Sean Connery, o eterno James Bond, morreu aos 90 anos. Ele faleceu enquanto dormia, na casa em que morava há duas décadas, nas Bahamas. Connery vivia com a esposa de 91 anos, com quem era casado há 45 anos.
sábado, 31 de outubro de 2020
sexta-feira, 30 de outubro de 2020
Segunda temporada de “The Mandalorian” começa com mais do mesmo
Reciclagem de ideias, excesso de “fan service” e caracterização contraditória do protagonista impedem a série de ser mais do que mediana
- por André Lux
A segunda temporada de “The Mandalorian” começa de forma decepcionante,
com um episódio que parece café requentado, além de apelar demais para
o “fan service” com um sem número de referências à saga original.
O episódio é chamado de “The Marshal” (O Xerife) e segue os
clichês básicos dos faroestes do passado. O Mandaloriano quer encontrar outro
da sua seita e acaba novamente em Tatooine, onde descobre um sujeito usando a
armadura do Boba Fett, um dos personagens secundários da saga original mais
queridos pelos fãs.
Depois de descobrir que o sujeito, feito pelo ator Timothy
Olyphant (sorridente demais), não é realmente um mandaloriano, o protagonista
exige que ele lhe entregue a armadura e os dois ensaiam um duelo. Mas são
interrompidos pelo ataque de um dragão Kayt, certamente a mais evidente referência
a Duna jamais vista em Star Wars. Os dois então vão juntar forças para destruir
o monstro.
A partir daí a coisa começa a desandar. Primeiro porque o
episódio fica praticamente igual a dois da primeira temporada: aquele em que o
Mandaloriano tem que salvar uma vila do ataque de saqueadores e o outro no qual
precisa matar um tipo de rinoceronte gigante para recuperar as peças de sua
nave. Ou seja, é mais do mesmo, com o roteiro seguindo rumos óbvios até o
desfecho da ação.
Não há nada relativo a desenvolvimento do protagonista, pelo
contrário, parece que não aprendeu nada, já que continua levando o bebe Yoda
(que não tem nada a fazer além de parecer fofo) à tiracolo mesmo quando vai
enfrentar uma situação de perigo extremo.
As motivações dele continuam obscuras e não fica claro se os
roteiristas querem pintá-lo como um sujeito durão e estoico ou um idealista de
coração mole. No começo do episódio, por exemplo, ele trata um antagonista de
maneira bastante cruel, sádica até, mas depois aceita ajudar a matar o monstro
da areia sem mais nem menos. Um cara durão e praticamente invencível
como ele conseguiria arrancar a armadura do xerife a força sem muito esforço.
Ao que parece, os criadores da série se empolgaram com a
recepção positiva que a série teve e acharam que a melhor coisa para manter o
interesse dos fãs é reciclar o máximo possível de ideias que deram certo e
enfiar o maior número de “easter eggs” da saga original.
Não que o episódio ou mesmo a série sejam ruins, longe disso.
É bem feita, prende a atenção e tem efeitos especiais bem razoáveis. O problema
é que quase nunca voa acima do medíocre (a péssima trilha musical não ajuda em
nada também). E se optaram por manter esse rumo, certamente vai continuar assim.
Vamos torcer para que arrisquem mais daqui para frente.
Cotação: * * 1/2
quinta-feira, 29 de outubro de 2020
“Os 7 de Chicago” mostra como a “justiça” é usada para destruir os adversários dos donos do poder
- por André Lux
Não poderia ser mais oportuno o lançamento na Netflix de “Os
7 de Chicago”, novo filme do diretor e roteirista Aaron Sorkin (“A Rede Social”).
A obra, baseada em fatos reais acontecidos nos EUA em 1968, mostra de forma didática
como a “justiça” pode e é usada para perseguir e condenar adversários dos donos
do poder.
O termo usado para essa prática é “Lawfare”, junção da
palavra “law” (lei) e o vocábulo “warfare” (guerra) que significa “guerra
jurídica”. Ou seja, uso ou manipulação das leis como um instrumento
de combate a um oponente desrespeitando os procedimentos legais e os direitos
do indivíduo que se pretende eliminar.
É impossível não perceber as semelhanças entre o julgamento
de cartas marcadas a que foram submetidos os réus retratados em “Os 7 de
Chicago” e a perseguição feita, por exemplo, pela Lava Jato e o ex-juiz Sérgio
Moro contra Lula e o Partido dos Trabalhadores aqui no Brasil.
Quem acompanhou de maneira minimamente sensata o julgamento
do ex-presidente Lula sabe que ele já havia sido condenado antes mesmo do
processo ser iniciado, sobrando para o ex-juiz Moro apenas conduzir um teatro
grotesco que desrespeitou todos os direitos constitucionais do acusado,
inclusive ignorando provas apresentadas pela defesa e impedindo até que seus advogados
falassem.
É exatamente isso que testemunhamos durante a projeção de “Os 7 de Chicago”, onde o desfecho do julgamento já havia sido decidido meses antes no gabinete do Procurador Geral da República logo após a posse do novo presidente dos EUA, Richard Nixon. Assim, toda e qualquer manifestação da defesa ou dos réus era sumariamente ignorada e até rechaçada pelo juiz Julius Hoffman, que hoje está na lata do lixo da História como tantos outros iguais a ele.
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Juízes Hoffman e Moro: na lata do lixo da História |
O filme é tecnicamente brilhante e conta com um elenco excelente,
onde os destaques ficam para Sacha Baron Cohen (isso mesmo, o “Borat”!),
certamente em sua melhor e mais contida atuação, e o veterano Frank Langella
como o famigerado juiz Hoffman, numa performance precisa e deveras enervante. O
único ponto baixo é Mark Rylance, ator queridinho do Spielberg por uns tempos,
mas que é muito fraco, fala sempre para dentro e não convence nunca como o
advogado do grupo.
