quarta-feira, 27 de junho de 2012
sábado, 16 de junho de 2012
sexta-feira, 15 de junho de 2012
Filmes: "Prometheus"
EJACULAÇÃO PRECOCE
Ridley Scott vem se masturbando há décadas com a ideia de fazer um filme no universo de “Alien” só para aparecer com essa porcaria
- por André Lux, crítico-spam
Sou grande admirador de “Alien – O 8º Passageiro” e, portanto, estava bastante ansioso para ver esse “Prometheus” que segundo seu diretor, Ridley Scott, aconteceria no mesmo universo de seu filme de 1979.
Mas, para azar nosso, Scott confirma que perdeu completamente a mão e não é nem a sombra do cineasta que já nos brindou com pérolas como “Blade Runner” e “Os Duelistas”. Seu último bom filme foi mesmo “1492” e depois disso só fez porcarias como “Gladiador”, “Falcão Negro em Perigo” e “Hannibal”.
“Prometheus” é o nome da nave que leva 17 pessoas para um planeta que poderia responder a questão de quem criou a raça humana e tenta elevar o nível de pretensão ao fazer referência à mitologia grega, onde Prometeu era o humano que roubou o fogo dos Deuses e por isso foi condenado ao sacrifício eterno. Bobagem, isso não tem nada a ver com o filme e a única coisa que o liga ao primeiro “Alien” são os desenhos de produção baseados no trabalho do artista plástico H.R. Giger para o original. O resto do design do filme é fraco e sem graça.
O que derruba mesmo as pretensões de Scott é roteiro confuso e sem pé nem cabeça que levanta uma série de questões sem resposta e, na maioria, idiotas, como: que motivos teria o robô interpretado por Michael Fassbender para infectar um dos tripulantes da nave?
Outra coisa que incomoda é o fato dos personagens agirem de maneira estúpida, como nos filmes da série “Sexta-Feira 13”, só para serem mortos ou virarem monstros quando são infectados (e aí o filme fica muito mais parecido com “O Enigma de Outro Mundo”, de John Carpenter, do que com o “Alien” - sem dizer que o começo lembra demais o primeiro "Alien vs Predador", o que não é o maior dos elogios).
Um fator que me incomodou muito forem terem descaracterizado completamente o “space jockey”, que era aquele alienígena esquisito sentado numa enorme cadeira em “Alien”. No filme original ficava evidente que se tratava de um esqueleto, inclusive os protagonistas verbalizam isso dizendo “parece fossilizado e grudado na cadeira”. Mas aqui no novo filme se transformam em figuras humanas que vestem uma armadura! Ou seja, nem pra respeitar a mitologia do primeiro “Alien” foram capazes!
O elenco é muito fraco, com destaque negativo para a bela Charlize Theron que passa o filme fazendo caras e bocas de menina má como a filha do multimilionário Weyland, dono da bendita companhia que está sempre por trás dos malfeitos na séria “Alien”.
Além disso, o filme tem uma trilha musical fraca e inadequada composta por um dos discípulos do abominável Hans Zimmer (em uma cena chegam a tocar sem maior lógica o tema do primeiro “Alien”, composto por Jerry Goldsmith).
E pensar que Ridley Scott vem se masturbando há décadas com essa ideia de fazer um filme no mesmo universo de “Alien” só para aparecer com essa porcaria que mais parece uma ejaculação precoce!
Cotação: * 1/2
Ridley Scott vem se masturbando há décadas com a ideia de fazer um filme no universo de “Alien” só para aparecer com essa porcaria
- por André Lux, crítico-spam
Sou grande admirador de “Alien – O 8º Passageiro” e, portanto, estava bastante ansioso para ver esse “Prometheus” que segundo seu diretor, Ridley Scott, aconteceria no mesmo universo de seu filme de 1979.
Mas, para azar nosso, Scott confirma que perdeu completamente a mão e não é nem a sombra do cineasta que já nos brindou com pérolas como “Blade Runner” e “Os Duelistas”. Seu último bom filme foi mesmo “1492” e depois disso só fez porcarias como “Gladiador”, “Falcão Negro em Perigo” e “Hannibal”.
