O cinema nunca será o mesmo sem Jerry Goldsmith
A morte do genial compositor é como uma luz que se apaga para nunca mais ser acesa
- por André Lux
2004 foi um ano difícil para mim e, suponho, para qualquer pessoa que tenha crescido apreciando a boa música do cinema. Um dos maiores compositores de trilhas sonoras nos deixou: Jerry Goldsmith.
Confesso que nada me havia preparado para o choque de receber a notícia de que tão ilustre artista não estava mais entre nós.
No início a sensação era de incredulidade. Depois veio um sentimento amargo, deprimente, do tipo que se tem quando um bom e velho amigo deixa de viver. Mas como é possível sentir isso por uma pessoa que nunca havia sequer chegado perto? Como é possível ter sentimentos e laços tão profundos por alguém que jamais havia conhecido?
A resposta para essas perguntas só pode ser: a música que escrevia falava diretamente à minha alma. Era como se aquele senhor, ao escrever suas partituras, estivesse se comunicando diretamente comigo, num nível de intimidade que só pessoas realmente chegadas tem.
Afinal de contas eu cresci ouvindo a música dele e seria impossível não sofrer algum tipo de influência da sua imensa e grandiosa obra. No caso de Jerry Goldsmith, essa influência foi infinitamente maior, assim como a dor que senti ao saber que havia falecido.
Apesar de ter começado a tomar gosto pela música do cinema com John Williams e sua trilha para ''Star Wars'', foi Goldsmith quem realmente me fisgou para esse mundo com sua partitura majestosa para ''Jornada nas Estrelas - O Filme''.
Lembro até hoje do dia em que, com apenas 9 anos de idade, arrastei meu pai até uma loja de discos para comprar essa trilha, mas só conseguimos achá-la em fita Cassete, a qual ouvi durante a minha adolescência até o ponto em que ela simplesmente se desmanchou! Felizmente com o advento do CD, não corro o risco de ver isso acontecer novamente...
Daí por diante minha vida nunca mais foi a mesma. Enquanto meus amigos corriam para ouvir o novo álbum do Duran-Duran ou do U2, lá estava eu, como um verdadeiro (e orgulhoso!) nerd, ouvindo a nova trilha do maestro Jerry Goldsmith!
Nada mais engraçado do que chegar a uma rodinha de jovens que discutem música pop todos cheios de si e dizer que estava ouvindo em casa a trilha sonora de... ''Gremlins''! ''Como você é esquisito! De que planeta você é, cara??'', muitos me perguntavam.
Mas eu nunca liguei para esse rótulos e tampouco sentia necessidade de deixar de ouvir o que realmente gostava só para me enturmar ou ser aceito. A música daqueles sujeitos tocava tão a fundo que não havia a menor possibilidade de não ouvi-la mais.
É como dizem: uma vez fisgado, não tem mais volta. Mas é claro que esse gosto adquirido acaba se tornando algo solitário, afinal é muito difícil encontrar alguém que o compartilhe. Eu mesmo só fui encontrar outro colecionador de trilhas quando tinha 17 anos!
Penso que minha sorte foi ter conhecido a obra de Jerry Goldsmith bem cedo, pois sua música me abriu horizontes e me ajudou a passar pelos momentos mais difíceis, já que elas exprimiam com perfeição meus sentimentos e acabavam servindo como uma saudável catarse.
Ou seja: quando estava nervoso, era só colocar a trilha de ''O Vento e o Leão'' ou de ''O Vingador do Futuro'' e me imaginar regendo furiosamente aquela orquestra.
Quando sentia tristeza, bastava ouvir a ternura de ''A Ilha do Adeus'' para que meu coração voltasse a bater normalmente. Ao ter medo, nada melhor do que ouvir ''Alien: O Oitavo Passageiro'' ou ''Poltergeist'' para sentir na pele o que é o medo realmente. E assim por diante.
E Goldsmith, além de ser esse genial músico, era também uma pessoa maravilhosa. Tímido, arredio, humilde e sincero, era o tipo de profissional que levava seu trabalho muito a sério, mas que sensatamente jamais levou a si mesmo a sério a ponto de tornar-se arrogante, prepotente ou dono da verdade.
O que mais atraia os diretores em seu trabalho era sua capacidade de colocar-se à serviço do filme, sempre disposto a colaborar e melhorar seu trabalho caso não agradasse num primeiro momento - até mesmo de produções visivelmente trash, como "Leviathan" ou "O Enxame", só para citar dois exemplos.
Essas atitudes louváveis e tão raras podem ser percebidas claramente em todas as entrevistas que ele concedeu ou nos comentários que gravou para os DVDs cujos filmes musicou. E isso é confirmado também pelas pessoas que trabalharam com ele, por seus amigos e por seus familiares, como pudemos perceber nas homenagens que recebeu mundo afora pela ocasião de sua morte.
Na semana da morte do maestro, tive uma surpresa emocionante: recebi pelo correio uma cópia do documentário que Fred Karlin fez sobre Jerry Goldsmith, o qual eu já havia assistido mas não havia copiado. E que hoje tornou-se uma raridade. O presente me foi enviado por um amigo que conheci num desses fóruns de discussões da vida, que também estava sentindo a mesma dor que eu sentia.
Só mesmo um apreciador deste incrível compositor poderia fazer isso, assim de livre e espontânea vontade, sem pedir nada em troca. Ainda mais para alguém que nunca conheceu pessoalmente... Mais uma prova do poder de união e carinho que a música de Jerry pode ter sobre as pessoas!
A morte de Jerry Goldsmith é como uma luz que se apaga para nunca mais ser acesa. Uma perda insubstituível. Saber que nunca mais vou ao cinema só para curtir a nova trilha dele (e nunca vou perdoá-lo por ter me obrigado a ver bombas como ''A Múmia'', ''Rambo III'' ou ''A Soma de Todos os Medos''!) dá uma grande sensação de vazio.
A sétima arte perdeu um de seus mais talentosos e versáteis artistas. E o mundo perdeu uma das pessoas mais amáveis e honestas que por aqui já estiveram, que foi capaz de, com meras notas espalhadas por uma folha de papel, tocar o coração e a mente de tantas pessoas, no mundo inteiro.
Agora, se vocês me dão licença, vou voltar a ouvir o Tema de Amor de ''Chinatown'' e chorar um pouco...
A trilha do filme Star Trek 1 (que foi reutilizada na série A Nova Geração) é uma das minhas favoritas, às vezes fico horas com a música na cabeça! Muito boa!
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