Mas nem tudo são flores. A direção é titubeante,
especialmente quando tenta imprimir um ar dinâmico e cômico no início do filme
que não cabe num assunto tão pesado e sério como esse. Só quando o personagem
do co-fundador dos Panteras Negras Bobby Seale é amarrado e amordaçado em pleno
tribunal é que o cineasta parece se dar conta da seriedade do tema e deixa de
lado essa aproximação farsesca que tenta a toda hora tirar sorrisos marotos do
espectador.
O roteiro também peca em alterar os fatos reais de maneira ingênua
numa tentativa de gerar catarse e emoções fáceis. Principalmente quando quer “humanizar”
o procurador Richard Schultz (feito por Joseph Gordon-Levitt) que agiu como um
verdadeiro carrasco durante o julgamento, mas no filme é pintado como uma
pessoa sensível e sensata. E no discurso final de um dos réus, algo que destoa
completamente da realidade e só serve para tentar transformar sem sucesso a obra
em um novo “Sociedade dos Poetas Mortos”. Mas esses problemas não chegam a
incomodar tanto e o filme mantém a dignidade e importância.
Chega a ser vergonhoso ler e assistir às inúmeras análises
do filme em questão feitas por profissionais da opinião daqui, nas quais
destacam o absurdo do julgamento de cartas marcadas e o quanto esse tipo de
prática prejudica e pode até destruir a democracia. Porém, praticamente nenhum
deles traça o óbvio paralelo com o tratamento dado pela “justiça” ao
ex-presidente Lula, muitos certamente por não serem capazes de enxergarem as
semelhanças e outros certamente por não terem coragem de se posicionar.
Mas o pior mesmo são aqueles que só ficam indignados quando esse
tipo de prática espúria ocorre em solo estrangeiro, enquanto aqui batem palmas
para o arbítrio quando é praticado contra alguém que não gostam. Ou seja, ficar
apontar as injustiças absurdas num julgamento que ocorreu há mais de 50 anos em
outro país é fácil. Já traçar os paralelos com o que acontece hoje embaixo dos
nossos narizes, aí não é só pra quem tem coragem.
É por causa dessas pessoas que tipos como os juízes Hoffman
e Moro florescem e conseguem transformar a Justiça em um show de horrores que,
em última instância, corrói a democracia por mínima que seja e leva ao poder
figuras grotescas como Hitler, Trump e Bolsonaro.
Cotação: * * * 1/2
segunda-feira, 26 de outubro de 2020
“Borat 2” é a obra-prima do comediante Sacha Baron Cohen
Filme provoca menos risadas, porém é mais pertinente ao
mostrar o estado de loucura no mundo depois que nova onda conservadora se
instalou na mente de grande parte da população
- por André Lux, crítico-spam
Nunca achei muita graça no ator Sacha Baron Cohen. Primeiro
porque seu estilo de humor histérico e caricato não me atrai muito. E segundo
porque sempre me pareceu um sujeito extremamente narcisista e egocêntrico.
Vi o primeiro “Borat” no cinema e, apesar de dar boas
risadas, não achei nada genial ou revolucionário como muitos disseram na época.
Apenas um filme bobo repleto de “pegadinhas” onde o protagonista agia de forma
tosca e ofensiva para provocar reações de choque de seus interlocutores (leia aqui minha análise do filme).
Chega agora “Borat 2” e, rapaz, finalmente o comediante
acertou o alvo! Ao que parece Sacha amadureceu e aprendeu a deixar o ego de lado
e se concentrar em criar quadros realmente surpreendentes sem que Borat seja o
centro das atenções ou apele para provocações baratas ou escatologia (que
sobraram no primeiro filme).
Desta vez o autor tem uma missão: desmascarar a hipocrisia,
o falso moralismo e a falta de noção da extrema-direita estadunidense,
representada de forma máxima hoje na figura do grotesco Donald Trump e seus asseclas
mais próximos. Assim, Borat sai do Cazaquistão para tentar agradar o atual mandatário
dos EUA a fim de que o ditador de seu país também possa entrar para o “Clube
dos Homens Fortes”, cuja lista passa por Putin, Kim Jong-Un e, claro, Jair
Bolsonaro. Para isso ele tem que dar de presente sua filha de 15 anos, pois os
homens poderosos adoram meninas, segundo explica um dos personagens do filme.
A estrutura de “Borat 2” é bem menos caótica do que a do
primeiro longa e acompanhamos as peripécias do protagonista e sua filha inseridos
em situações que seriam inacreditáveis caso não fossem reais. Assim, Borat
veste a famigerada túnica da Klu-Klux-Klan para entrar despercebido na
convenção do partido Republicano. Logo em seguida se disfarça de Trump e sai
gritando no meio do discurso do vice-presidente enquanto leva a filha pendurada
no ombro.
É de fazer cair o queixo algumas cenas que presenciamos. Como
as conversas negacionistas e sobre teorias da conspiração entre Borat e dois “rednecks”
do sul dos EUA, quando dizem, por exemplo, que o casal Clinton bebe o sangue de
crianças. Ou quando o protagonista canta durante um protesto contra a
quarentena lotado de gente segurando metralhadoras e rifles. A canção que diz
que “Obama é um traidor que deveria estar preso” e “Jornalistas e cientistas
deveriam ser injetados com o vírus de Whan ou esquartejados” recebe aplausos
entusiasmados da plateia, que conta inclusive com algumas saudações nazistas.
A cena mais constrangedora e grotesca se dá quando o grande
amigo conservador de Trump, Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York e
advogado pessoal do presidente, quase chega às vias de fato com a filha de 15
anos do Borat, disfarçada de repórter, num quarto de hotel.
“Borat 2” provoca bem menos risadas do que o primeiro e tem
algumas cenas arrastadas (como as que ele troca faxes com o governo do
Cazaquistão), porém é muito mais pertinente e provocador ao mostrar de forma
explícita o estado de loucura que se encontra o mundo hoje depois que a nova
onda conservadora se instalou na mente de grande parte da população, onda essa cujo
epicentro obviamente é os EUA e seus políticos que apostam no que existe de
pior no ser humano para conquistar o poder e permanecer nele.
Será que um filme como esse será capaz de mudar os corações
e as mentes de quem se deixou infectar por esse vírus terrível? Quem viver,
verá...
