terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Retorno de George Clooney à direção deixa a desejar em “O Céu da Meia-Noite”

- por André Lux

George Clooney volta à direção neste filme baseado na obra “Good Morning, Midnight”, de Lily Brooks-Dalton. Ele tem uma carreira sólida como cineasta, com boas obras como “Tudo Pelo Poder” e “Boa Noite e Boa Sorte”, porém aqui não conseguiu um bom resultado.

A direção é frouxa e desperdiça uma ótima premissa do gênero ficção-científica, abordando o que seria o fim do mundo com a humanidade tendo que fugir para um outro planeta próximo de Júpiter. Clooney também atua como um sujeito misterioso que opta por ficar para trás numa estação científica no meio Ártico, ao que parece por estar sofrendo de uma doença terminal.

Aos poucos, porém, descobrimos que o motivo dele é outro e aí o filme começa a apresentar duas tramas paralelas que ao invés de somar ao resultado final, acabam subtraindo. Uma envolve um cientista jovem obcecado com o trabalho às voltas com um relacionamento afetivo e a outra mostra uma nave que está voltando para a Terra depois de explorar o mundo para o qual a humanidade quer habitar.

Essas três tramas são muito mal encaixadas e deixam o filme tolo, especialmente a que foca nos astronautas e que apela para clichês irritantes, como quando saem para fora da nave para tentar consertar avarias provocadas por uma chuva de asteroides, numa cena alongada onde agem como amadores, perdendo tempo brincando e cantando enquanto esperamos pela inevitável tragédia.

O mesmo acontece com o personagem de Clooney o qual decide viajar para outra estação científica no meio de uma forte nevasca usando um simples trenó motorizado, o que vai trazer toda sorte de problemas.

O que poderia ter sido um bonito filme contemplativo e poético, acaba se tornando uma aventura arrastada e imemorável, repleto de situações forçadas para alongar a trama além da conta. Assim, quando o real motivo do protagonista ter ficado para trás é revelado, no que deveria unir as três tramas, já estamos entediados e sem paciência para nos preocuparmos com o destino dos personagens.

É uma pena, pois a produção é luxuosa, os efeitos especiais são satisfatórios e a música de Alexander Desplat acaba sendo a melhor coisa do filme.

Cotação: * *

“Let Him Go” desperdiça a dupla Kevin Costner e Diane Lane

- por André Lux

É uma decepção esse filme que desperdiça os veteranos Kevin Costner e Diane Lane, novamente atuando como marido e esposa (igual fizeram no horrível “Homem de Aço”).

A trama gira em torno do casal tentando encontrar o neto que sumiu depois que a ex-esposa do filho deles casou-se com um sujeito agressivo, oriundo de uma família de “caipiras” violentos comandados por uma matriarca que beira a psicopatia (numa atuação caricata ao extremo de Lesley Manville).

O roteiro é baseado num livro e tenta unir drama familiar com suspense e até terror, mas falha ao apelar para clichês do gênero e, pecado dos pecados, faz os protagonistas agirem como perfeitos idiotas numa situação que obviamente poderia descambar para uma cilada. Isso é mais grave levando em conta que Costner faz o papel de um xerife aposentado, ou seja, certamente tomaria medidas preventivas para impedir os fatos trágicos que ocorrem, mesmo porque já sabia que estavam lidando com gente perigosa.

Isso deixa “Let Him Go” irritante e implode qualquer tentativa de empatia com os personagens que perseguem uma causa nobre, porém não dá para engolir a maneira abestalhada com que agem e o filme caminha até a conclusão óbvia sem provocar emoções.

Cotação: **

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

“The Mandalorian”: último episódio da segunda temporada enfim traz alguma emoção genuína

“O Resgate” põe fim à aventura de Din Djarin com Grogu de forma satisfatória e traz uma surpresa que vai emocionar os fãs de “Star Wars”

- por André Lux

Chega ao fim a segunda temporada de “The Mandalorian” com um episódio que enfim trouxe emoções genuínas para uma série que deixou muito a desejar nesse quesito. Quem está lendo minhas análises sabe que sou grande apreciador de “Star Wars” (exceto da trilogia “prequel” que é um horror), porém não fui um dos que ficaram muito empolgados com essa série. A tentativa de misturar os gêneros faroeste, samurais e ficção científica, como fez Lucas na trilogia original, não deu muito certo principalmente pelo fato de não conseguirem definir se o protagonista era um caçador de recompensas frio e durão ou um sujeito de coração mole meio atrapalhado (a trilha musical péssima também não ajudou).

A duas temporadas giraram em torno da relação dele com Grogu (o bebê Yoda) cuja carreira e reputação o mandaloriano colocou em risco para o proteger sem motivos bem definidos, o que deixou toda a série capenga e repleta de situações incoerentes. O fato de vários episódios terem sido meros “fillers” (ou encheção de linguiça como dizem aqui) não contribuiu. Só nos últimos episódios das temporadas é que a ação voltou para a trama principal e a série começou a se conectar com o universo Star Wars que gostamos tanto de ver, abrindo caminho para se conectar com a trilogia “sequel” recém-lançada pela Disney nos cinemas.

Este último, “O Resgate”, põe um fim à aventura de Din Djarin (Pedro Pascal) com o Grogu de forma satisfatória, trazendo de volta a personagem Bo-Katan (Katee Sackhoff) que se une aos outros para invadir a nave de Moff Gideon (Giancarlo Esposito) e salvar o bebê Yoda. As cenas de luta e ação não chegam a ser inventivas, com os heróis não tendo muita dificuldade para atingir seus objetivos, nem mesmo quando o mandaloriano tem que enfrentar Gideon e seu dark saber.

A grande surpresa se dá com a chegada de um Jedi à luta, ninguém menos que o próprio Luke Skywalker, que destrói os “dark troopers” com seu sabre de luz até chegar à ponte. Não tem como não se emocionar com essa cena, ainda mais quando Luke se revela na forma de um Mark Hamill digitalizado para parecer mais jovem (o que ainda não é totalmente convincente).

A despedida entre Din Djarin e Grogu é emotiva também e a segunda temporada se encerra de maneira anti-climática, afinal vai ficar estranho acompanhar o protagonista sem seu companheiro que era justamente o que dava significado à série. Com o grande número de novas produções baseadas em “Star Wars” anunciadas pela Disney recentemente, vai ficar difícil manter o interesse no mandaloriano, um personagem por demais vazio e raso para despertar paixões tendo em vista que agora temos vários outros muito mais queridos pelos fãs.

Neste episódio há também uma cena extra depois dos créditos que mostra o Boba Fett voltando a Tatooine para reclamar o trono do Jabba, o Hutt, onde é anunciada também uma série exclusiva dele. Uma coisa é certa: os fãs de Star Wars não tem do que reclamar. Vai ser engraçado, todavia, observar a reação dos “haters “da trilogia “sequel” a essas séries que se conectam a ela e que eles tanto louvam até agora...

Cotação: ****

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

“The Mandalorian”: Capítulo 15 retorna ao padrão de “encher linguiça” da série

A maior surpresa desse episódio é o fato de o protagonista tirar o capacete e mostrar o rosto

 - por André Lux

Depois de quatro episódios excelentes, “The Mandalorian” dá uma recaída com esse “The Believer” que é basicamente um “filler”, ou seja, um daqueles que servem mais para “encher linguiça” do que para dar sequência ao enredo principal.

Novamente temos um roteiro que parece cópia de outro, no caso o capítulo 12, onde novamente precisam invadir uma antiga base do império agora para pegar informações sobre o paradeiro do cruzador imperial de Moff Gideon (que raptou o bebê Yoda).

A maior surpresa aqui é o fato de o protagonista tirar o capacete e mostrar o próprio rosto, numa tentativa de mostrar que o afeto que sente pelo pequeno Grogu é maior do que sua fé no credo Mandaloriano. Não chega a ser muito convincente e parece ter sido inventada de última hora para Pedro Pascal poder mostrar a cara (boatos afirmam que o ator estava descontente com o fato de ter que ficar sob a máscara o tempo todo).

Pedro Pascal mostra a cara

Não que o episódio seja ruim, porém é esticado além da conta, com os personagens passando por inúmeros ataques e peripécias até chegar ao desfecho óbvio. O autor Jon Fraveau poderia ter resolvido a questão mais rápido e adicionado cenas mais impactantes à trama principal, já que esse é o penúltimo capítulo da segunda temporada.

