece e as conversas entre os personagens não apenas são vazias, mas forçadas e inconvincentes. O ponto alto do filme, para se ter uma ideia, é a cena em que uma dona de casa entediada se masturba em cima da máquina de lavar roupas, que vibra vigorosamente. A não ser, é claro, que você ache uma reunião de condomínio tal qual a mostrada no filme seja algo extremamente excitante. 

Se bem que a única piada do filme aconteça justamente nessa sequência, quando uma dondoca reclama do porteiro que entrega sua revista Veja fora do plástico, onde já se viu! Pena que a cena é tão mal marcada e filmada que a gozação com os leitores do pasquim nazi-fascista praticamente passa em brancas nuvens.


A única piada do filme vai te fazer rir, se ficar acordado até ela chegar...
Muitos enxergaram na obra comentários sociológicos fortes, mas aposto que foi porque leram antes o material de marketing ou então entrevistas do diretor. Porque, sinceramente, nada disso está no filme, exceto uma outra cena que pode até remeter ao eterno conflito de classes na forma das relações entre patrões e seus empregados domésticos, realidade bem característica da sociedade brasileira. 

Mas nem isso fica registrado, já que não existe maior relevância nas interações entre eles. O conflito mais marcante do filme se dá entre uma dona de casa e a empregada que queima o aparelho que emite um zumbido para espantar o cão do vizinho, daqueles que não param de latir. 

Vai ver que enxergaram esses conteúdos todos naquela cena enigmática em que três personagens estão se banhando em uma cachoeira e, de repente, começa a cair uma tinta vermelha em cima de um deles. Minha primeira reação foi achar que o rio tinha ficado menstruado. Passado o choque com o nível de amadorismo com que tal cena foi realizada e editada, tentei identificar o sentido daquilo, mas não consegui. Foi um um delírio do personagem? Um insight, talvez? Quem sabe uma premonição do futuro? Ou não? Certamente a genialidade do autor me escapou, tão acostumado que estou com filmes estadunidenses que explicam tudo à plateia...

Nem vou falar da "grande surpresa" que acontece no final e envolve o antigo "coronel" local porque é simplesmente absurda e fica ainda mais ridícula com os atores proclamando suas falas com a expressividade de uma estátua de pedra.


"Socorro! O rio ficou menstruado!"
O filme poderia ter sido salvo caso tivesse uma edição minimamente profissional. Todavia o que vemos em "O Som ao Redor" são sequências emendadas umas às outras sem qualquer ritmo ou fluidez, com várias cenas se alongando muito além da conta. Não causa estranheza saber que a edição foi feita pelo próprio Kleber, o que comprova que nunca é uma boa ideia deixar o cineasta cortar seu filme.

Os realizadores tentam dar sentido ao nome do filme enfiando um monte de barulhos do cotidiano de uma cidade grande em quase todas as cenas, porém eles não acrescentam quase nada e acabam apenas ajudando a atrapalhar ainda mais a compreensão das falas empoladas dos atores. Quem quiser ver esse recurso sendo usado com maestria e significado, recomendo algum filme do grande Jacques Tati, principalmente "Meu Tio".

No final da exibição desse tedioso e bisonho filme, confesso que fiquei até triste. Estava torcendo para que fosse realmente a obra prima que muitos profissionais da opinião estavam dizendo, afinal seria uma glória para mim ter meu apelido de "crítico-spam" associado a um cineasta de alto calibre. Mas, que nada! Nem isso consegui. 

No final das contas, como cineasta Kleber Mendonça Filho é um ótimo crítico de cinema. Pena que ele não vai poder detonar seu próprio filme, como faz com tanta veemência quando se trata da obra de outros realizadores. 

Mas certamente eu vou ganhar mais um merecido esculacho do crítico e dublê de cineasta por ousar não confessar que sua obra é genial por puro rancor. Afinal, como diz aquele velho ditado Klingon: "a vingança é um prato que se come frio"...

Cotação: *

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Filmes: "Birdman"

CINEMA-MARRETA

Boa premissa é estragada pelo excesso de pretensão, autoindulgência e falta de sutiliza do cineasta mexicano

- por André Lux, crítico-spam

"Birdman" é mais um daqueles blefes que cai nas graças da maioria dos críticos e acaba sendo indicado para uma penca de prêmios da indústria do cinema estadunidense.

Mas aqui fica fácil identificar a origem dessa devoção toda, já que se trata de mais um "filme dentro do filme" (ou, no caso, dentro do teatro), que utiliza a metalinguagem e o auto-elogio como molas propulsoras. E todo mundo sabe que críticos e artistas em geral adoram esse tipo de obra, cheia de referências e citações que só eles vão entender e "rasgação" de seda para quem vive da arte e os parasitas que gravitam em torno deles.

Não bastasse isso, o filme praticamente coage os críticos a gostarem dele, já que em um cena o protagonista enfrenta a poderosa crítica do The New York Times e a humilha violentamente porque ela diz que vai malhar a obra dele, mesmo sem ter a assistido. Ou seja: "críticos, estejam avisados, se não gostarem do meu filme já sabem qual será minha resposta, certo?"

O filme é escrito e dirigido pelo mexicano Alejandro Iñárritu (de "Amores Brutos" e "Babel"), um cineasta inegavelmente talentoso, porém que costuma estragar suas obras com altas doses de pretensão e uma mão pesadíssima que usa como uma marreta para enfiar na tela as mensagens que gostaria de ensinar. 

