quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Filmes: "BRAZIL, O FILME"

.
FUTURO DO PRETÉRITO

Alegoria ácida sobre a perda da humanidade numa sociedade totalitária e consumista, mistura "1984" e "O Processo" com toques do Monty Python. 

- Por André Lux, jornalista e crítico-spam

Lá pelo final de 1985, os executivos da Universal Pictures, preocupados com o possível fracasso de um filme que produziram e estavam para distribuir nos EUA, marcaram uma reunião urgente com o seu realizador durante a qual pediram pouca coisa: que ele reduzisse a metragem, trocasse a trilha sonora orquestral por outra com canções pop e, especialmente, mudasse a conclusão amarga para um típico happy end hollywoodiano, do tipo "o amor vence tudo". 

Essas mudanças iriam, na opinião deles, tornar o filme muito mais comercial, garantindo seu sucesso. O cineasta explicou então, na sua característica maneira pouco ponderada, que o filme deveria ficar do jeito que havia sido idealizado, caso contrário ele iria botar fogo nos negativos!

A cena narrada acima pode parecer o delírio de algum comediante, mas ela aconteceu de verdade - infelizmente. O filme em questão chama-se "Brazil", e o diretor, Terry Gilliam. 

Insatisfeitos com o resultado final do terceiro longa-metragem do ex-integrante do grupo Monty Python, o qual consideraram pesado e amargo demais para os padrões aceitos pelo público dos EUA, os executivos da Universal decidiram que "Brazil" deveria ser reeditado e transformado em um filme mais "aventuresco" e "leve". 

Dos originais 142 minutos de projeção, que foram lançados pela Fox sem problemas na Europa e em outras partes do mundo (como o Brasil), Gilliam concordou em reduzir o filme em cerca de 20 minutos. Mas não foi o suficiente.

A Universal era liderada na época pelo infame Sid Sheinberg que, entre outros absurdos, foi o responsável direto pela destruição de "A Lenda", de Ridley Scott (que deixou o estúdio retalhar e mudar a trilha musical de seu filme) e pela aprovação do lamentável "Howard, O Pato", de George Lucas. Sheinberg, a exemplo do que acontece ao protagonista do próprio filme de Gilliam, tornou-se o "torturador particular" do cineasta, cercando-o de todas as formas possíveis (inclusive legais) para poder retirar o projeto das mãos dele a fim de torná-lo "mais comercial".

Versões e (in)Versões
Essa feroz batalha entre o artista e os engravatados da Universal (em mais uma reedição do clássico embate entre David e Golias) é uma das mais famosas e ilustrativas acerca de como funciona o sistema de produção em série da indústria cultural estadunidense. 

E ela está descrita, com riqueza de detalhes, ilustrações e depoimentos de todos os envolvidos, no excelente livro "The Battle of Brazil", de Jack Mathews, jornalista de Los Angeles que cobria a produção do filme na época. Mathews transformou seu livro em um documentário de uma hora de duração, que pode ser assistido no box de "Brazil", lançado pela The Criterion Collection na região 1, que traz nada menos do que três discos.

No primeiro disco, temos a versão de Terry Gilliam para o filme, com seus gloriosos 142 minutos de projeção, remasterizado digitalmente no formato widescreen 1.85:1, trazendo ainda uma faixa de áudio com comentários do diretor. No segundo, chamado de "The Production Notebook", encontramos vários making of, entrevistas com os roteiristas Tom Stoppard e Charles McKeown, com o compositor Michael Kamen (que utiliza na trilha de forma magistral trechos de "Aquarela do Brasil", de Ary Barroso), storyboards, cenas raras da produção dos efeitos especiais, além é claro do excepcional documentário "The Battle of Brazil".

O material mais curioso, todavia, está contido no terceiro disco: nada mais do que a infame versão "Love Conquers All" ('O Amor Vence Tudo) de "Brazil", montada à revelia do diretor, trazendo meros 94 minutos de projeção e um ridículo happy end, que simplesmente detonam a obra em questão deixando-a totalmente sem sentido. 

Pior que essa grotesca (in)versão foi exibida nas televisões dos EUA, por anos a fio. Existe ainda um canal de áudio onde David Morgan, expert em Terry Gilliam, faz uma análise extremamente crítica de todas as alterações feitas.

Orwell encontra Kafka no circo do Monty Python
Quanto ao filme, trata-se de uma alegoria extremamente ácida e anárquica sobre a perda da humanidade frente a uma sociedade totalitária e cada vez mais repleta de burocracia e obcecada pelo consumismo. Trata-se de uma mistura de "1984", de George Orwell, com ''O Processo'', de Kafka, com toques do humor bizarro e non-sense próprios do sexteto inglês do qual Gilliam fazia parte, o Monty Python.

Além disso, o filme é premonitório do futuro catastrófico imposto ao mundo caso a doutrina neoliberal, que na época ainda estava em processo de implantação, fosse levada às últimas conseqüências. 

Reparem como o Estado retratado no filme é o sonho de qualquer defensor do neoliberalismo: enxuto, isento de qualquer responsabilidade social e praticamente restrito ao aparato policial de vigilância e repressão constante às classes mais baixas, mantido graças a um clima de medo e paranóia constante propagado pela mídia e por supostos ataques de "terroristas".

O protagonista dessa epopéia, interpretado brilhantemente por Jonathan Price, é Sam Lowry, um funcionário público apático e conformista, que passa acidentalmente a lutar contra o sistema depois que descobre que a mulher de seus sonhos existe e está marcada para morrer. 

É a típica trama do anti-herói forçado a agir, mesmo contra sua vontade, para conquistar seus desejos. Na sua aventura, ele conta ainda com a ajuda do engenheiro-de-calefação-autônomo e dublê-de-terrorista, Harry Tuttle (na pele de um Robert De Niro praticamente irreconhecível).

Só que catarse e redenção são palavras que não fazem parte do dicionário de Terry Gilliam, como Lowry vai descobrir dolorosamente no final. E a melhor explicação para essa filosofia de vida vem do próprio diretor: "Nós não damos respostas, apenas apontamos para o óbvio que ninguém quer ver, de um modo engraçado. E quando as pessoas pegam-se rindo daquilo, esperamos que elas pensem: 'Ei, eu não deveria estar rindo, isso é horrível!'".

Sobre o motivo do filme se chamar "Brazil", Gilliam explica: "Port Talbot é uma cidade de ferro, onde tudo é coberto por um pó cinza de metal. Até a praia é completamente coberta de pó preto. O sol estava se pondo e era realmente bonito. O contraste era extraordinário. Eu tinha essa imagem de um cara sentado nessa praia moribunda com um rádio portátil, sintonizando estranhas canções escapistas latinas como [Aquarela do] Brasil. A música o transportou de alguma forma e fez o seu mundo menos cinza".

Quanto ao desfecho da "Batalha por Brazil", o vencedor foi, em última instância, o nosso "David" da sétima arte, que passou a usar táticas de guerrilha para promover o lançamento de seu filme intacto, tais como patrocinar exibições piratas para estudantes e críticos de cinema, bem como tornar público o martírio pelo qual estava sendo obrigado a passar pela Universal - Gilliam chegou a pagar um anúncio de página inteira no jornal Variety com a seguinte mensagem: "Querido Sid Sheinberg. Quando você vai lançar meu filme 'Brazil'?". Em um outro momento, Gilliam mostrou uma foto do executivo em um programa de entrevistas do qual participava, e soltou no ar, ao vivo: "Esse é o homem responsável pela minha dor".

Mas tamanha audácia provou-se válida, tanto que o filme ganhou os principais prêmios da Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles (melhor Filme, Diretor e Roteiro) e acabou sendo lançado intacto (mas modestamente) nos cinemas dos EUA, dividindo público e crítica, fato que não incomodou em nada o cineasta. "Para algumas pessoas, meu filme foi o equivalente a um espancamento", diz Gilliam rindo. "Para outras, foi uma experiência maravilhosa. Perfeito. Eu não fiz o filme pensando em agradar alguém...". 

