quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Homenagem: Jerry Golsmith completaria 80 anos em fevereiro

No último dia 10 de fevereiro teria sido comemorado o 80º aniversário do compositor Jerry Goldsmith. Infelizmente, ele perdeu a luta contra o câncer e faleceu em 21 de julho de 2004.

Goldsmith é meu compositor favorito. Não devo passar mais de três dias sem ouvir alguma coisa que ele criou. Tenho hoje mais de 150 CDs com suas trilhas sonoras (parei de contar faz tempo). E olha que ele criou música para muitos filmes realmente horríveis!

Sua trilha mais famosa é a do filme "A Profecia", que lhe rendeu seu único Oscar, e é confundida por muita gente com Carmina Burana, que não tem nada a ver exceto o uso de coral de vozes.

Não sei dizer qual trilha dele gosto mais, mas arriscaria dizer que é a de "Alien - O Oitavo Passageiro" ou a de "Jornada nas Estrelas - O Filme".

É muito estranho ser abalado de forma tão forte pela morte de alguém que você nunca conheceu de perto. Falei dessa dor em um texto que escrevi no dia que recebi a notícia de sua morte. Ele foi originalmente publicado no hoje falido site E-pipoca, na época em que eu o editava em caráter de caridade. Clique aqui para ler.

Confira abaixo a filmografia do mestre (não sei dizer se contém realmente todos os filmes para os quais compôs a trilha sonora):

Timeline (2003) (rejeitado)
Looney Tunes: Back in Action (2003)
Star Trek: Nemesis (2002)
The Sum of All Fears (2002)
Along Came A Spider (2001)
The Last Castle (2001)
Hollow Man (2000)
The Haunting (1999)
The Mummy (1999)
The Thirteenth Warrior (1999)
Deep Rising (1998)
Mulan (1998)
Small Soldiers (1998)
Star Trek: Insurrection (1998)
U.S. Marshals (1998)
Air Force One (1997)
The Edge (1997)
Fierce Creatures (1997)
L.A. Confidential (1997)
Chain Reaction (1996)
City Hall (1996)
Executive Decision (1996)
A Family Thing (1996)
The Ghost and the Darkness (1996)
Star Trek: First Contact (1996)
Congo (1995)
First Knight (1995)
Powder (1995)
Star Trek: Voyager (1995)
Angie (1994)
Bad Girls (1994)
I.Q. (1994)
The River Wild (1994)
The Shadow (1994)
Dennis the Menace (1993)
Malice (1993)
Matinee (1993)
Rudy (1993)
Six Degrees of Separation (1993)
The Vanishing (1993)
Basic Instinct (1992)
Forever Young (1992)
Love Field (1992)
Medicine Man (1992)
Mom and Dad Save the World (1992)
Mr. Baseball (1992)
Not Without My Daughter (1991)
Omen IV: The Awakening (1991)
Sleeping with the Enemy (1991)
Gremlins 2: The New Batch (1990)
The Russia House (1990)
Total Recall (1990)
The 'burbs (1989)
Criminal Law (1989)
Leviathan (1989)
Star Trek V: The Final Frontier (1989)
Warlock (1989)
Rambo III (1988)
Rent-a-Cop (1988)
Extreme Prejudice (1987)
Innerspace (1987)
Lionheart (1987)
Hoosiers (1986)
Link (1986)
Poltergeist II: The Other Side (1986)
Baby... Secret of the Lost Legend (1985)
Explorers (1985)
King Solomon's Mines (1985)
Legend (1985)
Rambo: First Blood Part II (1985)
Gremlins (1984)
The Lonely Guy (1984)
Runaway (1984)
Supergirl (1984)
Dusty (1983)
Psycho II (1983)
The Return of the Man from U.N.C.L.E. (1983)
Twilight Zone: The Movie (1983)
Under Fire (1983)
The Challenge (1982)
First Blood (1982)
Inchon (1982)
Poltergeist (1982)
The Secret of NIMH (1982)
The Final Conflict (1981)
Night Crossing (1981)
Outland (1981)
Raggedy Man (1981)
The Salamander (1981)
Caboblanco (1980)
Alien (1979)
The Great Train Robbery (1979)
Players (1979)
Star Trek: The Motion Picture (1979)
The Boys from Brazil (1978)
Capricorn One (1978)
Coma (1978)
Damien: Omen II (1978)
Magic (1978)
The Swarm (1978)
Contract on Cherry Street (1977)
Damnation Alley (1977)
High Velocity (1977)
Islands in the Stream (1977)
MacArthur (1977)
Twilight's Last Gleaming (1977)
The Cassandra Crossing (1976)
The Last Hard Men (1976)
Logan's Run (1976)
The Omen (1976)
Babe (1975)
Breakheart Pass (1975)
Breakout (1975)
A Girl Named Sooner (1975)
Medical Story (1975)
The Reincarnation of Peter Proud (1975)
Take a Hard Ride (1975)
The Terrorists (1975)
The Wind and the Lion (1975)
Chinatown (1974)
S*P*Y*S (1974)
A Tree Grows in Brooklyn (1974)
Winter Kill (1974)
Ace Eli and Rodger of the Skies (1973)
The Don Is Dead (1973)
Hawkins on Murder (1973)
Indict and Convict (1973)
One Little Indian (1973)
Papillon (1973)
Police Story (1973)
The Red Pony (1973)
Shamus (1973)
The Culpepper Cattle Company (1972)
Lights Out (1972)
The Man (1972)
The Other (1972)
Pursuit (1972)
The Brotherhood of the Bell (1971)
Crawlspace (1971)
Crosscurrent (1971)
Do Not Fold
Spindle
or Mutilate (1971)
Escape from the Planet of the Apes (1971)
The Going Up of David Lev (1971)
The Homecoming - A Christmas Story (1971)
The Last Run (1971)
The Mephisto Waltz (1971)
Wild Rovers (1971)
The Ballad of Cable Hogue (1970)
Patton (1970)
Rio Lobo (1970)
A Step Out of Line (1970)
Tora! Tora! Tora! (1970)
The Traveling Executioner (1970)
100 Rifles (1969)
The Chairman (1969)
The Illustrated Man (1969)
Justine (1969)
Bandolero! (1968)
The Detective (1968)
Planet of the Apes (1968)
Sebastian (1968)
The Flim Flam Man (1967)
Hour of the Gun (1967)
In Like Flint (1967)
The Karate Killers (1967)
Warning Shot (1967)
The Blue Max (1966)
One of Our Spies Is Missing (1966)
The Sand Pebbles (1966)
Seconds (1966)
Stagecoach (1966)
To Trap a Spy (1966)
The Trouble With Angels (1966)
The Agony and the Ecstasy (1965)
In Harm's Way (1965)
Morituri (1965)
Our Man Flint (1965)
A Patch of Blue (1965)
The Satan Bug (1965)
Von Ryan's Express (1965)
Fate Is the Hunter (1964)
Rio Conchos (1964)
Seven Days in May (1964)
Shock Treatment (1964)
The Spy With My Face (1964)
A Gathering of Eagles (1963)
Lilies of the Field (1963)
The List of Adrian Messenger (1963)
The Prize (1963)
The Stripper (1963)
Take Her
She's Mine (1963)
Freud (1962)
Lonely Are the Brave (1962)
The Spiral Road (1962)
The Crimebusters (1961)
The General with the Cockeyed ID (1961)
The Expendables (1960)
Studs Lonigan (1960)
City of Fear (1959)
Face of a Fugitive (1959)
Black Patch (1957)
Don't Bother to Knock (1952).