"Birdman" tem até uma premissa interessante. Mostra ator que ficou famoso interpretando o super-herói "Homem Pássaro" nos cinemas, mas que caiu no esquecimento depois de recusar participar da quarta continuação do sucesso de bilheteria. Ele então tenta desesperdamente provar que é um "artista de verdade" montando uma peça na Broadway. Esse personagem é feito pelo Michael Keaton que, como todo crítico ou cinéfilo que se preze sabe, esteve na pele dos dois primeiros "Batman" do Tim Burton e também desistiu de interpretá-lo nas outras continuações.

Entenderam a sacada? O personagem de "Birdman" e o ator que o interpreta passaram por situações quase idênticas! Genial, certo? Pra meia dúzias de pessoas pode até ser, mas para o resto dos mortais esse tipo de coisa não quer dizer absolutamente nada.

Eu sinceramente acho muito pedante um cineasta fazer um filme só para ficar marretando na cabeça do espectador com a sutileza de um terremoto o quanto o chamado "cinema comercial" estadunidense e sua obsessão por filmes de super-heróis e efeitos especiais estariam acabando com a arte e com a civilização ocidental. E sobra porrada também para as novas tecnologias e as redes sociais, como se a tecnologia em si fosse maléfica e não a maneira com muitas pessoas a usam. Reacionarismo pouco é bobagem!

Enfim, o resto do filme mostra os problemas enfrentados por Keaton durante a montagem da peça que escreveu, a partir de um conto de autor cultuado, dirige e atua. Não vou negar que a primeira parte é interessante e realmente prende a atenção, principalmente graças às atuações de Keaton e Edward Norton, que interpreta um ator metido a besta e difícil de lidar (igual dizem ser o próprio Norton na vida real, sacaram? Hein, hein?).

Keaton e seu alter-ego, o "Homem Pássaro"
A interação entre eles e o resto dos personagens traz momentos engraçados, embora o tom seja sempre de humor negro (mas as mulheres tem pouco a fazer). 

A melhor sequência do filme se dá quando Keaton fica preso pra fora do teatro e tem que entrar pela porta da frente vestindo apenas uma cueca! Pena que o diretor nem mesmo tire mais proveito das consequências disso.

O problema começa no segundo ato do filme, quando a narrativa esquece dos outros e foca-se exclusivamente no protagonista, que é dado a ter delírios de grandeza graças à voz do "Homem Pássaro" que fala diretamente à sua cabeça. Ele também exibe poderes sobrenaturais, como fazer mover objetos e até voar, porém nunca fica claro se isso é real ou mais um delírio dele. 

E é na conclusão que o filme derrapa feio, quando Iñárritu tinha toda a oportunidade de fechar tudo com um crítica mordaz à hipocrisia de muitos autores em provarem que são "artistas de verdade" até receberem uma proposta milionária para estrelar o próximo blockbuster roliudiano, mas opta por fazer o contrário, que é justamente louvar esse tipo de busca autoindulgente e pretensiosa, inclusive negando a dubiedade com que mostrava os "poderes" do protagonista.

O mais estranho é que o subtítulo do filme é "A Inesperada Virtude da Ignorância". Só que no caso do diretor Iñárritu não foi virtude. Pelo contrário...

Cotação: * * 1/2

sábado, 17 de janeiro de 2015

Filmes: "De Volta ao Jogo"

Bomba: cartaz auto-crítico
LIXO TÓXICO

Mais um filme feito para disseminar o fetiche dos estadunidenses pelas armas de fogo e pela violência

- por André Lux, crítico-spam

É impressionante como a indústria cultural estadunidense gasta rios de dinheiro produzindo filmes como esse “De Volta do Jogo”, que mostram a vida de assassinos profissionais a serviço de máfias criminosas os quais eventualmente se envolvem em missões de vingança e retaliação contra seus ex-chefes.

Alguns até acabam trazendo reviravoltas interessantes, que servem para acabar com o tédio das incontáveis cenas onde o “herói” destrói sozinho um exército de capangas. Mas não é o caso desse novo filme estrelado por Keanu Reeves, que sinceramente não precisava participar desse tipo de porcaria, ainda mais para dar um desempenho no seu “estilo zumbi” de sempre.

A trama é rasa como uma poça de água e feita a partir dos clichês mais óbvios do gênero. Matador profissional apaixona-se e larga o trabalho. Sua esposa adoece e morre, para seu desespero. Gangue liderada pelo filho do seu ex-chefe assalta sua casa, rouba seu carro e mata o cão. “Herói” parte para a vingança total contra todos. Fim.

Poderia até ser divertido para quem gosta desse tipo de obra, porém é previsível até o talo e cheio de furos ridículos. Tipo, como é que o filho do mafioso não iria conhecer o protagonista, apelidado de "Bicho-Papão" justamente pela sua eficiência e crueldade, sendo que ele havia abandonado a organização há poucos anos?

Enfim, nem vale a pena ficar enumerando as besteiras nesse tipo de filme, já que sua verdadeira função é disseminar pelo resto do mundo o fetiche dos estadunidenses pelas armas de fogo e pela violência, função que “De Volta ao Jogo” cumpre com a maestria de sempre. 

Para quem gosta de lixo tóxico, é uma ótima pedida... Sem dizer que o cartaz do filme já a melhor crítica dele: uma bomba!

