BESTEIRA DAS GRANDES
Se tivesse sido feito por qualquer outro diretor que não o ilustre Martin Scorsese, teria sido massacrado ou no mínimo ignorado, que é o que o filme merece
- por André Lux, crítico-spam
É incrível que um diretor do prestígio de Martin Scorsese tenha aceitado fazer um filme tão tolo e dispensável como esse “A Ilha do Medo”, que não se assume como terror e não se sustenta nem mesmo como filme de suspense policial. O mais estranho é que se tornou um sucesso de bilheteria, o maior na carreira do cineasta! Mas é muito barulho por nada.
A história começa com a chegada de dois agentes federais a um sanatório do governo localizado numa ilha isolada, onde são mantidos criminosos perigosos. Aparentemente, eles vem investigar a fuga de uma das internas, mas aos poucos a trama vai enveredando por caminhos tortuosos que vão ficando cada vez mais inconvincentes e delirantes. O filme também dá um monte de pistas falsas que desembocam num daqueles famigerados finais surpresas onde a revelação final, além de forçada, implode totalmente tudo que havíamos visto até então. É só você parar para pensar um minuto e vai perceber que não havia como tudo que foi mostrado antes ter acontecido da forma como aconteceu. É totalmente inviável, ridículo até.
Scorsese tenta compensar esse buraco negro com estilosos movimentos de câmera (sua marca registrada) e uma trilha sonora intrusiva e irritante composta apenas por músicas eruditas atonais de gente como Penderecki e Ligeti. Mas erra também ao deixar o elenco descontrolado, principalmente Leonardo DiCaprio e Ben Kingsley (como o psiquiatra chefe) que passam o filme todo à beira da caricatura. A edição também é ruim e deixa cenas se alongarem sem necessidade (como a do final, no lago).
Enfim, uma besteira das grandes que só recebe louvores dos profissionais da opinião por ter sido dirigido pelo ilustre Scorsese. Se tivesse sido feito por qualquer outro diretor, teria sido massacrado ou no mínimo ignorado, que é o que o filme merece.
Cotação: * 1/2
sábado, 27 de março de 2010
sexta-feira, 26 de março de 2010
Filmes: "A Estrada"
ASSUSTADOR
Filme mostra um futuro plausível que pode nem estar tão distante caso a humanidade continue em sua rota suicida
- por André Lux, crítico-spam
De todos os filmes sobre o fim do mundo que tem pipocado nos cinemas atualmente, esse “A Estrada” é o melhor, embora não seja um filme de ação no estilo “Mad Max 2”. Está mais para drama e suspense, questionando quais são os limites da humanidade quando se encontra numa situação desesperadora depois que a civilização como a conhecemos foi destruída (talvez por uma guerra nuclear, mas o filme faz questão de não deixar claro qual foi o cataclismo que acabou com o mundo).
Baseado na obra do escritor Cormac McCarthy (o mesmo de “Onde os Fracos Não Tem Vez”), “A Estrada” centra-se em dois personagens sem nome, um pai e seu filho, que a exemplo de outros filmes com temática parecida (“O Livro de Eli” e “Zombielândia”) rumam para o oeste passando por um sem número de perigos enquanto viajam pela terra devastada.
Aqui, o maior terror é representado por humanos canibais, que patrulham as estradas e campos em busca de novas vítimas para saciar sua fome. Só que isso é mostrado com tintas extremamente realistas, sem exagero ou fantasia. Os canibais são pessoas normais e não zumbis mutantes, o que deixa tudo ainda mais assustador – principalmente na sequência em que os protagonistas entram inadvertidamente na casa onde reside um grupo deles. A cena no porão é de arrepiar!
Os pontos altos do filme são as interpretações da dupla principal. No papel do pai temos Viggo Mortensem que depois de brilhar em “O Senhor dos Anéis” está se tornando um ator cada vez melhor e mais sincero. E o jovem Kodi Smit-McPhee dá um show de verossimilhança como o filho, principalmente nas cenas mais dramáticas. A bela Charlize Theron aparece em alguns flashbacks como a esposa do protagonista cujo destino é bastante trágico.
Sem contar com grandes tomadas de efeitos especiais ou lições de moral idiotas (como acontece em “O Livro de Eli”), “A Estrada” aposta mais na exploração da intimidade dos personagens, que lutam para manter alguma humanidade e dignidade frente aos terríveis acontecimentos que enfrentam.
O único ponto baixo do filme é mesmo o seu final, que não chega a convencer e destoa do resto da condução da trama. Mas fora isso, continua sendo um filme assustador que mostra um futuro bem plausível que pode nem estar assim tão distante caso a humanidade continue em sua atual rota suicida.
Cotação: * * * 1/2
Filme mostra um futuro plausível que pode nem estar tão distante caso a humanidade continue em sua rota suicida
- por André Lux, crítico-spam
De todos os filmes sobre o fim do mundo que tem pipocado nos cinemas atualmente, esse “A Estrada” é o melhor, embora não seja um filme de ação no estilo “Mad Max 2”. Está mais para drama e suspense, questionando quais são os limites da humanidade quando se encontra numa situação desesperadora depois que a civilização como a conhecemos foi destruída (talvez por uma guerra nuclear, mas o filme faz questão de não deixar claro qual foi o cataclismo que acabou com o mundo).
Baseado na obra do escritor Cormac McCarthy (o mesmo de “Onde os Fracos Não Tem Vez”), “A Estrada” centra-se em dois personagens sem nome, um pai e seu filho, que a exemplo de outros filmes com temática parecida (“O Livro de Eli” e “Zombielândia”) rumam para o oeste passando por um sem número de perigos enquanto viajam pela terra devastada.
