RETRATO DA AUTO-DESTRUIÇÃO
Excelente filme argentino mistura drama, comédia e psicologia para analisar as relações patológicas entre mãe e filho
- por André Lux, crítico-spam
"O Filho da Noiva" é um filme argentino que fez boa campanha nas bilheterias dos cinemas mesmo sem contar com grandes campanhas de marketing. E a explicação é simples: trata-se de uma comédia dramática extremamente humana e próxima de todos nós.
Mas o que torna esta fita, dirigida com grande sensibilidade por Juan José Campanella, tão interessante é o fato de que os dramas e conflitos vividos pelos personagens têm muito mais profundidade e riqueza do que normalmente acontece, trazendo inclusive interessantes abordagens psicológicas.
O roteiro é muito bem amarrado e gira em torno de Rafael Belvedere (o simpático Ricardo Darin), um quarentão fechado e arredio, que herdou o restaurante italiano do pai quando desistiu de seguir carreira como advogado - profissão que "escolheu" por pressão principalmente da mãe, que passou a rejeitá-lo depois que resolveu seguir outros caminhos.
Essa situação mal resolvida entre mãe e filho dá o tom ao filme e é acentuado pelo fato dela estar agora internada em um asilo, já que sofre de Mal de Alzheimer. Pressentindo o final da vida de ambos, seu pai (o excelente ator Hector Alterio) resolve realizar o único sonho da esposa que ele não satisfez: casar na igreja. E para isso pede ajuda ao filho.
Mas Rafael é um adulto imaturo e travado emocionalmente, que vive preso à necessidade patológica de provar seu valor à mãe (a venerável Norma Aleandro) - fato que o impede de ser feliz e o empurra cada vez mais para a auto-destruição. A uma certa altura da narrativa, ele é acometido por um enfarte que quase o leva à morte. É a partir dessa parada forçada no rítimo alucinante de seu dia-a-dia que ele passa a perceber o quanto sua vida é vazia e destituída de relações verdadeiras.
Separado de uma mulher que o despreza com quem teve uma filha que negligencia, às voltas com uma namorada que ele resiste em assumir (Natalia Verbeke) e infeliz no trabalho, Rafael vê-se de repente numa encruzilhada emocional. Uma das saidas que ele considera é "mandar tudo à merda" e viver seu sonho infantil de mudar para o México e criar cavalos! A outra seria buscar o auto-conhecimento, amadurecer e tomar as rédias de sua própria vida.
Felizmente, ele acaba escolhendo pela segunda (logicamente a mais difícil, porém, a mais gratificante a quem tem coragem de pagar o preço), mesmo que meio a contra-gosto a princípio. É tocante a cena na qual Rafael tenta conversar com sua mãe à sós e acaba por perceber finalmente que aquela mulher que tanto o dominou (muito mais em sua própria mente do que na realidade) é apenas um ser humano cheio de fraquezas, dúvidas e problemas como qualquer outro.
Ou seja: ela não tem nada de ameaçadora como a sua criança interior, por meio da qual ele ainda vê o mundo, acreditou a vida toda. É a partir dessa "revelação" (ou insight, como chamam os psicólogos) que o protagonista passa a amadurecer e a assumir plenamente suas responsabilidades, buscando aquilo que realmente quer ou, ao menos, o que é melhor para ele naquele momento.
Mas não pense que todo esse conteúdo complexo deixa o filme chato e arrastado, pois os realizadores sabem dosar com grande precisão os momentos mais dramáticos com outros genuinamente cômicos, repletos de diálogos afiados e atuações precisas de todo o elenco. De quebra, ainda dão uma alfinetada sempre pertinente na religião católica (o diálogo entre Rafael e o padre que recusa-se a casar seus país é hilariante!).
Em um mundo repleto de filmes pré-fabricados ou que transbordam de pretensões pseudo-profundas sem sentido é com grande alegria que recomenda-se uma fita como "O Filho da Noiva", daquelas para se ver com a mente e o coração abertos.
Procure em sua locadora favorita ou compre o DVD, pois vale muito a pena ver e rever este excelente filme argentino que chegou a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e ganhou os prêmios de Melhor Filme e Melhor Atriz, para Norma Aleandro, no Festival de Gramado 2002.
Cotação: ****
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quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
Filmes: "A Batalha de Riddick"
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"NA DÚVIDA, ENTORTEM A CÂMERA!"
Filme falha em passar qualquer tipo de emoção, mas é visualmente bonito e ao menos faz rir nas horas erradas
Por André Lux, crítico-spam
Se você achou "Eclipse Mortal" um bom filme de ficção científica, daqueles que conseguem disfarçar as limitações no orçamento com soluções criativas e personagens críveis, então nem perca seu tempo assistindo "A Batalha de Riddick", pois essa espécie de continuação é uma bobagem sem pé nem cabeça que não tem a menor relação com o conceito do original.
Parece que o diretor David Twohy (também autor do roteiro) e o quase-astro Vin Diesel realmente acreditaram que o relativo sucesso do filme anterior deveu-se à presença do personagem Riddick, que era interessante mas não passava de um assassino frio que acabava liderando a contra gosto um grupo de sobreviventes na luta contra uma horda de monstros alienígenas.
Aqui, Riddick vira uma espécie de "escolhido" (mais um...) já que é o único sobrevivente de uma raça antiga que pode fazer frente aos malvados Necromongers, espécie de nazistas-espaciais que querem dominar todas as raças do universo e entrar para um negócio esquisito chamado "subverso" (que ninguém se importa em explicar o que é). Confuso? Então espere, porque o filme fica ainda mais sem sentido e muda completamente de tom quando o protagonista vai parar num planeta-prisão para tentar resgatar um dos personagens que sobraram de "Eclipse Mortal".
Só para você ter uma idéia da besteira que os autores do roteiro criaram, neste tal planeta-prisão (chamado Crematória) a luz do dia produz temperaturas superiores a 400° C. Em uma certa altura todos saem correndo pela superfície enquanto um mar de fogo os persegue e conseguem se salvar escondendo-se... nas sombras de uma caverna!
Pior é que "A Batalha de Riddick" se leva realmente a sério e é daqueles filmes repletos de clichés do gênero, frases de efeito constrangedoras e cenas posadas. Na dúvida, o diretor entorta a câmera como se isso fosse suficiente para passar algum tipo de clima ou emoção. A montagem também é muito ruim, toda picotada e com cortes que não duram nem um segundo deixando tudo confuso e obscuro, especialmente nas cenas de luta.
Do elenco também não sobra nada. Diesel limita-se a falar guturalmente, grunhir e olhar de lado para a cãmera fazendo pose de "cool". O vilão mor (cujo nome é de provocar gargalhadas: Lorde Supremo) é feito por Colm Feore um daqueles atores neutros que a gente vê em centenas de filmes no papel de contador ou de ajudante do advogado. Suas tentativas de parecer mau são de dar pena (o que dizer então do ridículo capacete que usa no começo do filme?). Há também uma certa Thandie Newton, que é a amante do comandante feito por Karl Urban (o Eomér, de "O Senhor dos Anéis: As Duas Torres"), cuja atuação é pavorosa.
É inacreditável que tenham gasto mais de 100 milhões de dólares neste filme visualmente bonito, mas que não tem o menor sentido e, portanto, falha em passar qualquer tipo de emoção - exceto tédio e provocar risos nas horas erradas. Não é a toa que está fracassando no mundo todo. E não era para ser diferente.
"A Batalha de Riddick" é mais uma prova de que certos realizadores deveriam ser proibidos de trabalhar com orçamentos muito generosos, já que se saem muito melhor em produções classe B onde são obrigados a usarem a criatividade ao invés de apelarem para um monte de feitos especiais e pirotecnia sem controle.
Cotaçâo: *
"NA DÚVIDA, ENTORTEM A CÂMERA!"
Filme falha em passar qualquer tipo de emoção, mas é visualmente bonito e ao menos faz rir nas horas erradas
Por André Lux, crítico-spam
Se você achou "Eclipse Mortal" um bom filme de ficção científica, daqueles que conseguem disfarçar as limitações no orçamento com soluções criativas e personagens críveis, então nem perca seu tempo assistindo "A Batalha de Riddick", pois essa espécie de continuação é uma bobagem sem pé nem cabeça que não tem a menor relação com o conceito do original.
Parece que o diretor David Twohy (também autor do roteiro) e o quase-astro Vin Diesel realmente acreditaram que o relativo sucesso do filme anterior deveu-se à presença do personagem Riddick, que era interessante mas não passava de um assassino frio que acabava liderando a contra gosto um grupo de sobreviventes na luta contra uma horda de monstros alienígenas.
Aqui, Riddick vira uma espécie de "escolhido" (mais um...) já que é o único sobrevivente de uma raça antiga que pode fazer frente aos malvados Necromongers, espécie de nazistas-espaciais que querem dominar todas as raças do universo e entrar para um negócio esquisito chamado "subverso" (que ninguém se importa em explicar o que é). Confuso? Então espere, porque o filme fica ainda mais sem sentido e muda completamente de tom quando o protagonista vai parar num planeta-prisão para tentar resgatar um dos personagens que sobraram de "Eclipse Mortal".
Só para você ter uma idéia da besteira que os autores do roteiro criaram, neste tal planeta-prisão (chamado Crematória) a luz do dia produz temperaturas superiores a 400° C. Em uma certa altura todos saem correndo pela superfície enquanto um mar de fogo os persegue e conseguem se salvar escondendo-se... nas sombras de uma caverna!
Pior é que "A Batalha de Riddick" se leva realmente a sério e é daqueles filmes repletos de clichés do gênero, frases de efeito constrangedoras e cenas posadas. Na dúvida, o diretor entorta a câmera como se isso fosse suficiente para passar algum tipo de clima ou emoção. A montagem também é muito ruim, toda picotada e com cortes que não duram nem um segundo deixando tudo confuso e obscuro, especialmente nas cenas de luta.
O vilão e seu capacete. É pra rir? |
É inacreditável que tenham gasto mais de 100 milhões de dólares neste filme visualmente bonito, mas que não tem o menor sentido e, portanto, falha em passar qualquer tipo de emoção - exceto tédio e provocar risos nas horas erradas. Não é a toa que está fracassando no mundo todo. E não era para ser diferente.
"A Batalha de Riddick" é mais uma prova de que certos realizadores deveriam ser proibidos de trabalhar com orçamentos muito generosos, já que se saem muito melhor em produções classe B onde são obrigados a usarem a criatividade ao invés de apelarem para um monte de feitos especiais e pirotecnia sem controle.
Cotaçâo: *
segunda-feira, 19 de novembro de 2007
Filmes: "LEÕES E CORDEIROS"
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ROMA ESTÁ EM CHAMAS
Cineasta quer que jovens se engajem politicamente ao invés de se renderem à ladainha da mídia que tem o objetivo de deixá-los alienados a serviço das elites.
- por André Lux, crítico-spam
“Robert Redford (que também dirigiu), Tom Cruise e Meryl Streep poderiam apenas ter aparecido na tela por alguns minutos com cartazes dizendo, 'A Guerra é Ruim' e pronto. Salvaria todo mundo do preço do ingresso.” É com essa afirmação que um tal de Bill Goodykoontz inicia sua análise do filme “Leões e Cordeiros” no The Arizona Republic e demonstra bem o estado lastimável em que a crítica profissional se encontra atualmente.
O filme de Roberto Redford pode receber várias ressalvas, mas tentar reduzir sua mensagem a um mero panfleto contra a guerra chega a ser ofensivo. “Leões e Cordeiros” é cinema engajado explícito. O cineasta entende que é preciso despertar a juventude estadunidense para a situação lamentável em que se encontra seu país, atualmente governado por um bando de demagogos fundamentalistas que se enfiam de cabeça em qualquer aventura bélica que gere lucros para quem os financia e arrastam a opinião pública junto via mentiras e distorções publicadas na imprensa serviçal. Para isso, Redford constrói um roteiro que divide a ação em três tempos narrativos que não se cruzam, mas se relacionam tematicamente.
Em um deles, experiente jornalista da imprensa corporativa interpretada por Meryl Streep é convidada a visitar um jovem senador republicano (Cruise) conservador e moralista - desses que, entre discursos homofóbicos e intolerantes, são presos fazendo sexo com outros homens em banheiros públicos. O político deseja passar a ela, em primeira mão, informações vagas sobre a nova tática de guerra implantada pelo exército do tio Sam "para vencer o mal" no Afeganistão sob ordens diretas dele. A jornalista, que vê semelhanças trágicas com a guerra do Vietnam e fareja tratar-se apenas de outra jogada de marketing para tirar o foco do fracasso no Iraque, tenta em vão extrair mais informações do senador.
São exemplares os discursos hipócritas e falso-moralistas e as ameaças veladas que o senador republicano usa para tentar convencer a jornalista a divulgar sua notícia mentirosa, só para ajudá-lo a preparar terreno para uma possível disputa pela presidência da república. Nesse ponto o filme é preciso ao mostrar como, atualmente, os jornalistas da imprensa corporativa se deixam usar por políticos cujos interesses coincidem com os dos donos da mídia que pagam seus salários.
No outro segmento, acompanhamos o início da inútil operação militar no Afeganistão, onde recebem destaque dois soldados – um negro e outro latino – que são jogados para fora do helicóptero depois de um ataque surpresa em pleno ar e passam o resto da narração lutando para sobreviver à medida que os soldados afegãos se aproximam. Tudo isso é acompanhado, via satélite, pelos oficiais que comandam a operação e são incapazes de engendrar um resgate adequado.
O terceiro foco narrativo mostra uma reunião entre professor universitário e um de seus alunos, cujo potencial para o debate político ele tenta despertar novamente depois que o jovem perde o interesse pelo tema. É aí que “Leões e Cordeiros” mostra a que veio, ficando a cargo do próprio Redford, no papel do professor, listar os objetivos de sua obra. “Roma está em chamas”, afirma ele ao abestalhado aluno, “e o que vocês estão fazendo para mudar isso? Nada, exceto desviar do fogo enquanto isso ainda é possível”.