Cotação: *

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

"A bissexualidade e o amor livre serão as tendências no futuro", afirma psicóloga

A psicanalista Regina Navarro Lins bate na mesma tecla há mais de duas décadas: amor é uma coisa, sexo é outra. Em sua obra mais recente, O livro do amor, declara guerra ao idealismo: “As pessoas precisam parar de acreditar em fidelidade e amor romântico. Dentro de 30 anos, o sexo será mais livre. A bissexualidade é uma tendência”


Falar de sexo não é problema para Regina Navarro Lins. Carioca de Copacabana, mãe de dois filhos e avó de uma menina, a escritora e psicanalista de 63 anos ganha a vida falando “daquilo”. E fala sem travas, sem tabus, sem moralismo, de um jeito que incomoda muita gente e põe em xeque os sonhos de uma vida amorosa e sexual ideal. E irreal.
Regina se considera “uma libertária”. Palavras como masturbação, sexo grupal (“são uma tendência”), bissexualidade (“outra tendência”) e orgasmos fingidos (“um absurdo”) saem da sua boca com uma facilidade que justifica os 12 livros que ela publicou. Todos sobre sexo e relacionamentos. Por causa deles, participa de programas de rádio, escreve colunas em jornais, artigos em revistas, blogs, e, este mês, ganha um quadro na terceira temporada de Amor e sexo, apresentado por Fernanda Lima, na Globo. Tornou-se uma espécie de militante da liberdade sexual e amorosa.
Em sua mais recente obra, O livro do amor, volumes 1 e 2, ela conta como evolui o sentimento desde a Pré-História até os dias de hoje. “Passei cinco anos debruçada sobre esse assunto”, diz. “A gente tem que saber do passado para entender por que as coisas são como são no presente.” Seu objetivo: esclarecer o maior número de pessoas possível. “Elas não percebem que são infelizes porque seguem padrões que não levam a nada, como acreditar que em um casamento é possível a exclusividade.” Regina prefere este termo: “exclusividade”. “Traição não é uma pessoa sentir desejo por outra, isso é natural. Traição é enganar um amigo, um irmão.”
A psicanalista também ataca outras frentes carregadas de polêmica. Incentiva, por exemplo, o uso de vibradores (“para que mais mulheres gozem”) e é “absolutamente” contra o cavalheirismo. “Por que um homem tem que pagar a sua conta ou tirar uma cadeira para você sentar? É porque a mulher é um ser frágil e incapaz até de puxar uma cadeira?”
Essa filosofia de vida é um espelho da sua rotina. Há 11 anos está casada com o escritor Flávio Braga, seu terceiro marido. “Não temos um pacto de exclusividade. As pessoas estranham até coisas bobas na gente”, diz. Exemplo: ela não gosta de cozinhar, seu marido gosta. Ele vai além, cuidando da casa, lavando os pratos... “Tenho amigos intelectualizados que acham isso um absurdo”, conta Regina. “Fico chocada com essas reações.”
A cama na varanda
Falar e escrever sobre relacionamentos foi um caminho natural para Regina. “Sempre gostei do tema”, diz. Filha de uma família de classe média da zona sul carioca, casou aos 23 anos (“não virgem e não na igreja, claro”). Até então, seguia o destino de uma psicóloga comum. Abriu um consultório, fez formação psicanalítica. “Mas percebi que esse não era o meu caminho”, explica. “Precisava falar mais de amor e sexo. Eram assuntos que toda hora surgiam na minha clínica.”
Em 1992, ela compilou suas posições sobre o tema e lançou A cama na varanda. Um best-seller com mais de 50 mil cópias vendidas. Nele, fez uma previsão que balançou certezas e atiçou a atenção de quem desconfia de que esse negócio de viver a dois é uma luta arriscada e dolorosa por algo quase impossível. Para Regina, num futuro que deverá chegar dentro de 30 anos, viveremos a era do poliamor e de um sexo menos encanado.
Com essas teses todas no colo, a escritora passou a ser uma das pessoas mais ouvidas do Brasil sobre o tema. “Acho um absurdo que em um país como o nosso não existam mais especialistas que pensem sobre isso”, diz a psicanalista, que cutuca seus colegas de profissão. “Um psicanalista normal fica fechado lá com seus dez pacientes. Assim, fica difícil ter uma visão do mundo.”
Para ter essa visão, ela usa a internet e conversa regularmente com seus leitores por e-mail e Twitter. Ou em palestras. Ou mesmo na rua. “Ouço as pessoas. Vejo o que está acontecendo e, a partir daí, posso apontar tendências.” Entre elas: o fim do casamento tal qual o conhecemos. “Quem disse que não é possível amar mais de uma pessoa? É sim!”
Na entrevista, a psicanalista demoliu até mesmo os contos de fadas. “Uma mãe que lê um livro de uma Cinderela da vida está sendo irresponsável com a sua filha.” 
Tpm. Você se considera uma pessoa libertária. Como isso surgiu?
Regina. Acho que já nasci libertária. Sou filha de uma família de classe média. Minha mãe sempre foi muito careta. Ela só começou a trabalhar depois que meu pai morreu, em um desastre de avião, quando eu tinha 14 anos. Minha irmã, que é quatro anos mais velha, também é assim, supermoralista. Mas eu tive uma avó maravilhosa, que veio do Líbano com 14 anos e desquitou com quatro filhos pequenos. Isso na década de 30! Imagina o que era isso? Essa avó deve ter me influenciado de alguma maneira. Ela sustentou sozinha os quatro filhos e ainda ajudava o meu avô com dinheiro.
E quando ficou claro que você era como ela? 
Aos 8 anos, fui fazer primeira comunhão, porque todas as minhas amigas faziam. Minha mãe não me forçou. Isso é uma coisa que agradeço a ela – minha mãe não tinha essa religião. Agradeço mesmo por não terem me colocado a culpa católica [risos]. Na primeira aula de catecismo, lembro até hoje, vi um livrinho em que tinha uma menina entrando num pote de melado e estava escrito: “Deus tudo sabe e tudo vê”. Nunca mais voltei.
Você foi adolescente nos conservadores anos 50. Casou virgem? 
Não. Perdi a virgindade com meu primeiro marido, quando a gente namorava. Antes já tinha tido dois namorados. Não transei com eles porque eles não quiseram! Era uma época em que se gozava nas coxas [risos]. Lembro que para um deles eu falava: “Tira a minha virgindade!”. E ele respondia: “Não, porque se eu tirar a sua virgindade e depois a gente se separar você vai sofrer”. E eu falava: “Pode tirar, não vou sofrer” [risos].
A vontade de ser psicóloga e trabalhar na área da sexualidade e do amor surgiu de que jeito? 
Sempre quis fazer psicologia, desde os 15 anos. Por 18 anos, trabalhei como psicanalista comum, tinha consultório, dava aula em universidade e atuei até em uma penitenciária. Até que descobri que grande parte dos problemas das pessoas era ligada a amor e sexo. Daí me senti mal em ficar naquela coisa só de interpretação. Comecei a me especializar nesses dois temas, a dar palestras sobre isso. 