Cotação: * * *

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

“The Mandalorian”: 14º capítulo é o melhor dirigido até agora

O maior defeito deste sexto episódio da segunda temporada de é ser muito curto

- por André Lux

O maior defeito deste sexto episódio da segunda temporada de “The Mandalorian” é ser muito curto, pouco mais do que 30 minutos. Intitulado “A Tragédia”, certamente fica entre os melhores da série que finalmente começou a empolgar depois de uma primeira temporada medíocre e um início bem fraco dessa atual temporada.

Mas parece que os criadores Jov Fraveau e David Filoni prestaram atenção às maiores críticas dos fãs de Star Wars e passaram a criar enredos mais bem escritos e com maior ligação ao universo da franquia, seja ele o dos filmes ou do universo expandido.

Esse 14º capítulo começa em plena ação com o mandaloriano aterrizando no planeta Tython onde deixa Grogu (o bebê Yoda) num antigo templo Jedi. Ele logo se conecta com a Força no que deve ser um chamado a outros Jedis ainda vivos, mas em seguida ninguém menos do que Boba Fett chega na Slave 1 para reaver sua armadura.

Infelizmente esse é o personagem feito pelo ator Temuera Morrison tal qual apresentado no lamentável episódio 2, “O Ataque dos Clones”, das horríveis “prequels” de Star Wars. Já que não tem como fingir que elas não existiram, melhor relevar e aceitar. Pelo menos mostram Boba Fett de um modo bastante agressivo e selvagem, arrebentando stormtroopers com sua clava dos Tusken.

O episódio foi dirigido pelo prestigiado Robert Rodriguez, cineasta mexicano bastante irregular, mas que tem pleno domínio da técnica e isso fica evidente aqui. “A Tragédia” é de longe o mais dinâmico e bem dirigido da série, com destaque positivo também para a direção de fotografia e uso de locações reis na ação.

Vamos torcer para que a série continue melhorando e realmente se torne uma entrada realmente memorável no universo Star Wars. Mas fica sempre a pergunta: por que não fizeram isso antes?

Cotação: * * * 1/2

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

“The Mandalorian”: Capítulo 13 confirma que a série finalmente começa a mostrar a que veio

A melhor coisa do episódio é obviamente a participação de Ahsoka Tano, personagem criado por David Filoni em “Clone Wars”

- por André Lux

Enfim “The Mandalorian” começa a mostrar a que veio com dois ótimos episódios em sequência que trazem a emoção que faltava até agora e um fan service inteligente, além de mover o enredo adiante introduzindo personagens já conhecidos e outros novos.

Finalmente temos algumas explicações sobre o “bebe Yoda”, cujo nome é revelado ser Grogu e que era treinado pelos Jedi em Coruscant antes de Palpatine tomar o poder e o Império Galáctico surgir. Ou seja, não é um clone do Yoda como todos imaginavam.

A melhor coisa do episódio é obviamente a participação de Ahsoka Tano, personagem criado por David Filoni (aqui atuando como diretor também) em “Clone Wars”, que é uma ex-Jedi em busca de vingança contra um famoso imperial do universo expandido. Vamos ser sinceros: qualquer coisa passada no universo Star Wars fica melhor com alguém empunhando um sabre de luz e Ahsoka faz isso muito bem! A atriz Rosario Dawson está bem no papel, fator que deixa tudo ainda melhor. Também foi legal rever Michael Bihen (de “Exterminador do Futuro” e “Aliens”) como um mercenário. E o mandaloriano novamente tem boas cenas de luta e não age como um tolo caindo em armadilhas, embora fique cada vez mais claro que ele está virando um coadjuvante na própria série.

Infelizmente a estrutura do episódio é a mesma de sempre, com Mando sendo obrigado a participar de uma aventura secundária para conseguir que seus objetivos sejam atendidos. Também me parece bastante forçado o fato de que qualquer material feito com Beskar consiga resistir inclusive aos poderosos sabres de luz, o que levanta imediatamente a pergunta: por que diabos o Império não produziu armaduras para seus stormtroopers com tal material, algo que os deixaria obviamente indefensáveis? Sei que vai aparecer alguém justificando que Beskar é algo raro de se encontrar, mas certamente o Império não mediria esforços para coletá-lo dos quatros cantos do universo!

Fica difícil de entender porque os idealizadores da série demoraram tanto para finalmente começar a produzir episódios interessantes ao invés de perder tempo com enredos fracos e inconsequentes. Já estamos no quinto episódio de uma segunda temporada que terá apenas oito e só agora as coisas começam a esquentar. Até agora a série focou no protagonista sem desenvolve-lo ou apresentar qualquer arco para sua jornada – não ficou claro até agora porque ele está tão empenhado em salvar o pequeno Grogu, algo que vai contra a sua caracterização de mercenário estoico apresentada desde o início.

Enfim, antes tarde do que nunca! Vamos ver quais surpresas nos reservam para o futuro.

Cotação: ****

 

terça-feira, 24 de novembro de 2020

“The Mandalorian”: Capítulo 12 é o melhor da série até agora

Episódio mantém basicamente a mesma estrutura da maioria e tem os mesmos defeitos, porém o roteiro aqui faz toda a diferença

- por André Lux

O capítulo 12 de “The Mandalorian” (quarto da segunda temporada) é de longe o melhor episódio da série até agora. O mais interessante é que ele mantém basicamente a mesma estrutura da maioria e tem os mesmos defeitos, porém o roteiro aqui faz toda a diferença.

“O Cerco” também é construído como mais uma “side quest” da aventura principal, com o protagonista novamente tendo que participar de uma aventura aleatória enquanto sua nave é reparada no porto do planeta Navarro. E, como sempre, “Mando” desfila com o bebê Yoda à luz do dia pela cidade e o deixa sozinho no que seria uma escola sem qualquer tipo de proteção, comprovando que inteligência não é mesmo seu forte.

Felizmente a missão é numa antiga base imperial que deveria estar abandonada, mas que revela pistas interessantes sobre os motivos que levariam os imperiais a estarem atrás da criança, algo que deixa o episódio bem melhor construído em relação aos temas principais da série.

Este capítulo conta com uma ótima direção de Carl Weathers, que também atua como Greef Karga, deixando a narrativa enxuta e as inúmeras cenas de ação cheias de suspense e emoção (algo que faltava na série). Os efeitos visuais também são excelentes e é muito bem vinda a volta dos personagens secundários Karga, Cara Dune (que é um homem de saias como são caracterizadas quase todas as mulheres criadas por roteiristas homens em filmes de aventura) e Moff Gideon (Giancarlo Esposito, sempre ameaçador). E finalmente o nosso protagonista atua de maneira heroica e convincente sem precisar ser salvo por terceiros no último instante.

Tomara que os próximos episódios mantenham a qualidade e a série caminhe para algo mais relevante.

Cotação: * * * *

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

"The Mandalorian": capítulo 11 enfim move o enredo para frente e eleva o nível da temporada 2

Embora tenha essa a boa notícia, episódio traz vários dos mesmos defeitos que atrapalham a série desde o início

- Por André Lux

Enfim melhora a segunda temporada de “The Mandalorian” com um episódio que finalmente move o enredo (um pouco) para frente, introduzindo uma personagem importante das animações “Clone Wars” e “Rebels” chamada Bo-Katan que também é mandaloriana e tem planos de retomar o trono do planeta natal deles (por isso o episódio tem o nome de “A Herdeira”). Pena que ela é feita por Katee Sackhoff (que fazia a voz dela nas animações e foi Starbuck na nova adaptação de “Battlestar Galactica”), uma atriz bonita, porém muito fraca.

Embora tenha a boa notícia de que vai ligar a série ao universo expandido de “Star Wars”, esse 11º capítulo traz vários dos mesmos defeitos que atrapalham “The Mandalorian” desde o início. A começar por ser mais um enredo onde o protagonista é forçado a participar de uma missão contra sua vontade para só depois receber algo que precisa. Essa premissa é a base de 80% da série até agora. Será que não conseguem bolar algo diferente para movimentar a trama?

Não bastasse isso, nosso “herói” novamente age como um perfeito idiota, confiando em personagens no mínimo suspeitos só para cair em emboscada e ser salvo na última hora por terceiros. Sério, se não fossem os benditos “deux-ex-machina” que surgem do nada esse mandaloriano já estaria morto faz tempo! Isso enfraquece demais um personagem que tentam pintar como inteligente e preparado para enfrentar qualquer situação, mas que a cada episódio toma decisões risíveis e coloca ele mesmo e sua preciosa companhia em situações mortais sem necessidade ou justificativa.

Neste episódio ao menos a ação é mais interessante e, como disse, conta com a participação de personagens com ligação ao que seria a trama principal da série, fazendo menção a acontecimentos importantes da primeira temporada e mostrando novamente Moff Gideon (Giancarlo Spositto) e seu sabre de luz negra.