É certo que, depois desse evento notório e constrangedor, as políticas dos grandes estúdios, relativas a quem seria responsável pelo corte final dos filmes, nunca mais foram as mesmas.

Infelizmente, essa caixa com os três discos dificilmente será lançada no Brasil. Portanto, você precisará ter um bom dinheiro sobrando para colocar suas mãos nela. Mas, se tiver, certamente não vai se arrepender!

Por aqui, o filme foi lançada pela Fox (que detém os direitos de distribuição fora dos EUA) na versão normal sem cortes, mas desprovida de qualquer extra ou comentário (veja reprodução da capa à direita).

Cotaçâo: * * * * *
.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Filmes: "DUNA" (Versão Estendida)


COLCHA DE RETALHOS

Novo corte do filme vale pela quantidade de cenas inéditas, mas como cinema é abominável

- Por André Lux, crítico-spam

Foi lançado no Brasil em DVD a Versão Estendida de ''Duna'', a polêmica adaptação para o cinema feita por David Lynch da gigantesca obra de Frank Herbert. O filme é de 1984 e custou uma fortuna para a época, algo em torno de US$ 60 milhões. Mas foi um tremendo fracasso de bilheterias, embora tenha virado cult.

Muitas razões foram levantadas para explicar o naufrágio do projeto, entre elas os sucessivos cortes na metragem que o produtor Dino de Laurentis obrigou Lynch a fazer. De um original de mais de 3 horas e 40 de projeção, ''Duna'' resultou numa salada indigesta e praticamente incompreensível de duas horas.

Somente aqueles que já conheciam o livro de Herbert puderam entender o que se passava na tela. Para o resto sobrou pouco mais do que os deslumbrantes desenhos de produção, o figurino belíssimo e a atuação precisa de um elenco excepcional. Ao menos o filme despertou em alguns a vontade de ler a obra original (meu caso), o que não deixa de ser um mérito.

Na tentativa de resolver esse problema, foi criada uma ''versão estendida'' do filme para ser exibida na TV na qual foram reincorporados cerca de 40 minutos de cenas inéditas, incluindo um prólogo que tenta explicar os acontecimentos anteriores aos abordados no filme, utilizando para isso uma narração sobre alguns parcos desenhos de produção.

Só que tudo isso foi feito à revelia de David Lynch, que abominou o resultado final e obrigou o estúdio a retirar seu nome dos créditos de roteirista e diretor, que ficaram sob a alcunha de ''Alan Smithee'' (nome fictício geralmente usado para substituir tais créditos). Mas Lynch estava correto. Essa chamada ''Versão Estendida'' nada mais é do que uma colcha de retalhos horrivelmente costurada.

Se a versão original era incompreensível, esta é intolerável. Os ''pais'' dessa versão simplesmente colaram as cenas inéditas entre as já existentes, sem respeitaram qualquer lógica ou fluidez. Os cortes são bruscos e as passagens entre as cenas são toscas. Às vezes a ação na tela é entrecortada por uma narração péssima e geralmente risível. No início, por exemplo, tentam ''apresentar'' os personagens por meio deste artifício e somos obrigados a ver um take fechado de um dos atores enquanto o ''voice-over'' nos explica monotonamente quem é aquela figura por longos minutos!

A montagem é tão lamentável que, de tempos em tempos, enfiam uma cena qualquer de uma nave voando que nada tem a ver com o que é mostrado, só para separar takes. A música do grupo Toto também é brutalmente mutilada, graças à inserção de faixas compostas para outras seqüências do filme no meio da que já estava sendo executada na trilha sonora. É um verdadeiro assalto aos sentidos. A imagem em ''fulscreen'' deforma totalmente os enquadramentos originais e é de qualidade ruim (parece ter sido tirada de um master em VHS). O som em stereo 2.0 também não é muito melhor.

Todavia, mesmo sendo uma tentativa abominável de remontar o filme, essa ''Versão Estendida'' certamente vale como curiosidade para quem gosta do filme original, já que traz diversas cenas nunca vistas antes. São de particular interesse o duelo entre Paul e Jamis, Gurney Halleck tocando seu ''baliset'', a morte do verme recém-nascido para a extração da água da vida, a introdução da governanta Shadout Mapes e a noite de amor entre o Duque Leto e Jessica quando concebem Alia.

Se você é fã do filme original de David Lynch, mas sempre teve vontade de ver as cenas que não foram incluídas na versão dos cinemas, então essa ''Versão Estendida'' certamente vai satisfazer a sua curiosidade. Mas saiba que, como cinema, é simplesmente ultrajante e ainda mais incompreensível do que o original.

Cotação: *

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

DVD: "O QUE VOCÊ FARIA?"

.
A CORPORATOCRACIA EM AÇÃO

Quem já possui uma visão crítica acerca da atuação das transnacionais e do auto-destrutivo modelo neoliberal certamente vai se deleitar com a abordagem ácida e demolidora dessa obra.

- por André Lux, jornalista e crítico-spam

CartaCapital, a única revista semanal imprensa que ainda pratica jornalismo sério no Brasil, publicou na edição 452 uma reportagem sobre os absurdos que as empresas cometem contra candidatos a uma nova vaga de trabalho, muitas vezes submetendo-os a situações, no mínimo, humilhantes.

Depois de ler essa reportagem e tomar consciência desse fato, o filme “O Que Você Faria?” não parece assim tão absurdo. Embora algumas situações retratadas na obra sejam realmente exageradas (como o sexo no banheiro e as agressões físicas) e os personagens beirem o estereótipo, não existe ali compromisso com a realidade, mas sim com a construção de uma metáfora à loucura que tomou conta hoje do meio empresarial, especialmente das grandes corporações, onde a busca pelo lucro a qualquer preço e a exploração da mão de obra virou obsessão, com raríssimas e nobres exceções.

A verdade é que vivemos hoje numa ditadura do mercado, que alguns chamam ironicamente de “corporatocracia”, na qual a ordem mundial é dominada por meia dúzia de mega-empresas transnacionais que pairam acima de governos e estados democráticos, restando à grande maioria dos cidadãos alugarem suas forças de trabalho a elas em troca da sobrevivência diária. Acima de tudo isso, grupos de acionistas sem rosto e dirigentes absolutamente subservientes a eles dominam com mão de ferro esse sistema que, nas palavras do lingüista e ativista político Noam Chomsky, é o mais totalitário que existe – já que as ordens vêm de cima sem qualquer discussão, sobrando aos que estão abaixo a única opção de segui-las à risca sem questionamento.

“O Que Você Faria?”, uma co-produção entre Espanha, Argentina e Itália, mostra exatamente o processo de seleção para um alto cargo de direção de uma dessas multinacionais. Sete candidatos à vaga são reunidos em uma mesma sala para participarem da última etapa do processo, do qual apenas um restará. Neste ambiente inóspito, serão submetidos a um certo “método Grönholm”, que basicamente incitará os piores instintos de cada candidato na tentativa de eliminar os concorrentes.

O clima de paranóia é dobrado com a possibilidade de um deles ser um impostor, ou seja, alguém da empresa infiltrado na sala para observar mais de perto e manipular a ação dos outros. E tudo ainda pode estar sendo gravado com câmeras e microfones ocultos, numa assertiva alusão à sociedade “Big Brother” para a qual caminhamos cada dia mais, onde tudo e todos são constantemente monitorados e vigiados.

A intenção do roteiro de Mateo Gil e Marcelo Piñeyro, que é baseado em peça teatral de Jordi Galcerán, vai se tornando óbvia a partir que a trama avança e as primeiras vítimas do processo absurdo e degradante vão sendo feitas. Não por acaso, o candidato mais qualificado para o cargo e, também, o mais ético é o primeiro a ser praticamente linchado pelos outros competidores, que agem sempre sob a manipulação da corporação na forma de tarefas transmitidas a eles de modo impessoal e frio por meio de telas de computador. E, claro, o vencedor é justamente aquele que menos tem escrúpulos em destruir os adversários para atingir suas ambições.

