Nova versão de "A Lenda" traz cenas adicionais e restaura música espetacular de Jerry Goldsmith
- por André Lux, crítico-spam
Você consegue imaginar o que seria do filme "O Império Contra-Ataca'' se, justamente no momento em que o vilão Darth Vader entrasse em cena, a ''Marcha Imperial'' de John Williams fosse trocada por um pagode do grupo ''É o Tchan!''?
Ou então, na cena do assassinato no chuveiro de ''Psicose'', ao invés da música magistral de Bernard Herrman, os produtores do filme resolvessem colocar um heavy-metal do Marilyn Manson?
Loucura? Sem dúvida. Mas, infelizmente, absurdos como esses às vezes realmente acontecem no cinema.
Um caso clássico é o que ocorreu com o filme ''A Lenda'', produção de 1986 dirigida pelo prestigiado Ridley Scott (de ''Alien: O Oitavo Passageiro'' e ''Blade Runner - O Caçador de Andróides'') que foi concebida como uma fantasia fiel ao espírito dos contos de fadas clássicos, mas com voz própria e original.
Um dos fatores primordiais para a credibilidade do filme foi a escolha do consagrado compositor Jerry Goldsmith, que criou para ''A Lenda'' uma das mais belas e líricas trilhas sonoras musicais já escritas para o cinema. Para se ter uma idéia da importância da música nesse filme, canções foram compostas por Goldsmith (com letras de John Bettis) para serem cantadas pela personagem principal e passaram a fazer parte do roteiro!
Entretanto, só públicos europeus (e alguns poucos, como o brasileiro) puderam ver o filme com a música do mestre, já que, ao chegar nos EUA, os produtores foram convencidos pelos executivos da Universal Studios a reduzirem a metragem e, crime dos crimes, trocar a música de Goldsmith por algo mais "popular".
Na mesma época, em um caso semelhante e no mesmo estúdio, o diretor Terry Gilliam ameaçou queimar os negativos de ''Brazil'' se sua visão não fosse respeitada. Já Ridley Scott, incerto das qualidades de sua obra e incapaz de apoiar seus colegas de trabalho, aceitou todas as ''dicas'', chegando ao cúmulo de contratar o inexpressivo grupo de rock progressivo Tangerine Dream para compor a trilha substituta.
O filme, que dos originais 114 minutos foi reduzido para 90, foi lançado então nos cinemas dos EUA e fracassou gloriosamente, além de ser massacrado pela crítica - embora uma versão de 94 minutos e com a trilha de Goldsmith tenha sido comprada pela Fox e lançada na Europa e também no Brasil na época.
Mas essa injustiça foi finalmente arrumada. Foi lançado na região 1 o DVD especial duplo que contém a versão restaurada do filme, como havia sido idealizada por seus criadores, à qual foram reintegradas cenas que tinham sido deixadas de fora de ambas as versões e a música de Jerry Goldsmith.
Essa chamada ''Versão do Diretor'' (Director’s Cut) está contida no Disco 1, tem 1h54min de duração e é apresentada em formato widescreen anamórfico, com som DTS, 5.1 Dolby Surround e 2.0 Dolby Surround. Além disso, vem com um canal de áudio especial trazendo os comentários do diretor Scott.
O Disco 2 apresenta vários extras, tais como um documentário recente no qual são discutidos todos os aspectos da produção, com várias entrevistas e depoimentos, duas cenas perdidas (a abertura original e a dança das fadas), storyboards, galeria de fotos, trailers de cinema e TV, além da versão dos EUA, que possui apenas 1h30min de duração e a trilha musical que foi aos cinemas. No Brasil, foi lançado o filme em blu ray trazendo tanto a versão do diretor, quanto a versão européia dos cinemas.
Mas uma pergunta paira no ar: a versão restaurada de ''A Lenda'' faz dele um grande filme? Infelizmente a resposta ainda é negativa. A produção é visualmente brilhante, o clima de magia e conto de fadas está presente (agora mais do que nunca, graças à música de Goldsmith), os efeitos de maquiagem de Rob Bottin são perfeitos e Tim Curry como o vilão Darkness continua impressionando, mesmo ao atuar sob quilos de maquiagem que o deixam irreconhecível.
Todavia, ''Legend'' tem um defeito grave: por causa de diversos problemas na produção (inclusive um incêndio que destruiu grande parte do estúdio), o roteiro de William Hjortsberg, que era inicialmente grandioso e ousado, foi sendo drasticamente reduzido e reescrito, resultando em um sub-Senhor dos Anéis indigesto e praticamente incompreensível.
