Prazer pela tragédia
Filme explora protagonista que é um retrato das incongruências e idiossincrasias que inviabilizam a existência humana
- por André Lux
Fazia muito tempo que não assistia a um filme tão perfeito e intelectualmente desafiador como esse “O Libertino”. Ao contrário do que sugere o pôster ou as chamadas publicitárias, não se trata de uma obra cômica ligeira, no estilo “Casanova”, que também tinha como protagonista um hedonista inveterado, ficando mais próximo da acidez trágica de “Ligações Perigosas”. Aqui, conta-se a história do poeta inglês John Wilmont, Conde de Rochester, talentoso artista que destrói a própria vida graças à busca desenfreada pelo prazer e pela rebeldia sem causa. Mas, a sua verdadeira busca era mesmo pela tragédia. Tanto é que o próprio Wilmont (Johnny Depp) já avisa no monólogo que abre o filme: “Vocês não vão gostar de mim”.
Centrado nos últimos anos de sua vida, “O Libertino” é um denso e afiado estudo sobre a busca pela autodestruição que guia, em maior ou menor grau, a maioria dos seres humanos e, como conseqüência, nossa sociedade como um todo. Interpretado de maneira soberba por um sensual e maduro Johnny Depp, o protagonista é uma pessoa vazia e perdida que, plenamente consciente da sua existência pueril e inútil, busca desesperadamente por fortes emoções regadas sempre a sexo, drogas e álcool (não necessariamente nessa ordem). E quanto mais radical se tornam suas experiências, maiores tornam-se o seu cinismo, o seu ceticismo e o desprezo que sente por si mesmo e mais fundo ele mergulha no próprio flagelo – chegando literalmente a se “desfazer” em sangue e muco, corroído pela sífilis e pelo alcoolismo, com meros 33 anos de idade (o que é mostrado em tintas realistas que poderão chocar) e justamente quando começa a dar sinais de que poderia estar amadurecendo psicologicamente.
O roteiro de Stephen Jefreys, baseado em sua própria obra teatral, é muito bom e traz diálogos forte e extremamente afiados, perfeitamente encenados por excelentes atores. Palmas também para a direção precisa do estreante Laurence Dunmore, que não tem medo de estampar de forma clara a hipocrisia e a falta de escrúpulos da elite dominante no século XVII (que, infelizmente, não mudou em nada até hoje), muito menos as várias facetas do Conde, o qual passa de sedutor a repugnante em questão de segundos.
“O Libertino” é ainda tecnicamente brilhante e conta com uma fotografia primorosa (que às vezes parece mesmo uma pintura), toda granulada e esmaecida graças à iluminação das cenas feita sempre com luz natural que dão ao filme um ar quase de sonho (ou pesadelo). A música do minimalista Michael Nyman (de “O Piano” e dos filmes de Peter Greenway) também é perfeita e ajuda a construir o clima hipnótico que conduz toda a projeção.
Mas que fique bem claro. Esse é o tipo de filme feito para chocar, mas não aquele choque oriundo de recursos dramáticos vulgares, gratuitos ou forçados, pelo contrário. Cada fotograma foi meticulosamente construído para explorar e destacar as diversas nuances e facetas do protagonista que, no final das contas, nada mais é do que um retrato das incongruências e idiossincrasias que praticamente inviabilizam a existência humana. Por tudo isso, vai provocar reações extremadas de amor ou ódio que vão depender do estímulo que cada espectador receber do material apresentado. Confesso que sempre tive atração por esse tipo de enredo e abordagem, portanto, fui fisgado logo de cara. Mas é bom estar preparado e ciente do que está por vir, pois esse prato pode ser indigesto.
Cotação: * * * * *
Suas colocações são perfeitas, pensei exatamente o mesmo. É realmente um filme impressionante em todos os detalhes.
ResponderExcluirEstou curiosa quanto às premiações que o filme ganhou.