A mensagem é óbvia. Redford quer que os jovens de seu país se engajem politicamente, ao invés de se renderem à ladainha anti-política propagada pela mídia corporativa que tem justamente o objetivo de deixar as futuras gerações alienadas e alijadas do processo, o que vem bem a calhar para os interesses de conservadores e reacionários em geral a serviço das elites oligárquicas.
A construção narrativa de “Leões e Cordeiros” tem o propósito de deixar o espectador angustiado, irritado até. Ao intercalar as duas letárgicas conversas de gabinete com as cenas de guerra, Redford cria uma sensação de tensão que vai aumentando na medida em que piora a situação dos soldados - dois de seus ex-alunos que optaram, para desgosto do professor, em se alistar no exército para ingenuamente tentar fazer alguma diferença. Não por acaso, os protagonistas olham constantemente para seus relógios e a alegoria é novamente clara: “enquanto jogamos conversa fora, a vida de pessoas está em perigo”.
Não sei se o objetivo de Redford será atingido, pois atualmente os jovens estão cada vez menos propensos (se é que um dia estiveram) a prestar atenção em filmes que não contenham toneladas de efeitos visuais, correria desenfreada e pirotecnia visual. E nesse ponto bem que o diretor poderia também ter dado uma enxugada nos bate-papos (especialmente entre professor e aluno), deixando-os mais dinâmicos e vibrantes. Mas, falhas e ingenuidades à parte, ao menos a intenção é boa e os objetivos do diretor são expostos de forma clara e honesta. Coisa rara na indústria cultural estadunidense.
Cotação: * * *
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ROMA ESTÁ EM CHAMAS
Cineasta quer que jovens se engajem politicamente ao invés de se renderem à ladainha da mídia que tem o objetivo de deixá-los alienados a serviço das elites.
- por André Lux, crítico-spam
“Robert Redford (que também dirigiu), Tom Cruise e Meryl Streep poderiam apenas ter aparecido na tela por alguns minutos com cartazes dizendo, 'A Guerra é Ruim' e pronto. Salvaria todo mundo do preço do ingresso.” É com essa afirmação que um tal de Bill Goodykoontz inicia sua análise do filme “Leões e Cordeiros” no The Arizona Republic e demonstra bem o estado lastimável em que a crítica profissional se encontra atualmente.
O filme de Roberto Redford pode receber várias ressalvas, mas tentar reduzir sua mensagem a um mero panfleto contra a guerra chega a ser ofensivo. “Leões e Cordeiros” é cinema engajado explícito. O cineasta entende que é preciso despertar a juventude estadunidense para a situação lamentável em que se encontra seu país, atualmente governado por um bando de demagogos fundamentalistas que se enfiam de cabeça em qualquer aventura bélica que gere lucros para quem os financia e arrastam a opinião pública junto via mentiras e distorções publicadas na imprensa serviçal. Para isso, Redford constrói um roteiro que divide a ação em três tempos narrativos que não se cruzam, mas se relacionam tematicamente.
Em um deles, experiente jornalista da imprensa corporativa interpretada por Meryl Streep é convidada a visitar um jovem senador republicano (Cruise) conservador e moralista - desses que, entre discursos homofóbicos e intolerantes, são presos fazendo sexo com outros homens em banheiros públicos. O político deseja passar a ela, em primeira mão, informações vagas sobre a nova tática de guerra implantada pelo exército do tio Sam "para vencer o mal" no Afeganistão sob ordens diretas dele. A jornalista, que vê semelhanças trágicas com a guerra do Vietnam e fareja tratar-se apenas de outra jogada de marketing para tirar o foco do fracasso no Iraque, tenta em vão extrair mais informações do senador.
São exemplares os discursos hipócritas e falso-moralistas e as ameaças veladas que o senador republicano usa para tentar convencer a jornalista a divulgar sua notícia mentirosa, só para ajudá-lo a preparar terreno para uma possível disputa pela presidência da república. Nesse ponto o filme é preciso ao mostrar como, atualmente, os jornalistas da imprensa corporativa se deixam usar por políticos cujos interesses coincidem com os dos donos da mídia que pagam seus salários.
No outro segmento, acompanhamos o início da inútil operação militar no Afeganistão, onde recebem destaque dois soldados – um negro e outro latino – que são jogados para fora do helicóptero depois de um ataque surpresa em pleno ar e passam o resto da narração lutando para sobreviver à medida que os soldados afegãos se aproximam. Tudo isso é acompanhado, via satélite, pelos oficiais que comandam a operação e são incapazes de engendrar um resgate adequado.
O terceiro foco narrativo mostra uma reunião entre professor universitário e um de seus alunos, cujo potencial para o debate político ele tenta despertar novamente depois que o jovem perde o interesse pelo tema. É aí que “Leões e Cordeiros” mostra a que veio, ficando a cargo do próprio Redford, no papel do professor, listar os objetivos de sua obra. “Roma está em chamas”, afirma ele ao abestalhado aluno, “e o que vocês estão fazendo para mudar isso? Nada, exceto desviar do fogo enquanto isso ainda é possível”.
A mensagem é óbvia. Redford quer que os jovens de seu país se engajem politicamente, ao invés de se renderem à ladainha anti-política propagada pela mídia corporativa que tem justamente o objetivo de deixar as futuras gerações alienadas e alijadas do processo, o que vem bem a calhar para os interesses de conservadores e reacionários em geral a serviço das elites oligárquicas.
A construção narrativa de “Leões e Cordeiros” tem o propósito de deixar o espectador angustiado, irritado até. Ao intercalar as duas letárgicas conversas de gabinete com as cenas de guerra, Redford cria uma sensação de tensão que vai aumentando na medida em que piora a situação dos soldados - dois de seus ex-alunos que optaram, para desgosto do professor, em se alistar no exército para ingenuamente tentar fazer alguma diferença. Não por acaso, os protagonistas olham constantemente para seus relógios e a alegoria é novamente clara: “enquanto jogamos conversa fora, a vida de pessoas está em perigo”.
Não sei se o objetivo de Redford será atingido, pois atualmente os jovens estão cada vez menos propensos (se é que um dia estiveram) a prestar atenção em filmes que não contenham toneladas de efeitos visuais, correria desenfreada e pirotecnia visual. E nesse ponto bem que o diretor poderia também ter dado uma enxugada nos bate-papos (especialmente entre professor e aluno), deixando-os mais dinâmicos e vibrantes. Mas, falhas e ingenuidades à parte, ao menos a intenção é boa e os objetivos do diretor são expostos de forma clara e honesta. Coisa rara na indústria cultural estadunidense.
Cotação: * * *
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JERRY GOLDSMITH VIVE! CD duplo traz a trilha musical completa de "ALIEN"
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Uma das trilhas musicais mais impressionantes composta para o filme mais aterrorizante da história do cinema finalmente recebe o tratamento que merece! O selo Intrada Records, especializado em música de cinema, acaba de lançar um CD duplo com a trilha sonora completa de "Alien", composta pelo mestre Jerry Goldsmith.
O pacote majestoso inclui nada menos do que:
1) A trilha completa original conforme idealizada por Goldsmith para o filme;
2) As faixas alternativas;
3) As faixas do album original lançando em 1978, remasterizadas;
4) Faixas bônus adicionais.
Essa confusão toda entre a trilha original conforme idealizada por Goldsmith e as faixas alternativas se dá pelo fato do diretor Ridley Scott e o compositor não terem se dado bem durante a pós-produção. Goldsmith reclama que Scott nunca lhe deu o feedback necessário para compor a música e que ele se baseou quase que unicamente na sua própria reação ao filme. Talvez seja por isso que Goldsmith criou músicas de gelar o sangue, utilizando instrumentos musicais nada ortodoxos para produzir sons extremos, às vezes até radicais demais! Talvez por causa disso, o diretor e seu montador acabaram realizando um extenso trabalho de reedição da trilha no filme, trocando músicas de uma cena para outra, excluindo totalmente algumas e substituindo-as por faixas da trilha de Goldsmith para "Freud" - fatores que obviamente enfureceram o compositor.
Mesmo assim, Goldsmith ainda aceitou trabalhar com Scott em "A Lenda" e, novamente, teve seu trabalho desrespeitado pelo diretor que, cedendo à pressão dos executivos da Universal, deixou que a maravilhosa música original de Goldsmith fosse literalmente jogada no lixo sendo trocada por uma fraquíssima do grupo de rock progressivo alemão Tangerine Dream (mais "comercial", na visão dos engravatados).
Confira abaixo a relação das faixas do CD duplo de "Alien" e vá até a página da Intrada Records para ouvir alguns samples da trilha:
DISC 1
The Complete Original Score
01. Main Title 4:12
02. Hyper Sleep 2:46
03. The Landing 4:31
04. The Terrain 2:21
05. The Craft 1:00
06. The Passage 1:49
07. The Skeleton 2:31
08. A New Face 2:34
09. Hanging On 3:39
10. The Lab 1:05
11. Drop Out 0:57
12. Nothing To Say 1:51
13. Cat Nip 1:01
14. Here Kitty 2:08
15. The Shaft 4:30
16. It's A Droid 3:28
17. Parker's Death 1:52
18. The Eggs 2:23
19. Sleepy Alien 1:04
20. To Sleep 1:56
21. The Cupboard 3:05
22. Out The Door 3:13
23. End Title 3:09
Total Time 57:06
The Rescored Alternate Cues
24. Main Title 4:11
25. Hyper Sleep 2:46
26. The Terrain 0:58
27. The Skeleton 2:30
28. Hanging On 3:08
29. The Cupboard 3:13
30. Out The Door 3:02
Total Time 19:48
Total Disc Time 76:54
DISC 2
The Original 1979 Soundtrack Album
01. Main Title 3:37
02. The Face Hugger 2:36
03. Breakaway 3:03
04. Acid Test 4:40
05. The Landing 4:31
06. The Droid 4:44
07. The Recovery 2:50
08. The Alien Planet 2:31
09. The Shaft 4:01
10. End Title 3:08
Total Time 35:44
Bonus Tracks
11. Main Title (film version) 3:44
12. The Skeleton (alternate take) 2:35
13. The Passage (demonstration excerpt) 1:54
14. Hanging On (demonstration excerpt) 1:08
15. Parker's Death (demonstration excerpt) 1:08
16. It's A Droid (unused inserts) 1:27
17. Eine Kleine Nachtmusik (source) 1:49
Total Time 13:45
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Uma das trilhas musicais mais impressionantes composta para o filme mais aterrorizante da história do cinema finalmente recebe o tratamento que merece! O selo Intrada Records, especializado em música de cinema, acaba de lançar um CD duplo com a trilha sonora completa de "Alien", composta pelo mestre Jerry Goldsmith.
O pacote majestoso inclui nada menos do que:
1) A trilha completa original conforme idealizada por Goldsmith para o filme;
2) As faixas alternativas;
3) As faixas do album original lançando em 1978, remasterizadas;
4) Faixas bônus adicionais.
Essa confusão toda entre a trilha original conforme idealizada por Goldsmith e as faixas alternativas se dá pelo fato do diretor Ridley Scott e o compositor não terem se dado bem durante a pós-produção. Goldsmith reclama que Scott nunca lhe deu o feedback necessário para compor a música e que ele se baseou quase que unicamente na sua própria reação ao filme. Talvez seja por isso que Goldsmith criou músicas de gelar o sangue, utilizando instrumentos musicais nada ortodoxos para produzir sons extremos, às vezes até radicais demais! Talvez por causa disso, o diretor e seu montador acabaram realizando um extenso trabalho de reedição da trilha no filme, trocando músicas de uma cena para outra, excluindo totalmente algumas e substituindo-as por faixas da trilha de Goldsmith para "Freud" - fatores que obviamente enfureceram o compositor.
Mesmo assim, Goldsmith ainda aceitou trabalhar com Scott em "A Lenda" e, novamente, teve seu trabalho desrespeitado pelo diretor que, cedendo à pressão dos executivos da Universal, deixou que a maravilhosa música original de Goldsmith fosse literalmente jogada no lixo sendo trocada por uma fraquíssima do grupo de rock progressivo alemão Tangerine Dream (mais "comercial", na visão dos engravatados).
Confira abaixo a relação das faixas do CD duplo de "Alien" e vá até a página da Intrada Records para ouvir alguns samples da trilha:
DISC 1
The Complete Original Score
01. Main Title 4:12
02. Hyper Sleep 2:46
03. The Landing 4:31
04. The Terrain 2:21
05. The Craft 1:00
06. The Passage 1:49
07. The Skeleton 2:31
08. A New Face 2:34
09. Hanging On 3:39
10. The Lab 1:05
11. Drop Out 0:57
12. Nothing To Say 1:51
13. Cat Nip 1:01
14. Here Kitty 2:08
15. The Shaft 4:30
16. It's A Droid 3:28
17. Parker's Death 1:52
18. The Eggs 2:23
19. Sleepy Alien 1:04
20. To Sleep 1:56
21. The Cupboard 3:05
22. Out The Door 3:13
23. End Title 3:09
Total Time 57:06
The Rescored Alternate Cues
24. Main Title 4:11
25. Hyper Sleep 2:46
26. The Terrain 0:58
27. The Skeleton 2:30
28. Hanging On 3:08
29. The Cupboard 3:13
30. Out The Door 3:02
Total Time 19:48
Total Disc Time 76:54
DISC 2
The Original 1979 Soundtrack Album
01. Main Title 3:37
02. The Face Hugger 2:36
03. Breakaway 3:03
04. Acid Test 4:40
05. The Landing 4:31
06. The Droid 4:44
07. The Recovery 2:50
08. The Alien Planet 2:31
09. The Shaft 4:01
10. End Title 3:08
Total Time 35:44
Bonus Tracks
11. Main Title (film version) 3:44
12. The Skeleton (alternate take) 2:35
13. The Passage (demonstration excerpt) 1:54
14. Hanging On (demonstration excerpt) 1:08
15. Parker's Death (demonstration excerpt) 1:08
16. It's A Droid (unused inserts) 1:27
17. Eine Kleine Nachtmusik (source) 1:49
Total Time 13:45
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segunda-feira, 22 de outubro de 2007
Ainda sobre "Tropa de Elite": É um mal sinal quando o autor precisa explicar a obra...