Essa falta de rumo do projeto obviamente afetou o par de atores centrais, composto por Tom Cruise (aqui em início de carreira) e por Mia Sara (que nem é muito bonita e depois só apareceu em ''Curtindo a Vida Adoidado''). Os dois estão visivelmente perdidos, em especial Cruise, cuja atuação chega a ser constrangedora (o astro hoje rejeita a fita). Pior, o filme não tem ação e as poucas cenas de luta são mal dirigidas por Scott, que as deixa confusas e truncadas.
Em contrapartida, a ''Versão do Diretor'' é mais longa do que a de 94 minutos exibida nos cinemas europeus e brasileiros, particularmente na seqüência do encontro com os unicórnios, quando Darkness tenta seduzir a princesa Lily (Sara) e no diálogo entre ela e Jack (Cruise) na conclusão do filme, deixando-o um pouco mais forte ao aprofundar o amor entre os personagens principais e também o dilema enfrentado pelo Senhor da Escuridão, que tenta corromper a luz, mas também acaba corrompido por ela.
Tim Curry, irreconhecível como Darkness |
As duas versões também começam e terminam de maneira totalmente diferente. Na dos EUA o vilão é mostrado logo de cara, quebrando todo o impacto da sua aparição ao sair do espelho na metade do filme. Já na Versão do Diretor, Lily vai embora sozinha, pois entende que seu campeão pertence à floresta, mas em seguida Jack resolve correr para ela. Na dos EUA e na Européia, ambos rumam ao pôr do sol juntos, de mãos dadas...
Com tantas versões diferentes e mudanças conceituais, fica claro que nem mesmo os realizadores sabiam muito bem o que fazer com o roteiro que tinham em mãos. E é justamente essa falta de rumo a causa do fracasso do projeto, pois deixou aberta a porta para a intervenção direta de executivos do estúdio que, entre outros absurdos, decidiram destruir a trilha magistral de Jerry Goldsmith em favor de uma música mais comercial.
Para quem duvida é só comparar a cena da dança do vestido nas duas versões. Goldsmith compôs uma valsa grandiosa e maravilhosa, porém perturbadora, na performance precisa da National Philarmonic Orchestra mais Coral. Já na versão do Tangerine Dream vemos os personagens dançando freneticamente, mas a música soa modesta, mal se ouve coisa alguma, como se alguém estivesse arranhando um sintetizador timidamente.
Como bem disse Paul MacLean no livreto que acompanha o álbum da Silva Screen com a trilha musical de Jerry Goldsmith para o filme, ''Homens de negócio fariam melhor se permanecessem em suas cadeiras de couro e deixassem o trabalho criativo para as pessoas criativas''. Pura e irretocável verdade. Jerry Goldsmith que o diga...
A versão que foi para os cinemas de ''A Lenda'', de 94 minutos, foi lançado em DVD no Brasil pela Fox. Entretanto, nem a Fox, nem a Universal, que distribui o DVD com a versão do diretor nos EUA, tem planos para a versão especial para o Brasil.
Cotação: * * * 1/2
Porra chamar a Mia Sara de feia é foda.
ResponderExcluirNão disse que ela é feia, apenas que nem é tão bonita assim. Na minha opinião,é claro...
ResponderExcluirAndré,
ResponderExcluirSeu texto está muito bom e fico com pena que dificilmente consiguirei assistir a este versão. Tomara que algum dia lancem aqui no Brasil.
Quanto à música, Jerry Goldsmith merece todo o meu respeito, tanto quanto John Williams e acredito que a OST de "A Lenda" tenha realmente ficado melhor.
Mas me desculpe, chamar o "Tangerine Dream" de banda inexpressiva demonstra uma falta de intimidade sobre a sua contribuição no cenário do rock progressivo eletrônico. Você pode até não curtir a banda. Respeito. Mas considerá-la inexpressiva, aí não.Concordo que suas trilhas para o cinema, a exceção de "Negócio Arriscado", realmente não é expressiva. Mas como um todo, o trabalho da banda é fantástico, desde suas primeiras contribuições ainda no fins dos anos 60 até dois anos atrás, quando Edgar Froese, seu líder, faleceu.
Tudo de bom.
Inexpressiva pra mim, só para deixar claro.
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