Aqui, o maior terror é representado por humanos canibais, que patrulham as estradas e campos em busca de novas vítimas para saciar sua fome. Só que isso é mostrado com tintas extremamente realistas, sem exagero ou fantasia. Os canibais são pessoas normais e não zumbis mutantes, o que deixa tudo ainda mais assustador – principalmente na sequência em que os protagonistas entram inadvertidamente na casa onde reside um grupo deles. A cena no porão é de arrepiar!
Os pontos altos do filme são as interpretações da dupla principal. No papel do pai temos Viggo Mortensem que depois de brilhar em “O Senhor dos Anéis” está se tornando um ator cada vez melhor e mais sincero. E o jovem Kodi Smit-McPhee dá um show de verossimilhança como o filho, principalmente nas cenas mais dramáticas. A bela Charlize Theron aparece em alguns flashbacks como a esposa do protagonista cujo destino é bastante trágico.
Sem contar com grandes tomadas de efeitos especiais ou lições de moral idiotas (como acontece em “O Livro de Eli”), “A Estrada” aposta mais na exploração da intimidade dos personagens, que lutam para manter alguma humanidade e dignidade frente aos terríveis acontecimentos que enfrentam.
O único ponto baixo do filme é mesmo o seu final, que não chega a convencer e destoa do resto da condução da trama. Mas fora isso, continua sendo um filme assustador que mostra um futuro bem plausível que pode nem estar assim tão distante caso a humanidade continue em sua atual rota suicida.
Cotação: * * * 1/2
quarta-feira, 24 de março de 2010
Filmes: "O Livro de Eli"
MAD MAX CRISTÃO
Os fanáticos fundamentalistas agora inventaram um novo gênero de tele-pregação: o filme de aventura com mensagem religiosa.
- por André Lux, crítico-spam
Se você achava que os fanáticos religiosos já tinham invadido todos os tipos de mídia para propagar sua ladainha infame, pense novamente. Agora eles inventaram o filme de aventura com fundo religioso. E esse “Livro de Eli” nada mais é do que isso. Pregação fundamentalista cristã do pior tipo, embalada num filme de ação que traz um protagonista que é uma espécie de “Mad Max Cristão” com habilidades de ninja (Denzel Washington, que também é produtor e, portanto, tem culpa no cartório).
Para levar a cabo sua mensagem fundamentalista, os realizadores inventaram uma história que é das mais idiotas que já vi. Num mundo pós-apocalíptico, um homem solitário anda pelo deserto em direção ao oeste porque ouviu uma “voz” mandando ele fazer isso. O misterioso andarilho, que decepa com um facão os vilões que de tempos em tempos tentam roubá-lo, leva em sua mochila o último exemplar da “bíblia sagrada”. Por azar, ele acaba passando por um vilarejo que reúne alguns sobreviventes da guerra que destruiu a civilização, cujo poderoso chefão local (um caricato Gary Oldman) quer porque quer arranjar uma... bíblia! O motivo: usar as palavras do poderoso livro cristão para manipular os corações e mentes das pessoas e, assim, conquistar mais poder!
É claro que o ninja incorruptível Denzel, representando aí a pureza dos fundamentalistas, não vai querer entregar sua bíblia ao vilão e, pronto, o resto você já pode imaginar. É tiro pra todo lado, com o protagonista desviando de balas, matando todo mundo e sendo perseguido pelas estradas do mundo detonado enquanto dispara frases edificantes da sua bíblia. O filme tem ainda um final “surpresa” que não acrescenta nada, mas serve para enganar os incautos que gostam desse tipo de reviravolta.
Pior que eu gosto muito de filmes ambientados em cenários pós-apocalípticos desde que assisti ao segundo “Mad Max” quando era adolescente. Por isso minha indignação é ainda maior quando pegam um gênero querido como esse e enfiam um monte de pregação religiosa no meio. Enfim, uma besteira total que só vai agradar quem já é convertido aos dogmas da seita religiosa que o filme defende. Obviamente não é meu caso.
Cotação: *
Os fanáticos fundamentalistas agora inventaram um novo gênero de tele-pregação: o filme de aventura com mensagem religiosa.
- por André Lux, crítico-spam
Se você achava que os fanáticos religiosos já tinham invadido todos os tipos de mídia para propagar sua ladainha infame, pense novamente. Agora eles inventaram o filme de aventura com fundo religioso. E esse “Livro de Eli” nada mais é do que isso. Pregação fundamentalista cristã do pior tipo, embalada num filme de ação que traz um protagonista que é uma espécie de “Mad Max Cristão” com habilidades de ninja (Denzel Washington, que também é produtor e, portanto, tem culpa no cartório).
Para levar a cabo sua mensagem fundamentalista, os realizadores inventaram uma história que é das mais idiotas que já vi. Num mundo pós-apocalíptico, um homem solitário anda pelo deserto em direção ao oeste porque ouviu uma “voz” mandando ele fazer isso. O misterioso andarilho, que decepa com um facão os vilões que de tempos em tempos tentam roubá-lo, leva em sua mochila o último exemplar da “bíblia sagrada”. Por azar, ele acaba passando por um vilarejo que reúne alguns sobreviventes da guerra que destruiu a civilização, cujo poderoso chefão local (um caricato Gary Oldman) quer porque quer arranjar uma... bíblia! O motivo: usar as palavras do poderoso livro cristão para manipular os corações e mentes das pessoas e, assim, conquistar mais poder!