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Tenho lido dezenas de entrevistas com os autores e atores do filme "Tropa de Elite". Todos fazem questão de explicar que não tiveram a intenção de fazer um filme fascista. Que queriam apenas "mostrar uma realidade", colocar o dedo na ferida, etc. Ninguém duvida disso. Pelo contrário.
A questão é: será que conseguiram atingir seus objetivos?
Na minha opinião humilde, como vocês já leram abaixo, eles não conseguiram.
Quando um autor precisa ficar o tempo todo "explicando" ou "justificando" sua obra é sinal de que ele falhou em suas intenções. Ou alguém aí já viu o Kubrick, o Coppola, o Kurosawa ou a turma do Monty Python explicando as intenções de seus filmes?
Eu nunca vi. Mas eu vi o Paul Verhoeven dando mil entrevistas na época do lançamento tentando explicar que "Tropas Estelares" também não era a favor do nazismo, que era uma sátira, uma crítica, etc...
Agora, é claro que o filme "Tropa de Elite" provoca polêmica e leva ao debate de idéias, o que é sempre saudável - mesmo que seja pelos motivos errados.
Como eu tentei apontar em minha análise, o problema é que a estrutura narrativa que o diretor montou para o filme contradiz a proposta que ele defende, principalmente pela escolha da narração em off vinda do capitão Nascimento e pelos estereótipos torpes que usou para caracterizar a maioria dos personagens. Isso deixou "Tropa de Elite" com cara de filme policial estadunidense e meio que anulou a crítica social pretendida pelos autores, chegando ao cúmulo de justificar a chacina provocada pelos policiais no final.
Não sei o que vocês pensam disso, mas eu ia ter vontade de me suicidar ao ver meu filme supostamente anti-fascista, crítico e socialmente engajado receber aplausos de porta-vozes da ultra-direita tupiniquim, como a revista VEJA e afins...
Como diz o ditador popular, "o inferno está cheio de gente bem-intencionada".
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Tenho lido dezenas de entrevistas com os autores e atores do filme "Tropa de Elite". Todos fazem questão de explicar que não tiveram a intenção de fazer um filme fascista. Que queriam apenas "mostrar uma realidade", colocar o dedo na ferida, etc. Ninguém duvida disso. Pelo contrário.
A questão é: será que conseguiram atingir seus objetivos?
Na minha opinião humilde, como vocês já leram abaixo, eles não conseguiram.
Quando um autor precisa ficar o tempo todo "explicando" ou "justificando" sua obra é sinal de que ele falhou em suas intenções. Ou alguém aí já viu o Kubrick, o Coppola, o Kurosawa ou a turma do Monty Python explicando as intenções de seus filmes?
Eu nunca vi. Mas eu vi o Paul Verhoeven dando mil entrevistas na época do lançamento tentando explicar que "Tropas Estelares" também não era a favor do nazismo, que era uma sátira, uma crítica, etc...
Agora, é claro que o filme "Tropa de Elite" provoca polêmica e leva ao debate de idéias, o que é sempre saudável - mesmo que seja pelos motivos errados.
Como eu tentei apontar em minha análise, o problema é que a estrutura narrativa que o diretor montou para o filme contradiz a proposta que ele defende, principalmente pela escolha da narração em off vinda do capitão Nascimento e pelos estereótipos torpes que usou para caracterizar a maioria dos personagens. Isso deixou "Tropa de Elite" com cara de filme policial estadunidense e meio que anulou a crítica social pretendida pelos autores, chegando ao cúmulo de justificar a chacina provocada pelos policiais no final.
Não sei o que vocês pensam disso, mas eu ia ter vontade de me suicidar ao ver meu filme supostamente anti-fascista, crítico e socialmente engajado receber aplausos de porta-vozes da ultra-direita tupiniquim, como a revista VEJA e afins...
Como diz o ditador popular, "o inferno está cheio de gente bem-intencionada".
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sexta-feira, 19 de outubro de 2007
Filmes: "TROPAS ESTELARES"
TIRO PELA CULATRA
Mão pesada, roteiro ridículo e elenco desastroso transformam suposta sátira em propaganda do nazi-fascismo.
- por André Lux, jornalista e crítico-spam
O holandês Paul Verhoeven é um cineasta polêmico. Chamou a atenção do mundo realizando filmes de arte em sua terra natal e entrou em Hollywood pelas portas dos fundos, dirigindo "Conquista Sangrenta" (Flesh + Blood), um dos mais perturbadores e indigestos filmes passados na Idade Média.
Logo depois, emplacou um blockbuster chamado "Robocop", que teria sido apenas mais um banal filme de ficção se não fosse pelo alto grau de acidez imputado por Verhoeven à trama. Ao mesmo tempo que atingia o espectador ávido por perseguições, explosões e sangue (que jorra em abundância), "Robocop" também tinha algo mais a dizer, principalmente na crítica feroz ao consumismo desenfreado (até a polícia é privatizada nesse mundo neoliberal do futuro) e à industrialização da violência e do sexo na sociedade estadunidense.
Em "Tropas Estelares", baseado no livro de Robert A. Heinlein, Verhoeven tentou ser ainda mais satírico, traçando uma crítica mordaz entre a futura sociedade nazi-fascista do filme com a própria sociedade estadunidense e seu amor por armas de fogo e guerra - detalhe que, diga-se de passagem, passou totalmente despercebido nos EUA.
Entretanto, ao contrário de "Robocop", Verhoeven falhou feio dessa vez e o tiro saiu pela culatra. Dirigiu tudo com mão pesada, exagerou nos efeios especiais e na violência e deixou a impressão de justamente louvar o fascismo pregado pelos protagonistas. A culpa também é do elenco desastroso que leva a sério os personagens propositalmente caricatos e superficiais. São constrangedoras as atuações de Casper Van Dien (hoje astro de filmes policiais televisivos classe Z) e de Denise Richards que deixam o filme com um ar de "Barrados no Baile nas Estrelas". O diretor tentou se explicar dizendo que foi obrigado a contratar atores do segundo escalão devido à falta de dinheiro, que acabou sendo todo usado nos efeitos especiais...
Mas "Tropas Estelares" tem ainda uma dos roteiros mais ridículos e absurdos já filmados, que não respeita qualquer lógica ou sanidade. Se não acredita, então veja: logo no início somos informados que a raça humana está em guerra com insetos alienígenas que habitam um planeta do outro lado da galáxia. Ninguém explica o porque da peleja, muito menos como diabos as duas raças cruzaram-se. Entretanto, os insetos raivosos jogam (?) um meteoro em direção ao nosso planeta que acaba caindo em Buenos Aires (com certeza o cara que vigiava o radar dormiu nessa hora).
O estado nazi-fascista que domina a Terra, no qual quem não faz parte do exército é considerado cidadão de segunda classe, declara guerra total aos insetos e manda os soldados para destruí-los no mano a mano, com direito inclusive a granadas atômicas, das quais eles se protegem depois de jogar nos monstros escondendo-se atrás de árvores e pedras (é sério, gente, não estou inventando!). Começa então uma interminável e enfadonha série de cenas de ação regadas a muita pirotecnia, efeitos especiais de última geração e corpos mutilados em detalhes grotescos.
É claro que tudo isso deveria ser usado a favor da sátira, mas infelizmente não dá para rir da propaganda pró-fascista que "Tropas Estelares" acaba fazendo. Sabemos que a intenção de Verhoeven não era essa, mas quem assistiu ao filme no cinema vai lembrar de ouvir os urros de apoio da platéia toda vez que um personagem citava alguma filosofia nazista ou quando os corpos mutilados começaram a pipocar.
"Tropas Estelares" é um filme asqueroso em todos os sentidos. Prova que até a melhor das intenções pode gerar resultados completamente nocivos!
Cotação: *
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quinta-feira, 18 de outubro de 2007
Filmes: "TROPA DE ELITE"
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RAMBO DOS POBRES
Filme endossa, ao que parece involuntariamente, a solução final que muitos representantes da “elite” anseiam ver aplicada no Brasil: um saco na cabeça e um tiro na cara para cada Rolex roubado.
- por André Lux, jornalista e crítico-spam
Nunca tinha visto um filme brasileiro capaz de gerar tantas opiniões e análises divergentes, inclusive entre quem se define “de esquerda”.
Alguns acusam o filme de ser fascista, enquanto outros aplaudem as soluções bárbaras para o tráfico de drogas mostradas na tela.
A verdade é que as reações exacerbadas que “Tropa de Elite” vem provocando comprovam o quanto o Estado e as instituições democráticas do Brasil são frágeis e débeis. Basta alguém apontar uma câmera para lugares que ninguém quer ver e pronto: voam penas para todos os lados!
Isso ao menos é um ponto positivo, pois qualquer polêmica e debate sobre as questões abordadas no filme são sempre bem vindos, ainda mais num país onde a maioria gosta de tapar o sol com peneira ou propor soluções simplistas e violentas para tudo.
Sobre o filme em si só posso dizer uma coisa: trata-se, sim, de uma obra fascista no sentido que justifica a violência, a tortura e o desrespeito às leis por parte dos policiais do BOPE (a tal Tropa de Elite).
Não posso afirmar que essa tenha sido a intenção do diretor José Padilha (do excelente documentário “Ônibus 174”), mas o fato é que ele cometeu erros primários na condução da narrativa e acabou transformando o famigerado capitão Nascimento numa espécie de Rambo dos pobres.
E não adianta tentar justificar que o personagem do policial é “profundo” por ser problemático ou sofrer de síndrome do pânico, pois, vale lembrar, o Rambo do Stallone também era um desajustado que tinha traumas psicológicos provocados pela guerra do Vietnã e dizia com orgulho que confiava apenas no seu facão.
Mas isso não o impedia de metralhar heroicamente os vilões malvados com frieza e requintes de crueldade em nome do imperialismo estadunidense para deleite da platéia, da mesma forma que faz o capitão Nascimento (o esforçado Wagner Moura) em nome de algo que nem chega a ficar claro no filme.
O erro básico do cineasta foi inserir uma narração em off feita pelo protagonista, que além de não acrescentar nada à trama e tratar de fatos que ele não teria como saber, tem um tom debochado e cínico que destoa completamente do suposto estado mental psicótico que o filme tenta imprimir no personagem. Por causa desse recurso infeliz o capitão Nascimento acaba por virar o “herói” incompreendido de um filme que, supostamente, queria ser ultra-realista e atirar para todos os lados da mesma forma como fez Fernando Meireles no irretocável “Cidade de Deus”.
Esse erro fica ainda mais gritante na terceira parte do roteiro, que mostra os policiais do BOPE agindo acima de qualquer lei ou comando ao partir para a vingança pessoal contra os traficantes que mataram um dos seus, lançando mão de recursos inadmissíveis com a tortura e o fuzilamento sumário. Ninguém discorda que isso ocorra no mundo real, o problema é que ações de “vale tudo” como essa provocam, na maioria das vezes, o espancamento e a morte de muitos inocentes. Mas no filme todos os personagens torturados ou mortos são bandidos confessos. Urra! Nem o Jack Bauer, torturador oficial da série "24 Horas", faria melhor!
E, convenhamos, apresentar o vilão maior do filme, lamentavelmente batizado de Baiano, usando camisa com a estampa do Che Guevara não conta pontos a favor de Padilha. Pergunto: para que serve matizar o policial torturador se não fizerem o mesmo com os traficantes, pintados sempre como sádicos conscientes da própria maldade, um dos clichês mais torpes do cinema?
Comparem, por exemplo, a diferença brutal de caracterização do Zé Pequeno de “Cidade de Deus”, que mesmo sendo ainda mais sádico que Baiano nunca é menos que humano no filme de Meireles. E, por isso mesmo, realmente assustador como retrato perfeito da realidade onde foi criado.
E, por favor, que conversa mole é aquela de que os policiais do BOPE são todos varões da moral e incorruptíveis, se fica claro no filme que eles sabem muito bem quais são os PMs corruptos? Já que sabem - e seguindo a lógica do capitão Nascimento que afirma não ver diferença entre os traficantes e aqueles que os ajudam - por que então não os prendem ou fuzilam como fazem com os favelados? Medo, omissão, corporativismo, ordens superiores? Qualquer que seja a resposta, estão sendo no mínimo coniventes com a corrupção e bandidagem dos colegas! E o filme não chega nem perto de tocar nesse nervo que, ao meu ver, é um dos mais importantes e trágicos da atualidade.
Outro ponto negativo é a maneira como Matias (André Ramiro), o policial negro, é desenvolvido. Começa bem ao ser apresentado como um homem íntegro e com consciência social, que busca obter um diploma de Direito e seguir carreira na polícia fazendo a coisa certa. Saem da boca dele as melhores linhas do filme, principalmente quando ataca a hipocrisia do discursinho moralista que representantes da classe média alta proferem em relação às drogas e à polícia. “Vocês só sabem repetir as besteiras que aprendem lendo jornalzinho, revistinha e vendo televisão”, provoca.
Abro um parêntese aqui para dizer que, infelizmente, os estudantes de classe média que interagem com Matias são extremamente caricatos e ajudam ainda mais a enfraquecer as poucas boas teses que “Tropa de Elite” defende. E o que são aquelas mocinhas lindas, arrumadinhas e bem intencionadas andando de um lado para o outro da favela, cercada por pessoas que elas sabiam serem traficantes da pesada, em nome de uma ONG dirigida por um político visivelmente picareta? Pior que isso só mesmo aquela jornalista maravilhosa e imparcialíssima perambulando pela África de shortinho no ridículo “Diamante de Sangue”!
