APAGÃO "MADE IN USA"
Filme denuncia a lógica capitalista que, cedo ou tarde, vai provocar danos irreversíveis ao planeta e colocar de joelhos a raça humana.
- por André Lux
Quando alguém vier pregar a você as maravilhas oriundas do enxugamento do Estado e das privatizações, pergunte se ele já assistiu ao excelente documentário “Enron – Os Mais Espertos da Sala”. Se a resposta for “não”, então nem perca seu tempo discutindo. Não vale a pena.
Quem acredita nessa ladainha que demoniza a regulamentação e o controle do Estado e pinta as empresas privadas como a salvação da economia só pode ser ingênuo ou mal intencionado.
O mais emblemático (e estarrecedor) exemplo das conseqüências destruidoras dessa corrente de pensamento inaugurada pelo ex-presidente Ronald Reagan na década de 1980, chamada carinhosamente de “neoliberal”, está registrada neste filme assinado por Alex Gigbey.
Exportada para o resto do mundo e implantada com maior voracidade nos países ditos de terceiro-mundo (Brasil, inclusive), essa ideologia que traveste o que existe de mais selvagem no capitalismo como sendo algo moderno, natural e irreversível, moldou e travou a mentalidade das pessoas na busca pelo consumismo sem limites (“consumo, logo existo”) e jogou a humanidade para a beira do abismo.
O caso da Enron ilustra de forma cabal o que acontece quando o cinismo, a arrogância, a ganância e a manipulação da informação se juntam sem qualquer limite e controle externo.
Apostando no que existe de mais agressivo em termos de marketing e relações públicas, seus executivos conseguiram elevar os preços das ações da empresa a níveis estratosféricos, sem que houvesse lastro real na contabilidade.
Isso se deu pela aplicação de uma técnica contábil absurda chamada de mark-to-market, por meio da qual projetavam lucros exorbitantes a partir do fechamento de transações que nem ainda haviam sido completadas, entre outras práticas simplesmente ilegais.
E, mesmo cientes da fragilidade e irracionalidade dos seus negócios, os manda-chuvas da Enron continuavam a propagar a solidez da empresa aos quatro ventos e estimulavam a compra das suas ações inclusive entre seus pobres funcionários que investiram nelas seus preciosos fundos de pensão.
Um das coisas que mais chama a atenção nessa história absurda é a maneira como a mídia e os analistas financeiros aceitavam e festejavam o “sucesso” da empresa sem levantar uma questão sequer a respeito desse verdadeiro milagre econômico – nem o fato da Enron atuar em uma dos mercados mais complexos e arriscados do mundo, que é o da prospecção e consumo de energia elétrica e gás, levantou suspeitas entre os “formadores de opinião” estadunidenses! Como se vê, o pensamento único propagado como verdade absoluta e incontestável não é privilégio da imprensa corporativa brasileira...
Todavia, o fato mais chocante deu-se quando negociadores (traders) da Enron literalmente derrubaram as usinas de força da Califórnia para fazer subir o preço da energia elétrica e salvar as finanças da empresa, prejudicando a economia do Estado e arriscando a vida de milhares de pessoas.
Essa operação está toda documentada e é apresentada didaticamente no filme, inclusive com gravações em áudio das conversar entre os negociadores, que não apenas falavam abertamente do golpe em andamento, como debochavam do povo que estava sofrendo as conseqüências.
Está aí representado o ápice do que o pensamento neoliberal, que visa o lucro financeiro acima de tudo e de todos, significa. Uma das conseqüências mais nefastas desse “apagão” operado pela empresa foi a queda do então governador da Califórnia, que acabou sendo substituído via um recall eleitoral no meio do mandado pelo ator Arnold Schwarzenegger (não por acaso do mesmo partido dos Bush). Qualquer semelhança com o “apagão” ocorrido no (desculpem o trocadilho) apagar das luzes do governo Fernando Henrique Cardoso não pode, portanto, ser mera coincidência.
E todas essas barbaridades aconteceram graças às brechas encontradas nas novas leis anti-protecionistas e ao suporte do governo Bush, recém eleito na época, cuja família mantinha laços estreitos com o fundador da Enron, Ken Lay, que chegou a ser cogitado para assumir uma pasta no secretariado do governo federal antes de ser condenado em seis acusações de fraude corporativa e morrer de ataque cardíaco em 2006 enquanto esperava a sentença.
No final, as ilusões criadas pelo criativo CEO da Enron, Jeffrey Skilling (condenado em 19 acusações de fraude corporativa), acabou e a empresa faliu totalmente em questão de semanas, deixando na miséria todos seus funcionários, mas não seus altos executivos que antes da derrocada já haviam vendido todas suas ações obtendo lucros astronômicos.
Essa história sórdida sobre os bastidores do capitalismo selvagem teria ficado oculta não fosse o trabalho dos jornalistas Bethany McLean e Peter Elkind, que dedicaram anos na investigação do caso Enron até a publicação do livro que dá nome ao filme.
Graças a isso, os principais ex-executivos da Enron foram presos e processados pela Justiça dos EUA. Prova de que o bom e velho jornalismo investigativo, praticamente extinto no Brasil, pode trazer contundentes resultados.
“Enron – Os Mais Espertos da Sala” é um filme obrigatório para qualquer pessoa interessada em conhecer os reais mecanismos que movimentam a lógica capitalista que, cedo ou tarde, vai provocar danos irreversíveis ao planeta e colocar de joelhos toda a raça humana - inclusive aqueles sujeitos que se julgam os mais espertos da sala.
Cotação: * * * * *
Seria possível obter comentários críticos do documentário Enron em áreas específicas como: Processual Trabalhista; Conciliação, Mediação e Arbitragem; Administrativa; Previdenciária?
ResponderExcluirGostaria muito de ler as críticas, especialmente, de André Lux.