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Decifrando o código: Por que Matrix é de esquerda?

"Não é possível explicar a ninguém o que é a Matrix. Você tem que ver com seus próprios olhos..."

- por André Lux, crítico-spam

É incrível o número de pessoas que dizem "adorar" a trilogia Matrix, mas que coçam a cabeça e fazem cara de interrogação quando confrontados com as várias alegorias e subtextos dos filmes.

Aí, quando você pergunta por que, afinal, gostam de Matrix, respondem algo como: "Pô, puta filmão! Tem um monte de tiro, porrada e efeitos especiais animais!".

Sim, tem mesmo, mas além disso, a trilogia Matrix consegue passar nas entrelinhas sérios questionamentos sobre a realidade que nos cerca, inclusive política, sem precisar ser panfletário ou maniqueísta. 

Ou seja, diverte e faz pensar - aqueles que conseguem, é claro.

Para mim, os irmãos Wachawsky fizeram um filme de esquerda porque questionam os princípios básicos dos mecanismos de dominação atuais usados pelas elites econômicas para escravizar o resto da população.

O que é a Matrix, em última instância, senão uma óbvia alegoria para o circo midiático usado para deixar a maioria das pessoas vivendo em uma realidade virtual, ilusória, quase que em estado dormente enquanto são oprimidos e escravizados pela busca do lucro ilimitado? 

Os romanos chamavam isso de "pão e circo" - hoje é só circo mesmo, porque o pão só pagando.

Se não acredita em mim, repare na cor da pílula que Neo deve tomar para sair da Matrix e na cor da que deve tomar se quiser continuar vivendo na ilusão... Preciso dizer mais?



O bacana da trilogia Matrix é que ela começa nos convencendo que Neo é o "novo Jesus Cristo", alguém dotado de poderes especiais, praticamente sobrenaturais, que tem a missão de salvar os seres humanos do julgo das máquinas.

Tratado como terrorista pelas "autoridades" daquele mundo virtual, Neo tem que lutar também contra seus próprios semelhantes, contra aqueles a quem deseja salvar, mas que podem ser usados pelos agentes a qualquer hora. 

Mais uma alegoria óbvia: os agentes Smith só conseguem "entrar" dentro de quem é alienado da realidade em que vive. 

Lembram do traidor Cypher (o Judas da trilogia) dizendo "a ignorância é uma benção"? Pois para muitos é mesmo.



Assim, Neo e seus amigos realmente acreditam, como Che Guevara e tantos outros revolucionários, que é por meio da luta armada que conseguirão vencer as máquinas e libertar seu povo oprimido. 

E fazem isso com grande elegância em cenas de primor técnico, ao som da trilha sonora vibrante de Don Davis.

Agora, veja abaixo como fica a cabecinha daquelas pessoas que torcem e vibram com Neo, mas chamam gente como Che e Fidel Castro de terroristas, ao descobrirem que foram enganados pela Matrix e que serão obrigados a reverem seus conceitos pré-históricos...



Mas, surpresa! No final da trilogia, descobrimos junto com os protagonistas que as máquinas, em sua infinita capacidade lógica de manipulação da primitiva e emocional mente humana, haviam incorporado o conceito de "salvador" dentro da Matrix simplesmente para sanar uma falha sistêmica.

Ou seja, Neo não era nem o novo Jesus Cristo, nem o novo Che Guevara, mas sim apenas mais um peão no jogo de controle feito pelas máquinas para continuar escravizando a raça humana. 

Aqui mais uma alegoria clara: religião é algo que existe apenas para controlar as mentes e as ações das pessoas, fazendo-as acreditar que suas felicidades se encontram fora delas, nas mãos de um deus ou salvador ao qual devem orar e, preferivelmente, temer.



Neo tinha de ser convencido pela Oráculo, um programa criado para simular as emoções humanas e trazer equilíbrio à Matrix, que era realmente o salvador, só para descobrir no final de sua jornada que era apenas o carregador do código que iria dar um "reload" na Matrix e iniciar sua nova versão. 

Até que o sistema ficaria instável e um novo Neo apareceria para fazer tudo de outra vez.

Mas, as máquinas não previram que Oráculo iria adqurir sensibilidades humanas e agiria para desestabilizar a equação criada pelo Arquiteto, a fim de promover a paz entre homens e máquinas. 

Assim, na versão Neo 7.0, Oráculo incluiu dois itens a mais na jornada do "salvador": o amor por Trinity e um vírus no agente Smith que o levaria a contaminar toda a Matrix.



O primeiro item leva Neo a optar por salvar sua amada ao invés de dar "reboot" na Matrix e salvar a humanidade, enquanto o segundo leva a Matrix à beira da destruição. 

Portanto, Oráculo causa uma revolução ao forçar as máquinas a fazerem as pazes com os humanos, pois somente o Neo do mundo real poderia voltar à Matrix para destruir o virus Smith.

Enfim Neo torna-se realmente o "salvador" e sacrifica-se, não para alcançar a glória ou dar uma lição de moral, mas sim para salvar a humanidade da opressão e da ilusão... Simplesmente genial!



Claro que não vou agradar a todos com essa minha interpretação da trilogia Matrix, mas tudo bem. 

Como disse o próprio Morpheus, "Não é possível explicar a ninguém o que é a Matrix. Você tem que ver com seus próprios olhos..."



Mas o vídeo abaixo, que chamo de "Matrix para Lesados", talvez dê uma força!

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Filme: "Che - Parte 2: A Guerrilha"

ÁRIDO DEMAIS

Com um material tão rico e explosivo em mãos, chega a ser imperdoável o resultado frio e alienante que Soderbergh atingiu.

- por André Lux, crítico-spam

A segunda parte do épico “Che” tem os mesmos defeitos da primeira. É por demais contemplativa, fria, chega a ser árida até. E com um agravante: foca-se totalmente na fracassada luta armada comandada por Guevara na Bolívia, culminando com seu assassinato covarde pelo exército boliviano sob ordens da CIA quando já era prisioneiro. Ou seja, é totalmente anticlimática.

Por mais que se admire a coragem do diretor Steven Soderbergh em aceitar tão controversa empreitada, não dá para entender algumas de suas opções estéticas.