É claro que o ninja incorruptível Denzel, representando aí a pureza dos fundamentalistas, não vai querer entregar sua bíblia ao vilão e, pronto, o resto você já pode imaginar. É tiro pra todo lado, com o protagonista desviando de balas, matando todo mundo e sendo perseguido pelas estradas do mundo detonado enquanto dispara frases edificantes da sua bíblia. O filme tem ainda um final “surpresa” que não acrescenta nada, mas serve para enganar os incautos que gostam desse tipo de reviravolta.
Pior que eu gosto muito de filmes ambientados em cenários pós-apocalípticos desde que assisti ao segundo “Mad Max” quando era adolescente. Por isso minha indignação é ainda maior quando pegam um gênero querido como esse e enfiam um monte de pregação religiosa no meio. Enfim, uma besteira total que só vai agradar quem já é convertido aos dogmas da seita religiosa que o filme defende. Obviamente não é meu caso.
Cotação: *
Akira Kurosawa: O gênio que levou o cinema japonês ao Ocidente
- Por André Cintra*
Há uma cena, logo no começo do filme Ran (1985), de Akira Kurosawa, em que um grupo de descendentes e súditos se encontra ao redor do poderoso daimiô Hidetora, chefe do clã dos Ichimonji, durante o período feudal no Japão. Não é uma reunião convencional. Aos 70 anos — sendo 50 deles dedicados à conquista de um vasto império de castelos e terras —, Hidetora resolve “sair de cena e dar as rédeas para mãos mais jovens”.
Mas, antes que o senhor feudal anunciasse sua decisão, alguém lhe pergunta se convém assar um javali recém-caçado. A resposta: “Ele era velho. Sua pele é dura, fedida, indigerível. Como eu, o velho Hidetora. Vocês me comeriam?".
Nascido há exatamente cem anos, Kurosawa, maior representante do chamado jidai-geki (filme histórico de samurai), "saiu de cena" em 1998, aos 88 anos. Vítima de um derrame cerebral, morreu sem saber se boa parte de seus compatriotas o engoliam. A muitos orientais, pouco importavam os 55 anos de carreira do diretor, os 32 filmes, inúmeros prêmios, a projeção que deu ao cinema japonês no exterior. Na visão de seus detratores, o diretor de Os Sete Samurais e Kagemusha era definido como um "cineasta de exportação" demasiadamente "ocidentalizado", que teria cometido o crime de renegar as tradições e os costumes japoneses.
A realidade é bem diferente. Nem na sua vida, tampouco na sua vasta obra, Kurosawa deu as costas para a cultura do seu país. Descendente de um clã de samurais, filho de um férreo administrador militar, ele nasceu em Tóquio no dia 23 de março de 1910. Recebeu forte influência do irmão Heigo — um benshi (narrador de filmes japoneses na época do cinema mudo) —, que o iniciou no cinema.
Em 1936, Kurosawa conseguiu emprego como terceiro assistente de direção na Photo Chemical Laboratories. Foi lá que começou a escrever roteiros para outros cineastas. Demonstrava aberta admiração pelo trabalho do americano John Ford em filmes como No Tempo das Diligências (1939) e As Vinhas da Ira (1940). As principais referências, literárias e cinematográficas, podiam até ser ocidentais. Mas Kurosawa, ao estrear na direção com o drama A Lenda do Grande Judô (1943), tratou de temas mais próximos a suas raízes — as artes marciais, a devoção à natureza, a descoberta paciente do amor.
Os militares, às voltas com a Segunda Guerra Mundial, abominaram o lirismo do longa-metragem e acusaram o diretor de renegar os sentimentos nacionais. As autoridades o obrigaram a aplicar uma espécie de autocensura. A derrota na guerra se avizinhava quando foi lançado o filme Os Homens que Pisaram na Cauda do Tigre (1945). É o primeiro jidai- geki de Kurosawa — que, se não foi o precursor, certamente o tornou o cineasta-chave para entender o gênero samurai.
O estigma de "o mais ocidental dos cineastas japoneses", atribuído pejorativamente a Kurosawa, tem início com esse ousado longa-metragem. Embora continuasse a tratar de temas contemporâneos, o diretor passou a ambientar suas histórias no Japão feudal. Os dilemas foram então avaliados através de valores tradicionais, especialmente a honra, a lealdade e o sacrifício, tão caros no universo samurai.
No ambiente do pós- guerra seus filmes ganharam acesso a festivais internacionais. Em 1950, o diretor surpreendeu ao sair do Festival de Veneza com o prêmio máximo — o Leão de Ouro — por Rashomon. O mundo do cinema passou a dar destaque para o cinema japonês, e Kurosawa foi convertido em celebridade.
"Foi ele [Kurosawa] quem melhor representou a aproximação entre seu país, o Japão, e o Ocidente, após a Segunda Guerra Mundial", escreveu o crítico Inácio Araújo, da Folha de S.Paulo. Nos anos 50, o Japão era conhecido apenas como uma nação exótica, que os filmes de guerra americanos representavam como pouco mais que um grupo de bárbaros fanáticos. Essa imagem preconceituosa do Japão foi completamente subvertida por Kurosawa a partir de Rashomon.
Remontando ao século 11, o longa conta a história de um controvertido julgamento. Numa floresta, a noiva de um samurai tem relações sexuais com o bandido Tajomaru. O samurai, logo em seguida, é encontrado morto, ali perto. O que ocorreu de fato? O bandido estuprou a mulher e depois assassinou o noivo dela? Ou o samurai se matou em nome da honra ao ver sua amada traí-lo? Na investigação, quatro pessoas são ouvidas — a noiva, o samurai (por mediunidade), o bandido e um lenhador. Os relatos se chocam. Em breves flashbacks, o filme mostra cada um dos pontos de vista e seus elementos contraditórios.