Mas ainda é pouco para uma série que terá apenas oito episódios de curta duração e já queimou três capítulos sem praticamente avançar o enredo para além das “side quests”. Fica cada mais forte a impressão que “The Mandalorian” tem como objetivos maiores jogar a maior quantidade possível de “fan service” para ludibriar os fanáticos enquanto abre as portas para gerar outras séries a partir dos novos personagens que estão sendo introduzidos na série.  

Cotação: * * *

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

“The Mandalorian”: capítulo 10 é outro que sai do nada e chega a lugar algum

Episódio é daqueles que não avança a trama abordando uma aventura secundária

- por André Lux

“O Passageiro”, segundo episódio da temporada 2 de “The Mandalorian”, segue o padrão “encheção de linguiça” da série, começando onde terminou o outro, porém sem avançar a trama quase nada, abordando novamente uma aventura secundária. É igual RPG onde você tem uma “busca” principal, mas antes de chegar a ela tem que passar por diversas sub-buscas que deixam o enredo principal praticamente parado.

Isso não seria um problema em si caso essas aventuras secundárias fossem realmente interessantes ou ao menos ajudassem a desenvolver o caráter dos personagens principais. Mas, não. Aqui é mais do mesmo, com o roteiro novamente indeciso entre pintar “Mando” (apelido lamentável) como um mercenário implacável e impiedoso ou um guerreiro autruista.

No início do episódio ele é atacado por um bando que quer pegar o “baby Yoda” e despacha todos sem muita cerimônia (e inexplicavelmente perambula pelo deserto lentamente mesmo tendo um jet-pack que o faz voar). Mas, depois aceita transportar um passageiro em sua nave colocando toda a missão em risco sem a menor explicação. Por que ele fez isso? A informação que precisava já havia sido dada, portanto não precisaria ceder às exigências. Se seguisse a caracterização que gostariam de imprimir ao personagem ele teria dito apenas: “Já sei o que preciso, danem-se suas exigências” e partiria.

E novamente a incapacidade dele em fazer escolhas coerentes (leia-se: estupidez) faz com que sua nave seja perseguida e se esborrache num planeta gelado, onde são atacados por aranhas alienígenas numa sequência bem feita, porém repleta de clichês culminando com eles sendo salvos por um tremendo “deus-ex-machina”. O mais espantoso é que os seus salvadores simplesmente abandonam “Mando” e seus passageiros no planeta mesmo sua nave estando toda esbodegada! Sorte que ele consegue consertar ela em cinco minutos usando apenas seu maçarico...

Chega a ser cômico ver muitos fãs de Star Wars tratando “The Mandalorian” como se fosse algo do nível de um “O Império Contra-Ataca”, tamanha a necessidade de continuar justificando seu ódio pela trilogia sequel a qual, mesmo com todos seus defeitos, é mil vezes melhor que essa série.

Agora é esperar pra ver se a série anda no próximo episódio ou vai ser apenas mais uma aventura secundária repleta de citações aos filmes originais e cenas inúteis com o “baby Yoda” fazendo gracinhas para ajudar a vender bonecos.

Cotação: * *

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

“Tenet” é mais um pastel de vento indigesto do cineasta Christopher Nolan

Filme seria aprazível se fosse possível desligar o cérebro, porém o diretor faz questão de impedir isso com a edição picotada, barulho infernal e a insistência em chamar a atenção para si mesmo

- por André Lux

Eu fico impressionado com a capacidade que o diretor e roteirista Christopher Nolan tem de criar tramas rocambolescas e imagens grandiosas que, no final das contas, não significam absolutamente nada. Quase todos os filmes dele são assim: tecnicamente brilhantes e com roteiros aparentemente complexos, mas totalmente rasos de emoção ou significado. Mais ou menos como um belíssimo e indigesto pastel recheado de... vento.

E seu novo filme, “Tenet”, não é exceção. São 2h30 de projeção durante a qual somos bombardeados com exposição pesada sobre a trama no meio de explosões, brigas, perseguições e trombadas com efeitos sonoros e música no último volume. Tudo isso com o objetivo de impedir que a plateia pense e perceba o quanto tudo não faz o menor sentido. A maior pista desse tipo de engodo se dá quando um dos personagens tenta explicar o que está acontecendo e no meio brinca com o fato de que não dá pra entender nada. “Já ficou com dor de cabeça?”, ironiza Neil (Robert Pattinson) numa das várias sequências como essa.

“Tentet” tem uma premissa interessante, no que nada mais é do que uma ficção científica misturada com filme de espionagem, onde supostos agentes do futuro bagunçam a realidade atual basicamente invertendo a entropia dos objetos e deles mesmos. Ou seja, andam de trás pra frente no tempo. Ao que tudo indica, Nolan um dia pensou: “Não seria o máximo um filme onde os personagens andam para trás enquanto o resto do mundo se move pra frente - e vice-versa?” e a partir daí começou a tentar escrever um enredo em volta dessa ideia.

Só essa premissa já seria suficiente para deixar todo mundo confuso. Mas, não satisfeito, Nolan deixa o enredo ainda mais obscuro e enfia um monte de informações incompletas, explicações pseudo-científicas e diálogos empolados para confundir mais as pessoas, tática velha de artistas apaixonados pelo próprio ego que querem parecer mais inteligentes do que realmente são, manipulando a plateia a concluir: “Não entendi nada, portanto o filme é genial!”.

Infelizmente, esse truque manjado ainda funciona, basta ver o prestígio que tal cineasta mantém, principalmente entre os críticos. Alguns praticamente pedem desculpas por não terem gostado muito deste filme, como medo de serem chamados de burros e, por isso, perderem likes e inscritos. Chega a ser constrangedor.

Nolan: "E aí, já ficou com dor de cabeça?"

Nolan desperdiça um excelente elenco, com destaque negativo para John David Washington (filho do Denzel), ator que esteve tão bem em “Infiltrado na Klan”, mas aqui não passa emoção alguma, até porque seu personagem é vazio e nem mesmo nome tem (nos créditos finais é listado como O Protagonista – veja só que genial!). Já Kenneth Branagh se perde em sua enésima caracterização de vilão psicopata histérico, sem qualquer nuance ou verdade. O único que se salva é o Robert Pattinson que esbanja carisma e ao menos tem certa leveza na atuação, algo sempre ausente dos filmes de Nolan, afinal tudo tem que ser super sério e pesado, não se esqueçam!

O músico Ludwig Göransson (de “Pantera Negra” e “The Mandalorian”) compôs a partitura no lugar do habitual de Nolan, o abominável Hans Zimmer que abandonou o amigo para, infelizmente, produzir a trilha do novo “Duna”. Mas não difere muito do que já ouvimos antes nos filmes do diretor: tudo muito barulhento, altíssimo e praticamente sem qualquer tipo de melodia, o que deixa o filme ainda mais irritante e sem emoção, especialmente na grande batalha final, sem dúvida uma das sequências mais alongadas e tediosas da história do cinema. Até as insuportáveis “trombetas do inferno” (FLÓÓÓÓMMMMM!) criadas por Zimmer para “Inception” soam de vem em quando.

“Tenet” até seria aprazível se fosse possível desligar o cérebro e apenas curtir as cenas bem elaboradas, porém Nolan faz questão de impedir isso com a edição picotada ao extremo que deixa tudo praticamente ininteligível e sua insistência em chamar a atenção para si mesmo. “Já está com dor de cabeça?”, parece querer perguntar a cada cinco minutos. Sim, querido, já estamos, está de parabéns!

Cotação: * *

sábado, 31 de outubro de 2020

Adeus, Sean Connery...

Sean Connery, o eterno James Bond, morreu aos 90 anos. Ele faleceu enquanto dormia, na casa em que morava há duas décadas, nas Bahamas. Connery vivia com a esposa de 91 anos, com quem era casado há 45 anos. 


sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Segunda temporada de “The Mandalorian” começa com mais do mesmo

Reciclagem de ideias, excesso de “fan service” e caracterização contraditória do protagonista impedem a série de ser mais do que mediana

- por André Lux

A segunda temporada de “The Mandalorian” começa de forma decepcionante, com um episódio que parece café requentado, além de apelar demais para o “fan service” com um sem número de referências à saga original.

O episódio é chamado de “The Marshal” (O Xerife) e segue os clichês básicos dos faroestes do passado. O Mandaloriano quer encontrar outro da sua seita e acaba novamente em Tatooine, onde descobre um sujeito usando a armadura do Boba Fett, um dos personagens secundários da saga original mais queridos pelos fãs.