A mais estranha delas foi filmar quase tudo em planos abertos e distantes, o que não dá maiores oportunidades aos atores e impede qualquer aprofundamento dos personagens - ao ponto de todos parecerem meros coadjuvantes, inclusive o próprio Che (mal dá para perceber a presença de Rodrigo Santoro, como Raul Castro, ou mesmo Matt Damon, que faz ponta como um padre). Além disso, o cineasta joga os eventos de forma caótica e confusa, o que vai deixar a maioria dos espectadores alienados e, por fim, entediados.

Parece que Soderbergh ficou tão preocupado em parecer neutro e fugir de qualquer tipo de panfletarismo (tanto de esquerda quanto de direita) que se esqueceu do principal: contar uma história. Embora ambos os filmes tenham uma perfeita reconstituição dos fatos (mostra, inclusive, o respeito que os guerrilheiros tinham pelos camponeses e a participação ativa do governo dos EUA no treinamento e combate à guerrilha), o distanciamento e a secura como tudo é apresentado impede que entremos na trama ou mesmo vivenciemos o drama dos personagens.

“Che” passa ao largo também de qualquer aprofundamento ideológico ou político, exceto por meia dúzia de frases soltas que, tiradas do contexto e sem qualquer peso, viram mera citação, quase clichês. Benício Del Toro, na maioria das cenas, parece um robô, sempre com a mesma expressão sorumbática. Nem mesmo a cena do assassinato brutal do Che passa qualquer emoção - e o que deveria ser a derradeira cena para o ator é absurdamente filmada por meio de uma câmera subjetiva!

Com um material tão rico e explosivo em mãos, chega a ser imperdoável o resultado frio e alienante que Soderbergh atingiu. Às vezes “Che” parece querer ser um épico do Akira Kurosawa, tipo “Ran” ou “Kagemusha”, mas sem aqueles momentos de total arrebatamento em que o mestre subvertia a estética acadêmica até então dominante e sacodia o espectador pelo pescoço.

Walter Salles em “Diários de Motocicleta” abordou a juventude de Guevara e o início de sua tomada de consciência, conseguindo um resultado muito mais humano e tocante sem ser panfletário e tendo um material bem menos forte para trabalhar.

Apesar de tudo, não deixa de ser curioso analisar a fracassada luta de Guevara na Bolívia com a realidade atual da América Latina, que se liberta do julgo imperialista estadunidense e da opressão de suas elites econônicas, depois da eleição de vários políticos de esquerda, como Lula, Evo Morales, Hugo Chaves e afins.

O que vem ao encontro do que Guevara responde a um de seus algozes quando este lhe pergunta o que havia conquistado na Bolívia, já que a população pobre não aderiu à guerrilha: “Não sei. Talvez nosso fracasso ajude a despertar os oprimidos”. Nada mais profético...

Cotação: * 1/2

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

DVD: "Machuca"

TRÁGICO E DOLOROSO

Assista este filme para entender porque, afinal, ninguém tem coragem de se assumir como sendo de “direita” na América Latina...

- por André Lux, crítico-spam

Você já se perguntou por que ninguém tem coragem de admitir que seja de “direita” na América do Sul? Assista “Machuca” e vai saber a resposta.

Este filme chileno do diretor Andrés Wood se passa durante os últimos meses do governo socialista de Salvador Allende, quando o padre que dirige uma escola para crianças da classe média alta implanta uma política do governo que reserva vagas para alunos oriundos das classes pobres.

Um desses meninos é justamente o Machuca do título, que acaba ficando amigo de Gonzalo, um filho das “elites” e provável alter-ego do próprio cineasta (o filme termina com uma frase em homenagem a um padre real, que obviamente deve ter semelhanças com o personagem de "Machuca").

A amizade dos dois representa o abismo que existe entre as classes sociais, o qual fica escancarado quando um vai visitar a casa do outro. Gonzalo, que mora numa bela residência, tem um pai boa praça, porém ausente e alienado, enquanto sua mãe é a personificação da “dondoca” suburbana fútil e louca por dinheiro (ao ponto de ser amante de um político rico do qual recebe vários “presentes” chiques). A irmã do menino namora uma boçal violento e agressivo que faz parte do “Comando de Caça a Comunistas” chileno.

Já Machuca mora numa favela com a mãe, a irmã e um tio. Seu pai é um bêbado que aparece só para arrancar dinheiro da mãe e dar porrada nos filhos. Só por curiosidade, li um profissional da opinião dizendo que o filme “falha” ao mostrar a pobreza de forma idílica! Concordo com ele, afinal quem é que não sonha em morar num barraco feito de tábuas e lonas enquanto recebe uns sopapos do pai bêbado e cafetão dia sim, dia não?

Enfim, dessa improvável amizade acompanhamos os dois meninos passando por várias situações que servem para reforçar o caos político promovido pelos golpistas que se abatia sobre o país. O tio de Machuca ganha a vida vendendo bandeiras dos partidos de direita e de esquerda nas várias passeatas contra e a favor do governo. E leva os garotos juntos, que ignorantes do que se passava, saiam alegremente repetindo os jargões dos manifestantes, seja de qual tendência eram representantes.

Mas as coisas começam a mudar para Gonzalo quando encontra o namorado truculento da irmã e a própria mãe numa das passeatas, durante a qual a irmã de Machuca é humilhada e agredida por fazer parte da “ralé”. Em outra cena emblemática e muito triste, os pais da high society protestam numa reunião do colégio contra a presença das crianças pobres que, nas palavras deles, não devem se misturar com seus filhos. Uma das mães pobres faz então um tocante discurso sobre a trágica história de toda sua família, só para ser acusada por uma dondoca de “ressentida, rancorosa, volte para o lugar de onde veio!”.

Não quero revelar mais da trama, mas basta dizer que o filme segue o ritmo dos golpistas até a sangrenta derrubada do governo socialista pelos milicos do general Pinochet, que lançaram sobre o Chile a mais brutal e selvagem ditadura da América Latina. Ditadura que foi notável também por ter sido o primeiro regime a implantar - sobre o cadáver de milhares de cidadãos que ousaram lutar por um mundo mais justo e menos desigual - a nefasta ideologia neoliberal, que hoje colocou o mundo de joelhos.

Nem preciso dizer que o final de “Machuca” será terrivelmente trágico e doloroso. E basta assisti-lo para entender porque, afinal, ninguém tem coragem de se assumir como sendo de “direita” por essas bandas...

Cotação: * * * *

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Filmes: "Che - O Argentino (Parte I)"

RETRATO PÁLIDO

Primeira parte da saga de Che Guevara acaba sendo excessivamente contemplativa e um pouco fria demais para um tema tão “caliente”.

- por André Lux, crítico-spam

Steven Soderbergh é um cineasta que não cansa de surpreender ao buscar novas e diferentes fontes de inspiração para suas obras, ao invés de render-se a fórmulas de sucesso fácil, alternando projetos puramente comerciais, tipo “Erin Brocovich” ou “Onze Homens e Um Segredo”, com outros bem mais arrojados e difíceis, como “Traffic” e “Solaris”.

