terça-feira, 19 de junho de 2007

DVD: "Diamante de Sangue"

O INFERNO DAS BOAS INTENÇÕES

Filme desprezível traz praticamente tudo que existe de mais infame na ideologia da direita, sempre travestida com mensagens politicamente corretas e edificantes.

- por André Lux, crítico-spam

É inacreditável que um filme tão desprezível quanto este “Diamante de Sangue” tenha recebido tantas críticas positivas e premiações mundo afora. Praticamente tudo que existe de mais infame na ideologia da direita está presente nele, do começo ao fim.

Situado em Sierra Leoa, na África, a história baseada em fatos reais mostra um país dividido entre um governo “oficial” e uma guerrilha revolucionária. No meio desse caos, grupos aproveitam para tentar encontrar diamantes e vender a quem pagar melhor. Até aí, tudo bem. Ofensiva é a maneira que o grupo de “revolucionários” do filme é mostrada, basicamente formado por um bando de facínoras selvagens que invadem vilas e saem matando a esmo enquanto capturam as crianças para serem transformados em “guerrilheiros” e os homens mais fortes para trabalharem como escravos nas minas. Todos usam boina vermelha com estrela no meio (a lá Che Guevara) e, enquanto praticam seus atos monstruosos, proferem meia dúzia de frases de efeito que foram certamente pinçadas de algum discurso de três horas do Fidel Castro ou outro esquerdista qualquer, reciclando assim todos os mais infames clichês criados pela indústria cultural estadunidense para assustar o mundo do “perigo comunista”.

Não pretendo entrar no mérito do quão é factual ou não a descrição das ações do tal grupo. Afinal, é de conhecimento geral o número de barbaridades que já se cometeu por aí em nome de uma suposta “revolução” – e não vamos nos esquecer que muitos aqui mesmo no Brasil ainda chamam de “revolução” o golpe militar de 1964 que implantou uma ditadura sangrenta e arbitrária que durou 21 anos.

O fato é que, gostemos ou não, qualquer grupo guerrilheiro ou mesmo golpista tem seus ideais e propósitos. Se são nobres ou não, caberá à história julgá-los. Porém, o filme passa longe dessas questões ideológicas e nunca ficamos sabendo contra quem ou o que os rebeldes de Serra Leoa lutavam. Uma única e mísera frase, proferida por um jornalista, brinca de explorar o tema: “O governo é ruim, mas os guerrilheiros são piores”. O governo no caso, nem preciso dizer, era de direita e pró-ocidente...

Essa aproximação, convenhamos, não apenas é totalmente absurda como também ofensiva à inteligência de qualquer um que tenha o mínimo conhecimento de História. A situação caótica de eterna guerra civil presente em muitas regiões da África é resultado direto da ação das grandes potências, que sempre exploraram o continente e, em muitos casos, inventaram países na marra colocando sob uma mesma nacionalidade tribos inimigas mortais justamente para se aproveitarem do caos reinante.

E, puxada por essa temática, aparece outra das besteiras inaceitáveis do filme. Os roteiristas de “Diamante de Sangue” querem convencer os incautos que a guerra civil africana é sim conseqüência da ação do homem, mas, vejam só, de um único homem! No caso, um empresário sem escrúpulos que comercializa diamantes e financia milícias armadas, tanto de direita quanto de esquerda, para provocar o caos na região. Mais uma lição da cartilha conservadora: não existe nada de errado com o sistema capitalista, o problema são esses esparsos vilões sem caráter que não respeitam a ética e auto-regulação do ‘deus mercado’!

Mas, quando você acha que já viu tudo que é possível em termos de estupidez panfletária, ainda me aparecem com uma jornalista daquelas que só existem mesmo nos delírios dos executivos de Roliudi: independente (mesmo trabalhando para algo semelhante à CNN), perspicaz, lindíssima e sem medo de entrar de cabeça no meio da guerra (de camisetinha e bermuda) para cobrir a agonia dos excluídos.

Trata-se do estereótipo mais ridículo para retratar a decadente profissão, ainda mais numa situação daquela em que, na vida real, os sabujos da mídia corporativa não colocam o pé para fora do hotel cinco estrelas e limitam-se a repassar “informações oficiais” fornecidas pelo governo pró-ocidente (quando não fazem isso em uma esquina de Londres ou Nova Iorque). Agora, se você acha que estou exagerando, então imagine a esposa daquele sujeito engomado que lê teleprompter no Jornal Nacional da rede Globo trocando um final de semana na ilha de Caras para estar no lugar da moça do filme e vai entender o que estou tentando dizer...