Rashomon foi o primeiro grande filme de Kurosawa — uma obra em que ele mostra que o limite das certezas é também o limite da justiça. Sua premissa narrativa e moral — uma história com múltiplas versões — irradia-se até os dias de hoje.
Em 1954, Kurosawa realizou sua obra-prima, Os Sete Samurais. O filme se baseia numa história verídica para contrapor honra e destino. Aldeões do século 16 estão ameaçados por bandidos que, sem piedade, ocupam o povoado e saqueiam as colheitas de arroz. O mestre Kambei é encarregado de contratar mais seis samurais para proteger o local.
O professor acadêmico e crítico americano Roger Ebert especula que em nenhum filme, antes de Os Sete Samurais, um grupo de personagens havia se reunido para executar certa missão. Não bastasse a originalidade, Kurosawa compôs um grupo heterogêneo, cujos membros têm personalidade e motivações diferentes — o samurai interpretado por Toshiro Mifune fez história.
O filme é um elogio a valores coletivos (solidariedade, disciplina), mas exalta a humanidade que cerca sentimentos pessoais como o medo e a covardia. Os Sete Samurais levou o Leão de Prata no Festival de Veneza e consagrou de vez Kurosawa — Hollywood fez uma versão em faroeste do filme, com o título Sete Homens e um Destino.
Se o faroeste era o gênero americano por excelência, Kurosawa transformou o jidai-geki no grande gênero japonês. Nada de caubóis, pradarias e longos duelos do Velho Oeste — elementos típicos do western. O diretor japonês iluminou o cinema de seu país com guerreiros samurais, aldeias medievais, xogunatos, lutas breves de lanças — a essência da arte do espadachim.
Está aí a principal razão para o reconhecimento e a fama de Kurosawa fora do Japão, acima de diretores como os também mestres Kenji Mizoguchi (1898-1956) e Yasujiro Ozu (1903-1963). De um lado, seus filmes apresentaram pontos de sintonia com a tradicional narrativa ocidental; de outro, o cineasta interpretou à sua maneira princípios universais — na arte e na sociedade —, atribuindo-lhes a riqueza dos valores tipicamente orientais.
Tais características estão claras em outros filmes de samurai de Kurosawa, como A Fortaleza Escondida (1958), Yojimbo, O Guarda-Costas (1961), e sua continuação, Sanjuro (1962). Desses três, Yojimbo é o mais bem-sucedido em termos de crítica e público. Seu enredo gira em torno de um samurai solitário e desempregado, que resolve lutar para dois grupos inimigos. No filme seguinte, Sanjuro é o nome do samurai que cede à corrupção. Dois personagens, dois estudos morais.
Para incômodo dos japoneses mais ortodoxos, a carreira de Kurosawa sempre dialogou com o Ocidente. Na década de 50, o diretor adaptou para a tela grande O Idiota, de Dostoievski, e Ralé, de Gorki. Em Trono Manchado de Sangue (1957), ambientou Macbeth, de Shakespeare, no Japão feudal, e tratou do samurai Taketori Washizu. Destinado a ser xogum e instigado pela ganância da esposa Asaji, esse anti- herói envereda por uma luta que leva à memorável cena final: Washizu, imperecível, não sucumbe nem quando seus antigos comandados o atingem com dezenas de flechas.
O universo shakespeariano e o desenlace trágico são retomados em Ran, uma adaptação livre de Rei Lear e da lenda japonesa de Móri. O filme mostra uma disputa de poder marcada por traições no seio de um clã. Kagemusha é outro ensaio de Kurosawa sobre o poder, ambientado nos tempos dos samurais. Próximo da morte, o xogum Shingen vê que seu clã está em processo de ruína e arma uma manobra: arranja um sósia para sucedê-lo em sigilo.
Com a morte do chefe militar, o sósia a subir ao trono é um ladrão que aceita o disfarce e depara com uma série de crises. O larápio, no entanto, aprende as artimanhas do clã e vira uma personificação fiel do líder morto. Por esse épico espetacular — estudo de como a manutenção do poder pode custar caro numa sociedade de hipocrisias e aparências —, o cineasta japonês amealhou vários prêmios internacionais, com destaque para a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Lembrar Kurosawa cem anos após seu nascimento — como faz a Cinemateca Brasileira, ao programar um ciclo gratuito de filmes do diretor — é prestar tributo a uma cinematografia única. Uma vez mais, espectadores poderão entender por que esse gigante das artes japonesas foi definido até pelo diretor americano Steven Spielberg como “o Shakespeare visual do nosso tempo”.
* Texto adaptado de um artigo do autor para a revista Japão, 500 Anos de História, 100 Anos de Imigração
Há uma cena, logo no começo do filme Ran (1985), de Akira Kurosawa, em que um grupo de descendentes e súditos se encontra ao redor do poderoso daimiô Hidetora, chefe do clã dos Ichimonji, durante o período feudal no Japão. Não é uma reunião convencional. Aos 70 anos — sendo 50 deles dedicados à conquista de um vasto império de castelos e terras —, Hidetora resolve “sair de cena e dar as rédeas para mãos mais jovens”.
Mas, antes que o senhor feudal anunciasse sua decisão, alguém lhe pergunta se convém assar um javali recém-caçado. A resposta: “Ele era velho. Sua pele é dura, fedida, indigerível. Como eu, o velho Hidetora. Vocês me comeriam?".