Não causou surpresa, portanto, o anúncio de que iria dirigir uma biografia de Che Guevara, um dos controversos líderes da revolução cubana que se transformou num verdadeiro ícone e é até hoje odiado pela direita (que o enxerga como a encarnação de Belzebu na Terra) e celebrado pela esquerda (que o considera um dos maiores exemplos de coragem e dedicação na luta contra a opressão das elites).

O filme resultou num “épico” de mais de quatro horas e os realizadores optaram por dividi-lo em duas partes. Acabo de assistir à primeira, intitulada “Che – O Argentino”.

Começo dizendo que se trata de um filme difícil de classificar. Apesar de trazer Che no nome, não se trata de uma tentativa de biografá-lo. Apesar de ele aparecer em quase todas as cenas, o diretor não se preocupa em aprofundar a personalidade de Guevara, optando por uma narrativa não-linear, onde alterna ações da guerrilha na Sierra Maestra com uma viagem de Che aos EUA já como Ministro de Cuba, onde faz pronunciamentos na ONU, dá entrevistas e participa de festas – numa delas ironiza o infame senador McCarthy, agradecendo-o em nome da causa revolucionária pela fracassada tentativa de invadir Cuba pela Baia dos Porcos. A primeira parte termina com a vitória dos guerrilheiros e sua partida para Havana.

Assim, o filme é basicamente episódico, pulando de um evento para outro sem muita preocupação em situar a ação dentro da cronologia ou explicar o que está acontecendo. Mesmo a figura de Che é tratada com reverência e distanciamento, o que é reforçado pela atuação contida e metódica de Benício Del Toro, que literalmente encarna o personagem fisicamente. A opção de Soderbergh em filmar quase toda a parte da guerrilha em planos gerais aumenta ainda mais essa sensação de distanciamento.

Para quem conhece mais a fundo a história da revolução cubana, “Che” vai agradar porque traz uma recriação precisa de vários acontecimentos e diálogos descritos em muitos livros sobre o assunto. Não por acaso, o jornalista estadunidense John Lee Anderson, autor da biografia de Guevara, serviu como consultor especial ao projeto. Anderson é aquele sujeito que humilhou os autores da ridícula “reportagem” sobre Che, publicada em 2008 no panfleto de extrema-direita da editora Abril, a famigerada revista Veja.

Por outro lado, essa aproximação distanciada e nem um pouco didática confundirá a cabeça do espectador comum que, acostumado a se “informar” pela mídia grande, não vai conseguir entender direito o que se passa na tela e, por causa disso, fatalmente perderá o interesse. O que é sempre uma pena.

No final das contas, “Che – O Argentino” acaba sendo excessivamente contemplativo e um pouco frio demais para um tema tão “caliente”. Não tenta explicar a revolução cubana nem “entrar” na cabeça de Guevara, ficando num meio termo entre um documentário sobre as ações da guerrilha e uma pálida fotografia de um de seus líderes.

É claro que fica difícil avaliar um filme que foi concebido e filmado como um só, mas que assistimos separadamente, em duas partes. Pode ser que todas essas “lacunas” que apontei acima sejam resolvidas na parte dois. Vamos esperar para ver, então...

Cotação: * * 1/2

sábado, 24 de janeiro de 2009

Cine-Trash: "Highlander 2: A Ressurreição"

Depois do sucesso inesperado do primeiro “Highlander”, os produtores tiveram então a brilhante idéia de criar uma continuação com o único e exclusivo objetivo de ganhar mais dinheiro.

Conseguiram reunir novamente o diretor Russel Mulcahy e os astros Christopher Lambert e Sean Connery. Nasceu então “Highlander 2: A Ressurreição”, sem dúvida um dos filmes mais estúpidos da história do cinema, trash absoluto que vai fazer você rir o tempo todo.

Mas não tinha mesmo como funcionar um roteiro que tenta dar continuidade aos eventos descritos pelo primeiro filme, mesmo porque ele terminava de forma definitiva sem deixar portas abertas para seqüência. O jeito foi inventarem um "prólogo" que explica como os heróis tornaram-se imortais em primeiro lugar.

Assim, segundo o roteiro, vieram todos de um planeta distante aparentemente dominado por um general vilão (Michael Ironside, sempre divertido) e às voltas com uma guerra civil. Mas os mocinhos acabam presos e então são mandados (como forma de punição) para a Terra (?), onde além de tornarem-se imortais (??) vão ter que lutar entre si até que sobre apenas um (???). Quer dizer então que o terrível Kurgan, o vilão máximo do primeiro filme que corta a cabeça de todo mundo sem a menor piedade, era na verdade um ex-companheiro de revolução dos heróis?

Não satisfeitos em criarem um projeto totalmente absurdo, ainda esforçaram-se para destruir também o primeiro filme - que se torna ridículo se analisado à luz das "revelações" feitas na continuação!

A trama volta então para o presente (ou futuro?), quando o tal general alienígena resolve, assim do nada, mandar seus lacaios em busca do ex-imortal Macleod (Lambert). Eles brigam, cabeças são degoladas e, bingo, o Highlander volta a ser imortal! Por sinal, como é que o general poderia ainda estar vivo em seu planeta se seus inimigos tornaram-se imortais na Terra, onde viveram centenas de anos? Ah, quem liga para esses detalhes? Enfim, nervoso com o fracasso de seus peões, o malvado resolve ele mesmo vir a Terra matar o herói com as próprias mãos!

Sean Connery reprisa seu personagem Ramirez e, obviamente, divertiu-se muito durante as filmagens realizadas na Argentina (para cortar custos). Felizmente (para ele), seu tempo em cena é curto e, claro, totalmente sem lógica. Não estou exagerando: depois que McCleod grita (grita!) pela ajuda do amigo, Ramirez materializa-se imediatamente na Escócia (com a mesma roupa medieval do filme anterior), pega um avião (com certeza pagou a passagem com alguns dobrões espanhóis do século 14 que estavam em seu bolso) e, na cena seguinte, surge dentro da casa do McLeod, lá em Nova York!

Assim, juntam-se a uma guerrilheira loira e juntos vão lutar para destruir um escudo que envolve a Terra, que foi criado pelo próprio McCleod para proteger os humanos da destruição da camada de ozônio. O problema é que agora o escudo já não é mais necessário, porém a malvada companhia que o controla não quer desligá-lo já que fatura muito dinheiro com sua manutenção... Peraí, como é que é? Ah, deixa prá lá...

Mas, não tema! Foi lançada em DVD (aqui no Brasil vendiam nas bancas por 9 reais) a versão completa do filme (chamada de "Renegada"), que traz diversas cenas adicionais, novos efeitos visuais e uma mudança radical no roteiro que, segundo os realizadores, redimiria o filme. A desculpa é que a versão anterior era ruim porque foram obrigados pelo estúdio a terminar tudo de qualquer jeito depois que o dinheiro acabou. Ah, tá! Pobres iludidos...