Cotação: * * * *
segunda-feira, 12 de outubro de 2020
Filmes: "V DE VINGANÇA"
Qualquer pessoa de esquerda ou que tenha simpatia pelas lutas por justiça social vai lavar a alma com esse filme que não tem medo de colocar o dedo na ferida da sociedade e reflete de maneira alegórica a nossa condição atual.
- Por André Lux, crítico-spam
Em certo momento da graphic novel “V de Vingança”, um dos personagens descarrega todas as balas de seu revólver contra o protagonista da história, que mesmo assim continua avançando sobre ele. “Por que você não morre??”, grita desesperado, para ouvir como resposta: “Não há carne e sangue dentro deste manto, há apenas uma idéia. Idéias são à prova de balas” (dá até para imaginar um certo senador de extrema-direita fazendo essa pergunta depois que seu sonho de “acabar com a raça” de um grupo de pessoas não deu muito certo).
Essa é a força que está por trás da história criada por Alan Moore (o mesmo de “Watchmen”) que acaba de ser levada aos cinemas pelas mãos dos criadores da série “Matrix”, Larry e Andy Wachowsky, que apenas assinam o roteiro e produzem dessa vez. Qualquer pessoa que seja assumidamente de esquerda ou que tenha simpatia pelas lutas por justiça social vai lavar a alma com esse filme, dirigido com precisão por James McTeigue, que não tem medo de colocar o dedo na ferida da sociedade. Trata-se, mais uma vez, de uma história passada num futuro próximo (2020), mas que reflete de maneira alegórica a nossa condição atual. E como reflete!
O roteiro mostra o que seria a Inglaterra sob o domínio de um governo ditatorial de extrema-direita, que chegou ao poder aproveitando-se do caos generalizado que tomou conta do mundo graças às guerras infinitas provocadas pelos Estados Unidos (que no filme já se encontra à beira do colapso). Estimulando o medo, a intolerância racial, sexual e social e reprimindo a população por meio da violência, da religião e da intensa manipulação midiática, o novo governo lança mão também de um artifício aterrador: atos de terrorismo contra sua própria população. Tudo isso em nome de “salvar” a população e “libertar” o país. Já ouvimos tudo isso antes, não?
Mas, ao contrário do que parece, “V de Vingança” não é um mero filme de ação e explosões (embora elas existam), e sim um intenso thriller político que, após um início truncado e titubeante, pega o espectador pelo colarinho e não larga mais. Para isso conta com dois trunfos: a atuação impecável de Natalie Portman, como Evey, que sofre uma transformação brutal, tanto física quanto psicológica no decorrer da trama, e de Hugo Weaving (o Mr. Anderson de “Matrix”), que dá vida ao anarquista conhecido apenas como V e passa o filme todo coberto por uma máscara de Guy Fawkes, o lendário cidadão britânico que tentou explodir o parlamento inglês no século 17. Verdade seja dita, nada mais difícil do que passar emoções a partir de um personagem mascarado (ainda mais quando a máscarar é dura e totalmente inexpressiva como a usada no filme), mas mesmo assim, graças à entonação e à expressão corporal de Weaving, a personalidade magnética de V cresce à medida que a trama progride, tornando-se arrebatadora no final.
O filme é entrecortado por dezenas de diálogos brilhantes ( “O povo não deveria temer seu governo. O governo é que deve temer o povo”) e reserva algumas seqüências absolutamente emocionantes, particularmente a da leitura de uma carta que traz um grito ensurdecedor contra a intolerância e a favor das diferenças e a cena que marca o despertar angustiante de Evey do seu estado anterior de letargia e alienação para o mundo real que a cerca. Quem já passou por esse doloroso, porém importantíssimo, processo vai ter dificuldades em segurar as lágrimas.
Com tantos conteúdos abertamente a favor da revolução popular e do conceito marxista que prevê sociedades criadas a partir da exploração das classes fatalmente criarão seus próprios algozes (“ação e reação”), é natural que “V de Vingança” provoque tantas críticas ferozes proferidas pelos defensores do sistema atual, sempre ligados aos setores mais conservadores e reacionários da sociedade, que se expressam livremente por meio da sua imprensa corporativa.
Mas esse tipo de reação histérica apenas dá mais força aos méritos dessa brilhante obra, que certamente vai ficar na cabeça das pessoas por um bom tempo - ao menos para aquela parcela dos espectadores que ainda se prestam a pensar e refletir sobre o que acabaram de assistir.
Alan Moore, o autor da graphic novel original, rejeitou a adaptação e não quis nenhum tipo de envolvimento com o filme desde o seu início, tanto é que seu nome nem consta dos créditos (embora o desenhista David Loyd tenha participado ativamente). Azar o dele, pois “V de Vingança”, o filme, não causa nenhum demérito à história em quadrinhos. Afinal, mesmo com várias mudanças e acréscimos (principalmente na conclusão que ficou um pouco ingênua apesar do forte apelo alegórico), o conceito principal permaneceu intocado: ideais nunca morrem - e sem eles não somos nada.
Cotação: * * * *
Segunda temporada de “The Boys” derrapa em excesso de clichês e mensagens políticas óbvias
- por André Lux, crítico-spam
Depois de uma sensacional primeira temporada, a série “The Boys” derrapa em uma série de episódios fracos e sem o mesmo impacto. Fica difícil identificar porque os criadores optaram por enfiar tantos clichês e soluções absurdas nos roteiros, algo que não existia na primeira temporada (clique aqui para ler minha análise).
Há também um excesso de personagens, sendo que muitos deles nem mesmo chegam a ser importantes para o desenrolar do enredo e servem apenas para deixar tudo arrastado e inflado. O pior é o Profundo (o Aquaman deste universo) que entra para uma religião maluca para tentar voltar aos Sete, mas não chega a lugar algum serve só para satirizar seitas como a Cientologia. Para que perder tempo também mostrando a relação entre Bruto e Hughie com seus pais?
