O CAPITÃO NASCIMENTO DO FUTURO
Até esse filme, não conseguia decidir se o cineasta José Padilha era apenas um inocente útil ou um canalha mesmo. Agora eu sei.
Até esse filme, não conseguia decidir se o cineasta José Padilha era apenas um inocente útil ou um canalha mesmo. Agora eu sei.
- por André Lux, crítico-spam
Esse novo “Robocop” não chega a ser um filme ruim, tecnicamente falando (exceto a trilha musical, que é lamentável - leia aqui minha análise dela). É
muito bem feito, tem excelentes atores e consegue manter o interesse nos dois
primeiros terços da projeção.
O problema mesmo é o terceiro ato, que joga tudo
que foi mostrado antes para o alto e descamba para os clichês mais imbecis do
cinema de ação made in USA. Mas o que implode mesmo o filme é a mensagem
fascista que a obra transmite.
Eu vou ser sincero: até ver esse filme, não conseguia decidir se o cineasta
José Padilha era apenas um inocente útil ou um canalha mesmo. Seu “Tropa de Elite”
é um dos filmes mais asquerosos já produzidos, do tipo que faria Adolf Hitler e
seus seguidores aplaudirem de pé (e como aplaudiram!).
Chamado de fascista por um grande número de
analistas, Padilha negou de pés juntos e aí fez o “Tropa de Elite 2”, que é uma
tentativa desesperada (e sem sucesso) de provar que não reza pela cartilha dos
nazi-fascistas. Mas, diabos, ele fez aquele excelente documentário “Ônibus 174”
que era uma defesa valorosa dos direitos humanos!
Todavia, um cidadão que faz parte do Instituto Millenium (clique aqui para saber o que é isso, mas prepare o saco de vômito) e ganhou nada
menos do que TRÊS capas da revista Veja, o maior panfleto da extrema-direita tupiniquim, não pode bancar o inocente.
Então...
Diga-me com quem tu andas: Padilha é membro orgulhoso do Instituto Millenium |
Agora vem esse “Robocop”, refilmagem do original feito em 1987 pelo
holandês Paul Verhoeven que é considerado hoje um mini-clássico do gênero e este
sim uma forte bofetada na cara dos extremistas de direita. Na época, buscando
projetos para filmar nos EUA pela segunda vez (seu primeiro filme é o poderoso
“Conquista Sangrenta”, que quase ninguém viu), Verhoeven leu o roteiro de
“Robocop” e jogou de lado, desinteressado.
Alguns dias depois, sua esposa
perguntou a ele: “Não vai filmar a história do Jesus Cristo fascista”? E aí ele
releu o roteiro e, claro, sua mente fervilhou com ideias subversivas para jogar
na história e o resultado já é bem conhecido.
O que era para ser apenas um filminho de ação feito com míseros US$ 17 milhões (uma ninharia para se fazer um filme de ficção científica) sobre um Frankstein
robótico dando tiros e sopapos, tornou-se uma das obras mais ácidas da história
do cinema, lembrada até hoje com carinho pelos fãs que, sim, percebem claramente
a crítica feroz a tudo que existe de errado na civilização ocidental liderada
pelos EUA (naquela Detroit futurista, até a polícia havia sido privatizada).
O que torna o filme de Verhoeven tão fora de série dentro do gênero é
exatamente a subversão que faz dos clichês. Assim, não existem mocinhos e
bandidos no filme. Todo mundo é meio podre, esquisito, problemático, neurótico,
aproveitador. Pegue o sujeito que criou o Robocop.
Se Veja elogia, boa coisa não pode ser |
Já no filme do Verhoeven, o cara é um tremendo almofadinha,
que só quer saber de subir na empresa às custas do seu projeto e é morto pelo
vilão no meio de uma orgia com prostitutas e cocaína (nada contra as
prostitutas, muito pelo contrário).
Eu lembro perfeitamente como esse tipo de subversão, pequena é verdade, é
eficiente em acionar partes dormentes do cérebro, justamente por ser algo tão
fora do padrão. Ou seja, é o tipo de artifício sutil que te faz pensar e
questionar coisas que normalmente você não questionaria.