Nascido há exatamente cem anos, Kurosawa, maior representante do chamado jidai-geki (filme histórico de samurai), "saiu de cena" em 1998, aos 88 anos. Vítima de um derrame cerebral, morreu sem saber se boa parte de seus compatriotas o engoliam. A muitos orientais, pouco importavam os 55 anos de carreira do diretor, os 32 filmes, inúmeros prêmios, a projeção que deu ao cinema japonês no exterior. Na visão de seus detratores, o diretor de Os Sete Samurais e Kagemusha era definido como um "cineasta de exportação" demasiadamente "ocidentalizado", que teria cometido o crime de renegar as tradições e os costumes japoneses.
A realidade é bem diferente. Nem na sua vida, tampouco na sua vasta obra, Kurosawa deu as costas para a cultura do seu país. Descendente de um clã de samurais, filho de um férreo administrador militar, ele nasceu em Tóquio no dia 23 de março de 1910. Recebeu forte influência do irmão Heigo — um benshi (narrador de filmes japoneses na época do cinema mudo) —, que o iniciou no cinema.
Em 1936, Kurosawa conseguiu emprego como terceiro assistente de direção na Photo Chemical Laboratories. Foi lá que começou a escrever roteiros para outros cineastas. Demonstrava aberta admiração pelo trabalho do americano John Ford em filmes como No Tempo das Diligências (1939) e As Vinhas da Ira (1940). As principais referências, literárias e cinematográficas, podiam até ser ocidentais. Mas Kurosawa, ao estrear na direção com o drama A Lenda do Grande Judô (1943), tratou de temas mais próximos a suas raízes — as artes marciais, a devoção à natureza, a descoberta paciente do amor.
Os militares, às voltas com a Segunda Guerra Mundial, abominaram o lirismo do longa-metragem e acusaram o diretor de renegar os sentimentos nacionais. As autoridades o obrigaram a aplicar uma espécie de autocensura. A derrota na guerra se avizinhava quando foi lançado o filme Os Homens que Pisaram na Cauda do Tigre (1945). É o primeiro jidai- geki de Kurosawa — que, se não foi o precursor, certamente o tornou o cineasta-chave para entender o gênero samurai.
O estigma de "o mais ocidental dos cineastas japoneses", atribuído pejorativamente a Kurosawa, tem início com esse ousado longa-metragem. Embora continuasse a tratar de temas contemporâneos, o diretor passou a ambientar suas histórias no Japão feudal. Os dilemas foram então avaliados através de valores tradicionais, especialmente a honra, a lealdade e o sacrifício, tão caros no universo samurai.
No ambiente do pós- guerra seus filmes ganharam acesso a festivais internacionais. Em 1950, o diretor surpreendeu ao sair do Festival de Veneza com o prêmio máximo — o Leão de Ouro — por Rashomon. O mundo do cinema passou a dar destaque para o cinema japonês, e Kurosawa foi convertido em celebridade.
"Foi ele [Kurosawa] quem melhor representou a aproximação entre seu país, o Japão, e o Ocidente, após a Segunda Guerra Mundial", escreveu o crítico Inácio Araújo, da Folha de S.Paulo. Nos anos 50, o Japão era conhecido apenas como uma nação exótica, que os filmes de guerra americanos representavam como pouco mais que um grupo de bárbaros fanáticos. Essa imagem preconceituosa do Japão foi completamente subvertida por Kurosawa a partir de Rashomon.
Remontando ao século 11, o longa conta a história de um controvertido julgamento. Numa floresta, a noiva de um samurai tem relações sexuais com o bandido Tajomaru. O samurai, logo em seguida, é encontrado morto, ali perto. O que ocorreu de fato? O bandido estuprou a mulher e depois assassinou o noivo dela? Ou o samurai se matou em nome da honra ao ver sua amada traí-lo? Na investigação, quatro pessoas são ouvidas — a noiva, o samurai (por mediunidade), o bandido e um lenhador. Os relatos se chocam. Em breves flashbacks, o filme mostra cada um dos pontos de vista e seus elementos contraditórios.
Rashomon foi o primeiro grande filme de Kurosawa — uma obra em que ele mostra que o limite das certezas é também o limite da justiça. Sua premissa narrativa e moral — uma história com múltiplas versões — irradia-se até os dias de hoje.
Em 1954, Kurosawa realizou sua obra-prima, Os Sete Samurais. O filme se baseia numa história verídica para contrapor honra e destino. Aldeões do século 16 estão ameaçados por bandidos que, sem piedade, ocupam o povoado e saqueiam as colheitas de arroz. O mestre Kambei é encarregado de contratar mais seis samurais para proteger o local.
O professor acadêmico e crítico americano Roger Ebert especula que em nenhum filme, antes de Os Sete Samurais, um grupo de personagens havia se reunido para executar certa missão. Não bastasse a originalidade, Kurosawa compôs um grupo heterogêneo, cujos membros têm personalidade e motivações diferentes — o samurai interpretado por Toshiro Mifune fez história.
O filme é um elogio a valores coletivos (solidariedade, disciplina), mas exalta a humanidade que cerca sentimentos pessoais como o medo e a covardia. Os Sete Samurais levou o Leão de Prata no Festival de Veneza e consagrou de vez Kurosawa — Hollywood fez uma versão em faroeste do filme, com o título Sete Homens e um Destino.