Voltando ao Matias. O problema é que, de repente, o personagem sai do rumo e passa a agir como um clone do Darth Vader, sem qualquer resquício de humanidade, depois que seu amigo é assassinado pelos traficantes.
É sabido que, originalmente, seria ele o narrador da história, decisão que erroneamente o diretor Padilha alterou já na fase final da montagem. Dá para imaginar que, mantida a voz interior de Matias, ao menos a transformação da personalidade dele teria mais nuances e serviria também como contraponto racional à selvageria chauvinista do capitão.
Com todos esses erros e omissões cometidos pelos idealizadores, não é à toa que “Tropa de Elite” recebe aplausos de publicações ultra-fascistas como a revista Veja e o sádico capitão Nascimento vem sendo ovacionado como herói nacional, chegando ao cúmulo de ser conclamado para salvar de assaltos celebridades que ficaram ricas explorando a estupidez e a miséria humana na mídia.
Afinal, a obra do diretor Padilha endossa, ao que parece involuntariamente, a solução final que muitos representantes da “elite” tanto anseiam ver aplicada no Brasil: um saco na cabeça e um tiro na cara para cada Rolex roubado... Lamentável.
Cotação: **
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RAMBO DOS POBRES
Filme endossa, ao que parece involuntariamente, a solução final que muitos representantes da “elite” anseiam ver aplicada no Brasil: um saco na cabeça e um tiro na cara para cada Rolex roubado.
- por André Lux, jornalista e crítico-spam
Nunca tinha visto um filme brasileiro capaz de gerar tantas opiniões e análises divergentes, inclusive entre quem se define “de esquerda”.
Alguns acusam o filme de ser fascista, enquanto outros aplaudem as soluções bárbaras para o tráfico de drogas mostradas na tela.
A verdade é que as reações exacerbadas que “Tropa de Elite” vem provocando comprovam o quanto o Estado e as instituições democráticas do Brasil são frágeis e débeis. Basta alguém apontar uma câmera para lugares que ninguém quer ver e pronto: voam penas para todos os lados!
Isso ao menos é um ponto positivo, pois qualquer polêmica e debate sobre as questões abordadas no filme são sempre bem vindos, ainda mais num país onde a maioria gosta de tapar o sol com peneira ou propor soluções simplistas e violentas para tudo.
Sobre o filme em si só posso dizer uma coisa: trata-se, sim, de uma obra fascista no sentido que justifica a violência, a tortura e o desrespeito às leis por parte dos policiais do BOPE (a tal Tropa de Elite).
Não posso afirmar que essa tenha sido a intenção do diretor José Padilha (do excelente documentário “Ônibus 174”), mas o fato é que ele cometeu erros primários na condução da narrativa e acabou transformando o famigerado capitão Nascimento numa espécie de Rambo dos pobres.
E não adianta tentar justificar que o personagem do policial é “profundo” por ser problemático ou sofrer de síndrome do pânico, pois, vale lembrar, o Rambo do Stallone também era um desajustado que tinha traumas psicológicos provocados pela guerra do Vietnã e dizia com orgulho que confiava apenas no seu facão.
Mas isso não o impedia de metralhar heroicamente os vilões malvados com frieza e requintes de crueldade em nome do imperialismo estadunidense para deleite da platéia, da mesma forma que faz o capitão Nascimento (o esforçado Wagner Moura) em nome de algo que nem chega a ficar claro no filme.
O erro básico do cineasta foi inserir uma narração em off feita pelo protagonista, que além de não acrescentar nada à trama e tratar de fatos que ele não teria como saber, tem um tom debochado e cínico que destoa completamente do suposto estado mental psicótico que o filme tenta imprimir no personagem. Por causa desse recurso infeliz o capitão Nascimento acaba por virar o “herói” incompreendido de um filme que, supostamente, queria ser ultra-realista e atirar para todos os lados da mesma forma como fez Fernando Meireles no irretocável “Cidade de Deus”.
Esse erro fica ainda mais gritante na terceira parte do roteiro, que mostra os policiais do BOPE agindo acima de qualquer lei ou comando ao partir para a vingança pessoal contra os traficantes que mataram um dos seus, lançando mão de recursos inadmissíveis com a tortura e o fuzilamento sumário. Ninguém discorda que isso ocorra no mundo real, o problema é que ações de “vale tudo” como essa provocam, na maioria das vezes, o espancamento e a morte de muitos inocentes. Mas no filme todos os personagens torturados ou mortos são bandidos confessos. Urra! Nem o Jack Bauer, torturador oficial da série "24 Horas", faria melhor!
E, convenhamos, apresentar o vilão maior do filme, lamentavelmente batizado de Baiano, usando camisa com a estampa do Che Guevara não conta pontos a favor de Padilha. Pergunto: para que serve matizar o policial torturador se não fizerem o mesmo com os traficantes, pintados sempre como sádicos conscientes da própria maldade, um dos clichês mais torpes do cinema?
Comparem, por exemplo, a diferença brutal de caracterização do Zé Pequeno de “Cidade de Deus”, que mesmo sendo ainda mais sádico que Baiano nunca é menos que humano no filme de Meireles. E, por isso mesmo, realmente assustador como retrato perfeito da realidade onde foi criado.
E, por favor, que conversa mole é aquela de que os policiais do BOPE são todos varões da moral e incorruptíveis, se fica claro no filme que eles sabem muito bem quais são os PMs corruptos? Já que sabem - e seguindo a lógica do capitão Nascimento que afirma não ver diferença entre os traficantes e aqueles que os ajudam - por que então não os prendem ou fuzilam como fazem com os favelados? Medo, omissão, corporativismo, ordens superiores? Qualquer que seja a resposta, estão sendo no mínimo coniventes com a corrupção e bandidagem dos colegas! E o filme não chega nem perto de tocar nesse nervo que, ao meu ver, é um dos mais importantes e trágicos da atualidade.
Outro ponto negativo é a maneira como Matias (André Ramiro), o policial negro, é desenvolvido. Começa bem ao ser apresentado como um homem íntegro e com consciência social, que busca obter um diploma de Direito e seguir carreira na polícia fazendo a coisa certa. Saem da boca dele as melhores linhas do filme, principalmente quando ataca a hipocrisia do discursinho moralista que representantes da classe média alta proferem em relação às drogas e à polícia. “Vocês só sabem repetir as besteiras que aprendem lendo jornalzinho, revistinha e vendo televisão”, provoca.
Abro um parêntese aqui para dizer que, infelizmente, os estudantes de classe média que interagem com Matias são extremamente caricatos e ajudam ainda mais a enfraquecer as poucas boas teses que “Tropa de Elite” defende. E o que são aquelas mocinhas lindas, arrumadinhas e bem intencionadas andando de um lado para o outro da favela, cercada por pessoas que elas sabiam serem traficantes da pesada, em nome de uma ONG dirigida por um político visivelmente picareta? Pior que isso só mesmo aquela jornalista maravilhosa e imparcialíssima perambulando pela África de shortinho no ridículo “Diamante de Sangue”!
Voltando ao Matias. O problema é que, de repente, o personagem sai do rumo e passa a agir como um clone do Darth Vader, sem qualquer resquício de humanidade, depois que seu amigo é assassinado pelos traficantes.
É sabido que, originalmente, seria ele o narrador da história, decisão que erroneamente o diretor Padilha alterou já na fase final da montagem. Dá para imaginar que, mantida a voz interior de Matias, ao menos a transformação da personalidade dele teria mais nuances e serviria também como contraponto racional à selvageria chauvinista do capitão.
Com todos esses erros e omissões cometidos pelos idealizadores, não é à toa que “Tropa de Elite” recebe aplausos de publicações ultra-fascistas como a revista Veja e o sádico capitão Nascimento vem sendo ovacionado como herói nacional, chegando ao cúmulo de ser conclamado para salvar de assaltos celebridades que ficaram ricas explorando a estupidez e a miséria humana na mídia.
Afinal, a obra do diretor Padilha endossa, ao que parece involuntariamente, a solução final que muitos representantes da “elite” tanto anseiam ver aplicada no Brasil: um saco na cabeça e um tiro na cara para cada Rolex roubado... Lamentável.
Cotação: **
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quarta-feira, 26 de setembro de 2007
Filmes: "BRAZIL, O FILME"
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FUTURO DO PRETÉRITO
Alegoria ácida sobre a perda da humanidade numa sociedade totalitária e consumista, mistura "1984" e "O Processo" com toques do Monty Python.
- Por André Lux, jornalista e crítico-spam
Lá pelo final de 1985, os executivos da Universal Pictures, preocupados com o possível fracasso de um filme que produziram e estavam para distribuir nos EUA, marcaram uma reunião urgente com o seu realizador durante a qual pediram pouca coisa: que ele reduzisse a metragem, trocasse a trilha sonora orquestral por outra com canções pop e, especialmente, mudasse a conclusão amarga para um típico happy end hollywoodiano, do tipo "o amor vence tudo".
Essas mudanças iriam, na opinião deles, tornar o filme muito mais comercial, garantindo seu sucesso. O cineasta explicou então, na sua característica maneira pouco ponderada, que o filme deveria ficar do jeito que havia sido idealizado, caso contrário ele iria botar fogo nos negativos!
A cena narrada acima pode parecer o delírio de algum comediante, mas ela aconteceu de verdade - infelizmente. O filme em questão chama-se "Brazil", e o diretor, Terry Gilliam.
Insatisfeitos com o resultado final do terceiro longa-metragem do ex-integrante do grupo Monty Python, o qual consideraram pesado e amargo demais para os padrões aceitos pelo público dos EUA, os executivos da Universal decidiram que "Brazil" deveria ser reeditado e transformado em um filme mais "aventuresco" e "leve".
Dos originais 142 minutos de projeção, que foram lançados pela Fox sem problemas na Europa e em outras partes do mundo (como o Brasil), Gilliam concordou em reduzir o filme em cerca de 20 minutos. Mas não foi o suficiente.
A Universal era liderada na época pelo infame Sid Sheinberg que, entre outros absurdos, foi o responsável direto pela destruição de "A Lenda", de Ridley Scott (que deixou o estúdio retalhar e mudar a trilha musical de seu filme) e pela aprovação do lamentável "Howard, O Pato", de George Lucas. Sheinberg, a exemplo do que acontece ao protagonista do próprio filme de Gilliam, tornou-se o "torturador particular" do cineasta, cercando-o de todas as formas possíveis (inclusive legais) para poder retirar o projeto das mãos dele a fim de torná-lo "mais comercial".
Versões e (in)Versões
Essa feroz batalha entre o artista e os engravatados da Universal (em mais uma reedição do clássico embate entre David e Golias) é uma das mais famosas e ilustrativas acerca de como funciona o sistema de produção em série da indústria cultural estadunidense.
E ela está descrita, com riqueza de detalhes, ilustrações e depoimentos de todos os envolvidos, no excelente livro "The Battle of Brazil", de Jack Mathews, jornalista de Los Angeles que cobria a produção do filme na época. Mathews transformou seu livro em um documentário de uma hora de duração, que pode ser assistido no box de "Brazil", lançado pela The Criterion Collection na região 1, que traz nada menos do que três discos.
No primeiro disco, temos a versão de Terry Gilliam para o filme, com seus gloriosos 142 minutos de projeção, remasterizado digitalmente no formato widescreen 1.85:1, trazendo ainda uma faixa de áudio com comentários do diretor. No segundo, chamado de "The Production Notebook", encontramos vários making of, entrevistas com os roteiristas Tom Stoppard e Charles McKeown, com o compositor Michael Kamen (que utiliza na trilha de forma magistral trechos de "Aquarela do Brasil", de Ary Barroso), storyboards, cenas raras da produção dos efeitos especiais, além é claro do excepcional documentário "The Battle of Brazil".
O material mais curioso, todavia, está contido no terceiro disco: nada mais do que a infame versão "Love Conquers All" ('O Amor Vence Tudo) de "Brazil", montada à revelia do diretor, trazendo meros 94 minutos de projeção e um ridículo happy end, que simplesmente detonam a obra em questão deixando-a totalmente sem sentido.
Pior que essa grotesca (in)versão foi exibida nas televisões dos EUA, por anos a fio. Existe ainda um canal de áudio onde David Morgan, expert em Terry Gilliam, faz uma análise extremamente crítica de todas as alterações feitas.
Orwell encontra Kafka no circo do Monty Python
Quanto ao filme, trata-se de uma alegoria extremamente ácida e anárquica sobre a perda da humanidade frente a uma sociedade totalitária e cada vez mais repleta de burocracia e obcecada pelo consumismo. Trata-se de uma mistura de "1984", de George Orwell, com ''O Processo'', de Kafka, com toques do humor bizarro e non-sense próprios do sexteto inglês do qual Gilliam fazia parte, o Monty Python.
Além disso, o filme é premonitório do futuro catastrófico imposto ao mundo caso a doutrina neoliberal, que na época ainda estava em processo de implantação, fosse levada às últimas conseqüências.
Reparem como o Estado retratado no filme é o sonho de qualquer defensor do neoliberalismo: enxuto, isento de qualquer responsabilidade social e praticamente restrito ao aparato policial de vigilância e repressão constante às classes mais baixas, mantido graças a um clima de medo e paranóia constante propagado pela mídia e por supostos ataques de "terroristas".
O protagonista dessa epopéia, interpretado brilhantemente por Jonathan Price, é Sam Lowry, um funcionário público apático e conformista, que passa acidentalmente a lutar contra o sistema depois que descobre que a mulher de seus sonhos existe e está marcada para morrer.
É a típica trama do anti-herói forçado a agir, mesmo contra sua vontade, para conquistar seus desejos. Na sua aventura, ele conta ainda com a ajuda do engenheiro-de-calefação-autônomo e dublê-de-terrorista, Harry Tuttle (na pele de um Robert De Niro praticamente irreconhecível).