Incomoda também a mão pesada em tentar passar mensagens políticas e sociais, traçando paralelos bastante óbvios e simplistas entre a nazista Tempesta (que nos quadrinhos era um homem) e o atual presidente dos EUA Trump, algo que vai deixar tudo datado rapidamente. Claro que é sempre louvável criticar esse tipo de ideologia que prega a “supremacia branca” e outras sandices, porém não precisava ser assim de maneira tão na cara.
Mas nem tudo é ruim nesta temporada. Ainda temos boas sequências de ação, alguns choques bastante “explosivos” e é sempre bom ver uma série popular assim mostrando o poder que a manipulação pelo medo e pelo ódio tem para as ideologias da extrema direita. “As pessoas amam tudo que eu digo, elas só não gostam da palavra nazista”, dispara Tempesta em uma frases perfeita para explicar a ascensão de figuras deploráveis como Hitler, Bush Jr, Trump e Bolsonaro, só para citar alguns exemplos. E, claro, é sempre maravilhoso ver nazistas levando uma surra!
Cotação (2ª Temp): * * *
quarta-feira, 23 de setembro de 2020
sábado, 12 de setembro de 2020
Música de "Krull" é a obra-prima do compositor James Horner
https://www.padrim.com.br/tudoemcima
quinta-feira, 10 de setembro de 2020
"Destino de Uma Nação" vale pela atuação impressionante de Gary Oldman
quarta-feira, 9 de setembro de 2020
MEMÓRIAS DE UM ALIENADO: Como deixei de ser um "papagaio de direita"
- por André Lux, jornalista
EU TAMBÉM FUI PAPAGAIO DA DIREITA
Quem visita meu blog e lê meus textos com certeza deve pensar que sou socialista desde o meu nascimento e fui criado por pais radicais de esquerda, que fizeram treinamento de guerrilha em Cuba e lutaram contra a ditadura militar...
Nada mais longe da verdade. Muito pelo contrário.
Nasci em uma típica família de classe média baixa, mas que sonhava pertencer à elite mundial. Daí que, durante toda minha infância e juventude, morei em casas (alugadas) em bairros semi-nobres a preços absurdos, enquanto era transportado numa Brasília amarela e via meus pais desesperados tentando cobrir o rombo no cheque especial todo santo mês.
Mas, como que para provar nossa posição entre a elite, éramos sócios do segundo clube no nível hierárquico sócio-econômico da cidade, o Tênis Clube de Campinas. Sim, porque o número 1 na escala social era a Sociedade Hípica, cuja maioria dos sócios podres de ricos também frequentava o Tênis, embora o contrário não acontecesse (exceto quando éramos convidados para algum casamento realizado no gigantesco salão de festas daquele clube - não por acaso adaptado em uma Casa Grande de algum antigo barão do café).
Sempre fui cercado por parentes e amigos que, mesmo sendo honestos e trabalhadores, não tinham a visão crítica necessária para compreender como as coisas funcionavam. Meus familiares limitavam-se a repetir o que ouviam, liam e viam na mídia, especialmente na rede Globo, nas revistonas e nos jornalões (que apoiaram o golpe militar, embora hoje finjam que não).
Assim, tinham medo de comunistas, pois diziam que comiam criancinhas e dividiam a casa das pessoas ao meio (o fato de não termos imóvel próprio não parecia contradizer esse receio), achavam que Che Guevara era um “baderneiro profissional” (ser pago para fazer baderna, isso é que é profissão!), acreditavam que o Brasil tinha tantos problemas “porque pobre não gosta de trabalhar” (usar o salário mensal só para pagar contas e cobrir o rombo no cheque especial, imaginavam, não era coisa de pobre) e por aí vai.
Nem preciso dizer que, obviamente, eu também repetia tudo isso e acreditava no que estava falando, mesmo sem ter o menor embasamento teórico ou prático para tanto.
Minha vida escolar foi uma piada. Estudei em colégio particular (de freiras!) do maternal ao ensino médio.
Para se ter uma ideia do desastre que isso significa (com raras e nobre exceções entre meus professores), nasci em 1971 e cheguei até o final da minha fase educacional básica sem nem saber que vivíamos sob um regime ditatorial ilegal e imoral.
Enquanto eu brincava no clube despreocupado, assistia à televisão ou passava a manhã inteira decorando datas e fórmulas matemáticas de maneira acrítica e alienante, centenas de brasileiros e vizinhos de continente eram torturados e mortos simplesmente por se opor àqueles regimes ditatoriais apoiados e financiados pelos EUA. No máximo, eu ouvia algo como “Bem feito pra esses baderneiros, quem mandou serem do contra?” quando alguém tocava no assunto.