Se o faroeste era o gênero americano por excelência, Kurosawa transformou o jidai-geki no grande gênero japonês. Nada de caubóis, pradarias e longos duelos do Velho Oeste — elementos típicos do western. O diretor japonês iluminou o cinema de seu país com guerreiros samurais, aldeias medievais, xogunatos, lutas breves de lanças — a essência da arte do espadachim.
Está aí a principal razão para o reconhecimento e a fama de Kurosawa fora do Japão, acima de diretores como os também mestres Kenji Mizoguchi (1898-1956) e Yasujiro Ozu (1903-1963). De um lado, seus filmes apresentaram pontos de sintonia com a tradicional narrativa ocidental; de outro, o cineasta interpretou à sua maneira princípios universais — na arte e na sociedade —, atribuindo-lhes a riqueza dos valores tipicamente orientais.
Tais características estão claras em outros filmes de samurai de Kurosawa, como A Fortaleza Escondida (1958), Yojimbo, O Guarda-Costas (1961), e sua continuação, Sanjuro (1962). Desses três, Yojimbo é o mais bem-sucedido em termos de crítica e público. Seu enredo gira em torno de um samurai solitário e desempregado, que resolve lutar para dois grupos inimigos. No filme seguinte, Sanjuro é o nome do samurai que cede à corrupção. Dois personagens, dois estudos morais.
Para incômodo dos japoneses mais ortodoxos, a carreira de Kurosawa sempre dialogou com o Ocidente. Na década de 50, o diretor adaptou para a tela grande O Idiota, de Dostoievski, e Ralé, de Gorki. Em Trono Manchado de Sangue (1957), ambientou Macbeth, de Shakespeare, no Japão feudal, e tratou do samurai Taketori Washizu. Destinado a ser xogum e instigado pela ganância da esposa Asaji, esse anti- herói envereda por uma luta que leva à memorável cena final: Washizu, imperecível, não sucumbe nem quando seus antigos comandados o atingem com dezenas de flechas.
O universo shakespeariano e o desenlace trágico são retomados em Ran, uma adaptação livre de Rei Lear e da lenda japonesa de Móri. O filme mostra uma disputa de poder marcada por traições no seio de um clã. Kagemusha é outro ensaio de Kurosawa sobre o poder, ambientado nos tempos dos samurais. Próximo da morte, o xogum Shingen vê que seu clã está em processo de ruína e arma uma manobra: arranja um sósia para sucedê-lo em sigilo.
Com a morte do chefe militar, o sósia a subir ao trono é um ladrão que aceita o disfarce e depara com uma série de crises. O larápio, no entanto, aprende as artimanhas do clã e vira uma personificação fiel do líder morto. Por esse épico espetacular — estudo de como a manutenção do poder pode custar caro numa sociedade de hipocrisias e aparências —, o cineasta japonês amealhou vários prêmios internacionais, com destaque para a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Lembrar Kurosawa cem anos após seu nascimento — como faz a Cinemateca Brasileira, ao programar um ciclo gratuito de filmes do diretor — é prestar tributo a uma cinematografia única. Uma vez mais, espectadores poderão entender por que esse gigante das artes japonesas foi definido até pelo diretor americano Steven Spielberg como “o Shakespeare visual do nosso tempo”.
* Texto adaptado de um artigo do autor para a revista Japão, 500 Anos de História, 100 Anos de Imigração
terça-feira, 9 de março de 2010
Oscar: Venceu o filme a favor da máquina de guerra
Achei interessante a análise, embora continue achando "Avatar" uma porcaria. Mas vale lembrar que a direitona dos EUA estava metendo o pau no filme por achar que ele era de esquerda!
- André
Oscar: Venceu o filme a favor da máquina de guerra
- Por Luiz Bolognesi*
Ao contrário do que parece à primeira vista, a polarização entre Avatar e Guerra ao Terror não traduz uma disputa entre cinema industrial e cinema independente, nem batalha entre homem e mulher. O que estava em jogo e continua é o confronto entre um filme contra a máquina de guerra e a economia que a alimenta e outro absolutamente a favor, com estratégias subliminares a serviço da velha apologia à cavalaria.
Avatar foi acusado nos Estados Unidos de ser propaganda de esquerda. E é. Por isso é interessante. No filme, repleto de clichês, os vilões são o general, o exército americano e as companhias exploradoras de minério do subsolo. Os heróis são o "povo da floresta". A certa altura, eles reúnem todos os ''clãs'' para enfrentar o invasor americano.
Clãs? Invasor americano? Que passa? É difícil entender como a indústria de Hollywood conseguiu produzir um filme tão na contramão dos interesses do país e transformá-lo no filme mais visto na história do cinema. Esse fato derruba qualquer teoria conspiratória, derruba décadas de pensamento de esquerda segundo a qual a indústria de Hollywood está sempre a serviço da ideologia do fast-food e da economia que avança com mísseis, aviões e tanques. Como explicar esse fenômeno tão contraditório?
Brechas, lacunas na história. Ou como diria Foucault, a história é feita de acasos e não de uma continuidade lógica cartesiana. A necessidade do grande lucro, da grande bilheteria mundial produziu uma antítese sem precedentes chamada James Cameron. O homem de Titanic tinha carta branca. Pelas regras da cultura do "ao vencedor, as batatas", Cameron podia tudo porque era capaz de fazer explodir as bilheterias mundiais.
Mas calma lá, cara pálida, uma incoerência desse tamanho, você acredita que passaria despercebida? O general americano, vilão? As companhias americanas que extraem minério debaixo das florestas tratadas como o império das sombras? Alto lá. Devagar com o andor, mister Cameron.