Depois de descobrir que o sujeito, feito pelo ator Timothy Olyphant (sorridente demais), não é realmente um mandaloriano, o protagonista exige que ele lhe entregue a armadura e os dois ensaiam um duelo. Mas são interrompidos pelo ataque de um dragão Kayt, certamente a mais evidente referência a Duna jamais vista em Star Wars. Os dois então vão juntar forças para destruir o monstro.

A partir daí a coisa começa a desandar. Primeiro porque o episódio fica praticamente igual a dois da primeira temporada: aquele em que o Mandaloriano tem que salvar uma vila do ataque de saqueadores e o outro no qual precisa matar um tipo de rinoceronte gigante para recuperar as peças de sua nave. Ou seja, é mais do mesmo, com o roteiro seguindo rumos óbvios até o desfecho da ação.

Não há nada relativo a desenvolvimento do protagonista, pelo contrário, parece que não aprendeu nada, já que continua levando o bebe Yoda (que não tem nada a fazer além de parecer fofo) à tiracolo mesmo quando vai enfrentar uma situação de perigo extremo.

As motivações dele continuam obscuras e não fica claro se os roteiristas querem pintá-lo como um sujeito durão e estoico ou um idealista de coração mole. No começo do episódio, por exemplo, ele trata um antagonista de maneira bastante cruel, sádica até, mas depois aceita ajudar a matar o monstro da areia sem mais nem menos. Um cara durão e praticamente invencível como ele conseguiria arrancar a armadura do xerife a força sem muito esforço.

Ao que parece, os criadores da série se empolgaram com a recepção positiva que a série teve e acharam que a melhor coisa para manter o interesse dos fãs é reciclar o máximo possível de ideias que deram certo e enfiar o maior número de “easter eggs” da saga original.

Não que o episódio ou mesmo a série sejam ruins, longe disso. É bem feita, prende a atenção e tem efeitos especiais bem razoáveis. O problema é que quase nunca voa acima do medíocre (a péssima trilha musical não ajuda em nada também). E se optaram por manter esse rumo, certamente vai continuar assim. Vamos torcer para que arrisquem mais daqui para frente.

Cotação: * * 1/2

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

“Os 7 de Chicago” mostra como a “justiça” é usada para destruir os adversários dos donos do poder

É impossível não perceber as semelhanças entre o julgamento de cartas marcadas do filme e a perseguição feita contra Lula e o Partido dos Trabalhadores no Brasil.

- por André Lux

Não poderia ser mais oportuno o lançamento na Netflix de “Os 7 de Chicago”, novo filme do diretor e roteirista Aaron Sorkin (“A Rede Social”). A obra, baseada em fatos reais acontecidos nos EUA em 1968, mostra de forma didática como a “justiça” pode e é usada para perseguir e condenar adversários dos donos do poder.

O termo usado para essa prática é “Lawfare”, junção da palavra “law” (lei) e o vocábulo “warfare” (guerra) que significa “guerra jurídica”. Ou seja, uso ou manipulação das leis como um instrumento de combate a um oponente desrespeitando os procedimentos legais e os direitos do indivíduo que se pretende eliminar.

É impossível não perceber as semelhanças entre o julgamento de cartas marcadas a que foram submetidos os réus retratados em “Os 7 de Chicago” e a perseguição feita, por exemplo, pela Lava Jato e o ex-juiz Sérgio Moro contra Lula e o Partido dos Trabalhadores aqui no Brasil.

Quem acompanhou de maneira minimamente sensata o julgamento do ex-presidente Lula sabe que ele já havia sido condenado antes mesmo do processo ser iniciado, sobrando para o ex-juiz Moro apenas conduzir um teatro grotesco que desrespeitou todos os direitos constitucionais do acusado, inclusive ignorando provas apresentadas pela defesa e impedindo até que seus advogados falassem.

É exatamente isso que testemunhamos durante a projeção de “Os 7 de Chicago”, onde o desfecho do julgamento já havia sido decidido meses antes no gabinete do Procurador Geral da República logo após a posse do novo presidente dos EUA, Richard Nixon. Assim, toda e qualquer manifestação da defesa ou dos réus era sumariamente ignorada e até rechaçada pelo juiz Julius Hoffman, que hoje está na lata do lixo da História como tantos outros iguais a ele.

Juízes Hoffman e Moro: na lata do lixo da História

O filme é tecnicamente brilhante e conta com um elenco excelente, onde os destaques ficam para Sacha Baron Cohen (isso mesmo, o “Borat”!), certamente em sua melhor e mais contida atuação, e o veterano Frank Langella como o famigerado juiz Hoffman, numa performance precisa e deveras enervante. O único ponto baixo é Mark Rylance, ator queridinho do Spielberg por uns tempos, mas que é muito fraco, fala sempre para dentro e não convence nunca como o advogado do grupo.

Mas nem tudo são flores. A direção é titubeante, especialmente quando tenta imprimir um ar dinâmico e cômico no início do filme que não cabe num assunto tão pesado e sério como esse. Só quando o personagem do co-fundador dos Panteras Negras Bobby Seale é amarrado e amordaçado em pleno tribunal é que o cineasta parece se dar conta da seriedade do tema e deixa de lado essa aproximação farsesca que tenta a toda hora tirar sorrisos marotos do espectador.

O roteiro também peca em alterar os fatos reais de maneira ingênua numa tentativa de gerar catarse e emoções fáceis. Principalmente quando quer “humanizar” o procurador Richard Schultz (feito por Joseph Gordon-Levitt) que agiu como um verdadeiro carrasco durante o julgamento, mas no filme é pintado como uma pessoa sensível e sensata. E no discurso final de um dos réus, algo que destoa completamente da realidade e só serve para tentar transformar sem sucesso a obra em um novo “Sociedade dos Poetas Mortos”. Mas esses problemas não chegam a incomodar tanto e o filme mantém a dignidade e importância.

Chega a ser vergonhoso ler e assistir às inúmeras análises do filme em questão feitas por profissionais da opinião daqui, nas quais destacam o absurdo do julgamento de cartas marcadas e o quanto esse tipo de prática prejudica e pode até destruir a democracia. Porém, praticamente nenhum deles traça o óbvio paralelo com o tratamento dado pela “justiça” ao ex-presidente Lula, muitos certamente por não serem capazes de enxergarem as semelhanças e outros certamente por não terem coragem de se posicionar.

Mas o pior mesmo são aqueles que só ficam indignados quando esse tipo de prática espúria ocorre em solo estrangeiro, enquanto aqui batem palmas para o arbítrio quando é praticado contra alguém que não gostam. Ou seja, ficar apontar as injustiças absurdas num julgamento que ocorreu há mais de 50 anos em outro país é fácil. Já traçar os paralelos com o que acontece hoje embaixo dos nossos narizes, aí não é só pra quem tem coragem.

É por causa dessas pessoas que tipos como os juízes Hoffman e Moro florescem e conseguem transformar a Justiça em um show de horrores que, em última instância, corrói a democracia por mínima que seja e leva ao poder figuras grotescas como Hitler, Trump e Bolsonaro.

Cotação: * * * 1/2

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

“Borat 2” é a obra-prima do comediante Sacha Baron Cohen

Filme provoca menos risadas, porém é mais pertinente ao mostrar o estado de loucura no mundo depois que nova onda conservadora se instalou na mente de grande parte da população

- por André Lux, crítico-spam

Nunca achei muita graça no ator Sacha Baron Cohen. Primeiro porque seu estilo de humor histérico e caricato não me atrai muito. E segundo porque sempre me pareceu um sujeito extremamente narcisista e egocêntrico.

Vi o primeiro “Borat” no cinema e, apesar de dar boas risadas, não achei nada genial ou revolucionário como muitos disseram na época. Apenas um filme bobo repleto de “pegadinhas” onde o protagonista agia de forma tosca e ofensiva para provocar reações de choque de seus interlocutores (leia aqui minha análise do filme).

Chega agora “Borat 2” e, rapaz, finalmente o comediante acertou o alvo! Ao que parece Sacha amadureceu e aprendeu a deixar o ego de lado e se concentrar em criar quadros realmente surpreendentes sem que Borat seja o centro das atenções ou apele para provocações baratas ou escatologia (que sobraram no primeiro filme).