Então, nessa nova versão, os imortais não vieram de outro planeta, mas sim da própria Terra, mas do passado distante, onde lutavam contra um tirano com armas de raio laser e naves! Capturados, foram então enviados para o futuro como punição e indo parar mais ou menos na Idade Média, onde se vestiam com peles de animais e lutavam com espadas e lanças! Será que a Terra “involuiu”? Então era isso que faltava para tornar o filme bom? Certo... Pelo menos eles explicam melhor como é que o coitado do Sean Connery consegue trocar de roupa e pegar um avião para Nova York.



Como se vê, é tanta besteira junta que acaba transformando ambas as versões em ótimas comédias, se você souber levar tudo na esportiva. Mas, por incrível que pareça, conseguiram fazer mais duas continuações e uma série de TV ainda mais ridículas e abomináveis!

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Cine-Trash:"Yor, O Caçador do Futuro"

Poster bacana enganador
BABACA LOIRO DE TANGA

Lixo pode ser descrito como “Conan” versus Ming de “Flash Gordon” no "Planeta dos Macacos"

- por André Lux, crítico-spam

Escrevendo sobre “O Humanoide”, lembrei de outra pérola do trash italiano fingindo ser superprodução de Roliud que, incrível, eu também vi nos cinemas por volta de 1983!

O filme em questão chama-se “Yor, O Caçador do Futuro” e é uma das coisas mais horríveis que já assisti, até porque é uma redução de uma mini-série feita para a TV italiana. 

Se vocês acham que “O Humanóide” é trash, imaginem então esse, que foi feito com sobras daquele filme! Inclusive a mocinha é a mesma do clássico do Aldo Lado! 

Felizmente, desse eu não gostei nem um pouco, afinal já era um pouco mais “experiente” e fui enganado pelo pôster bonito (veja à direita e negue que não parece um puta filme bacana, com um cara loiro fortão de tanga gritando e agitando seu tacape em direção a naves alienígenas animais, enquanto uma morena gostosa e submissa se agarra em sua perna!).

“Dirigido” pelo italiano Antonio Margheriti (ou Anthony M. Dawson para os incautos), que foi o supervisor de "efeitos especiais" em "O Humanoide", esse lixo pode ser descrito como um cruzamento de “A Guerra do Fogo” encontra “Conan, O Bárbaro” versus Ming, o Impiedoso de “Flash Gordon” no "Planeta dos Macacos"...

"Eu quero essa peruca loira pra mim!"
Ou seja, fala sobre homens da caverna de tangas (que falam inglês fluente), salvos de um dinossauro de borracha por um sujeito fortão que usa uma peruca loira e um tacape, chamado Yor.

Só que, na verdade, ele possui, diz o narrador, inteligência superior e é o herdeiro de uma civilização avançada que vive numa ilha isolada sob o comando de um ditador malvado conhecido como Overlord. E tudo se passa depois que a Terra foi devastada por uma guerra nuclear!

O filme já começa de maneira inacreditável, com uma seqüência que deveria estabelecer toda a virilidade do Yor (“interpretado” pelo mega-canastrão estadunidense Reb Brown), mas mostra o babaca loiro dando corridinhas e pulinhos ridículos enquanto tenta escalar umas pedras. 

Tudo acompanhado por uma canção escrita por Guido e Maurizio de Angelis que mistura Queen com new age e cuja letra dispara algo parecido com “Yor’s World, He’s The Man!”. Essa canção, por sinal, é usada várias vezes em cenas que deveriam ser heroicas, mas só conseguem nos fazer rolar de rir!

Se não acredita, veja por si mesmo e não deixe de reparar nos sorrisinhos que Yor dá toda vez que olha para os lados. O que será que ele viu de tão divertido la no meio do deserto?


Esse filme é tão ruim que nem a música orquestral do excelente John Scott (de “Greystoke, a Lenda de Tarzan”) foi aproveitada em sua totalidade, sendo substituída em grande parte por uma batida eletrônica brega dos já citados Guido e Maurizio de Angelis. 

Verdade seja dita: a música de Scott era boa demais e destoava completamente do que se vê na tela e a nova trilha de Guido e Maurizio é uma das melhores qualidades trash de "Yor"!

Mas, ainda assim vale a pena ver para crer. Nem que seja pela cena em que Yor mata um morcego gigante e usa-o como uma espécie de asa-delta para invadir uma caverna cheia de vilões barbudos! Veja abaixo:


Saiba mais sobre "Yor" neste link.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Cine-Trash:"O Humanoide"

STAR WARS DOS POBRES

Imitação é um desfile de cenas toscas e mal encenadas, efeitos especiais bisonhos e diálogos abismais

- por André Lux, crítico-spam

O verdadeiro filme trash é aquele que foi feito com as melhores pretensões. Aquele em que os envolvidos, por arrogância, ingenuidade ou pura cara de pau, realmente botavam fé no projeto e achavam que estavam produzindo algo no mínimo respeitável.

Só que, quando sua obra é finalmente exibida, a platéia se contorce em agonia diante das cenas ridículas ou chora de rir quando deveria levar a sério o que assiste na tela...

Um dos maiores exemplos de trash por excelência é “O Humanoide”, uma cópia descarada do primeiro "Star Wars" feita por italianos em 1979 e estrelado por alguns atores estadunidenses em decadência. 

O cinema italiano, diga-se de passagem, era especialista em clonar filmes de Roliudi desde a época dos épicos romanos, passando pelos spaguetti-westerns e chegando até a ficção científica com resultados, via de regra, hilariantes.

"O Humanoide", dirigido por um tal de Aldo Lado sob o pseudônimo de “Richard B. Lewis”, é um desfile de cenas toscas e mal encenadas, efeitos especiais bisonhos e diálogos abismais. Dizer que a “trama” não tem pé nem cabeça chega a ser um elogio. 

Veja só: os vilões, que tem nomes como Doutor Kraspin, Lord Graal e Lady Aghata, querem roubar um bagulho cabuloso chamado “Elemento Kappa” que, sabe-as lá por que, quando jogado sobre os humanos deixa-os malucos e indestrutíveis. O plano infalível dos malvados é jogar o treco sobre o planeta Metrópolis (antiga Terra) e criar um exército de “humanoides” para dominar a galáxia.


Darth Vader made in Italy
Para garantir o sucesso do plano, eles testam primeiro a substância num coitado de um piloto espacial chamado Golob que caiu no planeta deles. 

O sujeito, que é “interpretado” pelo grandalhão Richard Kiel (que foi o “Jaws” em dois filmes do 007), vira então uma besta incontrolável que, estranhamente, perde a barba e fica com os dentes esbugalhados ao se transformar no terrível Humanoide.

Detalhe: o monstro só é controlado depois que o cientista vilão o nocauteia com gás e implanta cirurgicamente um tipo de chip em sua testa. 

Faz a gente imaginar a dificuldade que seria controlar um exército de criaturas assim, não? Realmente, um plano magistral...

E isso são só os primeiros 20 minutos do filme. Já deu pra perceber o nível do negócio.


Aldo Lado (no centro) e sua trupe de canastrões
Pior que eu vi esse lixo inacreditável nos cinemas na minha infância e, acreditem, adorei! Cheguei até a assobiar o tema musical em um gravador para não esquecer a trilha sonora!