Se vocês acham que estou mentindo, relaciono abaixo fatos que marcaram essa fase lamentável da minha existência:
1) Vi o filme “Comando para Matar”, aquele em que o Arnoldão detona sozinho um exército inteiro de cucarachas sul americanos, nada menos do que seis vezes nos cinemas (e contava para todo mundo orgulhoso!);
2) Iniciava comentários com as frases “Eu vi na Veja” ou “Assisti na Globo”;
3) Ridicularizava quem dizia que existia racismo no Brasil, mesmo não tendo nenhum amigo ou conhecido negro, exceto a empregada que a gente desprezava, e repetindo “piadas” do tipo “sabe qual a diferença entre um negro e uma latinha de (censurado)?”;
4) Sentia prazer em irritar petistas, repetindo jargões que são usados até hoje (“Lula é vagabundo, ex-presidiário, arrancou o dedo para não precisar mais trabalhar”, “Sindicalista só sabe fazer baderna”, “Petista é tudo igual", "Se gosta tanto de Cuba, por que não vai pra lá plantar cana??”). Isso mesmo sem conhecer absolutamente nada de política, sociologia ou história;
5) Acreditava que o Stallone, o Arnoldão e o Chuck Norris lutavam pela liberdade, pela democracia e pela justiça para nos salvar dos vilões comunistas (eu tinha até pôster deles no meu quarto) e que os Bandeirantes foram corajosos desbravadores dos sertões brasileiros;
6) Vivia falando mal do Brasil e do “povo” brasileiro (do qual eu não fazia parte, é claro, afinal meus bisavôs eram europeus) e começava a concluir esse tipo de argumentação com a frase “Ah, mas lá nos Estados Unidos...”;
7) Passava a tarde inteira e o domingo inteiro na frente da TV, assistindo qualquer porcaria, e só ia dormir depois de ver o Fantástico, sempre deprimido por lembrar que no outro dia voltavam as aulas e eu não havia feito a lição de casa nem decorado a matéria para as provas;
8) Cantava a música “Vamos Construir Juntos!” (que eu sei de cor até hoje!) e colecionava o álbum de figurinhas do “Paulistinha”, que faziam parte do marketing institucional do governo ditatorial para nos convencer que o Brasil era "o país do futuro";
9) Assistia às novelas da rede Globo, embora ficasse falando mal delas (porque naquela época, macho que era macho não via novela, a não ser para reclamar);
10) Ficava realmente preocupado com a situação da Ponte Preta no campeonato paulista;
11) Comemorava toda vez que um novo McDonald’s era inaugurado no Brasil, pois era sinal de que o país estava progredindo (sim, eu também acreditei na ladainha sobre as maravilhas da "globalização neoliberal");
12) Queria ser astronauta da NASA quando crescesse (mas, desisti depois que me falaram que eles têm que ser bons em matemática);
13) Proferia afirmações como "não voto em partidos, mas em pessoas" (isso porque eu nem podia votar!), pois tinha aprendido que partidos eram coisas ruins e inúteis (assim, quando algum político de direita caia em desgraça, era culpa só dele, não do partido), especialmente aqueles que defendiam ideologias de esquerda;
14) Ideologia também era outro palavrão, coisa de baderneiro profissional, por isso eu também dizia, todo faceiro: "Não existe esse negócio de esquerda e direita, isso é coisa de gente revoltada que não gosta de trabalhar e só sabe ser do contra!".
Isso só para ficar no básico. Tenho certeza que você já testemunhou alguém falando ou fazendo coisas parecidas, certo?
Sinceramente, eu era um caso quase sem salvação.
Mas a sorte sorriu para mim.
Não fosse por alguns fatos que aconteceram em minha vida e serviram para abrir meus olhos, fatalmente eu seria hoje aquele mesmo adolescente alienado, ignorante e raivoso.
Só que pesando 50 quilos a mais, com barba na cara e com um daqueles adesivos nojentos quatro-dedos dizendo "Fora Lula!" colado no vidro do carro.
*As imagens dessa postagem são do filme "Pink Floyd - The Wall", do Alan Parker
Parte 2:
SAINDO DA MATRIX
.
Antes de prosseguir com o relato do meu processo de “abertura dos olhos”, gostaria de esclarecer um ponto.
Pode ser que meu texto anterior tenha passado a impressão de que sou um sujeito rancoroso, recalcado, que culpa e recrimina os pais e os amigos pelo processo de alienação pelo qual fui submetido durante a infância e a juventude.
Embora seja verdade que esses sentimentos venham à tona quando você percebe que foi, para colocar de maneira bem simples, enganado e induzido por pessoas que gostava a pensar de uma certa forma que não condiz com a realidade, é verdade também que fica fácil entender suas ações e perdoá-los.
Afinal, eles também foram enganados e induzidos durante toda sua vida para pensar e agir daquela forma e, infelizmente, acreditavam estar fazendo o melhor, sem condições ou vontade de quebrar aquele ciclo de alienação e dominação ideológica que os massacrava e os manipulava como gado que vai cantando feliz rumo ao matadouro.
Quando lembro, com um frio na espinha, que eu mesmo poderia estar assim até hoje - cheio de medo, ódio, intolerância e preconceitos - e que, provavelmente, iria educar meus filhos da mesma maneira, fica mais fácil ainda ser condescendente...
Bom, dito isso, vamos prosseguir.
Afinal, como eu consegui “abrir meus olhos”, perceber a Matrix à minha volta e romper a prisão mental da alienação, do ódio e do medo? Vários fatores me ajudaram nessa jornada que, confesso, foi longa e nada fácil. Vou enumerá-los em ordem cronológica, para facilitar.
1) CINEMA: tudo começou quando me levaram para assistir “Guerra nas Estrelas”. Mas, o que esse filme-pipoca roliudiano tem a ver com isso? Antes de torcer o nariz, explico que assisti ao primeiro nos cinemas, quando tinha por volta dos 8 anos de idade.
Não vou entrar em detalhes a cerca da minha adoração pela obra do George Lucas, que deve ter durado até pouco tempo (confesso), mas basta dizer que foi aquela obra que me abriu para o cinema e, por tabela, para o mundo das artes em geral.
E, mesmo que isso fosse imperceptível para meu limitado cérebro na época, tratava-se da história de um grupo de “rebeldes” idealistas que lutava para derrubar um império “fascista” (embora essa realidade tenha sido deturpada depois pelos extremistas de direita quando Reagan tomou o poder nos EUA, e foi usado como símbolo para a guerra fria, com o Império maligno representando a ex-União Soviética).
Enfim, aquele filme mudou minha vida. Depois dele nunca mais fui o mesmo, para o bem e para o mal.
2) O MODO DE VIDA NERD: por causa do meu apego ao cinema e tudo que estava relacionada a ele, especialmente as trilhas sonoras dos filmes, nem preciso dizer que me transformei em um verdadeiro nerd.
Assim, enquanto meus amigos começavam a gostar de tudo que era “normal” naquela sociedade (do rock n’ roll enquadrado aos parâmetros do consumismo, ao consumo de drogas e bebidas alcoólicas) lá estava eu tentando arrumar dinheiro para comprar o disco de “Jornada nas Estrelas” ou o álbum de figurinhas do “Flash Gordon”...
Embora nada disso tenha me ajudado a abrir os olhos naquele momento, certamente me transformou num sujeito meio estranho, marginalizado e com um forte sentimento de inquietação.
Afinal, eu só tinha amigos nerds como eu e nunca conseguia me enturmar com os “descolados”, que adoram ridicularizar os “diferentes”. Eu comecei a sentir que alguma coisa estava errada, mas eu não sabia o que era e nem me preocupava muito em descobrir. Porém, já era um começo.