Quem já possui uma visão crítica acerca da atuação desumana das transnacionais e do auto-destrutivo modelo neoliberal certamente vai se deleitar com a abordagem extremamente ácida e demolidora da obra, que melhora ainda mais com uma segunda leitura, quando já conhecemos melhor os personagens e o que cada um deles representa dentro do contexto em que estão inseridos.

Ironicamente e em paralelo à ação principal do filme, acontece uma grande manifestação nas ruas de Barcelona contra a atuação nefasta do FMI e do Banco Mundial sobre a economia global, sob o jargão de que "um outro mundo é possível". Por enquanto ainda é. Não se sabe até quando...

Cotação: * * * *
.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

DVD: "Cartas de Iwo Jima"

.
CARTAS DE MENTIRA

A cultura japonesa é por demais complexa para ser traduzida de forma ligeira e fica mais ridículo quando tentam encaixá-la nos moldes do pensamento maniqueísta estadunidense.

- por André Lux, crítico-spam

Antes de iniciar minha análise, faço questão de deixar bem claro que só tolero filmes sobre “grandes guerras” quando são: 1) críticas ferozes ou sátiras ácidas à estupidez da mentalidade militarista e a governos que metem seus povos em tragédias inúteis, como “Platoon”, “M.A.S.H.”, “Doutor Fantástico” e “O Sentido da Vida”, do Monty Phyton; ou 2) documentários que servem como registro histórico. Com a exceção das citadas acima, acho qualquer outra abordagem feita sobre esse assunto infeliz e duvidosa, por mais bem intencionada ou ingênua que seja.

“Cartas de Iwo Jima”, portanto, não ganha minha simpatia na partida. A minha repulsa a um projeto como esse aumenta ainda mais quando me dou conta que se trata de um filme estadunidense que pretende contar a história de um conflito vencido por eles, mas só que mostrando o outro lado, ou seja, o lado dos soldados derrotados – no caso, os japoneses. Maior petulância e arrogância não podem existir, convenhamos.

E, por mais que o superestimado diretor Clint Eastwood, que alterna abominações ultra-fascistas como “O Destemido Senhor da Guerra” com obras sensíveis tipo “As Pontes de Madison”, se esforce em pintar seu filme com tintas realistas e neutras, é impossível engolir o roteiro esquemático e raso típico dos enlatados de Roliudí. A intenção, em “Cartas de Iwo Jima”, parece ser a de tentar ensinar ao povo estadunidense que por trás dos soldados japoneses existiam também seres humanos. Derrotados, sim. Humilhados, também. Mas, vejam só: humanos como eu e você. Incrível, não?

Para comprovar sua tese, Eastwood constrói uma série de personagens que se somam aos inúmeros estereótipos inventados pela indústria cultural dos EUA para garantir emoções fáceis no cinema e grana no bolso dos estúdios. Mas, aqui, a embalagem vem disfarçada de filme "sério e profundo”, “vencedor de prêmios tal e tal”, “elogiado pela crítica mundial”.

Então temos o padeiro bonzinho que é obrigado a ir para a guerra abandonando a mulher grávida, o general sensível e culto (formado em Havard, claro!) que sofre por saber que a derrota é inevitável, o rígido que desejava entrar para a “gestapo” japonesa, mas foi expulso depois de recusar-se a matar um cachorrinho na frente de crianças, o fanático que quer se suicidar em nome da honra, o galante oficial praticante de equitação (que, obviamente, também morou nos EUA)... e por aí vai. Já deu para sentir, não? E não vamos nos esquecer que, para deixar tudo mais perfumado, ainda temos a mão inconfundível de Steven Spielberg, que assina como um dos produtores.

Não tenho nada contra melodramas humanos ou pieguice, mas tudo isso inserido num filme de guerra supostamente sério e realista não dá pé. Podem até dizer que os personagens foram baseados em relatos reais, porém a cultura japonesa é por demais complexa para ser traduzida de forma tão ligeira e tudo fica ainda mais ridículo quando tentam encaixá-la nos moldes do pensamento maniqueísta estadunidense (como já havíamos comprovado no também sofrível “Memórias de uma Gueixa”). Eastwood chega ao cúmulo de usar uma trilha musical melosa, com direito a manjados solos de trompete, totalmente incompatível com a cultura que aborda!

Ao ver o making of do filme, que foi rodado simultaneamente com “A Conquista da Honra” (que trata do mesmo assunto, só que do ponto de vista estadunidense), descobri algo que causou ainda mais irritação: as supostas cartas do militar, nas quais o filme diz ser baseado, foram escritas décadas antes pelo general Kuribayashi que nem participou do conflito em Iwo Jima! Depois dessa desisti de tentar levar esse filme a sério e percebi que era só mais um projeto pretensioso que alguns cineastas apaixonados pelo próprio umbigo inventam para ver se descolam mais prêmios da indústria cultural para a sua coleção privada.

Enfim, ainda resta a pergunta: será que “Cartas de Iwo Jima” conseguiu convencer os espectadores estadunidenses que em outros países do planeta Terra também existem seres humanos parecidos com eles? Se a resposta for sim, então ao menos serviu para alguma coisa. Mas, sinceramente, eu duvido muito. Afinal, por lá os "formadores de opinião" são gente boa como o Rambo e o Duro de Matar...

Cotação: * *
.

terça-feira, 31 de julho de 2007

DVD: "A Vida de Brian", do Monty Python

.
ANARQUISTAS, GRAÇAS A DEUS!

Obra-prima do Monty Python ridiculariza o fanatismo religioso, a arrogância imperialista e a incapacidade das "esquerdas" de se unirem em torno de um objetivo comum

- por André Lux, crítico-spam

"A Vida de Brian" é sem dúvida a obra-prima do grupo Monty Python. Uma sátira destruidora que atira para todos os lados e não erra o alvo (quase) nunca.

O filme tem como pretexto narrar a trajetória de Brian (Graham Chapman), um pobre coitado filho de uma judia que foi "enganada" pelo centurião romano Nojentus Maximus. 

Brian é contemporâneo de Jesus Cristo (que é visto apenas em um plano inicial em um de seus sermões da montanha), entra para um grupo revolucionário que deseja expulsar os romanos, acaba sendo confundindo como mais um messias religioso e passa a ser perseguido a contragosto por centenas de discípulos até ser crucificado.

Na verdade, os focos principais da gozação dos seis ingleses, que se revezam em múltiplos papéis na tela e ficaram famosos com o show televisivo "The Monty Python Flying Circus" nos anos 60, são o fanatismo religioso, a arrogância dos imperialistas e a incapacidade das ideologias ditas de "esquerda" de se unirem em torno de um objetivo comum. 

O filme ganha contornos ainda mais atuais se pensarmos no governo petista de Lula, o qual é muitas vezes atacado com mais ferocidade por outros partidos que, no fundo, lutam pelos mesmos objetivos do que pelos seus próprios adversários ideológicos!

Em uma das cenas mais emblemáticas do filme, o líder da "Frente dos Povos Judáicos" afirma categoricamente a um atônito Brian: "Só existe uma coisa que odiamos mais do que os romanos - a maldita Frente Popular Judáica" e em seguida cita todos os outros grupos revolucionários, inclusive o dele mesmo! 

Já em outra seqüência não menos demolidora, dois grupos se esbarram em frente aos aposentos de Pilatus com o mesmo plano de seqüestrar a esposa do governante invasor. Irritados com a coincidência e já em pé de guerra, são alertados pelo mesmo Brian:

- "Irmãos, não deveríamos nos unir para enfrentar o inimigo comum?"
- "A Frente Judáica Popular!", bradam todos, em êxtase.
- "Não... os romanos..."
- "Ah, é..." Um guarda passa na porta e eles se escondem. Passado o susto dizem: "Onde estávamos mesmo?" - e partem para a porrada até serem todos mortos ou capturados pelos guardas. Não é preciso dizer mais nada, não?

É impossível não rir com a quantidade infinita de piadas e situações inacreditavelmente absurdas inventadas pelos anarquistas do Python - Brian chega até a participar de uma batalha espacial! 