Desta vez o autor tem uma missão: desmascarar a hipocrisia, o falso moralismo e a falta de noção da extrema-direita estadunidense, representada de forma máxima hoje na figura do grotesco Donald Trump e seus asseclas mais próximos. Assim, Borat sai do Cazaquistão para tentar agradar o atual mandatário dos EUA a fim de que o ditador de seu país também possa entrar para o “Clube dos Homens Fortes”, cuja lista passa por Putin, Kim Jong-Un e, claro, Jair Bolsonaro. Para isso ele tem que dar de presente sua filha de 15 anos, pois os homens poderosos adoram meninas, segundo explica um dos personagens do filme.

A estrutura de “Borat 2” é bem menos caótica do que a do primeiro longa e acompanhamos as peripécias do protagonista e sua filha inseridos em situações que seriam inacreditáveis caso não fossem reais. Assim, Borat veste a famigerada túnica da Klu-Klux-Klan para entrar despercebido na convenção do partido Republicano. Logo em seguida se disfarça de Trump e sai gritando no meio do discurso do vice-presidente enquanto leva a filha pendurada no ombro.

É de fazer cair o queixo algumas cenas que presenciamos. Como as conversas negacionistas e sobre teorias da conspiração entre Borat e dois “rednecks” do sul dos EUA, quando dizem, por exemplo, que o casal Clinton bebe o sangue de crianças. Ou quando o protagonista canta durante um protesto contra a quarentena lotado de gente segurando metralhadoras e rifles. A canção que diz que “Obama é um traidor que deveria estar preso” e “Jornalistas e cientistas deveriam ser injetados com o vírus de Whan ou esquartejados” recebe aplausos entusiasmados da plateia, que conta inclusive com algumas saudações nazistas.

A cena mais constrangedora e grotesca se dá quando o grande amigo conservador de Trump, Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York e advogado pessoal do presidente, quase chega às vias de fato com a filha de 15 anos do Borat, disfarçada de repórter, num quarto de hotel.

“Borat 2” provoca bem menos risadas do que o primeiro e tem algumas cenas arrastadas (como as que ele troca faxes com o governo do Cazaquistão), porém é muito mais pertinente e provocador ao mostrar de forma explícita o estado de loucura que se encontra o mundo hoje depois que a nova onda conservadora se instalou na mente de grande parte da população, onda essa cujo epicentro obviamente é os EUA e seus políticos que apostam no que existe de pior no ser humano para conquistar o poder e permanecer nele.

Será que um filme como esse será capaz de mudar os corações e as mentes de quem se deixou infectar por esse vírus terrível? Quem viver, verá...

Cotação: * * * *

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Filmes: "V DE VINGANÇA"


Viva a revolução!

Qualquer pessoa de esquerda ou que tenha simpatia pelas lutas por justiça social vai lavar a alma com esse filme que não tem medo de colocar o dedo na ferida da sociedade e reflete de maneira alegórica a nossa condição atual.

- Por André Lux, crítico-spam


Em certo momento da graphic novel “V de Vingança”, um dos personagens descarrega todas as balas de seu revólver contra o protagonista da história, que mesmo assim continua avançando sobre ele. “Por que você não morre??”, grita desesperado, para ouvir como resposta: “Não há carne e sangue dentro deste manto, há apenas uma idéia. Idéias são à prova de balas” (dá até para imaginar um certo senador de extrema-direita fazendo essa pergunta depois que seu sonho de “acabar com a raça” de um grupo de pessoas não deu muito certo).

Essa é a força que está por trás da história criada por Alan Moore (o mesmo de “Watchmen”) que acaba de ser levada aos cinemas pelas mãos dos criadores da série “Matrix”, Larry e Andy Wachowsky, que apenas assinam o roteiro e produzem dessa vez. Qualquer pessoa que seja assumidamente de esquerda ou que tenha simpatia pelas lutas por justiça social vai lavar a alma com esse filme, dirigido com precisão por James McTeigue, que não tem medo de colocar o dedo na ferida da sociedade. Trata-se, mais uma vez, de uma história passada num futuro próximo (2020), mas que reflete de maneira alegórica a nossa condição atual. E como reflete!

O roteiro mostra o que seria a Inglaterra sob o domínio de um governo ditatorial de extrema-direita, que chegou ao poder aproveitando-se do caos generalizado que tomou conta do mundo graças às guerras infinitas provocadas pelos Estados Unidos (que no filme já se encontra à beira do colapso). Estimulando o medo, a intolerância racial, sexual e social e reprimindo a população por meio da violência, da religião e da intensa manipulação midiática, o novo governo lança mão também de um artifício aterrador: atos de terrorismo contra sua própria população. Tudo isso em nome de “salvar” a população e “libertar” o país. Já ouvimos tudo isso antes, não?

Mas, ao contrário do que parece, “V de Vingança” não é um mero filme de ação e explosões (embora elas existam), e sim um intenso thriller político que, após um início truncado e titubeante, pega o espectador pelo colarinho e não larga mais. Para isso conta com dois trunfos: a atuação impecável de Natalie Portman, como Evey, que sofre uma transformação brutal, tanto física quanto psicológica no decorrer da trama, e de Hugo Weaving (o Mr. Anderson de “Matrix”), que dá vida ao anarquista conhecido apenas como V e passa o filme todo coberto por uma máscara de Guy Fawkes, o lendário cidadão britânico que tentou explodir o parlamento inglês no século 17. Verdade seja dita, nada mais difícil do que passar emoções a partir de um personagem mascarado (ainda mais quando a máscarar é dura e totalmente inexpressiva como a usada no filme), mas mesmo assim, graças à entonação e à expressão corporal de Weaving, a personalidade magnética de V cresce à medida que a trama progride, tornando-se arrebatadora no final.

O filme é entrecortado por dezenas de diálogos brilhantes ( “O povo não deveria temer seu governo. O governo é que deve temer o povo”) e reserva algumas seqüências absolutamente emocionantes, particularmente a da leitura de uma carta que traz um grito ensurdecedor contra a intolerância e a favor das diferenças e a cena que marca o despertar angustiante de Evey do seu estado anterior de letargia e alienação para o mundo real que a cerca. Quem já passou por esse doloroso, porém importantíssimo, processo vai ter dificuldades em segurar as lágrimas.

Com tantos conteúdos abertamente a favor da revolução popular e do conceito marxista que prevê sociedades criadas a partir da exploração das classes fatalmente criarão seus próprios algozes (“ação e reação”), é natural que “V de Vingança” provoque tantas críticas ferozes proferidas pelos defensores do sistema atual, sempre ligados aos setores mais conservadores e reacionários da sociedade, que se expressam livremente por meio da sua imprensa corporativa.

Mas esse tipo de reação histérica apenas dá mais força aos méritos dessa brilhante obra, que certamente vai ficar na cabeça das pessoas por um bom tempo - ao menos para aquela parcela dos espectadores que ainda se prestam a pensar e refletir sobre o que acabaram de assistir.

Alan Moore, o autor da graphic novel original, rejeitou a adaptação e não quis nenhum tipo de envolvimento com o filme desde o seu início, tanto é que seu nome nem consta dos créditos (embora o desenhista David Loyd tenha participado ativamente). Azar o dele, pois “V de Vingança”, o filme, não causa nenhum demérito à história em quadrinhos. Afinal, mesmo com várias mudanças e acréscimos (principalmente na conclusão que ficou um pouco ingênua apesar do forte apelo alegórico), o conceito principal permaneceu intocado: ideais nunca morrem - e sem eles não somos nada.

Cotação: * * * *

Segunda temporada de “The Boys” derrapa em excesso de clichês e mensagens políticas óbvias

Se continuarem apelando para atalhos narrativos frouxos e mensagens forçadas série corre o risco de perder a importância

- por André Lux, crítico-spam


Depois de uma sensacional primeira temporada, a série “The Boys” derrapa em uma série de episódios fracos e sem o mesmo impacto. Fica difícil identificar porque os criadores optaram por enfiar tantos clichês e soluções absurdas nos roteiros, algo que não existia na primeira temporada (clique aqui para ler minha análise).

Há também um excesso de personagens, sendo que muitos deles nem mesmo chegam a ser importantes para o desenrolar do enredo e servem apenas para deixar tudo arrastado e inflado. O pior é o Profundo (o Aquaman deste universo) que entra para uma religião maluca para tentar voltar aos Sete, mas não chega a lugar algum serve só para satirizar seitas como a Cientologia. Para que perder tempo também mostrando a relação entre Bruto e Hughie com seus pais?

Incomoda também a mão pesada em tentar passar mensagens políticas e sociais, traçando paralelos bastante óbvios e simplistas entre a nazista Tempesta (que nos quadrinhos era um homem) e o atual presidente dos EUA Trump, algo que vai deixar tudo datado rapidamente. Claro que é sempre louvável criticar esse tipo de ideologia que prega a “supremacia branca” e outras sandices, porém não precisava ser assim de maneira tão na cara. 