Só que catarse e redenção são palavras que não fazem parte do dicionário de Terry Gilliam, como Lowry vai descobrir dolorosamente no final. E a melhor explicação para essa filosofia de vida vem do próprio diretor: "Nós não damos respostas, apenas apontamos para o óbvio que ninguém quer ver, de um modo engraçado. E quando as pessoas pegam-se rindo daquilo, esperamos que elas pensem: 'Ei, eu não deveria estar rindo, isso é horrível!'".
Sobre o motivo do filme se chamar "Brazil", Gilliam explica: "Port Talbot é uma cidade de ferro, onde tudo é coberto por um pó cinza de metal. Até a praia é completamente coberta de pó preto. O sol estava se pondo e era realmente bonito. O contraste era extraordinário. Eu tinha essa imagem de um cara sentado nessa praia moribunda com um rádio portátil, sintonizando estranhas canções escapistas latinas como [Aquarela do] Brasil. A música o transportou de alguma forma e fez o seu mundo menos cinza".
Quanto ao desfecho da "Batalha por Brazil", o vencedor foi, em última instância, o nosso "David" da sétima arte, que passou a usar táticas de guerrilha para promover o lançamento de seu filme intacto, tais como patrocinar exibições piratas para estudantes e críticos de cinema, bem como tornar público o martírio pelo qual estava sendo obrigado a passar pela Universal - Gilliam chegou a pagar um anúncio de página inteira no jornal Variety com a seguinte mensagem: "Querido Sid Sheinberg. Quando você vai lançar meu filme 'Brazil'?". Em um outro momento, Gilliam mostrou uma foto do executivo em um programa de entrevistas do qual participava, e soltou no ar, ao vivo: "Esse é o homem responsável pela minha dor".
Mas tamanha audácia provou-se válida, tanto que o filme ganhou os principais prêmios da Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles (melhor Filme, Diretor e Roteiro) e acabou sendo lançado intacto (mas modestamente) nos cinemas dos EUA, dividindo público e crítica, fato que não incomodou em nada o cineasta. "Para algumas pessoas, meu filme foi o equivalente a um espancamento", diz Gilliam rindo. "Para outras, foi uma experiência maravilhosa. Perfeito. Eu não fiz o filme pensando em agradar alguém...".
É certo que, depois desse evento notório e constrangedor, as políticas dos grandes estúdios, relativas a quem seria responsável pelo corte final dos filmes, nunca mais foram as mesmas.
Infelizmente, essa caixa com os três discos dificilmente será lançada no Brasil. Portanto, você precisará ter um bom dinheiro sobrando para colocar suas mãos nela. Mas, se tiver, certamente não vai se arrepender!
Por aqui, o filme foi lançada pela Fox (que detém os direitos de distribuição fora dos EUA) na versão normal sem cortes, mas desprovida de qualquer extra ou comentário (veja reprodução da capa à direita).
Cotaçâo: * * * * *
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FUTURO DO PRETÉRITO
Alegoria ácida sobre a perda da humanidade numa sociedade totalitária e consumista, mistura "1984" e "O Processo" com toques do Monty Python.
- Por André Lux, jornalista e crítico-spam
Lá pelo final de 1985, os executivos da Universal Pictures, preocupados com o possível fracasso de um filme que produziram e estavam para distribuir nos EUA, marcaram uma reunião urgente com o seu realizador durante a qual pediram pouca coisa: que ele reduzisse a metragem, trocasse a trilha sonora orquestral por outra com canções pop e, especialmente, mudasse a conclusão amarga para um típico happy end hollywoodiano, do tipo "o amor vence tudo".
Essas mudanças iriam, na opinião deles, tornar o filme muito mais comercial, garantindo seu sucesso. O cineasta explicou então, na sua característica maneira pouco ponderada, que o filme deveria ficar do jeito que havia sido idealizado, caso contrário ele iria botar fogo nos negativos!
A cena narrada acima pode parecer o delírio de algum comediante, mas ela aconteceu de verdade - infelizmente. O filme em questão chama-se "Brazil", e o diretor, Terry Gilliam.
Insatisfeitos com o resultado final do terceiro longa-metragem do ex-integrante do grupo Monty Python, o qual consideraram pesado e amargo demais para os padrões aceitos pelo público dos EUA, os executivos da Universal decidiram que "Brazil" deveria ser reeditado e transformado em um filme mais "aventuresco" e "leve".
Dos originais 142 minutos de projeção, que foram lançados pela Fox sem problemas na Europa e em outras partes do mundo (como o Brasil), Gilliam concordou em reduzir o filme em cerca de 20 minutos. Mas não foi o suficiente.
A Universal era liderada na época pelo infame Sid Sheinberg que, entre outros absurdos, foi o responsável direto pela destruição de "A Lenda", de Ridley Scott (que deixou o estúdio retalhar e mudar a trilha musical de seu filme) e pela aprovação do lamentável "Howard, O Pato", de George Lucas. Sheinberg, a exemplo do que acontece ao protagonista do próprio filme de Gilliam, tornou-se o "torturador particular" do cineasta, cercando-o de todas as formas possíveis (inclusive legais) para poder retirar o projeto das mãos dele a fim de torná-lo "mais comercial".
Versões e (in)Versões
Essa feroz batalha entre o artista e os engravatados da Universal (em mais uma reedição do clássico embate entre David e Golias) é uma das mais famosas e ilustrativas acerca de como funciona o sistema de produção em série da indústria cultural estadunidense.
E ela está descrita, com riqueza de detalhes, ilustrações e depoimentos de todos os envolvidos, no excelente livro "The Battle of Brazil", de Jack Mathews, jornalista de Los Angeles que cobria a produção do filme na época. Mathews transformou seu livro em um documentário de uma hora de duração, que pode ser assistido no box de "Brazil", lançado pela The Criterion Collection na região 1, que traz nada menos do que três discos.
No primeiro disco, temos a versão de Terry Gilliam para o filme, com seus gloriosos 142 minutos de projeção, remasterizado digitalmente no formato widescreen 1.85:1, trazendo ainda uma faixa de áudio com comentários do diretor. No segundo, chamado de "The Production Notebook", encontramos vários making of, entrevistas com os roteiristas Tom Stoppard e Charles McKeown, com o compositor Michael Kamen (que utiliza na trilha de forma magistral trechos de "Aquarela do Brasil", de Ary Barroso), storyboards, cenas raras da produção dos efeitos especiais, além é claro do excepcional documentário "The Battle of Brazil".
O material mais curioso, todavia, está contido no terceiro disco: nada mais do que a infame versão "Love Conquers All" ('O Amor Vence Tudo) de "Brazil", montada à revelia do diretor, trazendo meros 94 minutos de projeção e um ridículo happy end, que simplesmente detonam a obra em questão deixando-a totalmente sem sentido.
Pior que essa grotesca (in)versão foi exibida nas televisões dos EUA, por anos a fio. Existe ainda um canal de áudio onde David Morgan, expert em Terry Gilliam, faz uma análise extremamente crítica de todas as alterações feitas.
Orwell encontra Kafka no circo do Monty Python
Quanto ao filme, trata-se de uma alegoria extremamente ácida e anárquica sobre a perda da humanidade frente a uma sociedade totalitária e cada vez mais repleta de burocracia e obcecada pelo consumismo. Trata-se de uma mistura de "1984", de George Orwell, com ''O Processo'', de Kafka, com toques do humor bizarro e non-sense próprios do sexteto inglês do qual Gilliam fazia parte, o Monty Python.
Além disso, o filme é premonitório do futuro catastrófico imposto ao mundo caso a doutrina neoliberal, que na época ainda estava em processo de implantação, fosse levada às últimas conseqüências.
Reparem como o Estado retratado no filme é o sonho de qualquer defensor do neoliberalismo: enxuto, isento de qualquer responsabilidade social e praticamente restrito ao aparato policial de vigilância e repressão constante às classes mais baixas, mantido graças a um clima de medo e paranóia constante propagado pela mídia e por supostos ataques de "terroristas".
O protagonista dessa epopéia, interpretado brilhantemente por Jonathan Price, é Sam Lowry, um funcionário público apático e conformista, que passa acidentalmente a lutar contra o sistema depois que descobre que a mulher de seus sonhos existe e está marcada para morrer.
É a típica trama do anti-herói forçado a agir, mesmo contra sua vontade, para conquistar seus desejos. Na sua aventura, ele conta ainda com a ajuda do engenheiro-de-calefação-autônomo e dublê-de-terrorista, Harry Tuttle (na pele de um Robert De Niro praticamente irreconhecível).
Só que catarse e redenção são palavras que não fazem parte do dicionário de Terry Gilliam, como Lowry vai descobrir dolorosamente no final. E a melhor explicação para essa filosofia de vida vem do próprio diretor: "Nós não damos respostas, apenas apontamos para o óbvio que ninguém quer ver, de um modo engraçado. E quando as pessoas pegam-se rindo daquilo, esperamos que elas pensem: 'Ei, eu não deveria estar rindo, isso é horrível!'".
Sobre o motivo do filme se chamar "Brazil", Gilliam explica: "Port Talbot é uma cidade de ferro, onde tudo é coberto por um pó cinza de metal. Até a praia é completamente coberta de pó preto. O sol estava se pondo e era realmente bonito. O contraste era extraordinário. Eu tinha essa imagem de um cara sentado nessa praia moribunda com um rádio portátil, sintonizando estranhas canções escapistas latinas como [Aquarela do] Brasil. A música o transportou de alguma forma e fez o seu mundo menos cinza".
Quanto ao desfecho da "Batalha por Brazil", o vencedor foi, em última instância, o nosso "David" da sétima arte, que passou a usar táticas de guerrilha para promover o lançamento de seu filme intacto, tais como patrocinar exibições piratas para estudantes e críticos de cinema, bem como tornar público o martírio pelo qual estava sendo obrigado a passar pela Universal - Gilliam chegou a pagar um anúncio de página inteira no jornal Variety com a seguinte mensagem: "Querido Sid Sheinberg. Quando você vai lançar meu filme 'Brazil'?". Em um outro momento, Gilliam mostrou uma foto do executivo em um programa de entrevistas do qual participava, e soltou no ar, ao vivo: "Esse é o homem responsável pela minha dor".
Mas tamanha audácia provou-se válida, tanto que o filme ganhou os principais prêmios da Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles (melhor Filme, Diretor e Roteiro) e acabou sendo lançado intacto (mas modestamente) nos cinemas dos EUA, dividindo público e crítica, fato que não incomodou em nada o cineasta. "Para algumas pessoas, meu filme foi o equivalente a um espancamento", diz Gilliam rindo. "Para outras, foi uma experiência maravilhosa. Perfeito. Eu não fiz o filme pensando em agradar alguém...".
É certo que, depois desse evento notório e constrangedor, as políticas dos grandes estúdios, relativas a quem seria responsável pelo corte final dos filmes, nunca mais foram as mesmas.
Infelizmente, essa caixa com os três discos dificilmente será lançada no Brasil. Portanto, você precisará ter um bom dinheiro sobrando para colocar suas mãos nela. Mas, se tiver, certamente não vai se arrepender!
Por aqui, o filme foi lançada pela Fox (que detém os direitos de distribuição fora dos EUA) na versão normal sem cortes, mas desprovida de qualquer extra ou comentário (veja reprodução da capa à direita).
Cotaçâo: * * * * *
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terça-feira, 25 de setembro de 2007
Filmes: "DUNA" (Versão Estendida)
COLCHA DE RETALHOS
Novo corte do filme vale pela quantidade de cenas inéditas, mas como cinema é abominável
- Por André Lux, crítico-spam
Foi lançado no Brasil em DVD a Versão Estendida de ''Duna'', a polêmica adaptação para o cinema feita por David Lynch da gigantesca obra de Frank Herbert. O filme é de 1984 e custou uma fortuna para a época, algo em torno de US$ 60 milhões. Mas foi um tremendo fracasso de bilheterias, embora tenha virado cult.
Muitas razões foram levantadas para explicar o naufrágio do projeto, entre elas os sucessivos cortes na metragem que o produtor Dino de Laurentis obrigou Lynch a fazer. De um original de mais de 3 horas e 40 de projeção, ''Duna'' resultou numa salada indigesta e praticamente incompreensível de duas horas.
Somente aqueles que já conheciam o livro de Herbert puderam entender o que se passava na tela. Para o resto sobrou pouco mais do que os deslumbrantes desenhos de produção, o figurino belíssimo e a atuação precisa de um elenco excepcional. Ao menos o filme despertou em alguns a vontade de ler a obra original (meu caso), o que não deixa de ser um mérito.
Na tentativa de resolver esse problema, foi criada uma ''versão estendida'' do filme para ser exibida na TV na qual foram reincorporados cerca de 40 minutos de cenas inéditas, incluindo um prólogo que tenta explicar os acontecimentos anteriores aos abordados no filme, utilizando para isso uma narração sobre alguns parcos desenhos de produção.
Só que tudo isso foi feito à revelia de David Lynch, que abominou o resultado final e obrigou o estúdio a retirar seu nome dos créditos de roteirista e diretor, que ficaram sob a alcunha de ''Alan Smithee'' (nome fictício geralmente usado para substituir tais créditos). Mas Lynch estava correto. Essa chamada ''Versão Estendida'' nada mais é do que uma colcha de retalhos horrivelmente costurada.
Se a versão original era incompreensível, esta é intolerável. Os ''pais'' dessa versão simplesmente colaram as cenas inéditas entre as já existentes, sem respeitaram qualquer lógica ou fluidez. Os cortes são bruscos e as passagens entre as cenas são toscas. Às vezes a ação na tela é entrecortada por uma narração péssima e geralmente risível. No início, por exemplo, tentam ''apresentar'' os personagens por meio deste artifício e somos obrigados a ver um take fechado de um dos atores enquanto o ''voice-over'' nos explica monotonamente quem é aquela figura por longos minutos!