Foi só muitos anos depois, quando assisti novamente na TV, que pude notar o quanto era tosco e, melhor de tudo, risível do começo ao fim. E, mais incrível, descobri que a música de “O Humanoide” era de ninguém menos que o mestre Ennio Morricone! 

Nem preciso dizer que chorei quando finalmente consegui ouvi as músicas depois de comprar o CD com a trilha sonora... Haja nostalgia!


Aldo Lado do lado do pobre Ennio Morricone...
Se acha que estou exagerando, dá uma olhada no vídeo abaixo, que contém a cena do "nascimento" do Humanoide! É trash puro, para sentar no sofá e assistir com amigos cinéfilos e se matar de tanto rir...

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Séries: THE BIG BANG THEORY



Se você é, como eu, um nerd assumido, não pode perder a série "The Big Bang Theory", que passa no canal da Warner e está atualmente na segunda temporada.

Fanáticos por "Star Trek", "Star Wars", "Planeta dos Macacos" e cinema em geral, quadrinhos, video-games, computadores, internet, física, química e tudo que diz respeito ao universo dos outrora conhecidos como CDFs vão encontrar muitos motivos para se divertirem com as confusões armadas pelos quatro amigos que têm em comum a paixão por tudo aquilo que as pessoas ditas "normais" abominam ou simplesmente ignoram (como o prazer de assistir à segunda temporada de "Batlestar Galactica" com comentários do diretor!).

Os astros da série são Sheldon Cooper e Leonard Hofstadter, dois Doutores em Física de vinte e poucos anos que dividem um apartamento e, segundo minha esposa, são meus alter-egos. Eles interagem com o engenheiro (mas não Doutor!) Howard Wolowitz, um nerd metido a conquistador, o indiano Rajesh Koothrappali, Ph.D. que só consegue falar com mulheres se estiver sob efeito do alcool, e Penny a vizinha gostosa pela qual Leonard é apaixonado e que não entende absolutamente nada da nerdisse implacável dos quatro amigos.

Alguns episódios trazem momentos antológicos, como todos vestidos a caráter para uma maratona dos seis filmes da série "Planeta dos Macacos", Sheldon virando Spock para aturar uma feira de antiguidades cheia de erros históricos ou quando respondem "William Shatner" para a pergunta "Qual é o homem mais sexy do mundo?".

O bacana é que o universo nerd é tratado com o devido respeito, mas sem esquecer de brincar com as esquizitices e manias dos protagonistas e, principalmente, a falta de habilidades para se relacionarem com as mulheres bonitas - maldição que aflige 9 entre 10 nerds (eu sou a excessão, é claro).

Enfim, se frases como "Ajoelhe-se perante Zod!" ou "Tire suas patas de mim, seu maldito macaco sujo!" fazem sentido para você, então "The Big Bang Theory" é a sua praia.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Filmes: "Ensaio sobre a Cegueira"

OS CEGOS DE DOGVILLE

Segundo ato intragável e pretensioso estraga o filme ao tentar nos ensinar que a raça humana não presta e que qualquer pessoa pode se transformar no mais cruel dos assassinos.

- por André Lux, crítico-spam

Achei bem decepcionante essa adaptação do badalado livro de José Saramago, “Ensaio Sobre a Cegueira”. Não li a obra original e procurei não saber nada sobre o enredo, exceto o básico. Pode ser que o livro seja realmente uma obra-prima como muitos dizem, mas o filme fica muito aquém das expectativas.

O que mais me incomodou foi todo o segundo ato, que se passa dentro de uma espécie de “campo de concentração” onde os afetados pela misteriosa doença são confinados. Primeiro porque a forma como isso é mostrado é ridícula.

Nenhum governo democrático faria algo parecido, simplesmente jogando dezenas de pessoas das mais diferentes classes sociais e deixando-as à própria sorte no que se torna uma verdadeira pocilga. E, pior, colocando guardas armados com ordens para matar qualquer um que sair da fila!

Isso até faria sentido numa situação extrema, quando quase todos já estivessem infectados e o próprio governo ficasse à beira do colapso, deixando os guardas sem direção. O problema é que o roteiro é muito apressado e não dá chance para que a gente se envolva realmente com a situação, muito menos com as pessoas que lá estão confinadas.

Tudo fica ainda mais grotesco quando a turma da ala 3, liderada pelo mexicano Gael Garcia Bernal em um inconvincente papel de “baixinho invocado”, começa a chantagear os outros, obrigando-os a pagar pela comida – a princípio com jóias e outros bens e depois com sexo. 

Tudo é encenado de forma caricata e superficial, transformando o filme em uma patética e irritante disputa entre os bonzinhos e os vilões malvados. Em alguns momentos mais escabrosos achei que todos os personagens iam virar zumbis devoradores de cérebros, transformando o filme em um “A Volta dos Mortos Vivos" metido a besta!

Assim, o segundo ato de “Ensaio Sobre a Cegueira” vira uma espécie de os cegos de "Dogville", outro filme intragável e pretensioso que tinha a missão de nos ensinar que a raça humana não presta e que qualquer pessoa, dentro de uma situação específica, pode se transformar no mais cruel dos assassinos. Por sinal, esse é um tema extremamente batido e óbvio, que remonta a “O Senhor das Moscas” e afins.

Quem leu o livro disse que é assim mesmo no original, porém demora muito mais tempo para chegar ao ponto da loucura total. Imagino que Saramago não tenha cometido esse erro gritante e certamente deve ter dedicado páginas e páginas para humanizar os personagens, o que seria essencial para o clímax tornar-se verossímil.

Outro ponto baixo do filme é a insistência dos realizadores em desfocar a imagem e jogar luzes brancas na tela, para tentar imitar a sensação de cegueira dos personagens. No começa é um recurso até interessante, porém depois da enésima vez que usam torna-se redundante e cansativo. 

Além disso, o elenco não tem maiores chances de brilhar e o ator que faz o oftalmologista, Mark Rufallo, é muito fraco. Sobra para a coitada da Juliane Moore tentar carregar o filme nas costas, sem sucesso. A trilha musical de Marco Guimarães também é muito ruim, intrusiva e fora de tom.

Mas nem tudo são pedras. Felizmente, o terceiro ato (quase) redime o segundo, embora seja mais curto. O final tocante consegue provocar alguma emoção genuína mesmo sendo abrupto e insatisfatório. Parece que o diretor Fernando Meireles, de “Cidade de Deus”, ficou melindrado com as críticas negativas que recebeu em Cannes e resolveu mexer na montagem, encurtando a narração em “off” feita pelo personagem de Danny Glover.

Só comparando as duas versões para julgar qual é a melhor, mas fiquei com a nítida impressão de que algo se perdeu nesse processo. Talvez a humanidade e o aprofundamento que o resto do filme tanto precisava.

Cotação: * *

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Filmes: "Eles Vivem", de John Carpenter

SERÃO OS NEOLIBERAIS ALIENS?