Enfim, é impossível não comparar as duas obras e, claro, a nova versão
dirigida pelo Padilha perde feio. Primeiro, porque o brasileiro não é chegado em
sutilezas. Filma tudo com mão pesada e marreta suas supostas mensagens com a
delicadeza de um rinoceronte com dor de dente.
Assim, como todo bom fascista,
Padilha finge criticar e ironizar as manias de grandeza dos EUA e sua sociedade
do consumo colocando tudo isso nas costas dos dois vilões principais do filme: o
dono da corporação que produz o Robocop e manda na polícia (Michael Keaton, péssimo como sempre) e no apresentador de
TV ultra-reacionário interpretado por Samuel L. Jackson, que não deveria se prestar a esse tipo de besteira (as cenas com ele são as piores do filme).
São aqueles tipo de vilões extremamente caricatos que a gente vê todos os
dias nos filmes enlatados dos EUA, que fazem maldades simplesmente porque... são
maus e sabem que são maus. Isso é algo tão ridículo e longe da realidade, que
não causa o menor impacto ou reflexão. Simplesmente porque ninguém é mau, sabe
que é mau e gosta de fazer maldades, nem mesmo o Hitler.
O ser humano é por
demais complexo para esse tipo de reducionismo barato que é usado pelo cinema
estadunidense com maestria para entorpecer a mente dos espectadores enquanto as
VERDADEIRAS mensagens são passadas de maneira muito mais sutil e
subliminar.
No filme original, quando o Robocop vai prender o traficante psicopata
(notem, um doente mental, não uma caricatura), ele refreia no último instante
seu instinto de simplesmente esmagar o pescoço do seu executor lembrando que é
um POLICIAL, ou seja, alguém que tem como profissão o respeito às leis. Não
existe, na minha opinião, mensagem mais anti-fascista do que essa.
O Capitão Nascimento do Futuro, prendendo e arrebentando |
Já no novo filme, o herói invade a fábrica de drogas do vilão (que é mau,
sabe que é mau e gosta de fazer maldades) e simplesmente mata todo mundo, mesmo
quando obviamente não havia mais necessidade.
Ou seja, age como policial, juiz,
júri e executor. Faz justiça com as próprias mãos, dando uma banana para a lei e
a ordem, que ele teria como obrigação proteger, exatamente como o nefasto Capitão Nascimento dos "Tropa de Elite", naquela estilo "prendo e arrebento" tão comum durante a ditadura militar no Brasil. Coincidência. Só que não.
Falando agora apenas do filme em si, achei muito ruim a ideia de mostrar o
Robocop como uma pessoa normal já de cara, com todas suas memórias intactas. No
original, ele tem todas as memórias apagadas e é apenas uma máquina com algum
tecido humano, porém com o passar do tempo, suas emoções vão ressurgindo e com
elas as memórias, diminuindo a parte mecânica e aumentando a parte humana. Só na
cena final é que ele finalmente diz seu nome, reconhecendo que, afinal, é um
homem. Perfeito.
No novo filme, ele começa normal, depois tem as emoções retiradas, depois a
memória e, em menos de 10 minutos, volta ao normal de novo e pronto, parte
para a vingança. Assim, tirando esses poucos minutos em que realmente foi o
Robocop, no resto do filme ele não passa de uma versão em preto do “Homem de
Ferro”, só que com uma armadura colada eternamente ao corpo.
Esse vai e vem de memórias e sentimentos humanos até é bem utilizado nas primeiras duas partes, mas, como eu disse, é jogado para o alto no final e tudo vira mais uma daquelas intermináveis sequências de ação, tiro e luta que são obrigatórias em qualquer filme de Roliúdi nos últimos dez anos...
Esse vai e vem de memórias e sentimentos humanos até é bem utilizado nas primeiras duas partes, mas, como eu disse, é jogado para o alto no final e tudo vira mais uma daquelas intermináveis sequências de ação, tiro e luta que são obrigatórias em qualquer filme de Roliúdi nos últimos dez anos...
Já falei demais de um filme tão desprezível. Nem vale a pena. A não ser
para confirmar que José Padilha, definitivamente, de ingênuo não tem nada.
Cotação: *