E a cena em que Poncius Pilatus (interpretado com a língua presa por um impagável Michael Palin) tenta convencer seus centuriões que tem um amigo chamado Bigus Dikus (Pintus Imensus) é de fazer qualquer mortal chorar de tanto rir! Os imperialistas romanos, como não poderia deixar de ser, são sempre mostrados como figuras inéptas e prontas a serem ridicularizadas por todos do alto de sua arrogância e presunção.

É óbvio que, por causa desse conteúdo provocativo e contestador, "A Vida de Brian" sofreu e sofre até hoje ataques do tipo "não vimos e não gostamos" de grupos religiosos e extremistas (tanto de direita quanto de esquerda), que no fundo só ajudam a comprovar e reforçar ainda mais o caráter satírico da produção. 

Mas, esqueça os intolerantes que acusam o filme de ser anticristão, pois ele é somente uma comédia escachada que brinca sem pudores com assuntos polêmicos sem nunca ser desrespeitoso com qualquer religião.

É importante ressaltar que os Python tinham pleno domínio cênico e eram capazes de construir cenas tecnicamente muito bem feitas, inclusive aquelas que tinham a deliberada intenção de parecerem toscas ou ridículas. 

Não é à toa que o filme "A Vida de Brian" foi eleito a melhor comédia de todos os tempos pelos ingleses. É simplesmente antológico!

Cotação: * * * * *
.

terça-feira, 24 de julho de 2007

DVD: "Wood & Stock - Sexo, Orégano e Rock'n'roll"

.
COISA DE DOIDO, MEU!

Morra de rir com as trapalhadas dos hypies Wood e Stock e de mais um monte de personagens que pulam diretamente das páginas da Chiclete com Banana para a tela.

- por André Lux, jornalista e crítico-spam

É uma delícia esse desenho animado dirigido por Otto Guerra, fielmente baseado nas tirinhas em quadrinhos do Angeli. Talvez para os fãs mais ardorosos, que sabem de cor e salteado todas as piadas, o filme perca um pouco da graça já que reproduz quase na íntegra o que já foi lido nas revistas.

Mesmo assim, não há como não rir das trapalhadas aprontadas pela dupla de hypies jurássicos Wood e Stock (ambos totalmente perdidos no mundo atual de consumismo sem sentido e ausência de ideais) e por mais um monte de personagens que pulam diretamente das páginas da saudosa Chiclete com Banana para a tela. Entre eles, Rê Bordosa, Rampal, o Paranormal, Rhalah Rikota, os Escrotinhos, Mara Tara e os revolucionários-utópicos Meiaoito e Nanico. Até o Bob Cuspe dá o ar da graça rapidinho.

Toda essa turma da pesada está unida por um fiapo de história que começa com Stock indo morar no apartamento do Wood depois que o pai morre e ele fica sem mesada. A novidade estressa Lady Jane, a transcendental esposa do maluco-beleza, e ela resolve fazer um retiro espiritual com o guru Rhalah.

Abandonados à própria sorte, sem comida ou qualquer noção de higiene, os dois bichos-grilos sem causa revezam o dia entre o vício da televisão e o de fumar orégano no banheiro. Os problemas começam quando a erva acaba e eles, no desespero, resolvem bolar um jeito de ganhar dinheiro. A primeira idéia, arrumar um emprego, é logo descartada, afinal, informa Wood, eles não lutaram tanto pelos seus cabelos compridos para de repente se renderem ao sistema! Vem então a brilhante inspiração de reunirem a velha banda de rock'n'roll “Chiqueiro Elétrico” depois de um delírio alcoólico em que ninguém menos do Raul Seixas (na voz de Tom Zé) aparece para Wood e explica: “a formiga trabalha porque não sabe cantar!”.

No meio dessa confusão toda, a Rê Bordosa tem presença de destaque e ganha uma interpretação impagável na voz da roqueira Rita Lee, cuja vida, segundo ela mesma, inspirou a personagem. Merecem destaque também os desempenhos de Zé Victor Castiel (como Wood) e Sepé Tiaraju de Los Santos (como um Stock com perfeito sotaque de paulista da gema), ambos muito engraçados!

Não seria totalmente injusto reclamar um pouco dos roteiristas que desperdiçam oportunidades de explorar melhor situações potencialmente ricas, especialmente a que envolve a troca dos filhos (Overall não agüenta mais o pais malucos, enquanto o outro morre de vontade de fugir dos parentes caretas), enquanto repetem outras desnecessariamente (como o ensaio da banda, cujo vocalista é o porco Sunshine). Mas não é nada que prejudique o resultado final, pelo contrário: a gente é que fica com aquele gostinho de “quero mais” na boca!

Outro ponto alto da animação é a trilha musical de Matheus Walter e Flu e o uso de canções de Rita Lee, Tom Zé e Júpiter Maçã que evocam com perfeição o clima nostálgico dos anos psicodélicos, principalmente na conclusão esperta.

Veja, reveja, compre, pois vale a pena!

Cotação: * * * *
.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Saiba porque o formato Widescreen é o ideal para se ver um filme!

Diferenças de tamanho entre a tela do cinema e da TV, além da desinformação, geraram problemas na hora de lançar o filme para o mercado de home video

- por André Lux, crítico-spam

Você sabe qual é a diferença entre os formatos Widescreen (ou Letterbox) e Tela Cheia (também chamado de ''Fullscreen'', ''Padrão'' ou Pan & Scan)? Abaixo vamos tentar responder algumas das perguntas e reclamações mais comuns acerca dos formatos:

1) É verdade que o Widescreen corta o filme?
Muita gente acha que o formato Widescreen ''corta'' o filme, por causa daquelas barras pretas que ficam em cima e em baixo da tela. Mas a verdade é que é o Tela Cheia que deforma o resultado final, pois nesse formato são cortados justamente as laterais da película para que ela se ajuste ao formato da maioria das TV's antigas no mundo todo. Isso significa que em muitos casos até 50% das imagens originalmente filmadas são cortadas para que o filme caiba na tela da TV! Compare abaixo uma imagem do filme "O Senhor dos Anéis" em widescreen com sua respectiva em tela cheia:




2) Mas por que é preciso cortar as laterais do filme na TV?
Quando a TV foi inventada, usaram como padrão para o tamanho da tela o formato da tela do cinema, que era de 1:33:1 (o que significa que ela é 1:33 mais larga do que a altura). Filmes antigos, como ''Cidadão Kane'', por exemplo, foram filmados neste formato. Só que com o desenvolvimento de novas técnicas de filmagem e com a necessidade de atrair mais pessoas para os cinemas, criou-se novos tamanhos de negativo (película onde o filme é gravado) que passaram a variar de 1.85 a 2.4 mais largos que a altura. Com isso, os filmes passaram a ser exibidos em telas mais largas enquanto a da TV continuou praticamente quadrada. Só que, ao ser comprados para exibição na TV ou para lançar em VHS, preferiram ajustar o tamanho dos filmes à tela quadrada da televisão. Com o advento das TVs tela plana em widescreen, a tela da TV ficou mais parecida com a do cinema, o que garante que as imagens dos filmes não fiquem mais tão distorcidos em relação ao original.

3) O que é o processo Pan & Scan?
O ''Pan'' é basicamente o ato de dar um "zoom" na região central da película (cortando assim as laterais) para ela se ajustar ao tamanho da tela da TV. Já o ''Scan'' acontece quando fazem uma correção digital na imagem para que seja enquadrado o que há de mais importante no fime. Quando não fazem o ''Scan'' a imagem muitas vezes fica sem nada no meio. Lembra aqueles filmes de faroeste antigos que passam na TV no qual ocorre um duelo, mas você só vê a rua deserta e nunca os antagonistas? Pois é, eles foram literalmente ''cortados'' do filme, pois estavam nos cantos!




4) Mas eu detesto aquelas barras pretas!
Saiba que, sem as barras pretas, você está perdendo até 50% das imagens. Cineastas competentes geralmente fazem uso total do negativo para passar informações importantes, que no Fullscreen são simplesmente descartadas.

