O ÚLTIMO QUE MORRER
APAGUE A LUZ
Apesar dos defeitos, obra de Cuarón vale pelo paralelo direto que traça entre o futuro devastado do filme e a realidade atual.
- por André Lux
“Os Filhos da Esperança” nada mais é do que uma cópia do filme “É Proibido Procriar” (“Zero Population Growth”, com Oliver Reed e Geraldine Chaplin), que a gente assistia quando criança na TV Record no fim dos anos 1970. O enredo é basicamente o mesmo (até os finais dos filmes são idênticos), a única diferença é que aqui a humanidade ficou misteriosamente estéril enquanto no de 1972 era o governo fascista que proibia a reprodução, alegando que a Terra já estava super-povoada e com seu meio ambiente destruído.
Mas isso não impediu o diretor mexicano Alfonso Cuarón (de “E Sua Mãe Também”) de realizar um bom trabalho, bastante tenso e com algumas cenas emocionantes. O problema é mesmo o roteiro, que não faz muito sentido e é cheio de clichês (como traições tolas, grupos políticos primários e personagens que só servem para explicar a trama). Parece que o cineasta estava ciente disso e, ao invés de se concentrar no óbvio, preferiu criar seqüências que traçam um paralelo direto entre o futuro devastado do filme e a realidade atual.
A chegada dos refugiados aos campos de concentração, por exemplo, é uma cópia perfeita das imagens das torturas realizadas pelo exército do EUA no Iraque e em Guantanamo. Assim como toda a cena final de perseguição e tiroteios, que nos leva para um cenário de desumanidade idêntico ao que acontece hoje no Iraque, na Palestina ou no Líbano.
É tragicômica a seqüência em que soldados e guerrilheiros paralisam o conflito quando os protagonistas revelam sua preciosa carga, a qual no fundo é a razão para todo o ódio, só para retomarem a selvageria em seguida, como se nem lembrassem mais porque lutam. Como se vê, uma perfeita parábola das guerras atuais.
O filme também é valorizado pela fotografia de Emmanuel Lubezki, que utiliza bem o recurso de câmera na mão, e pelas boas atuações do elenco, principalmente Michael Caine, que está impagável no papel de um velho ativista de esquerda que não perde a chance de pregar a famosa peça do “puxe meu dedo” em quem cruzar seu caminho, mesmo que traga conseqüências trágicas para ele.
Para os mais atentos, “Filhos da Esperança” também tem outros achados, como a reprodução da capa do disco “Animals”, do Pink Floyd, filmado na mesma estação de energia Batterseas usada na foto original (com direito a porco flutuante e tudo), além de diversos recortes de jornal que indicam que o planeta havia sido varrido por conflitos nucleares. Intervenções irônicas vindas do rádio (“essa música é de 2003, época em que os seres humanos insistiam em não perceber que o futuro começaria amanhã”) ou de pichações nas ruas (“o último que morrer, por favor, apague a luz”) também ajudam a enriquecer a obra.
Por tudo isso o filme merece ser visto e discutido, embora tenha um apelo limitado já que as suas pretensões certamente vão passar em branco na cabeça de quem só entra no cinema para passar o tempo. O que, sabemos, é a intenção da grande maioria das pessoas que lotam as salas dos multiplex...
Cotação: * * *
André, seu blog foi um achado, gosto muito dos seus "posts". Só não concordo com você quanto ao final do filme ser idêntico aquele do Oliver Reed /Geraldine Chaplin. Se me lembro bem, os dois personagens (e o bebê) acabam parando numa área que estava contaminada por radiação... Enquanto que, em Filhos da Esperança, o personagem principal morre, enquanto o navio dos ambientalistas chega para levar a mãe e a criança para o local seguro... Um grande abraço!
ResponderExcluirO destino dos personagens é diferente, claro, até pela temática, mas a maneira como fogem (por um galeria de água num barco) é idêntico.
ResponderExcluirÉ proibido procriar em um filme que faz tempo que estou procurando onde consigo baixar
ResponderExcluir"a única diferença é que aqui a humanidade ficou misteriosamente estéril enquanto no de 1972 era o governo fascista que proibia a reprodução". Diferença pequena, não??
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