Sempre quis trabalhar com um grande público. Achava que com quanto mais gente eu falasse, melhor. Em 1992, assinei com a editora Rocco para lançar meu primeiro livro, A cama na varanda. Foi um grande sucesso. Tinha um programa diário de sexo no rádio. Fui indo. Hoje dou palestras pelo Brasil todo. Sinto que tenho muito material e que é absurdo guardar isso só para mim.
Você está no seu terceiro casamento e prega o amor livre. Como é isso dentro das suas uniões?
Primeiro casei com 23 anos e tive minha filha [a advogada Taísa, 37 anos]. Separei depois de cinco anos. Era um casamento normal. A gente não questionava isso. Mas também não tinha pacto de exclusividade. Já sabia que, se eu quisesse transar com alguém, isso seria um direito meu. Nunca pensei diferente. Depois casei outra vez, tive outro filho [o jornalista Deni, 27] e fiquei nove anos sozinha. E fiquei muito bem. Isso é bastante importante. É fundamental que as pessoas saibam que podem ficar bem sozinhas. Que se livrem dessa ideia do amor romântico, essa coisa que diz que você tem que ter um par. A pessoa tem que saber ficar sozinha até para escolher quando quiser se juntar com alguém, e não ficar com o primeiro que aparecer só por medo da solidão.
Como foi ficar nove anos sem alguém? 
Foi uma fase meio radical. Não queria casar nem namorar. Queria ficar sozinha. Eu já tinha publicado A cama na varanda e tinha lançado também uma coletânea de minhas colunas no Jornal do Brasil. Aí, escrevi um novo livro chamado Na cabeceira da cama, em que fui bem contundente. Nessa época, achava impossível o tesão continuar em um casamento. Completamente impossível! Hoje, estou mais amena. Acho viável desde que você não tenha um pacto de exclusividade.
Foi nessa fase radical que você conheceu seu atual marido? 
Foi. Conheci o Flávio em 1999, quando eu dava palestra, publicava livros e todo o resto. Ele já sabia quem eu era, o que eu pensava. Em 12 anos, não vi nenhum moralismo nele. Não temos pacto de exclusividade. Se ele transar com alguém, não tenho nada a ver com isso. E se eu transar com outra pessoa, ele também não tem nada a ver com isso. Mas estamos sempre juntos, somos superparceiros, trabalhamos juntos [o casal já escreveu livros em parceria, entre eles, Fidelidade obrigatória e outras deslealdades]. E ele é muito delicado, muito respeitador. Jamais me pergunta o que fiz, aonde fui. Nosso casamento é ótimo, inclusive sexualmente. 

Acho difícil o tesão se manter quando existe controle. A coisa mais comum de ver no casamento é dependência emocional de um e do outro. Quando você sabe que o outro tem pavor de te perder, que ele está ali no seu pé... o tesão fica inviável. Tem que existir um mínimo de insegurança para você ter tesão. 
“É fundamental que as pessoas saibam que podem ficar bem sozinhas. Que se livrem dessa ideia do amor romântico, essa coisa que diz que você tem que ter um par”
Como é a rotina de vocês? 
O Flávio gosta muito de cozinhar, eu detesto. Ele lava prato cantando, eu não suporto cuidar da casa. Eu cuido de ir ao banco, chamar o encanador, essas coisas. Mas as pessoas são muito caretas. Outro dia estava ao telefone com um amigo e o Flávio gritou: “O almoço está na mesa”. E meu amigo disse: “Então você é o homem da casa?”. Fiquei chocada! Como uma pessoa intelectualizada fala uma coisa dessas?
Você acha que existe diferença entre o masculino e o feminino?
Tenho horror daquela história de “meu lado masculino, meu lado feminino”. Minha irmã sempre me falava: “Você tem alma masculina”. Essa coisa de masculino e feminino são estereótipos para aprisionar as pessoas. As mulheres têm que ser sensíveis e frágeis. E os homens, corajosos e bravos. Imagina! Isso é tudo criação. Todos nós somos fortes e fracos, ativos e passivos, depende do momento.
Sexualmente, existe diferença? 
Claro que não! É tudo cultural. Existem pesquisas no exterior que dizem que as mulheres transam fora do casamento praticamente tanto quanto os homens e que não sentem mais tanta culpa. Eu recebo uma quantidade imensa de mensagens que provam isso. Vejo que as mulheres estão tendo mais relações extraconjugais. Tenho a impressão de que a sexualidade, com o tempo, vai ser mais livre. Você vê as casas de suingue, por exemplo. O número de casais que frequenta casas de suingue é enorme! E pessoas que você nem imagina. Com o meu trabalho, minhas pesquisas, posso apontar tendências.
E quais são as outras “tendências sexuais”? 
Sexo grupal, por exemplo. O sexo vai ser mais livre, a bissexualidade também é uma tendência. Acho que ela será predominante daqui a uns 30 ou 40 anos. Porque o patriarcado está se dissolvendo. A tendência é que as pessoas busquem mais objetos de amor entre seus interesses do que entre ser homem e mulher. Outra tendência é o fim do amor romântico.
Como assim? 
O amor romântico é aquele que está nas músicas, nos filmes, aquele que diz que você vai encontrar a pessoa certa. A busca por esse tipo de amor está em baixa. Ainda bem! Por quê? Porque esse amor prega a fusão completa, ao mesmo tempo que estamos vivendo um momento em que existe uma busca clara pela individualidade, que não tem nada a ver com o egoísmo, como muitos conservadores acham. 