5) Mas minha TV é pequena e no Widescreen não vejo nada.
Realmente, para quem tem uma televisão pequena ver o filme em Widescreen é difícil. Por isso, o mais correto seria lançá-los nos dois formatos, deixando assim a critério do consumidor escolher qual o melhor para ele.

6) Não dá para regular meu aparelho de DVD para passar tudo em Fullscreen?Sim, a maioria dos aparelhos tem essa opção, bastando para isso você entrar no menu principal e regular a forma que deseja ver o filme sendo exibido. Consulte o manual de instruções do seu DVD player para aprender como fazer isso corretamente.

7) Por que as distribuidoras estão lançando mais filmes em Fullscreen, se esse formato corta o filme pela metadade?
Isso ocorre justamente por causa da falta de informação dos consumidores, que continuam achando que é o formato Widescreen que corta o filme e assim reclaman com os donos das locadoras! Lembre-se que o mercado reage basicamente aos desejos do consumidor. Isso significa que, devido à má informação, todos estamos perdendo uma ótima oportunidade de ver os filmes da forma que foram originalmente concebidos pelos cineastas!

Informações mais detalhadas sobre esse assunto podem ser encontradas no site ''The Letterbox and Widescreen Advocacy Page'', o qual traz inclusive inúmeros exemplos visuais bastante didáticos das diferenças entre os formatos de tela.
.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Filmes: "Rambo III"

.
DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS

É interessante analisar esse filme grotesco como produto de seu tempo e compará-lo com a realidade atual, ainda mais quando Osama Bin Laden poderia ser um daqueles afegãos que dão uma forcinha ao Rambo...

- por André Lux, crítico-spam

“Rambo III" é sem dúvida o ponto mais baixo da trilogia com o personagem que foi apresentado no primeiro filme (o interessante “First Blood”) como um veterano da guerra do Vietnam desajustado e marginalizado pela mesma sociedade que supostamente defendeu com seu sangue, só para ser transformado em super-herói invencível no segundo capítulo, no qual vence sozinho a guerra que os EUA perderam.

Animado com o sucesso mundial daquela bomba fascista e panfletária da era Reagan, que entre outras ofensas pregava abertamente em favor da interferência direta dos EUA no assunto de países soberanos, o brucutu Sylvester Stallone resolveu ir mais além entrando no conflito que estava ocorrendo no Afeganistão, que na época havia sido invadido pela extinta União Soviética.

O filme já começa de forma risível, com Rambo lutando quase até a morte para descolar uns trocados que dá gentilmente aos monges budistas que o acolheram em seu templo. Mas a "paz" do personagem dura pouco, pois logo descobrimos que seu mentor e camarada, Coronel Trautman (Richard Crenna), foi capturado pelos malvados comunistas quando estava em missão do Tio Sam tentando levar democracia e liberdade para o pobre povo afegão.

Rambo então deixa a batina e vai para aquele país quente e repleto de barbudos mal-encarados a fim de resgatar seu colega militar e, de quebra, destruir sozinho e com um estoque aparentemente infinito de flechas explosivas o abominável exército vermelho - o qual, depois de uma sessão de tortura contra inimigos, ataca aldeias miseráveis por esporte, matando cruelmente inclusive velhinhas e criancinhas indefesas (na certa para comê-las no jantar).

Ficar apontando aqui todas as cenas absurdas e ridículas do filme seria perda de tempo - o ponto alto da canastrice é ver o herói cauterizando com pólvora um ferimento que atravessou seu torso!

Também é inútil enumerar todos os clichês deploráveis e preconceitos que pipocam na tela a cada cinco segundos, particularmente aqueles que nos ensinam o quanto são malvados e pervertidos os comunistas e também como são ineptos e atrasados os afegãos (no caso representando qualquer povo que use turbante) frente à superioridade moral, tecnológica e estratégica dos ocidentais. Pior que tem gente que acredita nesse tipo de ladainha racista até hoje.

O interessante, entretanto, é analisar “Rambo III” como produto de seu tempo e compará-lo com a realidade atual, depois dos ataques terroristas em território estadunidense no 11 de setembro. Se em 1988 (ano de produção do filme) o indestrutível soldado do Tio Sam ia até o Afeganistão para salvar o sofrido povo daquele país da tirania dos sanguinários soviéticos, agora o mesmo "Rambo" está lá jogando bombas e mísseis sobre aquelas pessoas, exatamente como faziam os supostos vilões vermelhos.

Só que agora com a desculpa de ser uma "guerra contra o terror" para capturar o terrorista Osama Bin Laden – que, vejam só que ironia, em “Rambo III” podia ser muito bem um daqueles rebeldes Mujahadin do Talibã financiados e armados pelos EUA que ajudam o herói a derrotar os soviéticos!

O absurdo chega a níveis gritantes quando lembramos que o "engajado" Stallone ainda fez questão de incluir a seguinte frase na conclusão da sua obra: "Esse Filme é Dedicado ao Valente Povo do Afeganistão". Como se vê, até o incorruptível Rambo tem "dois pesos e duas medidas". Seria risível se não fosse tão trágico...

Nossa única vingança é saber que o exército soviético abandonou o Afeganistão alguns meses antes do filme estrear nos cinemas, o que deixou tudo ainda mais ridículo e sem sentido ao ponto de decretar seu fracasso nas bilheterias.

Mas, para espanto geral e graças a atual política bélica e reacionária de Bush Júnior, Rambo vai voltar às telas em breve, agora para lutar contra sequestradores e ladrões de suprimentos (clique aqui para ver uma foto do deformado Sylvester Stallone durante as filmagens de "Rambo IV" e corra para o abrigo mais próximo!). Sinceramente, ninguém merece!

Depois de tudo isso alguns incautos e outros nem tanto ainda vêm me falar que o cinema e outros produtos da indústria cultural não sao usados descaradamente como máquina de propaganda imperialista. Imaginem então se fosse...

Cotação: ZERO
.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Trivia: Ria com Jerry Goldsmith em "Gremlins 2"

.
O compositor Jerry Goldsmith visitou o set de filmagens dos dois "Gremlins", do diretor Joe Dante, e foi convidado a aparecer na tela.

Veja neste link a cena do segundo filme em que o ilustre compositor, falecido em 2004, dá o ar de sua graça, ao lado da esposa Carol e com direito a algumas linhas de diálogo!

Lembro quando vi o filme nos cinemas junto com um bando de amigos nerds. A gente fez a maior festa quando o Jerry Goldsmith apareceu, para nossa total surpresa! Naquela época não existia internet e a gente só ficava sabendo dessas coisas na hora mesmo. Velhos tempos...

Leia neste link minha sincera homenagem a um dos maiores compositores de música para o cinema de todos os tempos, Jerry Goldsmith, cuja morte me abalou muito.
.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Filmes: "A Soma de Todos os Medos"

.
A SOMA DE TODAS AS OFENSAS

Filme pode ser definido pela cena na qual discurso a favor da tolerância e contra imperialismo sai da boca de um nazista.

- por André Lux, crítico-spam

“A Soma de Todos os Medos” é, de longe, um dos filmes mais repulsivos que tive o desprazer de assistir em minha vida. Difícil dizer o que é pior nessa fita que, além de panfletária e ofensiva, é incrivelmente enfadonha.

O lamentável Ben Afleck herda o papel que já foi de Alec Baldwin e Harrison Ford e encarna Jack Ryan, um burocrata da CIA que se encontra a toda hora envolvido em situações capazes de provocar o colapso do sistema capitalista (sinônimo da destruição do mundo, segundo os autores). 

Mas tal personagem é tão estúpido que fica impossível sequer cogitarmos levá-lo a sério, ainda mais depois de percebermos que todas as suas sacadas e conselhos geniais vêm sempre de suposições e adivinhações (algumas dignas de Nostradamus, de tão absurdas).

Esse personagem infame já foi visto no cinema antes em “A Caçada Ao Outubro Vermelho”, “Jogos Patrióticos” e “Perigo Real e Imediato”, todos baseados em livros do senhor Tom Clancy, que certamente escreve sob contrato com a CIA (Central de Inteligência Americana). 