A montagem é tão lamentável que, de tempos em tempos, enfiam uma cena qualquer de uma nave voando que nada tem a ver com o que é mostrado, só para separar takes. A música do grupo Toto também é brutalmente mutilada, graças à inserção de faixas compostas para outras seqüências do filme no meio da que já estava sendo executada na trilha sonora. É um verdadeiro assalto aos sentidos. A imagem em ''fulscreen'' deforma totalmente os enquadramentos originais e é de qualidade ruim (parece ter sido tirada de um master em VHS). O som em stereo 2.0 também não é muito melhor.
Todavia, mesmo sendo uma tentativa abominável de remontar o filme, essa ''Versão Estendida'' certamente vale como curiosidade para quem gosta do filme original, já que traz diversas cenas nunca vistas antes. São de particular interesse o duelo entre Paul e Jamis, Gurney Halleck tocando seu ''baliset'', a morte do verme recém-nascido para a extração da água da vida, a introdução da governanta Shadout Mapes e a noite de amor entre o Duque Leto e Jessica quando concebem Alia.
Se você é fã do filme original de David Lynch, mas sempre teve vontade de ver as cenas que não foram incluídas na versão dos cinemas, então essa ''Versão Estendida'' certamente vai satisfazer a sua curiosidade. Mas saiba que, como cinema, é simplesmente ultrajante e ainda mais incompreensível do que o original.
Cotação: *
segunda-feira, 3 de setembro de 2007
DVD: "O QUE VOCÊ FARIA?"
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A CORPORATOCRACIA EM AÇÃO
Quem já possui uma visão crítica acerca da atuação das transnacionais e do auto-destrutivo modelo neoliberal certamente vai se deleitar com a abordagem ácida e demolidora dessa obra.
- por André Lux, jornalista e crítico-spam
CartaCapital, a única revista semanal imprensa que ainda pratica jornalismo sério no Brasil, publicou na edição 452 uma reportagem sobre os absurdos que as empresas cometem contra candidatos a uma nova vaga de trabalho, muitas vezes submetendo-os a situações, no mínimo, humilhantes.
Depois de ler essa reportagem e tomar consciência desse fato, o filme “O Que Você Faria?” não parece assim tão absurdo. Embora algumas situações retratadas na obra sejam realmente exageradas (como o sexo no banheiro e as agressões físicas) e os personagens beirem o estereótipo, não existe ali compromisso com a realidade, mas sim com a construção de uma metáfora à loucura que tomou conta hoje do meio empresarial, especialmente das grandes corporações, onde a busca pelo lucro a qualquer preço e a exploração da mão de obra virou obsessão, com raríssimas e nobres exceções.
A verdade é que vivemos hoje numa ditadura do mercado, que alguns chamam ironicamente de “corporatocracia”, na qual a ordem mundial é dominada por meia dúzia de mega-empresas transnacionais que pairam acima de governos e estados democráticos, restando à grande maioria dos cidadãos alugarem suas forças de trabalho a elas em troca da sobrevivência diária. Acima de tudo isso, grupos de acionistas sem rosto e dirigentes absolutamente subservientes a eles dominam com mão de ferro esse sistema que, nas palavras do lingüista e ativista político Noam Chomsky, é o mais totalitário que existe – já que as ordens vêm de cima sem qualquer discussão, sobrando aos que estão abaixo a única opção de segui-las à risca sem questionamento.
“O Que Você Faria?”, uma co-produção entre Espanha, Argentina e Itália, mostra exatamente o processo de seleção para um alto cargo de direção de uma dessas multinacionais. Sete candidatos à vaga são reunidos em uma mesma sala para participarem da última etapa do processo, do qual apenas um restará. Neste ambiente inóspito, serão submetidos a um certo “método Grönholm”, que basicamente incitará os piores instintos de cada candidato na tentativa de eliminar os concorrentes.
O clima de paranóia é dobrado com a possibilidade de um deles ser um impostor, ou seja, alguém da empresa infiltrado na sala para observar mais de perto e manipular a ação dos outros. E tudo ainda pode estar sendo gravado com câmeras e microfones ocultos, numa assertiva alusão à sociedade “Big Brother” para a qual caminhamos cada dia mais, onde tudo e todos são constantemente monitorados e vigiados.
A intenção do roteiro de Mateo Gil e Marcelo Piñeyro, que é baseado em peça teatral de Jordi Galcerán, vai se tornando óbvia a partir que a trama avança e as primeiras vítimas do processo absurdo e degradante vão sendo feitas. Não por acaso, o candidato mais qualificado para o cargo e, também, o mais ético é o primeiro a ser praticamente linchado pelos outros competidores, que agem sempre sob a manipulação da corporação na forma de tarefas transmitidas a eles de modo impessoal e frio por meio de telas de computador. E, claro, o vencedor é justamente aquele que menos tem escrúpulos em destruir os adversários para atingir suas ambições.
Quem já possui uma visão crítica acerca da atuação desumana das transnacionais e do auto-destrutivo modelo neoliberal certamente vai se deleitar com a abordagem extremamente ácida e demolidora da obra, que melhora ainda mais com uma segunda leitura, quando já conhecemos melhor os personagens e o que cada um deles representa dentro do contexto em que estão inseridos.
Ironicamente e em paralelo à ação principal do filme, acontece uma grande manifestação nas ruas de Barcelona contra a atuação nefasta do FMI e do Banco Mundial sobre a economia global, sob o jargão de que "um outro mundo é possível". Por enquanto ainda é. Não se sabe até quando...
Cotação: * * * *
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A CORPORATOCRACIA EM AÇÃO
Quem já possui uma visão crítica acerca da atuação das transnacionais e do auto-destrutivo modelo neoliberal certamente vai se deleitar com a abordagem ácida e demolidora dessa obra.
- por André Lux, jornalista e crítico-spam
CartaCapital, a única revista semanal imprensa que ainda pratica jornalismo sério no Brasil, publicou na edição 452 uma reportagem sobre os absurdos que as empresas cometem contra candidatos a uma nova vaga de trabalho, muitas vezes submetendo-os a situações, no mínimo, humilhantes.
Depois de ler essa reportagem e tomar consciência desse fato, o filme “O Que Você Faria?” não parece assim tão absurdo. Embora algumas situações retratadas na obra sejam realmente exageradas (como o sexo no banheiro e as agressões físicas) e os personagens beirem o estereótipo, não existe ali compromisso com a realidade, mas sim com a construção de uma metáfora à loucura que tomou conta hoje do meio empresarial, especialmente das grandes corporações, onde a busca pelo lucro a qualquer preço e a exploração da mão de obra virou obsessão, com raríssimas e nobres exceções.
A verdade é que vivemos hoje numa ditadura do mercado, que alguns chamam ironicamente de “corporatocracia”, na qual a ordem mundial é dominada por meia dúzia de mega-empresas transnacionais que pairam acima de governos e estados democráticos, restando à grande maioria dos cidadãos alugarem suas forças de trabalho a elas em troca da sobrevivência diária. Acima de tudo isso, grupos de acionistas sem rosto e dirigentes absolutamente subservientes a eles dominam com mão de ferro esse sistema que, nas palavras do lingüista e ativista político Noam Chomsky, é o mais totalitário que existe – já que as ordens vêm de cima sem qualquer discussão, sobrando aos que estão abaixo a única opção de segui-las à risca sem questionamento.
“O Que Você Faria?”, uma co-produção entre Espanha, Argentina e Itália, mostra exatamente o processo de seleção para um alto cargo de direção de uma dessas multinacionais. Sete candidatos à vaga são reunidos em uma mesma sala para participarem da última etapa do processo, do qual apenas um restará. Neste ambiente inóspito, serão submetidos a um certo “método Grönholm”, que basicamente incitará os piores instintos de cada candidato na tentativa de eliminar os concorrentes.
O clima de paranóia é dobrado com a possibilidade de um deles ser um impostor, ou seja, alguém da empresa infiltrado na sala para observar mais de perto e manipular a ação dos outros. E tudo ainda pode estar sendo gravado com câmeras e microfones ocultos, numa assertiva alusão à sociedade “Big Brother” para a qual caminhamos cada dia mais, onde tudo e todos são constantemente monitorados e vigiados.
A intenção do roteiro de Mateo Gil e Marcelo Piñeyro, que é baseado em peça teatral de Jordi Galcerán, vai se tornando óbvia a partir que a trama avança e as primeiras vítimas do processo absurdo e degradante vão sendo feitas. Não por acaso, o candidato mais qualificado para o cargo e, também, o mais ético é o primeiro a ser praticamente linchado pelos outros competidores, que agem sempre sob a manipulação da corporação na forma de tarefas transmitidas a eles de modo impessoal e frio por meio de telas de computador. E, claro, o vencedor é justamente aquele que menos tem escrúpulos em destruir os adversários para atingir suas ambições.
Quem já possui uma visão crítica acerca da atuação desumana das transnacionais e do auto-destrutivo modelo neoliberal certamente vai se deleitar com a abordagem extremamente ácida e demolidora da obra, que melhora ainda mais com uma segunda leitura, quando já conhecemos melhor os personagens e o que cada um deles representa dentro do contexto em que estão inseridos.
Ironicamente e em paralelo à ação principal do filme, acontece uma grande manifestação nas ruas de Barcelona contra a atuação nefasta do FMI e do Banco Mundial sobre a economia global, sob o jargão de que "um outro mundo é possível". Por enquanto ainda é. Não se sabe até quando...
Cotação: * * * *
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terça-feira, 7 de agosto de 2007
DVD: "Cartas de Iwo Jima"
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CARTAS DE MENTIRA
A cultura japonesa é por demais complexa para ser traduzida de forma ligeira e fica mais ridículo quando tentam encaixá-la nos moldes do pensamento maniqueísta estadunidense.
- por André Lux, crítico-spam
Antes de iniciar minha análise, faço questão de deixar bem claro que só tolero filmes sobre “grandes guerras” quando são: 1) críticas ferozes ou sátiras ácidas à estupidez da mentalidade militarista e a governos que metem seus povos em tragédias inúteis, como “Platoon”, “M.A.S.H.”, “Doutor Fantástico” e “O Sentido da Vida”, do Monty Phyton; ou 2) documentários que servem como registro histórico. Com a exceção das citadas acima, acho qualquer outra abordagem feita sobre esse assunto infeliz e duvidosa, por mais bem intencionada ou ingênua que seja.
“Cartas de Iwo Jima”, portanto, não ganha minha simpatia na partida. A minha repulsa a um projeto como esse aumenta ainda mais quando me dou conta que se trata de um filme estadunidense que pretende contar a história de um conflito vencido por eles, mas só que mostrando o outro lado, ou seja, o lado dos soldados derrotados – no caso, os japoneses. Maior petulância e arrogância não podem existir, convenhamos.
E, por mais que o superestimado diretor Clint Eastwood, que alterna abominações ultra-fascistas como “O Destemido Senhor da Guerra” com obras sensíveis tipo “As Pontes de Madison”, se esforce em pintar seu filme com tintas realistas e neutras, é impossível engolir o roteiro esquemático e raso típico dos enlatados de Roliudí. A intenção, em “Cartas de Iwo Jima”, parece ser a de tentar ensinar ao povo estadunidense que por trás dos soldados japoneses existiam também seres humanos. Derrotados, sim. Humilhados, também. Mas, vejam só: humanos como eu e você. Incrível, não?
Para comprovar sua tese, Eastwood constrói uma série de personagens que se somam aos inúmeros estereótipos inventados pela indústria cultural dos EUA para garantir emoções fáceis no cinema e grana no bolso dos estúdios. Mas, aqui, a embalagem vem disfarçada de filme "sério e profundo”, “vencedor de prêmios tal e tal”, “elogiado pela crítica mundial”.
Então temos o padeiro bonzinho que é obrigado a ir para a guerra abandonando a mulher grávida, o general sensível e culto (formado em Havard, claro!) que sofre por saber que a derrota é inevitável, o rígido que desejava entrar para a “gestapo” japonesa, mas foi expulso depois de recusar-se a matar um cachorrinho na frente de crianças, o fanático que quer se suicidar em nome da honra, o galante oficial praticante de equitação (que, obviamente, também morou nos EUA)... e por aí vai. Já deu para sentir, não? E não vamos nos esquecer que, para deixar tudo mais perfumado, ainda temos a mão inconfundível de Steven Spielberg, que assina como um dos produtores.
Não tenho nada contra melodramas humanos ou pieguice, mas tudo isso inserido num filme de guerra supostamente sério e realista não dá pé. Podem até dizer que os personagens foram baseados em relatos reais, porém a cultura japonesa é por demais complexa para ser traduzida de forma tão ligeira e tudo fica ainda mais ridículo quando tentam encaixá-la nos moldes do pensamento maniqueísta estadunidense (como já havíamos comprovado no também sofrível “Memórias de uma Gueixa”). Eastwood chega ao cúmulo de usar uma trilha musical melosa, com direito a manjados solos de trompete, totalmente incompatível com a cultura que aborda!
Ao ver o making of do filme, que foi rodado simultaneamente com “A Conquista da Honra” (que trata do mesmo assunto, só que do ponto de vista estadunidense), descobri algo que causou ainda mais irritação: as supostas cartas do militar, nas quais o filme diz ser baseado, foram escritas décadas antes pelo general Kuribayashi que nem participou do conflito em Iwo Jima! Depois dessa desisti de tentar levar esse filme a sério e percebi que era só mais um projeto pretensioso que alguns cineastas apaixonados pelo próprio umbigo inventam para ver se descolam mais prêmios da indústria cultural para a sua coleção privada.
Enfim, ainda resta a pergunta: será que “Cartas de Iwo Jima” conseguiu convencer os espectadores estadunidenses que em outros países do planeta Terra também existem seres humanos parecidos com eles? Se a resposta for sim, então ao menos serviu para alguma coisa. Mas, sinceramente, eu duvido muito. Afinal, por lá os "formadores de opinião" são gente boa como o Rambo e o Duro de Matar...
Cotação: * *
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CARTAS DE MENTIRA
A cultura japonesa é por demais complexa para ser traduzida de forma ligeira e fica mais ridículo quando tentam encaixá-la nos moldes do pensamento maniqueísta estadunidense.