Vai agradar quem gosta de ficção científica e de filmes engajados politicamente.

- por André Lux, crítico-spam

"Eles Vivem" é um dos melhores filmes que o diretor John Carpenter produziu até hoje. O roteiro, escrito pelo próprio Carpenter (sob pseudônimo) baseado num conto de Ray Nelson, é bastante engenhoso e tira máximo proveito de todas as situações inusitadas providas pela trama sempre interessante e pertinente.

Operário desempregado (o lutador Roddy Piper, canastrão perfeito para o papel) descobre uma conspiração alienígena para dominar a mente de todos os humanos por meio de mensagens subliminares escondidas em sinais de TV. 

Tudo para transformar a Terra num planeta quente e poluído, habitat perfeito para eles. E ainda contam com a ajuda de vários humanos, que trocam a sobrevivência da espécie por dinheiro...

O que torna o filme ainda mais saboroso é a maneira pela qual ele toma conhecimento desse terrível fato: óculos escuros que, ao serem usados, deixam tudo preto-e-branco e o fazem "ver" o que realmente está acontecendo no mundo. Suas primeiras surpresas vêm quando olha para os outdoors só para ver, ao invés dos anúncios normais, palavras como "consuma", "assista TV" "não pense" ou "obedeça". Em seguida olha para uma nota de um dólar a qual, vista pelos óculos, diz "esse é o seu deus".

E não é só isso: ao olhar para algumas pessoas enquanto está sob efeito dos óculos, o protagonista vê a verdadeira natureza dos alienígenas que se escondem sob uma fachada humana também graças ao mesmo sinal subliminar. Garanto que depois de ver "Eles Vivem", você nunca mais vai se achar louco ao perguntar se tipos como Donald Trump, Daniel Dantas, a dona da Daslu ou outra figura bisonha da nossa dita "elite" não seriam de outro planeta, tamanho o grau de insensibilidade e desumanização que demonstram...



Não é a Veja?


Será Roberto Justus um alien malvado também?

"Grana é seu deus". Parece título de editorial da Folha

Depois da Daslu, nada como comprar uns comes e bebes...

Carpenter imprime à sua obra um alto teor de ironia e também uma crítica escancarada ao modelo neoliberal e à mídia que o sustenta que continua bastante atual e relevante - mesmo o filme sendo de 1988, época em que o "consenso de Washington" era enfiado goela abaixo dos governos do mundo inteiro e cujos resultados catastróficos já conhecemos bem.

Brincando com o famoso livro "Eram os Deuses Astronautas?", o filme poderia muito bem se chamar "Serão os Neoliberais Aliens?". Essa abordagem político-social aproxima "Eles Vivem" de outra interessante obra de ficção científica que também deveria provocar o mesmo tipo de reflexão nas pessoas: "Matrix", dos irmãos Wachowsky.

A famosa criatividade do diretor atinge neste filme seu ponto máximo. Suas idéias para cortar os custos da produção são brilhantes e só atuam em favor da trama, sem nunca deixar o filme muito falso ou mesmo excessivamente tosco. O fato de as cenas com efeitos especiais serem filmadas em preto e branco, um evidente recurso para gerar economia, apenas aumenta a sensação de estranheza, garante boas risadas e também algum suspense, principalmente no segundo ato durante o qual o protagonista vai ter que tentar convencer outras pessoas sobre a "verdade" que os cerca.

Temos aí uma das mais divertidas e inacreditáveis cenas do filme, exatamente quando ele tenta fazer outro operário (o ótimo Keith David, que já havia trabalhado com Carpenter em "O Enigma de Outro Mundo") a usar seus óculos. Como ele recusa, só resta aos dois saírem na porrada em uma seqüência de troca de "gentilezas" que dura vários minutos e termina de forma extremamente cômica!

Dentro de sua carreira repleta de altos e baixos, "Eles Vivem" certamente figura entre os trabalhos mais inspirados do diretor John Carpenter, que sabe como poucos tirar proveito máximo do formato widescreen, e vai agradar qualquer um que goste de ficção científica e de filmes engajados politicamente. Veja, reflita e divirta-se!

Cotação: * * * *

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Filmes: Batman Begins versus O Cavaleiro das Trevas

Ontem eu revi o "Batman Begins" e achei melhor do que quando vi no cinema. Acho que, podendo controlar o volume do som (que em algumas cenas é ensurdecedor) e da música (idem) a experiência ficou mais agradável.

Notei três coisas:

1) O primeiro filme acaba sendo mesmo melhor que o segundo. Tem mais história, mais profundidade, drama humano e humor. É espantoso como o excesso de barulho nos cinemas me deixou atordoado ao ponto de impossibilitar que eu entrasse no clima do filme. O segundo, embora solucione alguns problemas do primeiro, fica muito centrado na figura do Coringa que, mesmo sendo perturbadora, é unidimensional e raso - é apenas um vilão que quer fazer maldades.

2) A voz fodona do Batman é totalmente feita eletronicamente, a partir da fala original do Christian Bale. O que deixa tudo ainda mais ridículo, já que não é mesmo possível alguém falar naquela tom de voz gutural, porém alto e forte. Não seria mais lógico mostrar então o Bruce Wayne usando um tipo de aparelho que distorce sua voz no uniforme para não ser reconhecido? E no primeiro filme esse recurso não chega a incomodar, pois é usado mais contidamente, ao contrário do segundo, onde exageram ao ponto do grotesco.

3) Existem dois tipos de música no filme. Uma, óbvia, monocórdica e barulhenta composta pelo abominável Hans Zimmer para as cenas de ação e suspense que é puro delírio de testosterona, barulho mesmo. Até funciona junto com as imagens, porém é quase insuportável fora do filme (como 99% do que mr. Zimmer compõe, por sinal). Outra, mais contida e melódica, composta pelo James Newton Howard para as cenas mais intimistas ou dramáticas. Os dois estilos de composição são gritantemente opostos e não combinam. Uma salada de péssimo gosto. Imaginem só que o um bom compositor faria para esses filmes? Bola fora do diretor...

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Filme: "Batman - O Cavaleiro das Trevas"

MELHOR, MAS NEM TANTO

Filme não chega a ser essa obra-prima toda que estão dizendo. Não que seja ruim. Mas está distante do quadrinho de Frank Miller, no qual é supostamente inspirado.

- por André Lux, crítico-spam

Eu fui um dos que não ficaram muito entusiasmados com a nova leitura do personagem proposta pelo diretor Christopher Nolan em “Batman Begins” (leia aqui minha análise). Ok, o filme tinha muitas qualidades e era realmente superior aos de Tim Burton e Joel Schumacher (que variavam do medíocre ao puramente grotesco). Só que esbarrei também em vários problemas que depunham contra ele.

Parte desses defeitos foi solucionada em “O Cavaleiro das Trevas”, o que torna a continuação bem mais satisfatória. Assim, diferente do primeiro filme, o desenho de produção hiper-realista mantém-se coerente durante toda a projeção e as perseguições e lutas exageradas dão lugar a seqüências menos mirabolantes e bem mais verossímeis.