Isso simplifica demais uma série que no início prezava a inteligência do espectador e reservava surpresas chocantes sem precisar dar explicações didáticas ou soluções simplórias. Chega a ser ridículo apelarem duas vezes para “se você não fizer o que eu quero vou vazar essas imagens para a internet”, algo que além de ser forçado, jamais faria os envolvidos se renderem, tamanho o poder que tem. 

Outro problema grave que enfraquece bastante a série: nunca ficam claros quais são os poderes e fraquezas dos super-heróis. Em uma cena, por exemplo, um deles não é ferido depois de receber vários tiros e pancadas, porém logo depois tem uma faca enfiada no olho! Qual a lógica? O corpo todo é impenetrável, exceto os olhos?

Mas nem tudo é ruim nesta temporada. Ainda temos boas sequências de ação, alguns choques bastante “explosivos” e é sempre bom ver uma série popular assim mostrando o poder que a manipulação pelo medo e pelo ódio tem para as ideologias da extrema direita. “As pessoas amam tudo que eu digo, elas só não gostam da palavra nazista”, dispara Tempesta em uma frases perfeita para explicar a ascensão de figuras deploráveis como Hitler, Bush Jr, Trump e Bolsonaro, só para citar alguns exemplos. E, claro, é sempre maravilhoso ver nazistas levando uma surra!

Não dá pra saber o que virá nas próximas temporadas, até porque a adaptação para as telas difere bastante dos quadrinhos, porém se continuarem apelando para atalhos narrativos frouxos e mensagens forçadas “The Boys” corre o risco de perder a importância e entrar para o rol de séries que começaram muito bem e acabaram ficando apenas medíocres. 

Cotação (2ª Temp): * * *

Música de "Krull" é a obra-prima do compositor James Horner


Filme lançado em 1983 tem umas das melhores trilhas sonoras do gênero fantasia. Orquestra Sinfônica de Londres e Coral Ambrosian Singers em desempenho primoroso sob a batuta de Horner.

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quinta-feira, 10 de setembro de 2020

"Destino de Uma Nação" vale pela atuação impressionante de Gary Oldman

 

Cinebiografia de Winston Churchill não tem medo de mostrar o lado controverso do primeiro-ministro britânico, mas passa longe de abordar a simpatia que a elite europeia sentia por Hitler e o seu nazismo.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

MEMÓRIAS DE UM ALIENADO: Como deixei de ser um "papagaio de direita"

Neste texto dividido em três partes, eu conto como deixei de ser um "papagaio da direita". Não fosse por alguns fatos que aconteceram em minha vida e serviram para abrir meus olhos, fatalmente eu seria hoje aquele mesmo adolescente alienado, ignorante e raivoso

- por André Lux, jornalista

Parte 1: 
EU TAMBÉM FUI PAPAGAIO DA DIREITA


Quem visita meu blog e lê meus textos com certeza deve pensar que sou socialista desde o meu nascimento e fui criado por pais radicais de esquerda, que fizeram treinamento de guerrilha em Cuba e lutaram contra a ditadura militar...

Nada mais longe da verdade. Muito pelo contrário.

Nasci em uma típica família de classe média baixa, mas que sonhava pertencer à elite mundial. Daí que, durante toda minha infância e juventude, morei em casas (alugadas) em bairros semi-nobres a preços absurdos, enquanto era transportado numa Brasília amarela e via meus pais desesperados tentando cobrir o rombo no cheque especial todo santo mês.

Mas, como que para provar nossa posição entre a elite, éramos sócios do segundo clube no nível hierárquico sócio-econômico da cidade, o Tênis Clube de Campinas. Sim, porque o número 1 na escala social era a Sociedade Hípica, cuja maioria dos sócios podres de ricos também frequentava o Tênis, embora o contrário não acontecesse (exceto quando éramos convidados para algum casamento realizado no gigantesco salão de festas daquele clube - não por acaso adaptado em uma Casa Grande de algum antigo barão do café).

Sempre fui cercado por parentes e amigos que, mesmo sendo honestos e trabalhadores, não tinham a visão crítica necessária para compreender como as coisas funcionavam. Meus familiares limitavam-se a repetir o que ouviam, liam e viam na mídia, especialmente na rede Globo, nas revistonas e nos jornalões (que apoiaram o golpe militar, embora hoje finjam que não). 

Assim, tinham medo de comunistas, pois diziam que comiam criancinhas e dividiam a casa das pessoas ao meio (o fato de não termos imóvel próprio não parecia contradizer esse receio), achavam que Che Guevara era um “baderneiro profissional” (ser pago para fazer baderna, isso é que é profissão!), acreditavam que o Brasil tinha tantos problemas “porque pobre não gosta de trabalhar” (usar o salário mensal só para pagar contas e cobrir o rombo no cheque especial, imaginavam, não era coisa de pobre) e por aí vai.


Nem preciso dizer que, obviamente, eu também repetia tudo isso e acreditava no que estava falando, mesmo sem ter o menor embasamento teórico ou prático para tanto. 

Minha vida escolar foi uma piada. Estudei em colégio particular (de freiras!) do maternal ao ensino médio. 

Para se ter uma ideia do desastre que isso significa (com raras e nobre exceções entre meus professores), nasci em 1971 e cheguei até o final da minha fase educacional básica sem nem saber que vivíamos sob um regime ditatorial ilegal e imoral.

Enquanto eu brincava no clube despreocupado, assistia à televisão ou passava a manhã inteira decorando datas e fórmulas matemáticas de maneira acrítica e alienante, centenas de brasileiros e vizinhos de continente eram torturados e mortos simplesmente por se opor àqueles regimes ditatoriais apoiados e financiados pelos EUA. No máximo, eu ouvia algo como “Bem feito pra esses baderneiros, quem mandou serem do contra?” quando alguém tocava no assunto.

Se vocês acham que estou mentindo, relaciono abaixo fatos que marcaram essa fase lamentável da minha existência:

1) Vi o filme “Comando para Matar”, aquele em que o Arnoldão detona sozinho um exército inteiro de cucarachas sul americanos, nada menos do que seis vezes nos cinemas (e contava para todo mundo orgulhoso!);

2) Iniciava comentários com as frases “Eu vi na Veja” ou “Assisti na Globo”;

3) Ridicularizava quem dizia que existia racismo no Brasil, mesmo não tendo nenhum amigo ou conhecido negro, exceto a empregada que a gente desprezava, e repetindo “piadas” do tipo “sabe qual a diferença entre um negro e uma latinha de (censurado)?”;

4) Sentia prazer em irritar petistas, repetindo jargões que são usados até hoje (“Lula é vagabundo, ex-presidiário, arrancou o dedo para não precisar mais trabalhar”, “Sindicalista só sabe fazer baderna”, “Petista é tudo igual", "Se gosta tanto de Cuba, por que não vai pra lá plantar cana??”). Isso mesmo sem conhecer absolutamente nada de política, sociologia ou história;

5) Acreditava que o Stallone, o Arnoldão e o Chuck Norris lutavam pela liberdade, pela democracia e pela justiça para nos salvar dos vilões comunistas (eu tinha até pôster deles no meu quarto) e que os Bandeirantes foram corajosos desbravadores dos sertões brasileiros;

6) Vivia falando mal do Brasil e do “povo” brasileiro (do qual eu não fazia parte, é claro, afinal meus bisavôs eram europeus) e começava a concluir esse tipo de argumentação com a frase “Ah, mas lá nos Estados Unidos...”;

7) Passava a tarde inteira e o domingo inteiro na frente da TV, assistindo qualquer porcaria, e só ia dormir depois de ver o Fantástico, sempre deprimido por lembrar que no outro dia voltavam as aulas e eu não havia feito a lição de casa nem decorado a matéria para as provas;


8) Cantava a música “Vamos Construir Juntos!” (que eu sei de cor até hoje!) e colecionava o álbum de figurinhas do “Paulistinha”, que faziam parte do marketing institucional do governo ditatorial para nos convencer que o Brasil era "o país do futuro";

9) Assistia às novelas da rede Globo, embora ficasse falando mal delas (porque naquela época, macho que era macho não via novela, a não ser para reclamar);

10) Ficava realmente preocupado com a situação da Ponte Preta no campeonato paulista;

11) Comemorava toda vez que um novo McDonald’s era inaugurado no Brasil, pois era sinal de que o país estava progredindo (sim, eu também acreditei na ladainha sobre as maravilhas da "globalização neoliberal");

12) Queria ser astronauta da NASA quando crescesse (mas, desisti depois que me falaram que eles têm que ser bons em matemática);

13) Proferia afirmações como "não voto em partidos, mas em pessoas" (isso porque eu nem podia votar!), pois tinha aprendido que partidos eram coisas ruins e inúteis (assim, quando algum político de direita caia em desgraça, era culpa só dele, não do partido), especialmente aqueles que defendiam ideologias de esquerda;

14) Ideologia também era outro palavrão, coisa de baderneiro profissional, por isso eu também dizia, todo faceiro: "Não existe esse negócio de esquerda e direita, isso é coisa de gente revoltada que não gosta de trabalhar e só sabe ser do contra!".