Só mesmo sendo muito ingênuo ou mal intencionado para querer nos fazer acreditar que os agentes dessa organização estadunidense estão espalhados pelo mundo inteiro para "garantir a paz e a liberdade" em nosso planeta Terra, como afirma o diretor da agência interpretado por Morgan Freeman ao discutir o futuro da Chechênia com o presidente da Rússia.

Qualquer pessoa mais bem informada ou com um mínimo de bom senso sabe que os EUA são o pais que mais lucra com a guerra e o menos interessado em ver democracias florescendo - ainda mais em países do dito "terceiro mundo". Democracias verdadeiras (não de brinquedo como temos aqui) não são tão fáceis de serem controladas e manipuladas em favor do capital estrangeiro.

E não eram clones de Jack Ryan que vinham ao Brasil (e tantos outros países) ensinar técnicas de tortura aos nossos militares na época da ditadura ou que atuaram diretamente na derrubada de governos eleitos pelo povo em favor de fascistas e criminosos financiados pelos EUA? Pois é, essa história você não vai ver nos enlatados de Roliúdi...

O mais grotesco de tudo, todavia, é ser obrigado a ver um discurso claramente a favor da tolerância entre as nações e contra o imperialismo dos EUA saindo da boca do vilão do filme (interpretado por um Alan Bates incrivelmente afetado e embonecado), que, pasmem, não passa de um nazista das antigas que quer destruir ambos Rússia e EUA para que sua ideologia possa reinar absoluta no mundo! 

Ou seja: na visão dos autores qualquer um que não concorde com as políticas expansionistas de Washington é obviamente um seguidor de Adolf Hitler e, portanto, pode ser exterminado como um cachorro sem dono (o que literalmente acontece no final).

As bravatas ufanistas a favor da suposta “terra da liberdade” são tantas que chegam até a tocar o hino dos EUA quase inteiramente em uma cena! Mas, para quem já está imune a esse tipo de propaganda pró-imperialista, é impossível não rir ao ver os governos estadunidense e russo comunicando-se por meio de um tipo de e-mail em um momento crucial, quando era muito mais fácil simplesmente dar um telefonema. 

Sem dizer que o presidente da Rússia usa um intérprete em uma cena, em seguida sai falando inglês fluente, mas no final volta a não entender o idioma. Ou ao observarmos o patético Ryan perambulando pelas ruas de uma cidade em chamas devido à explosão de bomba atômica sem ser afetado pela radiação e ainda usando telefone celular!

Triste é ver um diretor como Phill Alden Robinson, que já foi capaz de realizar obras sensíveis como “O Campo dos Sonhos” e subversivas como “Quebra de Sigilo”, a serviço de uma mensagem tão asquerosa. 

Tecnicamente o filme é até correto, mas foi claramente feito de forma burocrática e sonolenta, onde nem mesmo a trilha musical do genial Jerry Goldsmith tem chance de brilhar, até porque o filme é dramaticamente nulo e chato ao extremo.

No final das contas, é fácil concluir que filmes como “A Soma de Todos os Medos” contribuem ainda mais para promover justamente aquilo que dizem ser mais assustador: a intolerância, o preconceito e o radicalismo – e tudo isso disfarçado por uma suposta luta pela liberdade e pela paz.

De acordo com peças publicitárias do Pentágono mascaradas de cinema como essa, alguém atacar os EUA é sempre um "ato de terrorismo", enquanto eles mandarem bombas por aí devem ser encarados como meros "atos de paz".

Depois de tudo isso os estadunidenses ainda vêm tentar passar por pobres vítimas quando terroristas atacam seu pais – e não são eles mesmos, via os produtos da sua indústria cultural, que ensinam com riqueza de detalhes não só como montar uma bomba atômica, mas também como levá-la para dentro de seu território? 

Absurdo? Depois dos atentados ao World Trade Center não parece. Afinal, quem semeia vento colhe tempestade...

Cotação: ZERO
.

sábado, 23 de junho de 2007

Séries:"The L Word" (1ª e 2 Temporadas)

.
VIVA A DIVERSIDADE!

Quem procura entretenimento de qualidade, com sensualidade, erotismo, profundidade e comentários político-sociais tem nesta série uma ótima pedida.

- por André Lux, crítico-spam

Para quem procura uma série estadunidense diferente daquelas feitas sob medida para assustar a população - repletas de violência, tiros, torturas, ameaças à "segurança nacional", crimes e outras baboseiras -, recomendo a excelente "The L Word".

É uma série que mostra de forma bastante corajosa para os tempos pudicos e moralistas atuais a vida diária de um grupo de amigas de Los Angeles lésbicas e bissexuais (assumidas ou em processo de descoberta) e a maneira como encaram situações corriqueiras do dia-a-dia como medos, traições, racismo, romances, maternidade, preconceitos, família, drogas, carreira, amizade e, claro, sexo.

A boa notícia é que todos esses assuntos são abordados sempre de maneira aberta e com tintas bem realistas, sem apelações, simplificações ou clichês do gênero, e sempre com muito bom gosto e sensualidade. Dá de mil a zero em "Sex and the City", que na verdade era uma série moralista e conservadora sobre mulheres supostamente moderninhas que, no fundo, estavam doidas mesmo era para casar com o príncipe encantado e virar "amélias"...

O elenco é muito bom e o destaque, acredite se quiser, é a belíssima mulata Jeniffer Beals (isso mesmo, aquela do bobinho "Flashdance") no papel de Bette Porter, diretora de um museu de arte moderna. Outra que ressurge muito bem é Pam Grier, que esteve em "Jackie Brown" do Tarantino e "Fantasmas de Marte" de John Carpenter, como Kitt, a comovente meia-irmã alcóolatra da personagem de Beals.

A primeira temporada é repleta de situações memoráveis, particularmente o embate entre Bette e a líder de um grupo de religiosos fundamentalistas que deseja proibir uma exposição de arte a qual julgam “ofensiva aos valores cristãos”.

E também de nuances muito interessantes que podem passar despercebidos, de tão discretos – como o fato da mãe conservadora (e republicana) da tenista Dana, que luta para pela coragem de “sair do armário”, ter sido rejeitada na adolescência pela amiga pela qual era apaixonada. Também não faltam ataques às políticas reacionárias e homofóbicas do governo Bush e seu partido.

O nível de qualidade cai um pouco na segunda temporada, em especial pela quebra do arco ligado à Jenny Schecter (Mia Kirshner, presente em “Dália Negra” de Brian de Palma) e a tumultuada descoberta de sua bissexualidade por meio do assédio da sedutora Marina - a atriz Karina Lombard, que fazia o papel de Marina, não aceitou o novo contrato e sua personagem saiu da série abruptamente, para prejuízo geral.

Há também alguns novos tipos caricatos demais (como a namorada interesseira da tenista, a advogada masculinizada, a cineasta arrogante ou a dominadora e mimada Helena Peabody) que irritam no começo, mas, felizmente, aos poucos vão sendo limados ou suavizados.

Incomoda também a péssima resolução dada ao flerte entre a (até então) heterosexual Kitt e o transexual feminino Ivan (perdoe-me se não usei o termo correto para descrever a sexualidade da personagem), interpretado por Kelly Lynch.

Porém, nada o suficiente para estragar o prazer de assistir à série – toda fotografada e musicada com grande sensibilidade, por sinal.

E é na segunda temporada que somos brindados com o episódio em que as amigas participam de um cruzeiro marítimo gay, repleto de citações à série "O Barco do Amor" - sem dúvida um dos mais divertido da série.

Para quem procura entretenimento de boa qualidade, repleto de sensualidade, erotismo, profundidade psicológica e pitadas de comentário político e social, “The L Word” é uma ótima pedida. E viva a diversidade!

