sábado, 30 de setembro de 2017

Série: "13 Reasons Why" (Os 13 Porquês)

GRITO DE ALERTA

Suicídio de adolescente expõe sociedade doente e desumana, em que as pessoas são apenas números e as relações se dão por interesses egoístas

- por André Lux, crítico-spam

A série “13 Reasons Why” (“Os 13 Porquês”) aborda de forma direta e realista um tema tabu em nossa sociedade: o suicídio. Trata-se de uma produção da cantora Selena Gomez inspirada no livro de Jay Asher e adaptado para as telas pelo dramaturgo Brian Yorkey. Narra as razões pelas quais Hanna Baker, uma adolescente de 17 anos, diz ter sido levada a tirar a própria vida. Gravadas em fitas cassetes antigas e enviadas postumamente, as mensagens responsabilizam os colegas de convívio pelo desfecho trágico.

A série provocou forte polêmica, com várias pessoas alegando que ela pode estimular ainda mais o suicídio, que segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) mata atualmente um milhão de pessoas por ano (uma a cada 40 segundos), o que equivale a 1,4% dos óbitos totais, sendo que cerca de 75% ocorrem em países de renda média e baixa (mais informações neste link). O principal motivo apontado pelos seus detratores é de que série teria “glamourizado” o suicídio, mostrando as fitas gravadas pela jovem como uma forma de se vingar daqueles que supostamente a teriam levado a tirar a própria vida, fator que pode provocar o chamado efeito Werther, termo científico pelo qual a publicidade de um caso notável serve de estímulo a novas ocorrências.

O psiquiatra Luís Fernando Tófoli, por exemplo, chegou a elaborar 13 parágrafos para alertar sobre os perigos da série. “O programa tem o potencial de causar danos a pessoas que estão emocionalmente fragilizadas e que poderão, sim, ser influenciadas negativamente. Não é absurdo inclusive considerar que, para algumas pessoas, a série possa induzir ao suicídio. Portanto, pessoas em situações de risco deveriam ser desencorajadas a assistir a série”, afirma o médico em seu artigo (leia a íntegra neste link).

Confesso que esse é um tema bastante delicado para qualquer pessoa que, como eu, sofre de Depressão e já teve pensamentos, tentativas de tirar a própria vida ou casos de suicídio entre familiares e amigos. Nesse sentido, “13 Reasons Why” não é um prato fácil de digerir, pois aborda a questão sem medo de colocar o dedo na ferida, elencando de forma bastante didática todos os acontecimentos trágicos que levaram a jovem Hanna a se matar.

Será que a série teria mesmo essa capacidade de estimular o suicídio? A resposta é complexa e, embora entenda perfeitamente os alertas feitos pelos especialistas, acho que ela pode também salvar vidas. O Centro de Valorização da Vida (CVV) relatou ter percebido um aumento de aproximadamente 100% no número de mensagens de texto e ligações de pessoas dispostas a conversar sobre o suicídio. De acordo com a instituição, muitos desses relatos mencionam a trama, que tem como fio condutor a morte de Hannah Baker (leia mais neste link).

Enfim, é uma faca de dois gumes. Se você aborda de forma direita um tema “proibido” desse tipo, corre o risco de estimular novos casos, mas se joga pra baixo do tapete, como faz a maioria das pessoas, certamente não vai ajudar em nada as pessoas que estão sofrendo e pensando em tirar a própria vida. Um dos principais motivos que leva alguém a cometer tal ato é certamente a sensação de isolamento e solidão, fatores que elevam à enésima potência os problemas que a levam tal estado e à Depressão. Ao assistir uma série como “13 Reasons Why”, essa pessoa pode entender que não está só, que não é a única a estar naquela situação sentindo o que sente, e isso pode amenizar sua dor e colocá-la em uma perspectiva menos desesperante.


Dificuldade de comunicação franca e aberta leva a tragédias
Sobre a série em si, que é uma obra de ficção, posso dizer que é muito bem feita e prende a atenção do começo ao fim, embora estique algumas situações além da conta para aumentar o tempo de duração. Não acho que glamourize o suicídio, pelo contrário, penso que mostra com riqueza de detalhes as angústias, pressões e abusos sofridos pelos adolescentes, principalmente dentro da cultura estadunidense, onde a maior ofensa é ser chamado de “perdedor” (looser), cultura essa que já foi exportada com sucesso para grande parte do mundo, especialmente o Brasil.

No final das contas, trata-se de um pertinente grito de alerta em uma sociedade cada dia mais doente e desumana, em que as pessoas são vistas apenas como números ou estatísticas e as relações se dão cada vez mais apenas por valores egoístas e de interesse. A imensa dificuldade de comunicação franca e aberta entre as pessoas, especialmente entre pais e filhos, também é um dos fatores apontados pela série como desencadeadores de mal entendidos que levam a tragédias.