E tudo isso é manipulado com o grotesco objetivo de tentar fazer as pessoas acreditarem que o maravilhoso jornalismo da mídia corporativa é louvável e digno de confiança. Afinal, ensina "Diamante de Sangue", reparem como esses profissionais da informação arriscam a própria vida para trazer a você, no conforto do seu lar, as denúncias mais atuais, doa a quem doer - e tudo isso sem nem desmanchar o penteado ou perder a oportunidade de se apaixonar pelo herói!

Eu poderia ficar horas aqui apontando todas as nojeiras contidas nesse filme, mas vou parar por aqui pois só a lembrança dessa lambança ideológica travestida de cinema já está me deixando com náuseas. O mais lamentável, porém, é que toda essa panfletagem reacionária e favorável ao imperialismo estadunidense vem embalada numa ridícula, porém eficiente, mensagem politicamente correta do tipo “salvem os africanos”. No final, como devem achar que toda a platéia é burra e inepta, chegam ao cúmulo de estampar na tela uma placa estimulando o espectador a “antes de comprar um novo diamante, ter certeza que ele é limpo”. Ah, claro, podem ficar tranqüilos: da próxima vez que eu entrar na joalheria da Daslu só vou comprar um novo diamante se a mocinha da loja me garantir de pé junto que ele chegou ali sem que nenhum pobre coitado do terceiro mundo tenha sido esmagado...

Difícil saber se os autores desse lixo são ingênuos ou simplesmente canalhas. Levando-se em consideração o conjunto da obra pseudo-profunda do diretor Edward Zwuick (“Tempo de Glória”, “Lendas da Paixão”, “O Último dos Samurais”) dá para arriscar dizer que o sujeito é daqueles cineastas bocós, porém bem intencionados, que, a exemplo de Ridley Scott em “Falcão Negro em Perigo”, deixam-se enganar pelo suposto bom-mocismo do projeto e colocam seu trabalho a serviço desse tipo de propaganda neoliberal nefasta, que sempre vem escondida atrás de mensagens edificantes.

O fato de atores-celebridades do peso de Leonardo Di Caprio (que não decide se seu personagem fala com sotaque australiano ou jamaicano) e Jeniffer Conelly terem se deixado envolver num projeto tão mau caráter e, pior, ainda saírem entoando loas à mensagem bonita do filme, demonstra o nível de alienação e ignorância das pessoas em relação a temas tão trágicos e atuais quantos os absurdamente retratados pelo filme. Se levarmos em conta que a grande maioria forma suas opiniões a partir do que assiste na mídia corporativa e no cinema, dá para imaginar o tamanho do estrago que filmes podres como esse provocam na mente dos incautos.

Enfim, como diz a lógica popular, de boas intenções o inferno está mesmo cheio...

Cotação: ZERO
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4 comentários:

  1. André, me permita discordar, gostei muito do filme e acredito que soube mostrar ( dentro das suas limitações) o que ocorre em Serra Leoa.
    Um forte abraço
    Cido

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  2. Cido, o problema não é se soube ou não mostrar a situação de Serra Leoa, mas sim o enfoque totalmente reacionário e neoliberal que o roteiro dá ao tema. O que é um total absurdo, já que tudo de ruim que acontece hoje na África foi causado justamente pelo imperialismo das grandes potências e seus dogmas.

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  3. André, você matou a pau, novamente.
    Vou contar o meu ponto de vista. Vi o filme e confesso que, durante a exibição, o "espetáculo" até era interessante.
    Contudo, já no final me vi saindo da exibição com um gosto de demagogia e hipocrisia na boca. Estava claro que essa era apenas "mais uma" produção faturando em cima da dor dos africanos. Mas o pior não é isso. O pior é o que você levantou na sua crítica: manipulação, incoerência, mistificação, distorção da realidade.
    Os povos da África merecem mais respeito. Com certeza chegará o dia em que a África poderá conceder ao mundo um cinema onde a sua realidade seja apresentada desde o seu ponto de vista.
    E tem mais: se alguém quiser defender Diamantes de Sangue por ser um belo "espetáculo", ponha-se no lugar dos africanos e veja se acha bacana que outros faturem em cima de você a partir de um retrato completamente mentiroso.
    Qualquer um que tiver a capacidade de pensar sai da sala de cinema se sentindo meio otário após a exibição de Diamantes de Sangue. E essa, eu garanto, não é uma experiência que vale a pena.
    Diamantes de Sangue é como aquele vinho adocicado de má qualidade: durante a conversa, você vai engolindo, e é só no final que você entende que te passaram para trás.

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  4. Eu também achei o filme podre. É um Rambo dos diamentes pra ser assistido e comrpeendido por crianças de quarta série. Se colocasse a placa no meio do filme com a mensagem realmente ficaria redundante. Um lixo.

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