Achei interessante a análise, embora continue achando "Avatar" uma porcaria. Mas vale lembrar que a direitona dos EUA estava metendo o pau no filme por achar que ele era de esquerda!
- André
Oscar: Venceu o filme a favor da máquina de guerra
- Por Luiz Bolognesi*
Ao contrário do que parece à primeira vista, a polarização entre Avatar e Guerra ao Terror não traduz uma disputa entre cinema industrial e cinema independente, nem batalha entre homem e mulher. O que estava em jogo e continua é o confronto entre um filme contra a máquina de guerra e a economia que a alimenta e outro absolutamente a favor, com estratégias subliminares a serviço da velha apologia à cavalaria.
Avatar foi acusado nos Estados Unidos de ser propaganda de esquerda. E é. Por isso é interessante. No filme, repleto de clichês, os vilões são o general, o exército americano e as companhias exploradoras de minério do subsolo. Os heróis são o "povo da floresta". A certa altura, eles reúnem todos os ''clãs'' para enfrentar o invasor americano.
Clãs? Invasor americano? Que passa? É difícil entender como a indústria de Hollywood conseguiu produzir um filme tão na contramão dos interesses do país e transformá-lo no filme mais visto na história do cinema. Esse fato derruba qualquer teoria conspiratória, derruba décadas de pensamento de esquerda segundo a qual a indústria de Hollywood está sempre a serviço da ideologia do fast-food e da economia que avança com mísseis, aviões e tanques. Como explicar esse fenômeno tão contraditório?
Brechas, lacunas na história. Ou como diria Foucault, a história é feita de acasos e não de uma continuidade lógica cartesiana. A necessidade do grande lucro, da grande bilheteria mundial produziu uma antítese sem precedentes chamada James Cameron. O homem de Titanic tinha carta branca. Pelas regras da cultura do "ao vencedor, as batatas", Cameron podia tudo porque era capaz de fazer explodir as bilheterias mundiais.
Mas calma lá, cara pálida, uma incoerência desse tamanho, você acredita que passaria despercebida? O general americano, vilão? As companhias americanas que extraem minério debaixo das florestas tratadas como o império das sombras? Alto lá. Devagar com o andor, mister Cameron.
Aí, alguém chegou correndo com um DVD na mão. Vocês viram esse filme da ex-mulher do Cameron? Não, ninguém viu? Então vejam. É sensacional. Ao contrário de Avatar, nesse DVD aqui o soldado americano é o herói. Aliás, mais que herói, ele é um santo que arrisca sua própria vida para salvar iraquianos inocentes. Jura? Temos esse filme aí? Sim, o pitbull americano é humanizado e glamourizado, mais que isso, ele é santificado.
Então há tempo.
Guerra ao Terror estreou no Festival de Veneza há dois anos. Por acaso eu estava lá como roteirista de Terra Vermelha, do diretor italiano Marco Bechis, e fui testemunha ocular da história. O filme da diretora Kathryn Bigelow foi absolutamente desprezado pelos jornalistas e pelo público. E seguiu assim. Indo direto ao DVD, em muitos países, sem passar pelas salas de cinema. Até ser resgatado pela indústria americana como um trunfo necessário para contestar Avatar e reverenciar a máquina de guerra e o sacrifício de tantos jovens americanos mortos e decepados em campo de batalha.
Trabalhando num projeto para o mesmo diretor italiano, que pretendia fazer um filme sobre os viciados em guerra no Iraque, eu pesquisei o assunto durante alguns meses. Tudo muito parecido com o filme de Bigelow, exceto por um detalhe. O detalhe é que os soldados americanos que se tornam dependentes da adrenalina da guerra tornam-se assassinos compulsórios e não salvadores de vidas.
O sintoma dos viciados em guerra é atirar em qualquer coisa que se mexa, tratar a realidade como videogame e lidar com armas e balas de verdade como um brinquedo erótico. Se Guerra ao Terror representasse nas telas essa dimensão da realidade, seria um filme sensacional, mas não teria levado o Oscar, podem apostar.
Guerra ao Terror venceu o Oscar porque, como nos filmes de forte apache, transforma os assassinos que dizimam outras culturas em heróis santificados. A cena extremamente longa e minimalista em que os jovens soldados americanos em situação desprivilegiada combatem no deserto os iraquianos é o que, se não uma cena clássica de caubóis cercados por apaches?
Sem nenhuma surpresa para filmes desse gênero, os garotos americanos vencem, matam os iraquianos sem rosto, como os caubóis faziam com os apaches no velho-oeste. A cena do garoto iraquiano morto, com uma bomba colocada dentro do corpo por impiedosos iraquianos, que literalmente matam criancinhas, tem a sutileza de um elefante numa loja de cristais. Propaganda baratíssima da máquina de guerra.
No filme de Cameron, os na"vi azuis podem ser os apaches que derrotam o general e expulsam a cavalaria americana. Mas isso é apenas uma ficção. Na vida real do Oscar, a cavalaria precisa continuar massacrando os apaches.
*Luiz Bolognesi é roteirista de filmes como Bicho de Sete Cabeças e Chega de Saudade
Análise brilhante deste filme. Obrigado por publicá-la.
ResponderExcluirEu odiei tanto Avatar por ser tão fraco e infantil - apenas uma sucessão de efeitos especiais e chavões - que até gostei que ele não ganhou praticamente nada no Oscar, mas é preciso sim deixar claro que este Guerra ao Terror é um filme fascitóide ainda que eu ache que como cinema tenha mais valor do que Avatar.
Mas a análise do Luiz Bolognesi coloca tudo em seu lugar.
O Avatar é um grande filme, feito com um ótimo uso da tecnologia. O Guerra ao Terror é o filme do little hero sem causa, que a gente assiste até o fim esperando que ele expluda. Se tivesse durado 15 minutos seria ótimo.Agora o Avatar só nnao ganhou pelo medo dos atores de serem substituidos por animações.
ResponderExcluirPodem dizer o que quiserem do Avatar: que é ingênuo, que a música é um lixo, bla, bla, bla.
ResponderExcluirMas é um filme radicalmente contra o militarismo estadunidense. E, por não ser filme alternativo - ao contrário, é o mais caro filme já feito - atinge um grande, imenso público. É uma verdadeira propaganda contra a IV Frota.
Além do mais, Avatar é um filme bonito, visualmente. Não importa se são efeitos especiais. As imagens são bonitas.
O tal "Guerra ao Terror" eu não vi, nem verei, pois já saturei de filmes de heróis de direita.
Podem dar quantos Oscars puderem ao filme direitoso, mas o prêmio maior, as bilheterias, é do Avatar.
Acabei de saber, pelo Blog do Nassif, que o James Cameron estará no Forum Internacional de Sustentabilidade, na Amazônia. Não acho que ele é da linha Bush, querendo que os EUA se apossem da Amazônia. O filme Avatar mostrou que ele não é dessa facção. Acho que ele vem para tentar contribuir, do jeito dele. Só o filme já foi uma razoável contribuição ideológica. Sim, sim, bem no estilo estadunidense. Mas também não podemos esperar demais do pessoal de lá.
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