Ajuda muito também a caracterização perfeita do diabólico Coringa, que é literalmente encarnado por Heath Ledger, um ator que até então nunca convenceu. Coitado, foi morrer logo quando finalmente demonstrou talento! O tênue limite entre a loucura e a obsessão sugerido no relacionamento entre ele e o Batman é bem orquestrado e chega a perturbar. Assim como a ascensão e queda do promotor Harvey Dent (o carismático Aaron Eckhart), embora sua caracterização como o “Duas Caras” tenha ficado um pouco exagerada e sua mudança de comportamento não seja plenamente justificada no roteiro.

Mas, infelizmente, nem tudo são flores. Vários dos problemas do filme original não foram solucionados e outros foram adicionados. Chrstian Bale continua neutro como Bruce Wayne e, ao vestir a fantasia do homem-morcego, insiste em usar aquela voz de “machão nervoso sussurante” totalmente inconvincente e por vezes ridícula - principalmente quando ele está conversando com alguém que já conhece a sua identidade secreta! E, ainda que tenham tentado criar uma roupa mais leve e flexível, o Batman continua duro e pesado, forçando suas cenas de luta a serem truncadas na edição para esconder esse fato.

A trilha musical de Hans Zimmer e James Newton Howard (cujos "estilos" de composição não casam) até funciona com as imagens, mas é óbvia, pesada demais, sem nuances e não acrescenta nada ao drama dos personagens. Pelo contrário.

Não entendi também porque trocaram a sem graça Katie Holmes do original pela esquisita e igualmente sem graça Maggie Gillenhall. Isso é uma burrice que nunca funcionou em qualquer outro filme. Deveriam ter mantido a mesma atriz, inventado outra personagem para servir de interesse romântico ou, já que iam trocar mesmo, escolher uma atriz mais bonita e carismática para compensar. Do jeito que ficou não faz sentido e ainda atrapalha o resultado final.

Também não gostei nem um pouco da bat-moto, que em várias cenas balança perigosamente e parecia ser bem lenta e difícil de manobrar (o que não conseguem esconder nem apelando para uma montagem rápida das tomadas!). Até ele usá-la em uma emergência, vá lá. Mas depois, quando tem que correr contra o relógio de um lado para o outro para salvar vidas, não cola.

Sei que vão me chamar de mal-humorado, mas tudo bem. Não tenho como mudar minha opinião sobre o filme por causa do que outros pensam dela. Eu queria muito gostar de “O Cavaleiro das Trevas”, mas no final das contas, o filme não chega a ser essa obra-prima toda que os profissionais da opinião estão dizendo. Não que seja ruim, longe disso. Mas ainda está distante do quadrinho de Frank Miller, no qual é supostamente inspirado.

Cotação: * * * 1/2

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Filme: "WALL-E"

INGENUIDADE E HIPOCRISIA

Disney e Pixar transformam a luta pelo meio-ambiente em mais um produto que gere lucro aos seus acionistas e investidores

- por André Lux, crítico-spam

“Wall-E” é um filme-mensagem, daqueles em o que deve prevalecer na cabeça do espectador é o conteúdo que os realizadores acreditam ser importante para conscientizá-lo.

Raros são os filmes desse tipo que têm sucesso com intenções tão pretensiosas. “Wall-E”, infelizmente, não é um deles.

Navegando na atual onda politicamente correta de “salvem o meio-ambiente”, a nova animação digital da Pixar começa de forma exemplar. Mostra a Terra já arrasada pela poluição e pelo lixo, onde os únicos habitantes são um robô de reciclagem e uma barata.

Depois de mais de 700 anos trabalhando, o robô já produziu pilhas de material reciclado da altura de prédios. O visual hiper-realista dessas seqüências é realmente impressionante e estarrecedor.

E, como acontece com todas as máquinas em filmes de ficção científica, Wall-E começa a desenvolver emoções humanas vendo filmes antigos e coletando tranqueiras. Ao ponto dele querer “namorar” uma robô-fêmea que aterrissa no planeta em missão secreta. Quando ela volta para o espaço, Wall-E consegue segui-la agarrando-se à nave e viaja pela imensidão do cosmos em seqüências cuja beleza é de levar lágrimas aos olhos.

Se terminasse por aí, a animação seria memorável pela coragem e competência dos realizadores em mostrar um futuro terrível (e plausível) para a Terra num filme infantil e por conseguirem manter o interesse e o ritmo sem qualquer diálogo. Pena que o filme tem que prosseguir e, a partir daí, exponha um roteiro sem saída e as intragáveis lições de moral made in róliudi, que balançam entre o ingênuo e o simplesmente hipócrita.

Tudo descamba quando os robôs chegam ao destino, que nada mais é do que a gigantesca nave em que se refugiou a população da Terra (leia-se: os estadunidenses), reduzida agora a milhares de pessoas obesas e idiotizadas que passam o dia deslizando em cadeiras flutuantes enquanto assistem anúncios em uma TV virtual que fica grudada em suas caras, sem ter qualquer contato humano (o que faz a gente se perguntar de onde vêem os bebês que aparecem no filme). Além de ser ofensiva aos mais gordinhos, a “lição” contida no filme também expõe a esquizofrenia desses produtos típicos do sistema da indústria cultural estadunidense.

Ao mesmo tempo em que deixa claro que a Terra foi destruída pela ganância sem freios do sistema capitalista e mostra o quanto é horrível a situação na qual se encontra a população da Terra (que nada mais é do que o sonho neoliberal da sociedade dos “idiotas consumidores” elevado à décima potência), “Wall-E” não passa de um produto destinado a gerar imenso lucro com a venda infinita de camisetas, copos, joguinhos e sabe-se quantas outras tranqueiras que, usando a mesma lógica do filme, só vão ajudar a deixar o planeta ainda mais poluído e as pessoas mais imbecilizadas.

Lembre-se que “Wall-E” é um produto da Disney, mega-corporação que construiu seu patrimônio fabricando e vendendo ilusões aos jovens. E o que é a nave dos gordinhos senão uma Disneylândia levada aos extremos?

Essa esquizofrenia conceitual simplesmente implode “Wall-E”. E mostra de maneira clara o quanto a indústria cultural dos EUA é mestre em utilizar a velha máxima do “se não pode com ele, junte-se a ele”, por meio da qual conseguem até vender biquínis de grife estampados com a foto do Che Guevara.

No caso do filme em questão, simplesmente pegaram a luta justa e necessária em favor da salvação do meio-ambiente e a transformaram em mais um produto que gere lucro aos seus acionistas e investidores, sempre ávidos para ampliar suas já bilionárias contas bancárias.

Mas não sejamos injustos. Temos que entender o motivo de precisarem acumular tanta riqueza: eles precisam garantir desde já seus lugares na nave que vai fugir da Terra quando o planeta estiver à beira da destruição. Azar de quem ficar para trás...

Cotação: * *