- por André Lux, crítico-spam
Antes de iniciar minha análise, faço questão de deixar bem claro que só tolero filmes sobre “grandes guerras” quando são: 1) críticas ferozes ou sátiras ácidas à estupidez da mentalidade militarista e a governos que metem seus povos em tragédias inúteis, como “Platoon”, “M.A.S.H.”, “Doutor Fantástico” e “O Sentido da Vida”, do Monty Phyton; ou 2) documentários que servem como registro histórico. Com a exceção das citadas acima, acho qualquer outra abordagem feita sobre esse assunto infeliz e duvidosa, por mais bem intencionada ou ingênua que seja.
“Cartas de Iwo Jima”, portanto, não ganha minha simpatia na partida. A minha repulsa a um projeto como esse aumenta ainda mais quando me dou conta que se trata de um filme estadunidense que pretende contar a história de um conflito vencido por eles, mas só que mostrando o outro lado, ou seja, o lado dos soldados derrotados – no caso, os japoneses. Maior petulância e arrogância não podem existir, convenhamos.
E, por mais que o superestimado diretor Clint Eastwood, que alterna abominações ultra-fascistas como “O Destemido Senhor da Guerra” com obras sensíveis tipo “As Pontes de Madison”, se esforce em pintar seu filme com tintas realistas e neutras, é impossível engolir o roteiro esquemático e raso típico dos enlatados de Roliudí. A intenção, em “Cartas de Iwo Jima”, parece ser a de tentar ensinar ao povo estadunidense que por trás dos soldados japoneses existiam também seres humanos. Derrotados, sim. Humilhados, também. Mas, vejam só: humanos como eu e você. Incrível, não?
Para comprovar sua tese, Eastwood constrói uma série de personagens que se somam aos inúmeros estereótipos inventados pela indústria cultural dos EUA para garantir emoções fáceis no cinema e grana no bolso dos estúdios. Mas, aqui, a embalagem vem disfarçada de filme "sério e profundo”, “vencedor de prêmios tal e tal”, “elogiado pela crítica mundial”.
Então temos o padeiro bonzinho que é obrigado a ir para a guerra abandonando a mulher grávida, o general sensível e culto (formado em Havard, claro!) que sofre por saber que a derrota é inevitável, o rígido que desejava entrar para a “gestapo” japonesa, mas foi expulso depois de recusar-se a matar um cachorrinho na frente de crianças, o fanático que quer se suicidar em nome da honra, o galante oficial praticante de equitação (que, obviamente, também morou nos EUA)... e por aí vai. Já deu para sentir, não? E não vamos nos esquecer que, para deixar tudo mais perfumado, ainda temos a mão inconfundível de Steven Spielberg, que assina como um dos produtores.
Não tenho nada contra melodramas humanos ou pieguice, mas tudo isso inserido num filme de guerra supostamente sério e realista não dá pé. Podem até dizer que os personagens foram baseados em relatos reais, porém a cultura japonesa é por demais complexa para ser traduzida de forma tão ligeira e tudo fica ainda mais ridículo quando tentam encaixá-la nos moldes do pensamento maniqueísta estadunidense (como já havíamos comprovado no também sofrível “Memórias de uma Gueixa”). Eastwood chega ao cúmulo de usar uma trilha musical melosa, com direito a manjados solos de trompete, totalmente incompatível com a cultura que aborda!
Ao ver o making of do filme, que foi rodado simultaneamente com “A Conquista da Honra” (que trata do mesmo assunto, só que do ponto de vista estadunidense), descobri algo que causou ainda mais irritação: as supostas cartas do militar, nas quais o filme diz ser baseado, foram escritas décadas antes pelo general Kuribayashi que nem participou do conflito em Iwo Jima! Depois dessa desisti de tentar levar esse filme a sério e percebi que era só mais um projeto pretensioso que alguns cineastas apaixonados pelo próprio umbigo inventam para ver se descolam mais prêmios da indústria cultural para a sua coleção privada.
Enfim, ainda resta a pergunta: será que “Cartas de Iwo Jima” conseguiu convencer os espectadores estadunidenses que em outros países do planeta Terra também existem seres humanos parecidos com eles? Se a resposta for sim, então ao menos serviu para alguma coisa. Mas, sinceramente, eu duvido muito. Afinal, por lá os "formadores de opinião" são gente boa como o Rambo e o Duro de Matar...
Cotação: * *
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terça-feira, 31 de julho de 2007
DVD: "A Vida de Brian", do Monty Python
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ANARQUISTAS, GRAÇAS A DEUS!
Obra-prima do Monty Python ridiculariza o fanatismo religioso, a arrogância imperialista e a incapacidade das "esquerdas" de se unirem em torno de um objetivo comum
- por André Lux, crítico-spam
"A Vida de Brian" é sem dúvida a obra-prima do grupo Monty Python. Uma sátira destruidora que atira para todos os lados e não erra o alvo (quase) nunca.
O filme tem como pretexto narrar a trajetória de Brian (Graham Chapman), um pobre coitado filho de uma judia que foi "enganada" pelo centurião romano Nojentus Maximus.
Brian é contemporâneo de Jesus Cristo (que é visto apenas em um plano inicial em um de seus sermões da montanha), entra para um grupo revolucionário que deseja expulsar os romanos, acaba sendo confundindo como mais um messias religioso e passa a ser perseguido a contragosto por centenas de discípulos até ser crucificado.
Na verdade, os focos principais da gozação dos seis ingleses, que se revezam em múltiplos papéis na tela e ficaram famosos com o show televisivo "The Monty Python Flying Circus" nos anos 60, são o fanatismo religioso, a arrogância dos imperialistas e a incapacidade das ideologias ditas de "esquerda" de se unirem em torno de um objetivo comum.
O filme ganha contornos ainda mais atuais se pensarmos no governo petista de Lula, o qual é muitas vezes atacado com mais ferocidade por outros partidos que, no fundo, lutam pelos mesmos objetivos do que pelos seus próprios adversários ideológicos!
Em uma das cenas mais emblemáticas do filme, o líder da "Frente dos Povos Judáicos" afirma categoricamente a um atônito Brian: "Só existe uma coisa que odiamos mais do que os romanos - a maldita Frente Popular Judáica" e em seguida cita todos os outros grupos revolucionários, inclusive o dele mesmo!
Já em outra seqüência não menos demolidora, dois grupos se esbarram em frente aos aposentos de Pilatus com o mesmo plano de seqüestrar a esposa do governante invasor. Irritados com a coincidência e já em pé de guerra, são alertados pelo mesmo Brian:
- "Irmãos, não deveríamos nos unir para enfrentar o inimigo comum?"
- "A Frente Judáica Popular!", bradam todos, em êxtase.
- "Não... os romanos..."
- "Ah, é..." Um guarda passa na porta e eles se escondem. Passado o susto dizem: "Onde estávamos mesmo?" - e partem para a porrada até serem todos mortos ou capturados pelos guardas. Não é preciso dizer mais nada, não?
É impossível não rir com a quantidade infinita de piadas e situações inacreditavelmente absurdas inventadas pelos anarquistas do Python - Brian chega até a participar de uma batalha espacial!
E a cena em que Poncius Pilatus (interpretado com a língua presa por um impagável Michael Palin) tenta convencer seus centuriões que tem um amigo chamado Bigus Dikus (Pintus Imensus) é de fazer qualquer mortal chorar de tanto rir! Os imperialistas romanos, como não poderia deixar de ser, são sempre mostrados como figuras inéptas e prontas a serem ridicularizadas por todos do alto de sua arrogância e presunção.
É óbvio que, por causa desse conteúdo provocativo e contestador, "A Vida de Brian" sofreu e sofre até hoje ataques do tipo "não vimos e não gostamos" de grupos religiosos e extremistas (tanto de direita quanto de esquerda), que no fundo só ajudam a comprovar e reforçar ainda mais o caráter satírico da produção.
Mas, esqueça os intolerantes que acusam o filme de ser anticristão, pois ele é somente uma comédia escachada que brinca sem pudores com assuntos polêmicos sem nunca ser desrespeitoso com qualquer religião.
É importante ressaltar que os Python tinham pleno domínio cênico e eram capazes de construir cenas tecnicamente muito bem feitas, inclusive aquelas que tinham a deliberada intenção de parecerem toscas ou ridículas.
Não é à toa que o filme "A Vida de Brian" foi eleito a melhor comédia de todos os tempos pelos ingleses. É simplesmente antológico!
Cotação: * * * * *
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ANARQUISTAS, GRAÇAS A DEUS!
Obra-prima do Monty Python ridiculariza o fanatismo religioso, a arrogância imperialista e a incapacidade das "esquerdas" de se unirem em torno de um objetivo comum
- por André Lux, crítico-spam
"A Vida de Brian" é sem dúvida a obra-prima do grupo Monty Python. Uma sátira destruidora que atira para todos os lados e não erra o alvo (quase) nunca.
O filme tem como pretexto narrar a trajetória de Brian (Graham Chapman), um pobre coitado filho de uma judia que foi "enganada" pelo centurião romano Nojentus Maximus.
Brian é contemporâneo de Jesus Cristo (que é visto apenas em um plano inicial em um de seus sermões da montanha), entra para um grupo revolucionário que deseja expulsar os romanos, acaba sendo confundindo como mais um messias religioso e passa a ser perseguido a contragosto por centenas de discípulos até ser crucificado.
Na verdade, os focos principais da gozação dos seis ingleses, que se revezam em múltiplos papéis na tela e ficaram famosos com o show televisivo "The Monty Python Flying Circus" nos anos 60, são o fanatismo religioso, a arrogância dos imperialistas e a incapacidade das ideologias ditas de "esquerda" de se unirem em torno de um objetivo comum.
O filme ganha contornos ainda mais atuais se pensarmos no governo petista de Lula, o qual é muitas vezes atacado com mais ferocidade por outros partidos que, no fundo, lutam pelos mesmos objetivos do que pelos seus próprios adversários ideológicos!
Em uma das cenas mais emblemáticas do filme, o líder da "Frente dos Povos Judáicos" afirma categoricamente a um atônito Brian: "Só existe uma coisa que odiamos mais do que os romanos - a maldita Frente Popular Judáica" e em seguida cita todos os outros grupos revolucionários, inclusive o dele mesmo!
Já em outra seqüência não menos demolidora, dois grupos se esbarram em frente aos aposentos de Pilatus com o mesmo plano de seqüestrar a esposa do governante invasor. Irritados com a coincidência e já em pé de guerra, são alertados pelo mesmo Brian:
- "Irmãos, não deveríamos nos unir para enfrentar o inimigo comum?"
- "A Frente Judáica Popular!", bradam todos, em êxtase.
- "Não... os romanos..."
- "Ah, é..." Um guarda passa na porta e eles se escondem. Passado o susto dizem: "Onde estávamos mesmo?" - e partem para a porrada até serem todos mortos ou capturados pelos guardas. Não é preciso dizer mais nada, não?
É impossível não rir com a quantidade infinita de piadas e situações inacreditavelmente absurdas inventadas pelos anarquistas do Python - Brian chega até a participar de uma batalha espacial!
E a cena em que Poncius Pilatus (interpretado com a língua presa por um impagável Michael Palin) tenta convencer seus centuriões que tem um amigo chamado Bigus Dikus (Pintus Imensus) é de fazer qualquer mortal chorar de tanto rir! Os imperialistas romanos, como não poderia deixar de ser, são sempre mostrados como figuras inéptas e prontas a serem ridicularizadas por todos do alto de sua arrogância e presunção.
É óbvio que, por causa desse conteúdo provocativo e contestador, "A Vida de Brian" sofreu e sofre até hoje ataques do tipo "não vimos e não gostamos" de grupos religiosos e extremistas (tanto de direita quanto de esquerda), que no fundo só ajudam a comprovar e reforçar ainda mais o caráter satírico da produção.
Mas, esqueça os intolerantes que acusam o filme de ser anticristão, pois ele é somente uma comédia escachada que brinca sem pudores com assuntos polêmicos sem nunca ser desrespeitoso com qualquer religião.
É importante ressaltar que os Python tinham pleno domínio cênico e eram capazes de construir cenas tecnicamente muito bem feitas, inclusive aquelas que tinham a deliberada intenção de parecerem toscas ou ridículas.
Não é à toa que o filme "A Vida de Brian" foi eleito a melhor comédia de todos os tempos pelos ingleses. É simplesmente antológico!
Cotação: * * * * *
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terça-feira, 24 de julho de 2007
DVD: "Wood & Stock - Sexo, Orégano e Rock'n'roll"
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COISA DE DOIDO, MEU!
Morra de rir com as trapalhadas dos hypies Wood e Stock e de mais um monte de personagens que pulam diretamente das páginas da Chiclete com Banana para a tela.
- por André Lux, jornalista e crítico-spam
É uma delícia esse desenho animado dirigido por Otto Guerra, fielmente baseado nas tirinhas em quadrinhos do Angeli. Talvez para os fãs mais ardorosos, que sabem de cor e salteado todas as piadas, o filme perca um pouco da graça já que reproduz quase na íntegra o que já foi lido nas revistas.
Mesmo assim, não há como não rir das trapalhadas aprontadas pela dupla de hypies jurássicos Wood e Stock (ambos totalmente perdidos no mundo atual de consumismo sem sentido e ausência de ideais) e por mais um monte de personagens que pulam diretamente das páginas da saudosa Chiclete com Banana para a tela. Entre eles, Rê Bordosa, Rampal, o Paranormal, Rhalah Rikota, os Escrotinhos, Mara Tara e os revolucionários-utópicos Meiaoito e Nanico. Até o Bob Cuspe dá o ar da graça rapidinho.
Toda essa turma da pesada está unida por um fiapo de história que começa com Stock indo morar no apartamento do Wood depois que o pai morre e ele fica sem mesada. A novidade estressa Lady Jane, a transcendental esposa do maluco-beleza, e ela resolve fazer um retiro espiritual com o guru Rhalah.
