MONSTROS HUMANOS
Revisto hoje, filme levanta de forma involuntária a questão de que não estariam hoje os próprios judeus de Israel cometendo as mesmas atrocidades dos nazistas contra os palestinos?
- por André Lux, crítico-spam
Que motivos levaram uma nação que foi berço de alguns dos maiores artistas e pensadores da história a se render a uma ideologia que pregava o ódio e a intolerância? Como podem as diferenças entre seres humanos tornarem-se desculpas para que atos bárbaros sejam cometidos? O que leva uma pessoa aparentemente normal a matar a sangue-frio um semelhante seu como se fosse um inseto?
Não era o objetivo do diretor Steven Spielberg responder a essas perguntas, mas é impossível não formula-las ao final de “A Lista de Schindler”, filme que finalmente deu ao cineasta por trás de “Tubarão” e da série “Indiana Jones” o status de diretor sério que ele tanto queria.
Filmado em preto e branco para, segundo Spielberg, deixar o filme menos insuportável devido à violência gráfica de algumas cenas, “A Lista de Schindler” é construído sobre um ótimo roteiro de Steven Zaillian que mostra com tintas extremamente realistas a perseguição aos judeus na Polônia e sua recolocação no Gueto de Krakow, em 1941, onde famílias inteiras eram amontoadas em pequenos quartos, até a transferência de todos para o infame campo de concentração comandado pelo sociopata Amon Goëth (um impressionante Ralph Fiennes, em sua estréia no cinema).
É impossível não se emocionar com o poder das imagens dirigidas com surpreendente comedimento por Spielberg e captadas magistralmente pela câmera de Janusz Kaminski. As cenas de mulheres, homens e crianças sendo friamente assassinados com tiros na cabeça são de uma crueza insuportável, mas nunca apelativas ou redundantes. Mas o que difere “A Lista de Schindler” de tantos outros filmes sobre o Holocausto Nazista é o caráter profundamente humano e realista que os realizadores conseguiram imprimir à obra, até mesmo ao retratar o monstruoso líder do campo de concentração, Goëth.
Apesar de ser o “herói” do filme, Oskar Schindler (Lian Neeson) é mostrado como um empresário ganancioso e sem escrúpulos que enriqueceu se aproveitando da guerra e do fato que podia usar judeus em sua fábrica praticamente como mão de obra escrava. A princípio ele mantem-se afastado dos horrores que acontecem à sua volta, mas vai gradativamente sensibilizando-se até o ponto de sentir-se obrigado a agir em favor dos oprimidos.
Para tentar ilustrar o ponto da transformação do protagonista, Spielberg construiu duas seqüências chave usando um recurso até certo ponto simples, porém extremamente eficaz: a menina do vestido vermelho que ganha cores por meio de trucagem na pós-produção, vista correndo perdida no meio dos nazistas e, depois, já morta sendo levada para a pilha de cadáveres queimando. É nesta cena que “A Lista de Schindler” atinge seu ápice como obra cinematográfica, numa perfeita fusão de som, imagem, música (uma das obras-primas de John Williams) e interpretação do elenco capaz de arrepiar até o último fio de cabelo do corpo.
A partir daí o filme vira uma corrida contra o tempo, na qual Schindler tenta salvar o máximo de seus empregados que pode, usando para isso toda a sua fortuna. Alguns dos cacoetes do diretor relativos ao uso de crianças como fonte de humor e um certo didatismo desnecessário podem ser encontrados em certos pontos do filme, mas nada que chegue a comprometer o resultado final.
Spielberg só escorrega mesmo quando coloca Schindler tendo um acesso de dor na consciência durante o qual cai de joelhos aos prantos questionando se não poderia ter salvado ainda mais vidas. Justamente por ser redundante e apelativa, esta sequência acaba tornando-se a menos plausível do filme todo.
É impressionante o poder que o filme tem sobre quem o assiste, mesmo numa revisão. O impacto do registro quase documental daquela monstruosidade praticada em nome de uma suposta “raça superior” e de uma ideologia grotesca (que lamentavelmente ainda encontra seguidores até hoje) vai continuar chocando sempre, independente de credo religioso ou ideologia política.
Por tudo isso, “A Lista de Schindler” será sempre um alerta poderoso que, embora não consiga responder às questões levantadas no início deste texto, mostra com riqueza de detalhes as consequências terríveis geradas pelo ódio, pela intolerância e pelo preconceito. Além de involuntariamente levantar a questão de que não estariam hoje os próprios judeus de Israel cometendo as mesmas atrocidades dos nazistas contra os palestinos?
Cotação: * * * *
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