3) INFLUÊNCIAS DECISIVAS: fiquei mais ou menos na mesma até o meio da minha adolescência. Foi a partir dos 16 anos, quando um primo entrou na faculdade em Campinas e veio morar conosco, que as coisas começaram a mudar. Não sei dizer se ele era de esquerda ou de direita (talvez fosse ainda indiferente como eu), mas a verdade é que era um sujeito muito mais culto e antenado do que eu – até porque teve uma educação mais rica e politizada que a minha.
Foi graças a esse cara que eu comecei a gostar de qualquer tipo de filme (e não só de ficção científica, aventura e terror) e, mais importante, aprendi a decifrar mensagens e idéias que estavam contidas nas obras de arte. Até então, eu pensava, “um filme é só um filme, puro entretenimento, nada mais”. Ledo engano. Não fosse pelo meu primo, jamais teria assistido (e entendido) a filmes como “Brazil”, “A Missão”, “Coração Satânico”, “Amadeus”, conhecido o Monty Phyton ou lido quadrinhos como “Batman, O Cavaleiro das Trevas”, “Ronin”, “Watchmen” ou “V de Vingança”.
Foi nesse momento que eu comecei a perceber algumas coisas surpreendentes: não existem mocinhos e bandidos na vida real, o USA não era assim um país tão bacana e justo, a religião poderia causar (e causou) grandes males às pessoas e ao mundo, nem sempre quem era chamado de “terrorista” lutava por uma causa ruim, muita coisa que era vendida pela mídia como sendo uma verdade única ou normal tinha um outro lado que não era divulgado, etc.
Mesmo assim, eu ainda não havia ligado os pontos para formar o grande quadro. Isso só aconteceu quando eu entrei para a universidade.
4) UNIVERSIDADE FEDERAL: ser um jovem alienado e perdido no mundo me trouxe uma grande vantagem naquele ponto. Eu não tinha a menor idéia do que fazer da minha vida. Assim, ao chegar à encruzilhada da adolescência e ter que escolher qual faculdade deveria fazer, mais perdido que cego em tiroteio, optei pelo curso de... Química!
Prestei vários vestibulares e consegui entrar na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). E foi ali que tudo começou a mudar em minha vida. O ano era 1989 e estávamos prestes a ter a primeira eleição direita para Presidente da República em mais de 20 anos (embora eu não desse a mínima para esse fato, afinal “odiava política”, lembram?).
Meu primeiro choque, depois de ficar décadas praticamente falando besteiras sem sentido e me relacionando com gente vazia e alienada, foi perceber que existiam pessoas que conheciam, discutiam e debatiam diversos temas que eu não tinha a menor noção do que significavam. E eram jovens da minha idade! Como aquilo era possível? - eu me perguntava.
Obviamente, como eu não entendia quase nada do que discutiam, meus primeiros sentimentos em relação àquelas pessoas foram de raiva e inveja. E, como não poderia deixar de ser, comecei a entrar no meio das conversas transformando esses sentimentos negativos e mesquinhos em petulância, cinismo e provocações baratas.
Foi naquele período que me tornei oficialmente um “papagaio da direita”, afinal de contas a maioria dos jovens que estudavam lá era de esquerda e defendia a candidatura de Lula contra o marajá das Alagoas, Fernando Collor. Nem preciso dizer que, para irritar “aqueles petistas” eu dizia que ia votar no Collor, que Lula era baderneiro profissional, etc, etc. Tudo aquilo que eu havia “aprendido” na escola da ditadura e que fora reforçado no ambiente em que fui criado.
Fiquei nessa um bom tempo, diria que uns seis meses mais ou menos. Então coisas estranhas começaram a acontecer.
Como é perfeitamente natural após um semestre inteiro de contato diário com um grupo, passei a gostar de várias pessoas e até admirá-las. Percebi que ali havia muita gente bacana, inteligente e companheira, que sabia ouvir meus problemas, me apoiava quando eu precisava de ajuda (principalmente nas matérias, pois eu “boiava” em quase tudo) e, acima de tudo, não me ridicularizava quando dizia que gostava de cinema, música erudita e quadrinhos – pelo contrário.
Para aquelas pessoas, eu não era mais um “babaca” ou um nerd esquisitão, mas sim um sujeito sensível que gostava de arte! Descobri que muitos ali também gostavam das mesmas coisas, tinham inclusive os mesmos problemas familiares e carências afetivas.
Entretanto, quando eu entrava no modo “papagaio da direita”, aquelas pessoas que, no fundo eu invejava e queria impressionar, simplesmente me deixavam falar e, assim que eu terminava de vomitar minhas asneiras, continuavam o assunto de onde haviam parado. Ninguém me hostilizava, muito menos me ridicularizava. Simplesmente me ignoravam...
Depois de umas três ou quatro situações como essa comecei a me sentir constrangido e patético. Afinal, eu não gostava daquelas pessoas, não as admirava? Não gostava da maneira sensível e humana que me tratavam e ouviam? Então, por que diabos eu estava querendo provocá-las e irritá-las, repetindo coisas ditas pelos meus pais e por outras pessoas que nunca me respeitaram nem me ouviram antes?
Para piorar tudo, comecei a perceber que os que repetiam aquelas mesmas asneiras provocativas e me davam força para que eu continuasse a proferi-las eram justamente aqueles tipos mais idiotas, os “mauricinhos” e os filhinhos de papai que me cercavam aos montes...
Lembro como se fosse hoje de uma festa realizada na casa da minha primeira namorada, onde toda a moçada estava reunida, tocando violão, comendo churrasco e bebendo cerveja. De repente, começou um papo sobre política e um rapaz, que era inclusive membro do DCE, colocou seu ponto de vista e defendeu Lula com muita propriedade e civilidade.
Quando eu ia começar a falar asneiras contra o petista, outro sujeito passou na minha frente e verbalizou tudo aquilo que estava na ponta da minha língua. Olhei para ele e vi que era um tipinho que ninguém gostava, um playboy folgado e mesquinho, que chegava a exigir grana dos que moravam com ele para dar carona até a faculdade e vivia invadindo festas mesmo sem ter sido convidado.