A grande viagem do ser humano hoje é para dentro de si mesmo. O amor romântico propõe o oposto dos anseios atuais. Claro que você vai encontrar muitas mulheres que vão largar tudo, trabalho, mestrado, por causa do homem. Mas isso está começando a sair de cena. Vai surgir outro tipo de amor.
Que tipo? 
Um amor não calcado na idealização. Acho que você vai poder se relacionar com mais de uma pessoa. E, ao sair de cena, o amor romântico está levando com ele a sua principal característica: a exclusividade.
Traição ainda é um grande tabu? 
É. E fidelidade para mim não tem nada a ver com sexualidade. A palavra traição é muito inadequada para definir uma relação sexual com outra pessoa. Traição é uma coisa muito séria. É você trair um amigo, um irmão. As pessoas falam muito a palavra traição por hábito. Prefiro chamar de exclusividade. O que as pessoas precisam é parar de fazer um pacto que não vão cumprir. 
Com o amor romântico saindo de cena, ele leva junto a exclusividade. Acredito que cada vez mais as pessoas vão optar por não se fechar em uma relação e preferir relações múltiplas. Porque essa coisa de você amar duas pessoas, três, isso acontece o tempo todo. Eu atendo pessoas nessa situação e elas sofrem muito por isso. Acho que existem muitas chances de esse poliamor predominar. Porque amor é uma construção social. As pessoas pensam que o amor é só o amor romântico, mas não é nada disso. Quando eu critico o amor romântico, tem gente que acha que sou contra o amor.
Mesmo depois da contracultura e do feminismo ainda tememos coisas como a traição. Você acha que seguimos muito caretas? 
Não acho. No meu O livro do amor descobri que há 5 mil anos, quando o sistema patriarcal se instalou, a mulher foi aprisionada. Na Idade Média, houve concílio para decidir se mulher tinha alma ou não. Até o século 19, ainda se discutia o tamanho da vara com que os homens podiam espancar a mulher. Por isso que eu acho engraçado, sabe? Uma vez me ligaram de uma revista semanal dessas e me perguntaram: “Você é feminista?”. Respondi horrorizada: “Claro, por quê? Você não é?” [risos]. Acho que não ser feminista é concordar com todos esses 
absurdos. As pessoas não entendem isso porque são ignorantes. Mas com tanta opressão, olha, acho que estamos até bem.
A religião é um outro problema para a sexualidade? 
Nossa! E como! O que houve de culpabilização do desejo sexual na Igreja durante todo esse tempo! Tanto moralismo... A Igreja fez barbaridades, como por exemplo apoiar a caça às bruxas. Esse foi um período terrível de violência contra a mulher, em que aconteceram atrocidades das mais horríveis. É importante conhecer o passado para a gente entender o presente.

A Igreja usava uma coisa chamada danação eterna para assustar as pessoas. Imagina isso! A repressão era tanta que muita gente fugia para o deserto do Egito para se mortificar, para tirar os pensamentos da cabeça e fugir dessa “danação eterna”. Essa ideia foi de profissional, né? [Risos]Imagina, danação eterna! A nossa história é um hospício. É inacreditável! 
“Sexo grupal é uma tendência, a bissexualidade também. Acho que ela será predominante daqui a uns 30 ou 40 anos”
Em um dos seus livros, você diz que é contra o cavalheirismo. Por quê? 
O conceito de cavalheirismo não serve para nada, né? O que é cavalheirismo? Que vergonha! Gentileza, sim. O homem tem que ser gentil com a mulher, a mulher com o homem. Cavalheirismo implica que a mulher é incompetente para puxar uma cadeira? Ela malha, segura 10 quilos, mas não consegue puxar uma cadeira ou abrir uma porta? Cavalheirismo é um horror! Precisamos pensar sobre isso, gente! 