Isso só para ficar no básico. Tenho certeza que você já testemunhou alguém falando ou fazendo coisas parecidas, certo?

Sinceramente, eu era um caso quase sem salvação.

Mas a sorte sorriu para mim.

Não fosse por alguns fatos que aconteceram em minha vida e serviram para abrir meus olhos, fatalmente eu seria hoje aquele mesmo adolescente alienado, ignorante e raivoso. 

Só que pesando 50 quilos a mais, com barba na cara e com um daqueles adesivos nojentos quatro-dedos dizendo "Fora Lula!" colado no vidro do carro.

*As imagens dessa postagem são do filme "Pink Floyd - The Wall", do Alan Parker

Parte 2: 
SAINDO DA MATRIX
.

Antes de prosseguir com o relato do meu processo de “abertura dos olhos”, gostaria de esclarecer um ponto. 

Pode ser que meu texto anterior tenha passado a impressão de que sou um sujeito rancoroso, recalcado, que culpa e recrimina os pais e os amigos pelo processo de alienação pelo qual fui submetido durante a infância e a juventude.

Embora seja verdade que esses sentimentos venham à tona quando você percebe que foi, para colocar de maneira bem simples, enganado e induzido por pessoas que gostava a pensar de uma certa forma que não condiz com a realidade, é verdade também que fica fácil entender suas ações e perdoá-los.

Afinal, eles também foram enganados e induzidos durante toda sua vida para pensar e agir daquela forma e, infelizmente, acreditavam estar fazendo o melhor, sem condições ou vontade de quebrar aquele ciclo de alienação e dominação ideológica que os massacrava e os manipulava como gado que vai cantando feliz rumo ao matadouro.

Quando lembro, com um frio na espinha, que eu mesmo poderia estar assim até hoje - cheio de medo, ódio, intolerância e preconceitos - e que, provavelmente, iria educar meus filhos da mesma maneira, fica mais fácil ainda ser condescendente...

Bom, dito isso, vamos prosseguir.

Afinal, como eu consegui “abrir meus olhos”, perceber a Matrix à minha volta e romper a prisão mental da alienação, do ódio e do medo? Vários fatores me ajudaram nessa jornada que, confesso, foi longa e nada fácil. Vou enumerá-los em ordem cronológica, para facilitar.

1) CINEMA: tudo começou quando me levaram para assistir “Guerra nas Estrelas”. Mas, o que esse filme-pipoca roliudiano tem a ver com isso? Antes de torcer o nariz, explico que assisti ao primeiro nos cinemas, quando tinha por volta dos 8 anos de idade. 

Não vou entrar em detalhes a cerca da minha adoração pela obra do George Lucas, que deve ter durado até pouco tempo (confesso), mas basta dizer que foi aquela obra que me abriu para o cinema e, por tabela, para o mundo das artes em geral.

E, mesmo que isso fosse imperceptível para meu limitado cérebro na época, tratava-se da história de um grupo de “rebeldes” idealistas que lutava para derrubar um império “fascista” (embora essa realidade tenha sido deturpada depois pelos extremistas de direita quando Reagan tomou o poder nos EUA, e foi usado como símbolo para a guerra fria, com o Império maligno representando a ex-União Soviética). 


Enfim, aquele filme mudou minha vida. Depois dele nunca mais fui o mesmo, para o bem e para o mal.

2) O MODO DE VIDA NERD: por causa do meu apego ao cinema e tudo que estava relacionada a ele, especialmente as trilhas sonoras dos filmes, nem preciso dizer que me transformei em um verdadeiro nerd. 

Assim, enquanto meus amigos começavam a gostar de tudo que era “normal” naquela sociedade (do rock n’ roll enquadrado aos parâmetros do consumismo, ao consumo de drogas e bebidas alcoólicas) lá estava eu tentando arrumar dinheiro para comprar o disco de “Jornada nas Estrelas” ou o álbum de figurinhas do “Flash Gordon”...

Embora nada disso tenha me ajudado a abrir os olhos naquele momento, certamente me transformou num sujeito meio estranho, marginalizado e com um forte sentimento de inquietação. 

Afinal, eu só tinha amigos nerds como eu e nunca conseguia me enturmar com os “descolados”, que adoram ridicularizar os “diferentes”. Eu comecei a sentir que alguma coisa estava errada, mas eu não sabia o que era e nem me preocupava muito em descobrir. Porém, já era um começo.

3) INFLUÊNCIAS DECISIVAS: fiquei mais ou menos na mesma até o meio da minha adolescência. Foi a partir dos 16 anos, quando um primo entrou na faculdade em Campinas e veio morar conosco, que as coisas começaram a mudar. Não sei dizer se ele era de esquerda ou de direita (talvez fosse ainda indiferente como eu), mas a verdade é que era um sujeito muito mais culto e antenado do que eu – até porque teve uma educação mais rica e politizada que a minha.

Foi graças a esse cara que eu comecei a gostar de qualquer tipo de filme (e não só de ficção científica, aventura e terror) e, mais importante, aprendi a decifrar mensagens e idéias que estavam contidas nas obras de arte. Até então, eu pensava, “um filme é só um filme, puro entretenimento, nada mais”. Ledo engano. Não fosse pelo meu primo, jamais teria assistido (e entendido) a filmes como “Brazil”, “A Missão”, “Coração Satânico”, “Amadeus”, conhecido o Monty Phyton ou lido quadrinhos como “Batman, O Cavaleiro das Trevas”, “Ronin”, “Watchmen” ou “V de Vingança”.

Foi nesse momento que eu comecei a perceber algumas coisas surpreendentes: não existem mocinhos e bandidos na vida real, o USA não era assim um país tão bacana e justo, a religião poderia causar (e causou) grandes males às pessoas e ao mundo, nem sempre quem era chamado de “terrorista” lutava por uma causa ruim, muita coisa que era vendida pela mídia como sendo uma verdade única ou normal tinha um outro lado que não era divulgado, etc. 

Mesmo assim, eu ainda não havia ligado os pontos para formar o grande quadro. Isso só aconteceu quando eu entrei para a universidade.

4) UNIVERSIDADE FEDERAL: ser um jovem alienado e perdido no mundo me trouxe uma grande vantagem naquele ponto. Eu não tinha a menor idéia do que fazer da minha vida. Assim, ao chegar à encruzilhada da adolescência e ter que escolher qual faculdade deveria fazer, mais perdido que cego em tiroteio, optei pelo curso de... Química! 

Prestei vários vestibulares e consegui entrar na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). E foi ali que tudo começou a mudar em minha vida. O ano era 1989 e estávamos prestes a ter a primeira eleição direita para Presidente da República em mais de 20 anos (embora eu não desse a mínima para esse fato, afinal “odiava política”, lembram?).

Meu primeiro choque, depois de ficar décadas praticamente falando besteiras sem sentido e me relacionando com gente vazia e alienada, foi perceber que existiam pessoas que conheciam, discutiam e debatiam diversos temas que eu não tinha a menor noção do que significavam. E eram jovens da minha idade! Como aquilo era possível? - eu me perguntava.

Obviamente, como eu não entendia quase nada do que discutiam, meus primeiros sentimentos em relação àquelas pessoas foram de raiva e inveja. E, como não poderia deixar de ser, comecei a entrar no meio das conversas transformando esses sentimentos negativos e mesquinhos em petulância, cinismo e provocações baratas. 

Foi naquele período que me tornei oficialmente um “papagaio da direita”, afinal de contas a maioria dos jovens que estudavam lá era de esquerda e defendia a candidatura de Lula contra o marajá das Alagoas, Fernando Collor. Nem preciso dizer que, para irritar “aqueles petistas” eu dizia que ia votar no Collor, que Lula era baderneiro profissional, etc, etc. Tudo aquilo que eu havia “aprendido” na escola da ditadura e que fora reforçado no ambiente em que fui criado.

Fiquei nessa um bom tempo, diria que uns seis meses mais ou menos. Então coisas estranhas começaram a acontecer.