Aí, alguém chegou correndo com um DVD na mão. Vocês viram esse filme da ex-mulher do Cameron? Não, ninguém viu? Então vejam. É sensacional. Ao contrário de Avatar, nesse DVD aqui o soldado americano é o herói. Aliás, mais que herói, ele é um santo que arrisca sua própria vida para salvar iraquianos inocentes. Jura? Temos esse filme aí? Sim, o pitbull americano é humanizado e glamourizado, mais que isso, ele é santificado.
Então há tempo.
Guerra ao Terror estreou no Festival de Veneza há dois anos. Por acaso eu estava lá como roteirista de Terra Vermelha, do diretor italiano Marco Bechis, e fui testemunha ocular da história. O filme da diretora Kathryn Bigelow foi absolutamente desprezado pelos jornalistas e pelo público. E seguiu assim. Indo direto ao DVD, em muitos países, sem passar pelas salas de cinema. Até ser resgatado pela indústria americana como um trunfo necessário para contestar Avatar e reverenciar a máquina de guerra e o sacrifício de tantos jovens americanos mortos e decepados em campo de batalha.
Trabalhando num projeto para o mesmo diretor italiano, que pretendia fazer um filme sobre os viciados em guerra no Iraque, eu pesquisei o assunto durante alguns meses. Tudo muito parecido com o filme de Bigelow, exceto por um detalhe. O detalhe é que os soldados americanos que se tornam dependentes da adrenalina da guerra tornam-se assassinos compulsórios e não salvadores de vidas.
O sintoma dos viciados em guerra é atirar em qualquer coisa que se mexa, tratar a realidade como videogame e lidar com armas e balas de verdade como um brinquedo erótico. Se Guerra ao Terror representasse nas telas essa dimensão da realidade, seria um filme sensacional, mas não teria levado o Oscar, podem apostar.
Guerra ao Terror venceu o Oscar porque, como nos filmes de forte apache, transforma os assassinos que dizimam outras culturas em heróis santificados. A cena extremamente longa e minimalista em que os jovens soldados americanos em situação desprivilegiada combatem no deserto os iraquianos é o que, se não uma cena clássica de caubóis cercados por apaches?
Sem nenhuma surpresa para filmes desse gênero, os garotos americanos vencem, matam os iraquianos sem rosto, como os caubóis faziam com os apaches no velho-oeste. A cena do garoto iraquiano morto, com uma bomba colocada dentro do corpo por impiedosos iraquianos, que literalmente matam criancinhas, tem a sutileza de um elefante numa loja de cristais. Propaganda baratíssima da máquina de guerra.
No filme de Cameron, os na"vi azuis podem ser os apaches que derrotam o general e expulsam a cavalaria americana. Mas isso é apenas uma ficção. Na vida real do Oscar, a cavalaria precisa continuar massacrando os apaches.
*Luiz Bolognesi é roteirista de filmes como Bicho de Sete Cabeças e Chega de Saudade
- André
Oscar: Venceu o filme a favor da máquina de guerra
- Por Luiz Bolognesi*
Ao contrário do que parece à primeira vista, a polarização entre Avatar e Guerra ao Terror não traduz uma disputa entre cinema industrial e cinema independente, nem batalha entre homem e mulher. O que estava em jogo e continua é o confronto entre um filme contra a máquina de guerra e a economia que a alimenta e outro absolutamente a favor, com estratégias subliminares a serviço da velha apologia à cavalaria.
Avatar foi acusado nos Estados Unidos de ser propaganda de esquerda. E é. Por isso é interessante. No filme, repleto de clichês, os vilões são o general, o exército americano e as companhias exploradoras de minério do subsolo. Os heróis são o "povo da floresta". A certa altura, eles reúnem todos os ''clãs'' para enfrentar o invasor americano.
Clãs? Invasor americano? Que passa? É difícil entender como a indústria de Hollywood conseguiu produzir um filme tão na contramão dos interesses do país e transformá-lo no filme mais visto na história do cinema. Esse fato derruba qualquer teoria conspiratória, derruba décadas de pensamento de esquerda segundo a qual a indústria de Hollywood está sempre a serviço da ideologia do fast-food e da economia que avança com mísseis, aviões e tanques. Como explicar esse fenômeno tão contraditório?
Brechas, lacunas na história. Ou como diria Foucault, a história é feita de acasos e não de uma continuidade lógica cartesiana. A necessidade do grande lucro, da grande bilheteria mundial produziu uma antítese sem precedentes chamada James Cameron. O homem de Titanic tinha carta branca. Pelas regras da cultura do "ao vencedor, as batatas", Cameron podia tudo porque era capaz de fazer explodir as bilheterias mundiais.
Mas calma lá, cara pálida, uma incoerência desse tamanho, você acredita que passaria despercebida? O general americano, vilão? As companhias americanas que extraem minério debaixo das florestas tratadas como o império das sombras? Alto lá. Devagar com o andor, mister Cameron.
Aí, alguém chegou correndo com um DVD na mão. Vocês viram esse filme da ex-mulher do Cameron? Não, ninguém viu? Então vejam. É sensacional. Ao contrário de Avatar, nesse DVD aqui o soldado americano é o herói. Aliás, mais que herói, ele é um santo que arrisca sua própria vida para salvar iraquianos inocentes. Jura? Temos esse filme aí? Sim, o pitbull americano é humanizado e glamourizado, mais que isso, ele é santificado.
Então há tempo.