Aquilo me transtornou. Quer dizer que eu era igual àquele imbecil? Não era possível! Logo eu, um cara que se julgava tão bacana, sensível, amante das artes, romântico e incompreendido, no fundo me portava igual aos tipos mais desprezíveis e irritantes? Não preciso dizer que foi ali que a ficha caiu e, finalmente, após longos anos de alienação e estupidez eu finalmente comecei a tomar consciência do mundo à minha volta e de todos os problemas reais que existiam nele.
Antes tarde do que nunca, não é mesmo? Ah, esqueci de um outro fator que também foi decisivo para o meu crescimento intelectual e espiritual:
5) AUSÊNCIA DE TELEVISÃO. Quando mudei para São Carlos, fui morar com amigos em uma república.
Detalhe: ninguém conseguiu levar uma TV! Assim, passei praticamente um ano da minha vida impedido de alimentar meu vício de ficar horas sentado em frente àquela “máquina de fazer doido”.
No começou quase tive um treco, mas depois de uns dois meses, me acostumei a viver sem aquele monte de lixo ideológico que era enfiado na minha mente e, assim, passei a investir meu tempo em coisas mais importantes, como debates, conversas e leituras.
Só quem passou por isso tem noção do quanto a vida melhora sem a influência nefasta da TV, principalmente a rede Globo que é um verdadeiro câncer que corrói corações e mentes todos os dias!
Tanto é que, depois disso, nunca mais consegui ficar mais de cinco minutos na frente de uma televisão que não apresentasse algo minimamente inteligente e instigante - que, convenhamos, se resume a 1% da programação das redes e olhe lá...
Mas, essa mudança toda em minha consciência trouxe várias conseqüências para a minha vida...
Parte 3:
FALE-ME SOBRE POLÍTICA E DIREI QUEM TU ÉS...
Dando sequência às minhas "Memórias de Um Alienado", vou falar agora sobre o que aconteceu com minha vida depois que deixei de ser um papagaio da direita e fui conscientemente para a esquerda.
A primeira conseqüência é positiva.
Trata-se, claro, de deixar de ser um boçal alienado convicto que fica dado palpite em tudo quanto é assunto sem entender nada do que está sendo dito – só para fazer de conta que entende ou então, pior, para irritar “esquerdistas”.
Quando você passa a ter consciência das coisas e “sai da Matrix”, percebe que é muito melhor ficar quieto escutando o que os outros tem a dizer.
Isso me ensinou grandes lições que todo boçal alienado convicto não conhece, tais como: ser humilde, saber ouvir, entender que quanto mais você aprende mais percebe que nada sabe e que não conseguir admitir tudo isso é coisa de gente fraca e covarde.
Agora vem o lado ruim. O problema de você sair da direita e ir para a esquerda, especialmente quando ainda é adolescente, é o choque de perceber quanta gente que antes dizia te adorar vai começar a tratá-lo como o se fosse o belzebu em pessoa! Comigo não foi diferente.
Familiares, amigos e conhecidos, que antes apertavam minhas bochechas, davam tapinhas nas costas e me elogiavam quando eu concordava com o que diziam, de repente passaram a me xingar e agredir só porque ousei defender o Lula ou o Fidel Castro.
Assim, de “menininho querido da titia” me transformei “naquele moleque perdido que sofreu lavagem cerebral dos comunistas”. E de nada adianta você tentar dizer que ninguém fez lavagem cerebral em você, muito pelo contrário: antes é que faziam...
Comigo foi assim. Lembro até hoje do dia que, depois de deixar de ser um papagaio da direita, cheguei em casa e resolvi falar sobre política com meu pai – coisa que nunca tinha feito antes.
Imaginem a cena. Eu, com 18 anos, todo empolgado querendo falar com meu velho sobre aquelas coisas novas que tinha aprendido, de repente sendo tratado com um trapo sujo e repelente! Sim, foi isso que aconteceu. Foi só eu falar todo ingênuo que ia votar no Lula e pronto. Só faltou me dar um sopapo na orelha!
E com minha mãe não foi diferente. Nem com o vizinho, que de velinho simpático e bonachão, transformou-se num clone do Adolf Hitler assim que eu falei bem do “sapo barbudo”! Meus amigos de infância então, nem preciso dizer o que aconteceu, preciso? Óbvio: foi só eu falar da minha nova ideologia que começaram todos a me ridicularizar e repetir aquelas papagaiadas “para irritar esquerdista”...
Foi nessa época que aprendi uma coisa triste. As pessoas só revelam mesmo quem realmente são e o que pensam quando falam de política.
O sujeito pode ser o mais bonzinho do mundo, fã de Beatles, Pinky Floyd e dos filmes de Walt Disney, amante da paz e da natureza...
Mas, na hora que começa a falar de política transforma-se, como aquele meu vizinho, numa cópia mal feita do Hitler e passa a vomitar preconceitos, elitismo, racismo, homofobia, ignorância e outras nojeiras que deveriam deixar qualquer pessoa com bom senso envergonhada.
E olha que estou falando aqui de pessoas de classe média, que tiveram acesso a tudo do bom e do melhor em relação a estudo e cultura!
Nem preciso dizer que, daquela época em diante, perdi muitos “amigos” e deixei de ser o “queridinho” de muitos familiares, que passaram a me hostilizar ou me irritar constantemente com provocações baratas e ridículas. Por que eu não percebia o quanto aquelas pessoas eram rancorosas, odiosas e preconceituosas antes, perguntava-me.
A resposta é simples: porque antes não falávamos de política, exceto talvez para repetir um ou outro jargão idiota da direita, do tipo “detesto política” ou “político é tudo igual”.
E tem gente, incluindo familiares e amigos, que ainda fazem isso comigo até hoje. Nem preciso dizer também que, depois das duas vitórias do Lula e da ascensão de políticos como Chávez, Evo Morales e afins, tudo ficou ainda pior e até aqueles que conseguiam disfarçar um pouco melhor seus ódios perderam completamente o controle!