1ª Temporada: * * * *
2ª Temporada: * * * 1/2

Leia minha análise da última temporada de "The L Word" neste link.
.

terça-feira, 19 de junho de 2007

DVD: "Diamante de Sangue"

O INFERNO DAS BOAS INTENÇÕES

Filme desprezível traz praticamente tudo que existe de mais infame na ideologia da direita, sempre travestida com mensagens politicamente corretas e edificantes.

- por André Lux, crítico-spam

É inacreditável que um filme tão desprezível quanto este “Diamante de Sangue” tenha recebido tantas críticas positivas e premiações mundo afora. Praticamente tudo que existe de mais infame na ideologia da direita está presente nele, do começo ao fim.

Situado em Sierra Leoa, na África, a história baseada em fatos reais mostra um país dividido entre um governo “oficial” e uma guerrilha revolucionária. No meio desse caos, grupos aproveitam para tentar encontrar diamantes e vender a quem pagar melhor. Até aí, tudo bem. Ofensiva é a maneira que o grupo de “revolucionários” do filme é mostrada, basicamente formado por um bando de facínoras selvagens que invadem vilas e saem matando a esmo enquanto capturam as crianças para serem transformados em “guerrilheiros” e os homens mais fortes para trabalharem como escravos nas minas. Todos usam boina vermelha com estrela no meio (a lá Che Guevara) e, enquanto praticam seus atos monstruosos, proferem meia dúzia de frases de efeito que foram certamente pinçadas de algum discurso de três horas do Fidel Castro ou outro esquerdista qualquer, reciclando assim todos os mais infames clichês criados pela indústria cultural estadunidense para assustar o mundo do “perigo comunista”.

Não pretendo entrar no mérito do quão é factual ou não a descrição das ações do tal grupo. Afinal, é de conhecimento geral o número de barbaridades que já se cometeu por aí em nome de uma suposta “revolução” – e não vamos nos esquecer que muitos aqui mesmo no Brasil ainda chamam de “revolução” o golpe militar de 1964 que implantou uma ditadura sangrenta e arbitrária que durou 21 anos.

O fato é que, gostemos ou não, qualquer grupo guerrilheiro ou mesmo golpista tem seus ideais e propósitos. Se são nobres ou não, caberá à história julgá-los. Porém, o filme passa longe dessas questões ideológicas e nunca ficamos sabendo contra quem ou o que os rebeldes de Serra Leoa lutavam. Uma única e mísera frase, proferida por um jornalista, brinca de explorar o tema: “O governo é ruim, mas os guerrilheiros são piores”. O governo no caso, nem preciso dizer, era de direita e pró-ocidente...

Essa aproximação, convenhamos, não apenas é totalmente absurda como também ofensiva à inteligência de qualquer um que tenha o mínimo conhecimento de História. A situação caótica de eterna guerra civil presente em muitas regiões da África é resultado direto da ação das grandes potências, que sempre exploraram o continente e, em muitos casos, inventaram países na marra colocando sob uma mesma nacionalidade tribos inimigas mortais justamente para se aproveitarem do caos reinante.

E, puxada por essa temática, aparece outra das besteiras inaceitáveis do filme. Os roteiristas de “Diamante de Sangue” querem convencer os incautos que a guerra civil africana é sim conseqüência da ação do homem, mas, vejam só, de um único homem! No caso, um empresário sem escrúpulos que comercializa diamantes e financia milícias armadas, tanto de direita quanto de esquerda, para provocar o caos na região. Mais uma lição da cartilha conservadora: não existe nada de errado com o sistema capitalista, o problema são esses esparsos vilões sem caráter que não respeitam a ética e auto-regulação do ‘deus mercado’!

Mas, quando você acha que já viu tudo que é possível em termos de estupidez panfletária, ainda me aparecem com uma jornalista daquelas que só existem mesmo nos delírios dos executivos de Roliudi: independente (mesmo trabalhando para algo semelhante à CNN), perspicaz, lindíssima e sem medo de entrar de cabeça no meio da guerra (de camisetinha e bermuda) para cobrir a agonia dos excluídos.

Trata-se do estereótipo mais ridículo para retratar a decadente profissão, ainda mais numa situação daquela em que, na vida real, os sabujos da mídia corporativa não colocam o pé para fora do hotel cinco estrelas e limitam-se a repassar “informações oficiais” fornecidas pelo governo pró-ocidente (quando não fazem isso em uma esquina de Londres ou Nova Iorque). Agora, se você acha que estou exagerando, então imagine a esposa daquele sujeito engomado que lê teleprompter no Jornal Nacional da rede Globo trocando um final de semana na ilha de Caras para estar no lugar da moça do filme e vai entender o que estou tentando dizer...

E tudo isso é manipulado com o grotesco objetivo de tentar fazer as pessoas acreditarem que o maravilhoso jornalismo da mídia corporativa é louvável e digno de confiança. Afinal, ensina "Diamante de Sangue", reparem como esses profissionais da informação arriscam a própria vida para trazer a você, no conforto do seu lar, as denúncias mais atuais, doa a quem doer - e tudo isso sem nem desmanchar o penteado ou perder a oportunidade de se apaixonar pelo herói!

Eu poderia ficar horas aqui apontando todas as nojeiras contidas nesse filme, mas vou parar por aqui pois só a lembrança dessa lambança ideológica travestida de cinema já está me deixando com náuseas. O mais lamentável, porém, é que toda essa panfletagem reacionária e favorável ao imperialismo estadunidense vem embalada numa ridícula, porém eficiente, mensagem politicamente correta do tipo “salvem os africanos”. No final, como devem achar que toda a platéia é burra e inepta, chegam ao cúmulo de estampar na tela uma placa estimulando o espectador a “antes de comprar um novo diamante, ter certeza que ele é limpo”. Ah, claro, podem ficar tranqüilos: da próxima vez que eu entrar na joalheria da Daslu só vou comprar um novo diamante se a mocinha da loja me garantir de pé junto que ele chegou ali sem que nenhum pobre coitado do terceiro mundo tenha sido esmagado...

Difícil saber se os autores desse lixo são ingênuos ou simplesmente canalhas. Levando-se em consideração o conjunto da obra pseudo-profunda do diretor Edward Zwuick (“Tempo de Glória”, “Lendas da Paixão”, “O Último dos Samurais”) dá para arriscar dizer que o sujeito é daqueles cineastas bocós, porém bem intencionados, que, a exemplo de Ridley Scott em “Falcão Negro em Perigo”, deixam-se enganar pelo suposto bom-mocismo do projeto e colocam seu trabalho a serviço desse tipo de propaganda neoliberal nefasta, que sempre vem escondida atrás de mensagens edificantes.

O fato de atores-celebridades do peso de Leonardo Di Caprio (que não decide se seu personagem fala com sotaque australiano ou jamaicano) e Jeniffer Conelly terem se deixado envolver num projeto tão mau caráter e, pior, ainda saírem entoando loas à mensagem bonita do filme, demonstra o nível de alienação e ignorância das pessoas em relação a temas tão trágicos e atuais quantos os absurdamente retratados pelo filme. Se levarmos em conta que a grande maioria forma suas opiniões a partir do que assiste na mídia corporativa e no cinema, dá para imaginar o tamanho do estrago que filmes podres como esse provocam na mente dos incautos.

Enfim, como diz a lógica popular, de boas intenções o inferno está mesmo cheio...

Cotação: ZERO
.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Filme: "NÃO POR ACASO"

.
SEM EMOÇÃO

Apesar do esforço da produção e do talento
dos envolvidos, faltou cuidado com o desenvolvimento dos personagens e mais conflitos humanos no roteiro.
- por André Lux, crítico-spam

Assisti ao making of de “Não Por Acaso” antes de ver o filme e chamou minha atenção o fato de quase todo mundo destacar que se tratava de uma história sobre “dois sujeitos obcecados com controle, que, de repente, percebem que não têm controle sobre nada”. É sempre um mau sinal quando os realizadores e o elenco insistem em explicar o sentido ou o significado da trama. Afinal, isso deveria estar impresso na obra, cabendo sempre ao espectador captar as mensagens e tirar suas próprias conclusões. E é exatamente o que não acontece em “Não Por Acaso”, que é a estréia na direção de longas-metragens do diretor Phillipe Barcinski, famoso no circuito de curtas.