Como é perfeitamente natural após um semestre inteiro de contato diário com um grupo, passei a gostar de várias pessoas e até admirá-las. Percebi que ali havia muita gente bacana, inteligente e companheira, que sabia ouvir meus problemas, me apoiava quando eu precisava de ajuda (principalmente nas matérias, pois eu “boiava” em quase tudo) e, acima de tudo, não me ridicularizava quando dizia que gostava de cinema, música erudita e quadrinhos – pelo contrário. 

Para aquelas pessoas, eu não era mais um “babaca” ou um nerd esquisitão, mas sim um sujeito sensível que gostava de arte! Descobri que muitos ali também gostavam das mesmas coisas, tinham inclusive os mesmos problemas familiares e carências afetivas.

Entretanto, quando eu entrava no modo “papagaio da direita”, aquelas pessoas que, no fundo eu invejava e queria impressionar, simplesmente me deixavam falar e, assim que eu terminava de vomitar minhas asneiras, continuavam o assunto de onde haviam parado. Ninguém me hostilizava, muito menos me ridicularizava. Simplesmente me ignoravam...


Depois de umas três ou quatro situações como essa comecei a me sentir constrangido e patético. Afinal, eu não gostava daquelas pessoas, não as admirava? Não gostava da maneira sensível e humana que me tratavam e ouviam? Então, por que diabos eu estava querendo provocá-las e irritá-las, repetindo coisas ditas pelos meus pais e por outras pessoas que nunca me respeitaram nem me ouviram antes? 

Para piorar tudo, comecei a perceber que os que repetiam aquelas mesmas asneiras provocativas e me davam força para que eu continuasse a proferi-las eram justamente aqueles tipos mais idiotas, os “mauricinhos” e os filhinhos de papai que me cercavam aos montes...

Lembro como se fosse hoje de uma festa realizada na casa da minha primeira namorada, onde toda a moçada estava reunida, tocando violão, comendo churrasco e bebendo cerveja. De repente, começou um papo sobre política e um rapaz, que era inclusive membro do DCE, colocou seu ponto de vista e defendeu Lula com muita propriedade e civilidade. 

Quando eu ia começar a falar asneiras contra o petista, outro sujeito passou na minha frente e verbalizou tudo aquilo que estava na ponta da minha língua. Olhei para ele e vi que era um tipinho que ninguém gostava, um playboy folgado e mesquinho, que chegava a exigir grana dos que moravam com ele para dar carona até a faculdade e vivia invadindo festas mesmo sem ter sido convidado.

Aquilo me transtornou. Quer dizer que eu era igual àquele imbecil? Não era possível! Logo eu, um cara que se julgava tão bacana, sensível, amante das artes, romântico e incompreendido, no fundo me portava igual aos tipos mais desprezíveis e irritantes? Não preciso dizer que foi ali que a ficha caiu e, finalmente, após longos anos de alienação e estupidez eu finalmente comecei a tomar consciência do mundo à minha volta e de todos os problemas reais que existiam nele.

Antes tarde do que nunca, não é mesmo? Ah, esqueci de um outro fator que também foi decisivo para o meu crescimento intelectual e espiritual:

5) AUSÊNCIA DE TELEVISÃO. Quando mudei para São Carlos, fui morar com amigos em uma república. 

Detalhe: ninguém conseguiu levar uma TV! Assim, passei praticamente um ano da minha vida impedido de alimentar meu vício de ficar horas sentado em frente àquela “máquina de fazer doido”. 


No começou quase tive um treco, mas depois de uns dois meses, me acostumei a viver sem aquele monte de lixo ideológico que era enfiado na minha mente e, assim, passei a investir meu tempo em coisas mais importantes, como debates, conversas e leituras.

Só quem passou por isso tem noção do quanto a vida melhora sem a influência nefasta da TV, principalmente a rede Globo que é um verdadeiro câncer que corrói corações e mentes todos os dias!

Tanto é que, depois disso, nunca mais consegui ficar mais de cinco minutos na frente de uma televisão que não apresentasse algo minimamente inteligente e instigante - que, convenhamos, se resume a 1% da programação das redes e olhe lá...

Mas, essa mudança toda em minha consciência trouxe várias conseqüências para a minha vida...

Parte 3: 
FALE-ME SOBRE POLÍTICA E DIREI QUEM TU ÉS...


Dando sequência às minhas "Memórias de Um Alienado", vou falar agora sobre o que aconteceu com minha vida depois que deixei de ser um papagaio da direita e fui conscientemente para a esquerda.

A primeira conseqüência é positiva. 

Trata-se, claro, de deixar de ser um boçal alienado convicto que fica dado palpite em tudo quanto é assunto sem entender nada do que está sendo dito – só para fazer de conta que entende ou então, pior, para irritar “esquerdistas”. 

Quando você passa a ter consciência das coisas e “sai da Matrix”, percebe que é muito melhor ficar quieto escutando o que os outros tem a dizer.

Isso me ensinou grandes lições que todo boçal alienado convicto não conhece, tais como: ser humilde, saber ouvir, entender que quanto mais você aprende mais percebe que nada sabe e que não conseguir admitir tudo isso é coisa de gente fraca e covarde.

Agora vem o lado ruim. O problema de você sair da direita e ir para a esquerda, especialmente quando ainda é adolescente, é o choque de perceber quanta gente que antes dizia te adorar vai começar a tratá-lo como o se fosse o belzebu em pessoa! Comigo não foi diferente.

Familiares, amigos e conhecidos, que antes apertavam minhas bochechas, davam tapinhas nas costas e me elogiavam quando eu concordava com o que diziam, de repente passaram a me xingar e agredir só porque ousei defender o Lula ou o Fidel Castro. 

Assim, de “menininho querido da titia” me transformei “naquele moleque perdido que sofreu lavagem cerebral dos comunistas”. E de nada adianta você tentar dizer que ninguém fez lavagem cerebral em você, muito pelo contrário: antes é que faziam...

Comigo foi assim. Lembro até hoje do dia que, depois de deixar de ser um papagaio da direita, cheguei em casa e resolvi falar sobre política com meu pai – coisa que nunca tinha feito antes. 

Imaginem a cena. Eu, com 18 anos, todo empolgado querendo falar com meu velho sobre aquelas coisas novas que tinha aprendido, de repente sendo tratado com um trapo sujo e repelente! Sim, foi isso que aconteceu. Foi só eu falar todo ingênuo que ia votar no Lula e pronto. Só faltou me dar um sopapo na orelha!

E com minha mãe não foi diferente. Nem com o vizinho, que de velinho simpático e bonachão, transformou-se num clone do Adolf Hitler assim que eu falei bem do “sapo barbudo”! Meus amigos de infância então, nem preciso dizer o que aconteceu, preciso? Óbvio: foi só eu falar da minha nova ideologia que começaram todos a me ridicularizar e repetir aquelas papagaiadas “para irritar esquerdista”...

Foi nessa época que aprendi uma coisa triste. As pessoas só revelam mesmo quem realmente são e o que pensam quando falam de política. 

O sujeito pode ser o mais bonzinho do mundo, fã de Beatles, Pinky Floyd e dos filmes de Walt Disney, amante da paz e da natureza...

Mas, na hora que começa a falar de política transforma-se, como aquele meu vizinho, numa cópia mal feita do Hitler e passa a vomitar preconceitos, elitismo, racismo, homofobia, ignorância e outras nojeiras que deveriam deixar qualquer pessoa com bom senso envergonhada. 


E olha que estou falando aqui de pessoas de classe média, que tiveram acesso a tudo do bom e do melhor em relação a estudo e cultura!

Nem preciso dizer que, daquela época em diante, perdi muitos “amigos” e deixei de ser o “queridinho” de muitos familiares, que passaram a me hostilizar ou me irritar constantemente com provocações baratas e ridículas. Por que eu não percebia o quanto aquelas pessoas eram rancorosas, odiosas e preconceituosas antes, perguntava-me. 

A resposta é simples: porque antes não falávamos de política, exceto talvez para repetir um ou outro jargão idiota da direita, do tipo “detesto política” ou “político é tudo igual”.

E tem gente, incluindo familiares e amigos, que ainda fazem isso comigo até hoje. Nem preciso dizer também que, depois das duas vitórias do Lula e da ascensão de políticos como Chávez, Evo Morales e afins, tudo ficou ainda pior e até aqueles que conseguiam disfarçar um pouco melhor seus ódios perderam completamente o controle!

Depois de todas essas experiências, criei uma máxima que, infelizmente, continua valendo até agora: “Fale-me sobre política que direi quem tu és”...