Talvez seja melhor mesmo deixar James Bond morto e enterrado, junto com os valores apodrecidos que ele tão bem representa
- por André Lux
É impossível falar sobre o novo filme do 007 sem fazer uma análise
histórica da franquia, portanto aqui vai (contém spoilers!).
O personagem do agente secreto britânico James Bond, codinome
007, foi criado pelo escritor Ian Fleming em 1953 e gerou a mais longa franquia
do cinema com 26 filmes cujas qualidades variam bastante, do ótimo ao
francamente bisonho.
O problema do 007 é que ele é extremamente datado, um
verdadeiro dinossauro que foi criado na época da guerra fria entre EUA e a
extinta União Soviética cujas características principais eram o machismo e,
claro, a defesa irrestrita do imperialismo ocidental (afinal, é um agente do
MI6 britânico). Ou seja, em linhas gerais era a encarnação perfeita do chamado “macho
alfa” que detona os inimigos do capitalismo enquanto usa e descarta as mulheres
a seu bel prazer.
Essa fórmula funcionou bem até mais ou menos 1985 com o
último filme de Roger Moore interpretando Bond, “007 Na Mira dos Assassinos” (“A
View To a Kill”), mas logo os produtores tentaram dar um upgrade no personagem
em 1987 com “007 Marcado Para a Morte” que eu considero talvez o melhor filme
da série, trazendo o personagem mais próximo da realidade, diminuindo sua
misoginia e deixando a trama menos caricata. O ator Timothy Dalton ficou
perfeito no papel, mas infelizmente fez apenas dois filmes e logo foi substituído
pelo insonso Pierce Brosnan, cujas encarnações de Bond estão entre as piores da
série.
Corta para 2006 e entre em cena então uma nova tentativa de revitalizar a franquia. Inspirados pelo sucesso dos filmes com Jason Bourne, personagem parecido com Bond, porém muito mais realista e mundano, os produtores contratam o feioso Daniel Craig (que lembra muito o nosso Didi Mocó de “Os Trapalhões”) para viver 007 em “Cassino Royale” e criam um ótimo filme, porém cada vez mais distante do personagem original.
O Bond de Craig é inseguro, nervoso e altamente incompetente (o que se justifica no primeiro filme por ele estar estreando no serviço), porém essas características são levadas para todos os outros filmes, fator que irrita os fãs da série.
James Bond e Didi Mocó: trapalhões |
Além disso, a trama do primeiro filme é levada para a continuação “Quantum of Solace”, algo inédito na franquia. Até aí, nada de errado. O problema é que em “Skyfall” (leia aqui minha análise) resolvem abandonar a continuidade, só para a retomarem em “Spectre” (leia aqui minha análise) inventando de forma absurda uma organização do mal capitaneada pelo vilão Blofeld que estaria por trás de todos os eventos dos filmes anteriores.
Chega então “007 Sem Tempo Para Morrer” que já se anuncia
como o último filme da era Craig e o resultado não poderia ser mais decepcionante.
Confesso que não esperava grande coisa depois dos fiascos de “Skyfall” e “Spectre”,
porém é bem pior do poderia imaginar. O longa começa com Bond novamente aposentado
(ele foi substituído por uma mulher, porém isso não tem a menor relevância na trama)
vivendo um grande amor com a personagem feita pela Léa Seydoux (que ao menos
está menos inexpressiva). Mas logo sofrem um atentado e Bond a abandona achando
que ela a traiu.
Temos então a invasão de um laboratório secreto do qual é
roubado um tipo de vírus que pode matar pessoas específicas baseado no DNA
delas. Por trás do roubo está a Spectre que continua sendo comandada por
Blofeld mesmo ele estando preso em segurança máxima (e o filme nunca explica de
forma inteligível como faz isso). Todavia, existe um outro vilão (feito de forma
caricata por Rami Malek) que busca vingança contra a Spectre e quer usar o
vírus para matar Blofeld e, depois, eliminar grande parte da humanidade. Os
motivos dele nunca ficam claros, mas parece que quer dar uma de Thanos, da
série dos “Vingadores”.
Enfim, o roteiro é tolo, a trama não tem pé nem cabeça e é arrastada demais (o filme tem quase 3 horas de duração), a direção é burocrática, as cenas de ação, lutas e perseguições são muito fracas, as motivações dos vilões não fazem sentido e o Bond de Daniel Craig continua incompetente e burro, incapaz de se salvar sem ajuda de outros ou de perceber óbvios traidores.
E se não bastasse tudo isso, ainda inventam uma filha para o 007, recurso que terá efeito dramático praticamente nulo para a trama e só serve para tentar sem sucesso dar mais emoção a perseguições e confrontos. E o que foi aquilo dos membros da Spectre se reunirem todos numa festa em Cuba? Mais uma estupidez do roteiro inventada só para tentar manchar novamente a reputação da ilha, como se lá fosse terra de ninguém.
Não foi boa ideia chamarem o abominável Hans Zimmer para
compor a música de “Sem Tempo Para Morrer”, pois seu “estilo” é completamente errado
para os filmes da franquia que sempre contaram com partituras excelentes,
grande parte delas composta pelo mestre John Barry. Mas Zimmer não chega a
incomodar, criando uma trilha musical banal mas funcional na qual cópia sem
grande talento o que já foi estabelecido na série por Barry e David Arnold. As
melhores faixas acabam sendo as que Zimmer incorpora sem maiores explicações o
tema criado por Barry para “A Serviço Secreto de Sua Majestade” (de 1969), cuja
canção interpretada pelo grande Louis Armstrong encerra o novo filme.
E, para fechar o desastre com chave de outro, resolveram
simplesmente matar James Bond. Isso mesmo: está morto o personagem icônico do
cinema que basicamente era imortal (tanto é que está vivo desde 1953 e já foi
interpretado por seis atores). E nem mesmo uma morte gloriosa o coitado teve,
sendo eliminado de forma idiota por causa de erros que ele mesmo comete! Um verdadeiro
trapalhão esse James Bond.
Vai ser difícil para os produtores da franquia retomarem o
personagem daqui para frente. Primeiro porque o mataram e segundo
porque fica quase impossível manter a fleuma de James Bond viva sem ter que
descaracterizar ele completamente. O que no final das contas pode ser uma boa
notícia, já que realmente não existe mais lugar no mundo para esse tipo de “macho
alfa” sedutor, invencível, imperialista e misógino que encantava certas pessoas
no passado. Talvez seja melhor mesmo deixar James Bond morto e enterrado, junto
com os valores apodrecidos que ele tão bem representa.
Cotação: **
Vou falar bem a verdade. Foi melhor mesmo o 007 ter morrido mesmo, já que nem ele escapou da lacração e quiseram colocar uma mulher negra para ser o agente (ou seria a agente?) porque... bem, porque sim.
ResponderExcluirE esse último ator escolhido foi bem fraquinho mesmo. Apesar de que eu gostava do Brosnan como agente.