O roteiro de Philippe Barcinski, Fabiana Werneck Barcinski e Eugênio Puppo aborda dois personagens com realidades diferentes. Um deles é Ênio (Leonardo Medeiros, do excelente “Cabra Cega”), controlador de tráfego da CET de São Paulo e uma pessoa vazia e sem vida social, quase catatônica, que passa o dia assistindo às câmeras de vigilância do trânsito e solicitando alterações e desvios em caso de acidentes ou congestionamentos. Um dia recebe a visita do que parece ser uma ex-esposa para ser informado que a filha quer conhecê-lo. Corta, numa edição não-linear, para a vida de Pedro (Rodrigo Santoro), um marceneiro especializado em fabricar mesas de bilhar, cuja rotina muda com a chegada da namorada que vai morar com ele. Após uma breve exposição dos personagens, assistimos à garota sair de casa só para ser atropelada justamente pela ex-esposa de Ênio. Ambas morrem no acidente.

A partir daí, o filme se perde e a teoria dos “controladores que percebem não ter controle sobre nada” nunca se comprova. Primeiro porque não houve tempo de exposição suficiente para que ambos pudessem ser percebidos como pessoas obcecadas por controle. Tanto Ênio quanto Pedro parecem, respectivamente, querer controlar apenas o tráfego e os movimentos das suas tacadas de bilhar. Não há nada no comportamento social de ambos que demonstre obsessão por controle fora do ambiente de trabalho.

Para piorar, o personagem de Santoro nunca convence, pois ao mesmo tempo que é caracterizado corretamente como uma pessoa rude e de poucas palavras na marcenaria (que inclusive se veste e tem um bigodinho no pior estilo “Zé Bonitinho”), porta-se como um típico galã de filme estadunidense quando está com a namorada, todo sensível, carinhoso e compreensivo – com direito inclusive a uma cena de amor ultra-romântica, digna das novelas globais! Por causa dessa incoerência e da falta de profundidade psicológica do roteiro toda a trama que envolve Pedro e seu envolvimento com outra mulher não desperta o interesse e, no final, não chega a lugar algum.

Ao menos a história do controlador de tráfego, por envolver seu relacionamento com a filha que não conhecia, consegue ser mais verossímil e sofrer algum tipo de arco, embora o diretor fuja de qualquer emoção mais forte ou conflito deixando tudo num meio termo frio e distanciado. E, para quem queria comprovar a tese dos “controladores que perdem o controle”, fica esquisito Ênio lançar mão justamente da sua possibilidade de controlar o tráfego (até de uma forma irresponsável) para, em cena crucial, atingir um objetivo.

Tecnicamente “Não Por Acaso” é correto, com boa fotografia e uso inteligente de efeitos visuais nas tacadas de bilhar e na manipulação das cenas do trânsito paulista (chegaram a construir um congestionamento digitalmente, com resultados bem convincentes). O elenco é homogêneo e competente, porém, devido à opção dos realizadores pela frieza e pelo distanciamento, acaba ficando sem chances para vôos mais altos.

Apesar do esforço da produção e do talento dos envolvidos, faltou mesmo é um pouco de cuidado com o desenvolvimento dos personagens, conflitos humanos e, enfim, emoção.

Cotação: * * 1/2.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

DVD: "Alexandre"

.
OLIVER, O GRANDE

Injustamente destruído pela maioria dos profissionais da opinião e rejeitado pelo público devido ao conteúdo homoerótico, filme merece ser visto e analisado com olhos mais críticos e menos preconceituosos.

- por André Lux, crítico-spam

Oliver Stone é um dos cineastas mais polêmicos da indústria cultural estadunidense, do tipo que é atacado por todos os lados (embora sempre mais à direita) devido à coragem e contundência com que aborda temas espinhosos da política de seu país. O sujeito gosta mesmo é de colocar o dedo na ferida. Foi assim com “Salvador”, “Platoon” e “JFK”, três filmes que mostram com riqueza de detalhes as intervenções de Washington em outros países e demolem o mito da “defesa da democracia” que os EUA usam para tentar justificar tais atos mundo afora.

Ou no documentário "Comandante", onde entrevista ninguém menos que Fidel Castro sem qualquer tipo de censura, papas na língua ou constrangimento, atingindo um resultado tão honesto e humano ao retratar o líder da Revolução Cubana que a exibição do filme acabou sendo proibida nos EUA! Até mesmo suas obras mais fracas ou descompromissadas (“Reviravolta”, “Um Domingo Qualquer”) sempre trazem altas doses de cenas fortes ou denúncias relevantes.

E isso não poderia ser diferente em “Alexandre”, adaptação muito particular que Stone faz da vida do conquistador Alexandre, O Grande, responsável pela construção de um império que ia da Grécia à Índia. Injustamente destruído pela maioria dos profissionais da opinião e rejeitado pelo público, o filme merece ser visto e analisado com olhos mais críticos.

A boa notícia é que o Stone não pretende descrever fatos históricos relativos ao personagem em questão, mas sim fazer uma análise psicológica de Alexandre, tentando descobrir o que levaria uma pessoa a buscar obsessivamente a expansão de seu império e a dominação de outros povos. Ou seja, está muito mais para “filme de arte” do que para o épico de ação que foi vendido nas peças publicitárias.

Assim, o protagonista (interpretado com surpreendente segurança pelo irregular Collin Farrel), é pintado como alguém traumatizado por uma mãe dominadora e fálica (Angelina Jolie, melhor do que de costume apesar do sotaque “Klingon”), do tipo que tem ódio/inveja de homens, e de um pai ausente e beberrão (numa interpretação nada convincente de Val Kilmer). Dividido entre a necessidade de provar-se à altura do amor quase incestuoso e manipulador da mãe e a vontade de impressionar o pai, rei da Macedônia, Alexandre torna-se uma pessoa insegura, vazia e distanciada. Daí sua busca por constante auto-afirmação por meio da conquista de poder. No fundo, tudo que o rapaz queria era preencher seu imenso vazio interior...

Outro ponto forte e positivo do filme relaciona-se à bissexualidade de Alexandre, absolutamente natural naquela sociedade, expressada claramente em seu delicado amor por Hefastion (Jared Leto), seu amigo de infância e companheiro de armas, e na atração que sentia por homens efeminados ou mulheres dominadoras. Mais freudiano, impossível. Essas abordagens serão consideradas tolas e superficiais para alguns, enquanto outros vão ficar entediados com tanto psicologismo, mas a verdade é que graças a isso o filme ganha nuances interessantes que enriquecem a trajetória do personagem e daqueles que estão à sua volta.

Se o verdadeiro Alexandre era mesmo assim ninguém nunca vai saber, mas é admirável a coragem de Oliver Stone em mostrá-lo dessa forma, a qual sem dúvida decretou o fracasso do filme nas bilheterias - especialmente entre o público masculino que certamente esperava mais um filme épico repleto de “machões em delírio” em busca de honra e vingança, sempre no pior estilo daquele panfleto fascista chamado “Gladiador”.

Visto sem preconceitos ou homofobia e com paciência (afinal, tem quase três horas de duração), “Alexandre” tem muito mais valor do que a maioria dos filmes históricos atuais, que buscam apenas mostrar batalhas gigantescas, personagens rasos repetindo frases de efeito e fugindo de qualquer polêmica ou atualidade.

Infelizmente, Oliver Stone acabou lançando uma nova edição do filme (que eu não assisti, nem pretendo) comprometendo sua visão original com mais cenas de batalha e menos bissexualismo, certamente vencido pela pressão dos executivos desesperados para recuperarem os US$ 120 milhões investidos na produção. Mas, ele deve ter percebido o erro e se redimiu, lançando uma outra versão ainda mais longa, com 3 horas e meia de filme, chamada “Alexander Revisited” (que eu também não vi, portanto, não posso opinar). Por essas e outras, Stone merece ser chamado de “O Grande”.

Cotação: * * * 1/2
.