A mulher deve dividir a conta do motel com o homem? Outro dia joguei essa questão para uma amiga. E ela: “Ah, divido restaurante, cinema, mas motel não”. E eu pergunto: “Motel não por quê?”. É como se a mulher quisesse os benefícios da emancipação, mas não quisesse os ônus! Então, depois não reclama que ganha menos.
O que você acha desses guias de autoajuda com regras para “conquistar” um homem? 
Acho um absurdo! As mulheres foram condicionadas a acreditar que são frágeis, que precisam de um homem para cuidar delas. Quando você chega à idade adulta, foi tão condicionada que não sabe mais se faz as coisas porque deseja ou porque te educaram para isso. Por exemplo, uma mulher vai a uma festa, está aos amassos com um cara. Ele a chama para fazer sexo e ela diz: “Não tenho vontade, não faço sexo no primeiro encontro!”. Até parece! Isso é para agradar o homem, porque se criou essa ideia de que homem não gosta de mulher que é fácil! Então, ela tem medo de que os caras não liguem no dia seguinte. Muitas mulheres ainda acreditam em príncipe encantado.
E essa ideia de príncipe, dos contos de fadas? 
Essas histórias tipo Cinderela e Branca de Neve não deviam ser lidas para as crianças. Elas incentivam as mulheres a ser o quê? O que você quer para a sua filha? Passar uma imagem subliminar de que ela só vai ser salva se aparecer um homem? O que diz a história da Cinderela? Que o pé tem que caber naquele sapatinho! Ou seja, que a mulher tem que ajustar a sua imagem aos padrões masculinos. Os contos de fadas são muito nocivos. As mães não sabem. Não pararam para pensar. Espero que menos gente conte essas histórias para seus filhos.
Você já contou para seus filhos? 
Contei porque era ignorante. Mas para a minha neta, de jeito nenhum!
O casamento tende a acabar? 
Não consigo acreditar que quem está nascendo agora vai ter, daqui a 30 ou 40 anos, casamentos do jeito que eles são hoje. Li uma pesquisa que diz que 80% dos casamentos são infelizes. Bom, infelizes no sentido de uma convivência boa, de bom relacionamento sexual, de acrescentar coisas para a pessoa. Esse modelo de casamento que está aí é um horror. 
“Fidelidade não tem nada a ver com sexualidade. A palavra traição é muito inadequada para definir uma relação sexual com outra pessoa. Traição é você trair um amigo, um irmão. Prefiro chamar de exclusividade”
Por quê? 
As pessoas precisam reformular as expectativas a respeito da vida a dois. Como todo mundo casa regido pelo amor romântico, a pessoa acha que vai ser aquilo, que o outro vai cuidar de todas as suas necessidades, e por aí vai. Mas isso não é real! As pessoas têm que ter vida própria, têm que ter liberdade de ir e vir, amigos separados, não pode haver controle da vida do outro, controle da sexualidade do outro. A exigência de exclusividade é uma obsessão.
Uma insegurança. 
Sim. As pessoas são muito inseguras. Nós nascemos do útero. No útero temos todas as nossas necessidades garantidas, mas, quando saídos de lá, somos tomados por um sentimento de desamparo. A nossa cultura prega o tempo todo que você tem que encontrar alguém que te complete. 
As pessoas passam a vida inteira procurando alguém que vá dar aquela sensação que você tinha no útero. O amor romântico se presta a isso. A criança pequena também é assim: ela sem a mãe por perto morre. Por isso, as crianças são ciumentas, possessivas. 
Quando meus filhos eram pequenos percebia isso. Se você está muito tempo no telefone, a criança dá um jeito de machucar o pé, de cair, de fazer qualquer coisa para chamar sua atenção [risos]. O adulto é capaz de lidar com seus problemas cotidianos razoavelmente bem. Ele resolve tudo, uma briga com o síndico, uma briga no trabalho. Mas é entrar em um relacionamento e mudar. Ele se torna ciumento, possessivo, controlador. Ele reedita o que fazia quando era criança.
Que conselho você dá para as mulheres que vivem com medo de perder a “exclusividade”? 
Ninguém deveria se preocupar com quem o parceiro ou a parceira transou. Dentro de um relacionamento, você só tem que responder a duas perguntas: “Me sinto amada? Me sinto desejada?”. Se a resposta para essas duas perguntas for “sim”, tudo bem. Agora, ficar se perguntando o que o seu parceiro faz quando não está com você? Ora, isso não é da sua conta!
Mas muitos jovens ainda acreditam naquele modelo da “família margarina”, não é? 
Muitos acreditam mesmo. E isso vem dos anos 50. A década de 50 era uma década de modelos. Se você saísse deles, ficava marcado. Tenho uma amiga que, quando separou, nunca mais foi convidada para as festas do prédio. Isso nos anos 80. Porque são modelos: “Você tem que ser casado, ter dois filhos, uma geladeira, uma televisão de não sei quantas polegadas”. 
Acho anacrônico quem fala hoje: “Ah, porque a sociedade não aceita isso”. Gente, a sociedade somos nós! Mas o mais importante disso tudo é: não estou propondo outro modelo. Estou propondo que não haja modelo. Se alguém quiser ficar casado 30 anos com uma pessoa e só fazer sexo com essa pessoa, tudo bem. Se quiser ficar casado com quatro, tudo bem também. O importante é não ter modelos. Os modelos aniquilam as singularidades.
Você disse em uma entrevista que usava vibrador muitas vezes quando fazia sexo com seu marido. Isso ainda choca as pessoas? 
Essa questão de vibrador tem muito tabu também. O sexo ainda é visto como algo sujo. Mas há 2 mil anos era pior. Era visto como uma coisa tão terrível que acho até um milagre que as pessoas conseguissem ter orgasmo. 
Era tanta repressão acumulada que cada orgasmo é quase um milagre e um sucesso [risos]. Outro dia estava conversando com uma psicanalista e falei de vibrador. Sabe o que ela me disse: “Eu não, não preciso desses brinquedinhos”. Virei para ela e falei: “Escuta, não é precisar de brinquedinho, é uma coisa concreta. Se você estimula duas zonas erógenas ao mesmo tempo, isso tem um efeito. Se o cara está te penetrando e você usa um vibrador no clitóris, vai ter um orgasmo melhor!”. E não tem dedinho que substitua um vibrador. 