Abandonados à própria sorte, sem comida ou qualquer noção de higiene, os dois bichos-grilos sem causa revezam o dia entre o vício da televisão e o de fumar orégano no banheiro. Os problemas começam quando a erva acaba e eles, no desespero, resolvem bolar um jeito de ganhar dinheiro. A primeira idéia, arrumar um emprego, é logo descartada, afinal, informa Wood, eles não lutaram tanto pelos seus cabelos compridos para de repente se renderem ao sistema! Vem então a brilhante inspiração de reunirem a velha banda de rock'n'roll “Chiqueiro Elétrico” depois de um delírio alcoólico em que ninguém menos do Raul Seixas (na voz de Tom Zé) aparece para Wood e explica: “a formiga trabalha porque não sabe cantar!”.
No meio dessa confusão toda, a Rê Bordosa tem presença de destaque e ganha uma interpretação impagável na voz da roqueira Rita Lee, cuja vida, segundo ela mesma, inspirou a personagem. Merecem destaque também os desempenhos de Zé Victor Castiel (como Wood) e Sepé Tiaraju de Los Santos (como um Stock com perfeito sotaque de paulista da gema), ambos muito engraçados!
Não seria totalmente injusto reclamar um pouco dos roteiristas que desperdiçam oportunidades de explorar melhor situações potencialmente ricas, especialmente a que envolve a troca dos filhos (Overall não agüenta mais o pais malucos, enquanto o outro morre de vontade de fugir dos parentes caretas), enquanto repetem outras desnecessariamente (como o ensaio da banda, cujo vocalista é o porco Sunshine). Mas não é nada que prejudique o resultado final, pelo contrário: a gente é que fica com aquele gostinho de “quero mais” na boca!
Outro ponto alto da animação é a trilha musical de Matheus Walter e Flu e o uso de canções de Rita Lee, Tom Zé e Júpiter Maçã que evocam com perfeição o clima nostálgico dos anos psicodélicos, principalmente na conclusão esperta.
Veja, reveja, compre, pois vale a pena!
Cotação: * * * *
.
COISA DE DOIDO, MEU!
Morra de rir com as trapalhadas dos hypies Wood e Stock e de mais um monte de personagens que pulam diretamente das páginas da Chiclete com Banana para a tela.
- por André Lux, jornalista e crítico-spam
É uma delícia esse desenho animado dirigido por Otto Guerra, fielmente baseado nas tirinhas em quadrinhos do Angeli. Talvez para os fãs mais ardorosos, que sabem de cor e salteado todas as piadas, o filme perca um pouco da graça já que reproduz quase na íntegra o que já foi lido nas revistas.
Mesmo assim, não há como não rir das trapalhadas aprontadas pela dupla de hypies jurássicos Wood e Stock (ambos totalmente perdidos no mundo atual de consumismo sem sentido e ausência de ideais) e por mais um monte de personagens que pulam diretamente das páginas da saudosa Chiclete com Banana para a tela. Entre eles, Rê Bordosa, Rampal, o Paranormal, Rhalah Rikota, os Escrotinhos, Mara Tara e os revolucionários-utópicos Meiaoito e Nanico. Até o Bob Cuspe dá o ar da graça rapidinho.
Toda essa turma da pesada está unida por um fiapo de história que começa com Stock indo morar no apartamento do Wood depois que o pai morre e ele fica sem mesada. A novidade estressa Lady Jane, a transcendental esposa do maluco-beleza, e ela resolve fazer um retiro espiritual com o guru Rhalah.
Abandonados à própria sorte, sem comida ou qualquer noção de higiene, os dois bichos-grilos sem causa revezam o dia entre o vício da televisão e o de fumar orégano no banheiro. Os problemas começam quando a erva acaba e eles, no desespero, resolvem bolar um jeito de ganhar dinheiro. A primeira idéia, arrumar um emprego, é logo descartada, afinal, informa Wood, eles não lutaram tanto pelos seus cabelos compridos para de repente se renderem ao sistema! Vem então a brilhante inspiração de reunirem a velha banda de rock'n'roll “Chiqueiro Elétrico” depois de um delírio alcoólico em que ninguém menos do Raul Seixas (na voz de Tom Zé) aparece para Wood e explica: “a formiga trabalha porque não sabe cantar!”.
No meio dessa confusão toda, a Rê Bordosa tem presença de destaque e ganha uma interpretação impagável na voz da roqueira Rita Lee, cuja vida, segundo ela mesma, inspirou a personagem. Merecem destaque também os desempenhos de Zé Victor Castiel (como Wood) e Sepé Tiaraju de Los Santos (como um Stock com perfeito sotaque de paulista da gema), ambos muito engraçados!
Não seria totalmente injusto reclamar um pouco dos roteiristas que desperdiçam oportunidades de explorar melhor situações potencialmente ricas, especialmente a que envolve a troca dos filhos (Overall não agüenta mais o pais malucos, enquanto o outro morre de vontade de fugir dos parentes caretas), enquanto repetem outras desnecessariamente (como o ensaio da banda, cujo vocalista é o porco Sunshine). Mas não é nada que prejudique o resultado final, pelo contrário: a gente é que fica com aquele gostinho de “quero mais” na boca!
Outro ponto alto da animação é a trilha musical de Matheus Walter e Flu e o uso de canções de Rita Lee, Tom Zé e Júpiter Maçã que evocam com perfeição o clima nostálgico dos anos psicodélicos, principalmente na conclusão esperta.
Veja, reveja, compre, pois vale a pena!
Cotação: * * * *
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quinta-feira, 12 de julho de 2007
Saiba porque o formato Widescreen é o ideal para se ver um filme!
Diferenças de tamanho entre a tela do cinema e da TV, além da desinformação, geraram problemas na hora de lançar o filme para o mercado de home video
- por André Lux, crítico-spam
Você sabe qual é a diferença entre os formatos Widescreen (ou Letterbox) e Tela Cheia (também chamado de ''Fullscreen'', ''Padrão'' ou Pan & Scan)? Abaixo vamos tentar responder algumas das perguntas e reclamações mais comuns acerca dos formatos:
1) É verdade que o Widescreen corta o filme?
Muita gente acha que o formato Widescreen ''corta'' o filme, por causa daquelas barras pretas que ficam em cima e em baixo da tela. Mas a verdade é que é o Tela Cheia que deforma o resultado final, pois nesse formato são cortados justamente as laterais da película para que ela se ajuste ao formato da maioria das TV's antigas no mundo todo. Isso significa que em muitos casos até 50% das imagens originalmente filmadas são cortadas para que o filme caiba na tela da TV! Compare abaixo uma imagem do filme "O Senhor dos Anéis" em widescreen com sua respectiva em tela cheia:
2) Mas por que é preciso cortar as laterais do filme na TV?
Quando a TV foi inventada, usaram como padrão para o tamanho da tela o formato da tela do cinema, que era de 1:33:1 (o que significa que ela é 1:33 mais larga do que a altura). Filmes antigos, como ''Cidadão Kane'', por exemplo, foram filmados neste formato. Só que com o desenvolvimento de novas técnicas de filmagem e com a necessidade de atrair mais pessoas para os cinemas, criou-se novos tamanhos de negativo (película onde o filme é gravado) que passaram a variar de 1.85 a 2.4 mais largos que a altura. Com isso, os filmes passaram a ser exibidos em telas mais largas enquanto a da TV continuou praticamente quadrada. Só que, ao ser comprados para exibição na TV ou para lançar em VHS, preferiram ajustar o tamanho dos filmes à tela quadrada da televisão. Com o advento das TVs tela plana em widescreen, a tela da TV ficou mais parecida com a do cinema, o que garante que as imagens dos filmes não fiquem mais tão distorcidos em relação ao original.
3) O que é o processo Pan & Scan?
O ''Pan'' é basicamente o ato de dar um "zoom" na região central da película (cortando assim as laterais) para ela se ajustar ao tamanho da tela da TV. Já o ''Scan'' acontece quando fazem uma correção digital na imagem para que seja enquadrado o que há de mais importante no fime. Quando não fazem o ''Scan'' a imagem muitas vezes fica sem nada no meio. Lembra aqueles filmes de faroeste antigos que passam na TV no qual ocorre um duelo, mas você só vê a rua deserta e nunca os antagonistas? Pois é, eles foram literalmente ''cortados'' do filme, pois estavam nos cantos!
4) Mas eu detesto aquelas barras pretas!
Saiba que, sem as barras pretas, você está perdendo até 50% das imagens. Cineastas competentes geralmente fazem uso total do negativo para passar informações importantes, que no Fullscreen são simplesmente descartadas.
5) Mas minha TV é pequena e no Widescreen não vejo nada.
Realmente, para quem tem uma televisão pequena ver o filme em Widescreen é difícil. Por isso, o mais correto seria lançá-los nos dois formatos, deixando assim a critério do consumidor escolher qual o melhor para ele.
6) Não dá para regular meu aparelho de DVD para passar tudo em Fullscreen?Sim, a maioria dos aparelhos tem essa opção, bastando para isso você entrar no menu principal e regular a forma que deseja ver o filme sendo exibido. Consulte o manual de instruções do seu DVD player para aprender como fazer isso corretamente.
7) Por que as distribuidoras estão lançando mais filmes em Fullscreen, se esse formato corta o filme pela metadade?
Isso ocorre justamente por causa da falta de informação dos consumidores, que continuam achando que é o formato Widescreen que corta o filme e assim reclaman com os donos das locadoras! Lembre-se que o mercado reage basicamente aos desejos do consumidor. Isso significa que, devido à má informação, todos estamos perdendo uma ótima oportunidade de ver os filmes da forma que foram originalmente concebidos pelos cineastas!
Informações mais detalhadas sobre esse assunto podem ser encontradas no site ''The Letterbox and Widescreen Advocacy Page'', o qual traz inclusive inúmeros exemplos visuais bastante didáticos das diferenças entre os formatos de tela.
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- por André Lux, crítico-spam
Você sabe qual é a diferença entre os formatos Widescreen (ou Letterbox) e Tela Cheia (também chamado de ''Fullscreen'', ''Padrão'' ou Pan & Scan)? Abaixo vamos tentar responder algumas das perguntas e reclamações mais comuns acerca dos formatos:
1) É verdade que o Widescreen corta o filme?
Muita gente acha que o formato Widescreen ''corta'' o filme, por causa daquelas barras pretas que ficam em cima e em baixo da tela. Mas a verdade é que é o Tela Cheia que deforma o resultado final, pois nesse formato são cortados justamente as laterais da película para que ela se ajuste ao formato da maioria das TV's antigas no mundo todo. Isso significa que em muitos casos até 50% das imagens originalmente filmadas são cortadas para que o filme caiba na tela da TV! Compare abaixo uma imagem do filme "O Senhor dos Anéis" em widescreen com sua respectiva em tela cheia:
Quando a TV foi inventada, usaram como padrão para o tamanho da tela o formato da tela do cinema, que era de 1:33:1 (o que significa que ela é 1:33 mais larga do que a altura). Filmes antigos, como ''Cidadão Kane'', por exemplo, foram filmados neste formato. Só que com o desenvolvimento de novas técnicas de filmagem e com a necessidade de atrair mais pessoas para os cinemas, criou-se novos tamanhos de negativo (película onde o filme é gravado) que passaram a variar de 1.85 a 2.4 mais largos que a altura. Com isso, os filmes passaram a ser exibidos em telas mais largas enquanto a da TV continuou praticamente quadrada. Só que, ao ser comprados para exibição na TV ou para lançar em VHS, preferiram ajustar o tamanho dos filmes à tela quadrada da televisão. Com o advento das TVs tela plana em widescreen, a tela da TV ficou mais parecida com a do cinema, o que garante que as imagens dos filmes não fiquem mais tão distorcidos em relação ao original.
3) O que é o processo Pan & Scan?
O ''Pan'' é basicamente o ato de dar um "zoom" na região central da película (cortando assim as laterais) para ela se ajustar ao tamanho da tela da TV. Já o ''Scan'' acontece quando fazem uma correção digital na imagem para que seja enquadrado o que há de mais importante no fime. Quando não fazem o ''Scan'' a imagem muitas vezes fica sem nada no meio. Lembra aqueles filmes de faroeste antigos que passam na TV no qual ocorre um duelo, mas você só vê a rua deserta e nunca os antagonistas? Pois é, eles foram literalmente ''cortados'' do filme, pois estavam nos cantos!
4) Mas eu detesto aquelas barras pretas!
Saiba que, sem as barras pretas, você está perdendo até 50% das imagens. Cineastas competentes geralmente fazem uso total do negativo para passar informações importantes, que no Fullscreen são simplesmente descartadas.
5) Mas minha TV é pequena e no Widescreen não vejo nada.
Realmente, para quem tem uma televisão pequena ver o filme em Widescreen é difícil. Por isso, o mais correto seria lançá-los nos dois formatos, deixando assim a critério do consumidor escolher qual o melhor para ele.
6) Não dá para regular meu aparelho de DVD para passar tudo em Fullscreen?Sim, a maioria dos aparelhos tem essa opção, bastando para isso você entrar no menu principal e regular a forma que deseja ver o filme sendo exibido. Consulte o manual de instruções do seu DVD player para aprender como fazer isso corretamente.
7) Por que as distribuidoras estão lançando mais filmes em Fullscreen, se esse formato corta o filme pela metadade?
Isso ocorre justamente por causa da falta de informação dos consumidores, que continuam achando que é o formato Widescreen que corta o filme e assim reclaman com os donos das locadoras! Lembre-se que o mercado reage basicamente aos desejos do consumidor. Isso significa que, devido à má informação, todos estamos perdendo uma ótima oportunidade de ver os filmes da forma que foram originalmente concebidos pelos cineastas!
Informações mais detalhadas sobre esse assunto podem ser encontradas no site ''The Letterbox and Widescreen Advocacy Page'', o qual traz inclusive inúmeros exemplos visuais bastante didáticos das diferenças entre os formatos de tela.
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