É impossível não perceber as semelhanças entre o julgamento
de cartas marcadas do filme e a perseguição feita contra Lula e o Partido dos
Trabalhadores no Brasil.
- por André Lux
Não poderia ser mais oportuno o lançamento na Netflix de “Os
7 de Chicago”, novo filme do diretor e roteirista Aaron Sorkin (“A Rede Social”).
A obra, baseada em fatos reais acontecidos nos EUA em 1968, mostra de forma didática
como a “justiça” pode e é usada para perseguir e condenar adversários dos donos
do poder.
O termo usado para essa prática é “Lawfare”, junção da
palavra “law” (lei) e o vocábulo “warfare” (guerra) que significa “guerra
jurídica”. Ou seja, uso ou manipulação das leis como um instrumento
de combate a um oponente desrespeitando os procedimentos legais e os direitos
do indivíduo que se pretende eliminar.
É impossível não perceber as semelhanças entre o julgamento
de cartas marcadas a que foram submetidos os réus retratados em “Os 7 de
Chicago” e a perseguição feita, por exemplo, pela Lava Jato e o ex-juiz Sérgio
Moro contra Lula e o Partido dos Trabalhadores aqui no Brasil.
Quem acompanhou de maneira minimamente sensata o julgamento
do ex-presidente Lula sabe que ele já havia sido condenado antes mesmo do
processo ser iniciado, sobrando para o ex-juiz Moro apenas conduzir um teatro
grotesco que desrespeitou todos os direitos constitucionais do acusado,
inclusive ignorando provas apresentadas pela defesa e impedindo até que seus advogados
falassem.
É exatamente isso que testemunhamos durante a projeção de “Os
7 de Chicago”, onde o desfecho do julgamento já havia sido decidido meses antes
no gabinete do Procurador Geral da República logo após a posse do novo
presidente dos EUA, Richard Nixon. Assim, toda e qualquer manifestação da
defesa ou dos réus era sumariamente ignorada e até rechaçada pelo juiz Julius
Hoffman, que hoje está na lata do lixo da História como tantos outros iguais
a ele.
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Juízes Hoffman e Moro: na lata do lixo da História
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O filme é tecnicamente brilhante e conta com um elenco excelente,
onde os destaques ficam para Sacha Baron Cohen (isso mesmo, o “Borat”!),
certamente em sua melhor e mais contida atuação, e o veterano Frank Langella
como o famigerado juiz Hoffman, numa performance precisa e deveras enervante. O
único ponto baixo é Mark Rylance, ator queridinho do Spielberg por uns tempos,
mas que é muito fraco, fala sempre para dentro e não convence nunca como o
advogado do grupo.
Mas nem tudo são flores. A direção é titubeante,
especialmente quando tenta imprimir um ar dinâmico e cômico no início do filme
que não cabe num assunto tão pesado e sério como esse. Só quando o personagem
do co-fundador dos Panteras Negras Bobby Seale é amarrado e amordaçado em pleno
tribunal é que o cineasta parece se dar conta da seriedade do tema e deixa de
lado essa aproximação farsesca que tenta a toda hora tirar sorrisos marotos do
espectador.
O roteiro também peca em alterar os fatos reais de maneira ingênua
numa tentativa de gerar catarse e emoções fáceis. Principalmente quando quer “humanizar”
o procurador Richard Schultz (feito por Joseph Gordon-Levitt) que agiu como um
verdadeiro carrasco durante o julgamento, mas no filme é pintado como uma
pessoa sensível e sensata. E no discurso final de um dos réus, algo que destoa
completamente da realidade e só serve para tentar transformar sem sucesso a obra
em um novo “Sociedade dos Poetas Mortos”. Mas esses problemas não chegam a
incomodar tanto e o filme mantém a dignidade e importância.
Chega a ser vergonhoso ler e assistir às inúmeras análises
do filme em questão feitas por profissionais da opinião daqui, nas quais
destacam o absurdo do julgamento de cartas marcadas e o quanto esse tipo de
prática prejudica e pode até destruir a democracia. Porém, praticamente nenhum
deles traça o óbvio paralelo com o tratamento dado pela “justiça” ao
ex-presidente Lula, muitos certamente por não serem capazes de enxergarem as
semelhanças e outros certamente por não terem coragem de se posicionar.
Mas o pior mesmo são aqueles que só ficam indignados quando esse
tipo de prática espúria ocorre em solo estrangeiro, enquanto aqui batem palmas
para o arbítrio quando é praticado contra alguém que não gostam. Ou seja, ficar
apontar as injustiças absurdas num julgamento que ocorreu há mais de 50 anos em
outro país é fácil. Já traçar os paralelos com o que acontece hoje embaixo dos
nossos narizes, aí não é só pra quem tem coragem.
É por causa dessas pessoas que tipos como os juízes Hoffman
e Moro florescem e conseguem transformar a Justiça em um show de horrores que,
em última instância, corrói a democracia por mínima que seja e leva ao poder
figuras grotescas como Hitler, Trump e Bolsonaro.
Cotação: * * * 1/2