Agora, não só as mulheres, mas os homens também têm problema com isso. Eles competem com o vibrador. Acham que, se a mulher usa, é porque ele não está dando conta. As mulheres em geral usam sozinhas, para masturbação, mas não com o parceiro.
Por que os homens temem a concorrência do vibrador? 
Na verdade, os homens são muito inseguros. São dependentes das mulheres como crianças. E isso é culpa do sistema patriarcal. O menino aprendeu a se defender da mãe muito cedo. Imagine a seguinte cena: um menino e uma menina estão brincando no play. Se a menina cai e rala o joelho, começa a gritar, pede o colo da mãe, que faz chamego na filha, fala que ela é meiga. O menino tem que engolir o choro, coitado. 
O menino passa o tempo todo negando a necessidade da mãe, e por isso começa a desvalorizar a mulher. Mais tarde, quando entra em uma relação amorosa, fica frágil. E a mulher acaba cuidando dele. Tem casos de homens que têm empresas de 10 mil empregados e não conseguem decidir a roupa! É uma loucura! Muitos são extremamente dependentes! O sistema patriarcal foi o maior inimigo dos relacionamentos. Colocou a mulher e o homem, cada um de um lado, e criou uma guerra dos sexos.
Essa guerra dos sexos cria que tipo de desencontro na cama? 
O homem vai pro sexo, inconscientemente, para provar que é macho. Então, tem que ficar de pau duro e ejacular. As preliminares ficam pra lá. Para estar no ponto, a mulher precisa de cinco vezes mais sangue irrigando os órgãos sexuais do que o homem. E também de mais tempo para ter um orgasmo. 

Já o cara, ele quer gozar logo para não perder a ereção. E fica naquele movimento igual, de ir pra frente e pra trás, que faz com que a mulher tenha cistite, mas não tenha orgasmo [risos]. Agora, a mulher aprendeu que tem que corresponder à expectativa feminina. E aí, ela finge orgasmo.
Você já afirmou que a última vez que fingiu um orgasmo foi com 20 anos... 
Sim! Eu não faço isso e ninguém devia fazer. É um absurdo! Se uma mulher fingir um orgasmo, vai ser muito difícil ela ter um. E por que ela está fazendo isso? Só para agradar o homem! Para o cara não trocar ela por outra, para segurar o homem.
Como foi educar dois filhos, um menino e uma menina, tendo esse pensamento libertário? 
Sempre denunciei para os meus filhos o moralismo. Nessa área do amor e do sexo, busquei mostrar para eles o que havia de preconceito. Lembro que uma vez fui botar meu filho para dormir e ele estava vendo um seriado em que tinha um padre que se torturava, sofria por causa do seu desejo sexual. E falei para ele: “Meu filho, isso não pode ser assim, sexo não é algo ruim, é uma coisa boa”. Sempre expliquei tudo. E meus filhos sempre dormiram com namorado em casa. Às vezes chegam pais com essa questão pra mim e falam: “Ah, porque é muito complicado...”. E eu falo: “Não é, não”.
Você acha que as coisas estão melhorando? 
Sim! Muito! A minha filha, por exemplo, teve um filho de produção independente. Ela tinha 20 anos e um namoradinho de 17. E foi maravilhoso. Assisti ao parto da minha filha e, imagina, ela nunca foi discriminada por ninguém por causa disso. Na minha geração, as mulheres eram muito discriminadas nessa situação. Aconselho homens e mulheres a questionar tudo isso e jogar o moralismo no lixo. Isso se quiserem viver melhor. Mas para isso é preciso uma coisa muito difícil: ter coragem.
Entrevista publicada no site TPM.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Filmes: "O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos"

GRANDILOQUÊNCIA SEM GRANDEZA

Trilogia serve para confirmar que um diretor sem controle e dominado pelo ego acaba tendo seu talento tolhido

- por André Lux, crítico-spam

O capitulo final da trilogia "O Hobbit" é a prova final de que foi um grande erro do diretor Peter Jackson esticar o pequeno livro de Tolkien em três filmes de quase três horas de duração cada. 

Muita gente está dizendo que esse é o melhor deles, mas eu não achei. Pelo contrário. Os outros dois ao menos tentavam contar uma história, sem muito sucesso, é verdade. Já em "A Batalha dos Cinco Exércitos" temos apenas lutas e batalhas sem fim, durante praticamente toda a projeção.

O que mais choca é a total falta de foco narrativo na trilogia. Enquanto em "O Senhor dos Anéis" Jackson manteve tudo girando em torno do Um Anel e sua capacidade de corromper, em "O Hobbit" a gente nunca sabe em torno do que gira o roteiro. É do Bilbo? É do Gandalf? É do anão Thorin? Do dragão então? Impossível saber, pois o foco muda a cada sequência, deixando tudo desconjuntado e frio.

Pelo que eu me lembro do livro, o protagonista é mesmo Bilbo, cujo arco seria mais ou menos transformar-se de um hobbit preguiçoso e covarde em um aventureiro e cheio de coragem. Nos filmes, não vemos nada disso, nesse último, por sinal, ele quase não tem o que fazer.

E o dragão Smaug, então? Sua participação no terceiro filme é totalmente anti-climática, com ele sendo despachado com menos de 15 minutos de projeção! Já que Jackson ia deturpar tanto a obra original, poderia então mudar o destino do dragão, deixá-lo vivo por mais tempo, sei lá, qualquer coisa! Depois de ficar quase dois filmes inteiros nos provocando com pequenas aparições, a maneira como o diretor encerra a participação dele nos filme é lamentável.