Guerra ao Terror estreou no Festival de Veneza há dois anos. Por acaso eu estava lá como roteirista de Terra Vermelha, do diretor italiano Marco Bechis, e fui testemunha ocular da história. O filme da diretora Kathryn Bigelow foi absolutamente desprezado pelos jornalistas e pelo público. E seguiu assim. Indo direto ao DVD, em muitos países, sem passar pelas salas de cinema. Até ser resgatado pela indústria americana como um trunfo necessário para contestar Avatar e reverenciar a máquina de guerra e o sacrifício de tantos jovens americanos mortos e decepados em campo de batalha.
Trabalhando num projeto para o mesmo diretor italiano, que pretendia fazer um filme sobre os viciados em guerra no Iraque, eu pesquisei o assunto durante alguns meses. Tudo muito parecido com o filme de Bigelow, exceto por um detalhe. O detalhe é que os soldados americanos que se tornam dependentes da adrenalina da guerra tornam-se assassinos compulsórios e não salvadores de vidas.
O sintoma dos viciados em guerra é atirar em qualquer coisa que se mexa, tratar a realidade como videogame e lidar com armas e balas de verdade como um brinquedo erótico. Se Guerra ao Terror representasse nas telas essa dimensão da realidade, seria um filme sensacional, mas não teria levado o Oscar, podem apostar.
Guerra ao Terror venceu o Oscar porque, como nos filmes de forte apache, transforma os assassinos que dizimam outras culturas em heróis santificados. A cena extremamente longa e minimalista em que os jovens soldados americanos em situação desprivilegiada combatem no deserto os iraquianos é o que, se não uma cena clássica de caubóis cercados por apaches?
Sem nenhuma surpresa para filmes desse gênero, os garotos americanos vencem, matam os iraquianos sem rosto, como os caubóis faziam com os apaches no velho-oeste. A cena do garoto iraquiano morto, com uma bomba colocada dentro do corpo por impiedosos iraquianos, que literalmente matam criancinhas, tem a sutileza de um elefante numa loja de cristais. Propaganda baratíssima da máquina de guerra.
No filme de Cameron, os na"vi azuis podem ser os apaches que derrotam o general e expulsam a cavalaria americana. Mas isso é apenas uma ficção. Na vida real do Oscar, a cavalaria precisa continuar massacrando os apaches.
*Luiz Bolognesi é roteirista de filmes como Bicho de Sete Cabeças e Chega de Saudade
segunda-feira, 8 de março de 2010
Masoquismo puro: Análise do Oscar 2009
Esse último Oscar foi um dos piores, se não o pior, que eu já assisti. Não estou falando do show em si, que foi brega, irritante e interminável como sempre, mas sim dos filmes concorrendo.
Uma piada o fraco "Guerra ao Terror" ganhar seis estatuetas - ainda mais as técnicas, como melhor edição de som e efeitos sonoros, já que o filme é extremamente precário. Mas pior seria o desenho animado em computador "Avatar" ter ganho como melhor filme e diretor. Por sinal, como um filme desses, todinho feito digitalmente, pode ganhar o Oscar de melhor fotografia? Ridículo.
Sandra Bullock melhor atriz? Só rindo mesmo... Mas faz parte da lógica deles de tentarem alavancar a carreira de gente que ajuda a trazer dinheiro para as bilheterias e para as contas bancárias dos executivos de Roliúdi.
As únicas coisas boas da noite foram as premiações do Jeff Bridges, bom ator e um sujeito simpático, do filme argentino "O Segredo de Seus Olhos" e do compositor Michael Giacchino (por "Up", um desenho bem fraquinho cuja trilha sonora era a única coisa que prestava). Só faltava mesmo a grotesca trilha de James Horner para "Avatar" ganhar. Ou o abominável Hans Zimmer, que criou o barulho que chamaram de música para o desprezível "Sherlock Holmes".
Não dá mesmo para levar a sério esse concurso de popularidade, mas nunca haviam chegado ao fundo do poço como este ano. Filmes excepcionais como "Agora" ou "Watchmen" não terem recebido nenhuma indicação é apenas a prova que não se deve levar essa besteira à sério. A gente assiste e comenta por masoquismo puro e simples...
Uma piada o fraco "Guerra ao Terror" ganhar seis estatuetas - ainda mais as técnicas, como melhor edição de som e efeitos sonoros, já que o filme é extremamente precário. Mas pior seria o desenho animado em computador "Avatar" ter ganho como melhor filme e diretor. Por sinal, como um filme desses, todinho feito digitalmente, pode ganhar o Oscar de melhor fotografia? Ridículo.
Sandra Bullock melhor atriz? Só rindo mesmo... Mas faz parte da lógica deles de tentarem alavancar a carreira de gente que ajuda a trazer dinheiro para as bilheterias e para as contas bancárias dos executivos de Roliúdi.
As únicas coisas boas da noite foram as premiações do Jeff Bridges, bom ator e um sujeito simpático, do filme argentino "O Segredo de Seus Olhos" e do compositor Michael Giacchino (por "Up", um desenho bem fraquinho cuja trilha sonora era a única coisa que prestava). Só faltava mesmo a grotesca trilha de James Horner para "Avatar" ganhar. Ou o abominável Hans Zimmer, que criou o barulho que chamaram de música para o desprezível "Sherlock Holmes".
Não dá mesmo para levar a sério esse concurso de popularidade, mas nunca haviam chegado ao fundo do poço como este ano. Filmes excepcionais como "Agora" ou "Watchmen" não terem recebido nenhuma indicação é apenas a prova que não se deve levar essa besteira à sério. A gente assiste e comenta por masoquismo puro e simples...