Boas ideias são desperdiçadas em roteiro fraco e
precariedade técnica, algo que entra em conflito gritante com a trilogia
original
- por André Lux
Expectativa é tudo quando se trata de apreciar um novo filme
que pretende dar continuidade a uma franquia bem sucedida. Foi assim com Star
Wars. É assim com Star Trek. E não poderia deixar de ser com Matrix. Ou seja, é
praticamente impossível para qualquer apreciador assistir ao novo produto sem
trazer consigo a bagagem de tudo que veio antes.
O primeiro filme data de um longínquo 1999 e revolucionou a
sétima arte em termos de novas tecnologias de filmagem, efeitos especiais e incorporação
de diversos aspectos da cultura pop e filosóficos em uma única obra. Visto
hoje, o “Matrix” original continua impressionante, porém seu impacto jamais
será o mesmo para quem o assiste pela primeira vez agora, haja visto as
centenas de imitações que vieram na sua esteira. Os efeitos e truques de
filmagens que na época eram inovadores, hoje parecem meros clichês.
Até mesmo as duas continuações, “Matrix Reloaded” e “Matrix Revolutions”,
falharam em impressionar e muita gente simplesmente não gostou porque os
realizadores, os irmãos Wachowski, subverteram as expectativas e fecharam a
trilogia de forma bem diferente do que se esperava do clichê da “jornada do
herói”. Eu fui um dos poucos que realmente sacaram as intenções dos dois filmes
e gosto deles até hoje, mesmo reconhecendo seus defeitos (leia aqui minha análise da trilogia).
Chega agora, 20 anos depois de “Revolutions”, a quarta parte
da franquia, intitulada “Matrix Resurrections”. A grande pergunta sobre o filme
é: por que foi feito? E a resposta está no próprio longa, em uma das várias tiradas
sarcásticas que os roteiristas inventaram para rir de si mesmos: porque a Warner
Brothers, detentora dos direitos, iria dar sequência à franquia com ou sem a
participação de seus criadores, que hoje são duas mulheres transexuais Lana e
Lily Wachowski (antes Larry e Andy), embora somente Lana aceitou participar da
produção de “Resurrections”.
Já que foi forçada a fazer a nova sequência contra sua
vontade, a cineasta optou por sabotar seu próprio filme. Embora “Revolutions”
tenha fechado a trilogia original sem deixar muitas pontas soltas para uma
continuação, obviamente o universo de Matrix poderia ser explorado de inúmeras
formas, mas Lana optou pelo caminho mais fácil: fazer uma espécie de reboot do
primeiro filme ao mesmo tempo que dá sequência aos eventos do último, algo que
está na moda hoje em Hollywood e quase sempre resulta em fracasso junto aos
fãs.
“Resurrections” é uma colcha de retalhos que mistura boas ideias,
nostalgia e soluções simplistas. Mas são as duas últimas que predominam e as
(poucas) premissas interessantes são desperdiçadas e não chegam a lugar algum.
A melhor coisa acaba sendo o primeiro ato, quando Neo, novamente preso à
Matrix, começa a perceber que algo está errado quando é obrigado a fazer uma
continuação da série de videogames de sucesso chamado, bem... Matrix. E aí Wachowski
aproveita para alfinetar a lógica corporativa que quer tirar leite de pedra
dessas franquias, ao mesmo tempo que ironiza a falta de entendimento do público
médio sobre os reais significados de Matrix.
É uma pena que tudo isso seja esquecido a partir do segundo
ato que vira uma mera releitura do que já foi visto (inclusive com várias
inserções de cenas dos filmes anteriores), com os personagens repetindo o que
já foi feito, só que sem a menor vibração, suspense ou emoção. Keanu Reeves
nunca foi um bom ator, mas aqui está catatônico, sussurrando seus diálogos como
se estivesse... prestes... a... ter... um... ataque... de... cólica... intestinal. O resto do elenco é fraco e parece saído de uma série para adolescentes
da Netflix. No terceiro ato alguns diálogos mais profundos melhoram a
experiência, mas ainda é muito pouco perto do que já foi mostrado antes.
O que mais chama a atenção, além do roteiro fraco e sem qualquer
inspiração, é a precariedade técnica do filme, algo que entra em conflito gritante
com a trilogia original: lutas coreografadas de modo apressado, perseguições simplórias
e efeitos visuais capengas. Fica evidente que faltou dinheiro e certamente a
pandemia da Covid-19 atrapalhou bastantes as filmagens. No final das contas,
parece um filme feito por algum fã de Matrix.
Já vi duas vezes “Matrix Resurrections”. Na primeira algumas
passagens chegaram a me deixar constrangido. Na segunda achei menos ofensivo,
certamente porque já estava sem qualquer expectativa. Infelizmente não é por
isso que o filme deixa de ser fraco, apenas fica mais tolerável. E novamente a
gente se pergunta: por que diabos fizeram esse filme? Embora a resposta seja
óbvia, fica difícil de entender porque deixaram ser realizado dessa forma, já
que é uma clara trolagem contra o estúdio e os fãs que já estão enfurecidos
xingando o filme nas redes sociais e nos canais de youtube. Ou seja, mais um
tiro no pé - só que em “bullet time”...
Cotação: **
A bem da verdade, eu nunca achei nada de mais em Matrix, que o saudoso José Wilker descreveu perfeitamente como um filme onde um sujeito aprende a brigar melhor.
ResponderExcluirO Wilker falava umas besteiras indefensáveis...
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