As perguntas que mais se escutam ditas por familiares e amigos de pessoas que se mataram é: “Por que ela fez isso? Por que ninguém percebeu os sinais?”. “13 Reaons Why” dá uma pista das respostas e, acreditem, os sinais são muito fáceis de serem percebidos, porém poucos tem a empatia e o interesse necessários para enxergá-los, muito menos para dar a mão a quem precisa de ajuda. Depois não adianta chorar. Afinal, como diz a chamada da série, “se você está ouvindo isso, já é tarde demais”...

Cotação: * * * *

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Filmes: "IT - A Coisa"

NÃO É UMA OBRA-PRIMA DO MEDO

Apesar de bem feito, filme acaba sendo episódico e repetitivo

- por André Lux, crítico-spam

Essa é a segunda adaptação para as telas do livro gigantesco (mais de mil páginas!) “IT – A Coisa” que Stephen King escreveu em 1986, segundo dizem no auge do seu vício em cocaína. A primeira foi uma minissérie de 6 horas de duração, dividia em dois capítulos e cujo subtítulo era o ridículo "Uma Obra-Prima do Medo". Na época fez sucesso, mas analisada hoje percebe-se que era bem ruim, especialmente a segunda parte com os adultos.

Chega agora uma nova versão para os cinemas, mais bem produzida e que se fixa apenas nas crianças e suas desventuras. Todavia é bom alertar que o filme não tem uma conclusão e mostra só no início dos créditos finais ser o “Capítulo I”, algo que não me parece muito honesto de ser feito, já que omite do espectador que trata-se apenas da primeira parte de um filme duplo, cuja explicação e resolução só vão surgir no “Capítulo II”.

Enfim, enganações à parte, o novo “IT – A Coisa” é certamente muito melhor que a minissérie, mais bem produzido e atuado, porém ainda assim fica num meio termo e a melhor cena é a que já havia sido mostrada no trailer, a do menino e o palhaço no bueiro. As razões são várias, a começar pela dificuldade em se adaptar as obras de King para o cinema, já que seus livros são muito mais calcados nos medos interiores dos personagens do que em cenas de terror meramente visuais.

Segundo porque não é muito bem conduzido e acaba sendo episódico. às vezes parece que estamos vendo dois filmes diferentes. Um sobre o despertar dos jovens para a adolescência e outro de puro terror. Muitas vezes a narrativa pula de um tema para o outro sem muita lógica. Há também um excesso de piadinhas disparadas por um dos garotos (o ator é o protagonista de “Stranger Things”) que simplesmente não funcionam na maior parte das vezes, ainda mais naquele contexto de terror e violência.

Outro problema é justamente a semelhança da obra com tantas outras, desde “Conta Comigo” do próprio King, até as atuais “Super 8” e “Stranger Things”, que são obviamente inspiradas em “IT”. No final acaba sendo uma espécie de “Goonies” versus “Freddie Krugger” com pitadas de “Poltergeist”, mas com defeitos na estrutura que prejudicam o resultado final. 


O maior deles é que nunca ficam claros quais os limites e alcances dos poderes da entidade maligna que persegue os habitantes da pequena cidade, o qual se manifesta na maior parte das vezes como o palhaço Pennywise, feito por Bill Skarsgård destacando apenas a faceta assustadora dele, bem diferente da atuação de Tim Curry na minissérie para a TV. 


Tim Curry e Bill Skarsgård como Pennywise
Em algumas cenas, como a do bueiro, ele primeiro parece ter que seduzir a criança para ir até ele e então a ataca ferozmente, enquanto em outras ele parte direto pra cima, mas deixa as vítimas escaparem sem lógica. E em outra sequência ele atrai um dos meninos para a casa abandonada, o aterroriza na forma de um mendigo infestado por doenças para depois aparecer como o palhaço e ficar só olhando pra ele sinistramente enquanto segura balões. No fim, ele parece inclusive dominar a mente das pessoas, obrigando-as a fazer maldades, algo que parece ser recorrente no livro.

Enfim, não é essa obra-prima do medo que muitos críticos histéricos estão apontando, mas também não chega a ser ruim. Não consegue fugir de alguns clichês mofados do gênero (como a mocinha em perigo, algo que não existe no livro) e acaba apenas sendo um pouco longo, repetitivo e falha em não ser capaz de explicar de forma clara as regras daquele mundo, algo que é essencial para gerar suspense a partir da empatia com os protagonistas.

Cotação:
* * *