Depois de todas essas experiências, criei uma máxima que, infelizmente, continua valendo até agora: “Fale-me sobre política que direi quem tu és”...
Primeiro trailer de "Duna" tem música do Pink Floyd
"Cultura do Cancelamento" é perda de tempo que só desune a esquerda
Para variar, muita gente de esquerda dá atenção exacerbada para temas sem importância ou inúteis ao invés de se concentrar e aglutinar em torno do que realmente importa.
terça-feira, 8 de setembro de 2020
CONSTELAÇÃO FAMILIAR: UMA PRÁTICA PERIGOSA
quarta-feira, 19 de agosto de 2020
Jovens traduzem conteúdo acadêmico para a linguagem periférica
O estudante Thiago Torres, o “Chavoso da USP”, mostra a possibilidade de chegar à principal universidade pública do país, saindo da Brasilândia, bairro da Zona Norte de São Paulo. Já Marcelo Marques, responsável pelo canal “Audino Vilão“, apresenta a teoria do filósofo Karl Marx por meio de gírias usadas nas favelas de São Paulo.
Para eles, é possível levar à periferia o conteúdo universitário, para além dos muros das faculdades. Com o objetivo de democratizar a informação, jovens ‘chavosos’ criaram canais na internet e traduzem a linguagem acadêmica para o dialeto da quebrada.
quarta-feira, 22 de julho de 2020
“Indústria Americana” evidencia a precarização do trabalho no capitalismo neoliberal
Documentário serve para promover debates acadêmicos, mas acaba sendo pouco para um tema tão quente e explosivo como esse
- por André Lux
Vencedor do Oscar de Melhor Documentário em 2019, “Indústria Americana” tem entre seus financiadores a Netflix e o casal Barack e Michele Obama, via sua produtora Higher Ground. Por mais que os cineastas Steven Bognar e Julia Reichert façam o máximo para deixar o filme com um ar neutro, é óbvio desde o início que eles tem lado – algo louvável, afinal nada mais desonesto do que fingir imparcialidade.
O documentário começa em 2008 mostrando fechamento de uma grande fábrica da GM na cidade de Dayton, nos EUA, tema de outro filme da dupla “The Last Truck: Closing of a GM Plant” que aborda justamente o fechamento dessa fábrica. Pulamos então para 2015, quando uma empresa chinesa que produz vidros automotivos monta uma nova indústria no mesmo local.
Se no início o clima é de otimismo e cooperação entre a mão de obra estadunidense e a chinesa, logo as coisas começam a desandar e os conflitos explodem. A mentalidade oposta com que as duas culturas encaram o trabalho é a mola propulsora para o desequilíbrio. Se na China o trabalho é visto como um fim em si a serviço da comunidade, no EUA (e no resto da cultura ocidental) ele é apenas um meio para que a pessoa possa ganhar dinheiro a fim de pagar suas contas e aproveitar os momentos de folga. Esse choque cultural fica ainda mais evidente quando um grupo de funcionários estadunidenses viaja até a China para acompanhar os festejos do ano novo daquele país dentro da tradição da empresa.
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Dupla de cineastas com o casal Obama |
Neste sentido os chineses são pintados como hipócritas, uma vez que na China os sindicatos são celebrados como intrínsecos e necessários à vida dos trabalhadores, enquanto nos EUA eles fazem de tudo para impedir que seus funcionários se sindicalizem. Chega, portanto, a ser contraditório o esforço que os cineastas fazem para “humanizar” os chineses, dando enfoque ao relacionamento familiar deles e aos parcos laços que constroem com os estadunidenses.
No final, o que “Indústria Americana” confirma é que tanto o capitalismo neoliberal dos EUA quanto o capitalismo totalitário chinês são duas faces da mesma moeda que tem como objetivo, em última instância, espremer os trabalhadores até não sobrar nada. Um em nome do “sonho americano” e outro da “grandeza coletiva” o que, no final das contas, enche de dinheiro os bolsos apenas de meia dúzia de pessoas. Nesse sentido, “Indústria Americana” serve para promover debates acadêmicos, mas acaba sendo pouco para um tema tão quente e explosivo como esse.
Cotação: ***
domingo, 19 de julho de 2020
Fascismo Explicado (por quem entende)
domingo, 12 de julho de 2020
segunda-feira, 6 de julho de 2020
Ennio Morricone: adeus ao mestre
Morto aos 91 anos idade, em decorrência de uma queda, o maestro e compositor italiano Ennio Morricone deixou um obituário escrito de próprio punho e no qual explica a razão de ter determinado que seu funeral seja privado. "Não quero dar trabalho", escreveu o músico vencedor de dois prêmios no Oscar, um pelo conjunto de sua obra, em 2007, e outro pela trilha sonora original de "Os Oito Odiados", de Quentin Tarantino, em 2016
A mensagem foi divulgada pelo amigo e advogado de Morricone, Giorgio Assumma, e será publicada nos principais jornais italianos amanhã. Confira abaixo o obituário deixado pelo maestro:
Ennio Morricone está morto. Anuncio assim a todos os amigos que estiveram próximos e àqueles um pouco distantes, a quem saúdo com grande afeto. É impossível nomear todos, mas uma recordação particular vai para Peppuccio e Roberta, amigos fraternos muito presentes nos últimos anos de nossa vida. Há apenas uma razão que me faz cumprimentar todos dessa maneira e ter um funeral de forma privada: não quero dar trabalho. Saúdo com tanto afeto Ines, Laura, Sara, Enzo, Norbert, por terem compartilhado comigo e minha família grande parte da minha vida. Quero recordar com amor minhas irmãs Adriana, Maria, Franca e seus parentes e dizer o quanto as quis bem. Uma saudação plena, intensa e profunda a meus filhos Marco, Alessandra, Andrea, Giovanni, a minha nora Monica e a meus netos Francesca, Valentina, Francesco e Luca. Espero que saibam o quanto os amei. Por último, Maria (mas não a última). A ela, renovo o amor extraordinário que nos manteve juntos e o qual lamento abandonar. A ela, o mais doloroso adeus...