A guerra entre os tais cinco exércitos, que no livro dura meia dúzia de páginas, no filme vira uma orgia de orcs, anões, elfos e humanos digitais se matando por mais de 45 minutos, com resultado emocional pífio! Confesso que não aguentava mais ver aqueles dois chefões orcs sendo golpeados, caindo e levantando para serem golpeados novamente pela enésima vez. Já estava esperando eles gritarem: "Ai amor, me joga na parede, me chama de lagartixa!".  

A resolução da história de amor entre a elfa Tauriel (personagem inventado para o filme) e um dos anões é lamentável. Basicamente sai do nada e chega a lugar algum. Jackson, por sinal, parece perder o controle dos atores, principalmente do sujeito que faz o "aspone" do prefeito da Cidade do Lago, cuja atuação é pavorosa, e do rei dos Elfos Thranduil, feito por um Lee Pace que passa toda a trilogia com a mesma cara de empáfia, como se fosse uma drag queen cuja peruca foi roubada.


"Foi você que roubou a minha peruca favorita, não foi?"

O coitado do Howard Shore, cuja música para "O Senhor dos Anéis" entrou para qualquer lista das melhores de todos os tempos, esforça-se em vão para criar alguma dramaticidade para os filmes, mas a ausência de um foco narrativo definido e de personagens fortes deixa sua partitura sonsa e repetitiva. 

O fato de Jackson optar por enfiar música praticamente do começo ao fim dos filmes sem pausa, serve para limitar ainda mais a paleta musical do compositor, que é obrigado a esticar as notas para tentar cobrir tantas cenas sem graça e redundantes.

Contorci-me novamente na poltrona com a trama paralela que traz Sauron para o meio da narrativa, pois é completamente absurda, especialmente quando a Galadriel usa "a força" para expulsar o vilão. E como é que depois desse terrível encontro, o Gandalf está lá todo tranquilão no começo de "O Senhor dos Anéis"? Nesse ponto, Jackson dá uma de George Lucas e tenta estragar seus filmes originais com essas informações incoerentes.

No final das contas, a trilogia "O Hobbit" apenas serve para confirmar que um diretor sem controle e dominado pelo seu ego acaba tendo seu talento tolhido e sobra apenas o exagero e a grandiloquência, como se isso fosse sinônimo de grandeza. Só que não é. Uma pena.

Cotação: **

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Filmes: "Azul é a Cor mais Quente"

CHATO PRA CACETE

O que poderia ser um interessante estudo sobre a sexualidade humana se transforma num penoso esforço para evitar o sono

- por André Lux, crítico-spam

Eu nada tenho contra os chamados "filmes de arte", pelo contrário, muitas vezes os acho sensacionais e essenciais. Porém, de vez em quando, a gente se depara com um deles que, mesmo tendo conteúdo bastante pertinente, derrapa em sua realização ao ponto de tornar-se intragável.

É o caso desse "Azul é a Cor Mais Quente", dirigido por um certo Abdellatif Kechiche, tunisiano radicado na França, que poderia ser um interessante estudo sobre a sexualidade humana e também sobre as confusões que as pessoas fazem entre atração sexual e amor, mas que acaba se tornando num filme penoso de se ver até o fim.

O roteiro, que é baseado numa história em quadrinhos francesa, conta a história de Adèle, uma adolescente de 15 anos, que descobre sentir atração por pessoas do mesmo sexo depois de esbarrar, na rua, numa mulher de cabelos azuis e ter um flerte com uma colega na escola.

Aos poucos ela vai explorando suas novas descobertas e acaba conhecendo a tal moça de cabelos azuis, com quem vive uma tórrida história de amor, com direito a longas cenas de sexo lésbico que certamente vão ser aprovadas pelas mulheres gays ou bissexuais, já que a maior reclamação delas sobre os filmes pornográficos é justamente a artificialidade das transas entre mulheres.

Confesso que estava gostando bastante do filme mais ou menos até sua metade, principalmente pela atuação de Adèle Exarchopoulos, que além de muito bonita e fofa, conseguia transmitir com muita intensidade os dramas e conflitos da adolescente, compensando a falta de graça da sua "cara-metade" Emma, feita por uma apagada Léa Seydoux.

Os problemas começaram quando o filme ultrapassou a marca das duas horas de projeção e aí começou a se arrastar em cenas desnecessárias e esticadas, quando já havia muito pouco a se mostrar, exceto o crescente distanciamento entre as duas depois que vão morar juntas, agravado pelo fato delas terem muito pouco em comum além da forte atração sexual inicial. 

Há uma cena, por exemplo, em que ambas oferecem um jantar aos amigos artistas e intelectuais de Emma que, sem brincadeira, deve durar uns 10 minutos ou mais (mas parece uma eternidade), e que só serve para mostrar o constrangimento de Adèle perante os assuntos debatidos. Essa sequência poderia ter 2 minutos e já daria para entender tranquilamente o que estava acontecendo, mas é esticada ao extremo, ao ponto de irritar. Confesso que foi tanta gente comendo e "chupando" macarrão que até me deu enjoo!

Ao final, foi difícil resistir ao sono, pois foram três horas de filme, algo que, convenhamos, só dá para suportar em épicos com "Ben Hur", "Lawrence da Arábia" ou "O Senhor dos Anéis"...

Para piorar, o diretor insiste em filmar quase tudo em planos fechados, com a câmera quase enfiada na cara das atrizes, deixando tudo claustrofóbico sem qualquer necessidade, quando queria apenas demonstrar intimidade. 

O que mais impressiona é que o filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes esse ano. Mais uma prova que alguns "entendidos" gostam mesmo é de filmes chatos pra cacete!

Cotação: * *