“Prometheus” é o nome da nave que leva 17 pessoas para um planeta que poderia responder a questão de quem criou a raça humana e tenta elevar o nível de pretensão ao fazer referência à mitologia grega, onde Prometeu era o humano que roubou o fogo dos Deuses e por isso foi condenado ao sacrifício eterno. Bobagem, isso não tem nada a ver com o filme e a única coisa que o liga ao primeiro “Alien” são os desenhos de produção baseados no trabalho do artista plástico H.R. Giger para o original. O resto do design do filme é fraco e sem graça.
O que derruba mesmo as pretensões de Scott é roteiro confuso e sem pé nem cabeça que levanta uma série de questões sem resposta e, na maioria, idiotas, como: que motivos teria o robô interpretado por Michael Fassbender para infectar um dos tripulantes da nave?
Outra coisa que incomoda é o fato dos personagens agirem de maneira estúpida, como nos filmes da série “Sexta-Feira 13”, só para serem mortos ou virarem monstros quando são infectados (e aí o filme fica muito mais parecido com “O Enigma de Outro Mundo”, de John Carpenter, do que com o “Alien” - sem dizer que o começo lembra demais o primeiro "Alien vs Predador", o que não é o maior dos elogios).
Um fator que me incomodou muito forem terem descaracterizado completamente o “space jockey”, que era aquele alienígena esquisito sentado numa enorme cadeira em “Alien”. No filme original ficava evidente que se tratava de um esqueleto, inclusive os protagonistas verbalizam isso dizendo “parece fossilizado e grudado na cadeira”. Mas aqui no novo filme se transformam em figuras humanas que vestem uma armadura! Ou seja, nem pra respeitar a mitologia do primeiro “Alien” foram capazes!
Enganação: o space jockey de "Prometheus" é bem diferente do de "Alien" |
Além disso, o filme tem uma trilha musical fraca e inadequada composta por um dos discípulos do abominável Hans Zimmer (em uma cena chegam a tocar sem maior lógica o tema do primeiro “Alien”, composto por Jerry Goldsmith).
E pensar que Ridley Scott vem se masturbando há décadas com essa ideia de fazer um filme no mesmo universo de “Alien” só para aparecer com essa porcaria que mais parece uma ejaculação precoce!
Cotação: * 1/2
Duna: No limite da fantasia com a ficção científica
Livro de Frank Herbert corresponde bem ao paradigma da 'soft science fiction'
- por Antonio Luiz M. C. Costa, na Carta Capital
Seguindo sua linha de republicações de clássicos da ficção científica, a Editora Aleph, que já havia reeditado Duna de Frank Herbert (R$ 56, 544 págs.), agora relança também Messias de Duna (R$ 39, 216 págs.) o livro dois da saga – termo muito abusado pelo mercado editorial, mas neste caso bem aplicado, pois se trata da história de uma linhagem ao longo de várias gerações.
Os volumes desta série estão entre os textos mais interessantes da chamada New Wave (Nova Onda) que dominou a ficção científica dos EUA nos anos 1960 e 1970 e para muitos fãs é a melhor série do gênero em todos os tempos. A New Wave tendeu a especular sobre filosofia, política e ciências humanas, que os anglo-saxões chamam soft sciences e deu menos peso às hard sciences, à tecnologia e às ciências exatas e seu ethos, em contraste com a ficção científica “clássica” da Golden Age (Idade de Ouro) dos anos 1930 aos 1950, na qual se destacaram nomes como Arthur C. Clarke e Isaac Asimov.
Embora aborde as ciências naturais com propriedade ao menos no caso da ecologia, de resto a obra de Herbert corresponde bem ao paradigma da soft science fiction. Mesmo situado num futuro muito distante de guerras e impérios interestelares, o universo de Duna é moldado por poderes místicos e forças políticas e religiosas tradicionais. Não há robôs ou inteligências artificiais – suas funções são preenchidas por seres humanos treinados em fantásticas disciplinas mentais – nem a hegemonia da tecnocracia usual na Golden Age.
Soberanos, nobres, profetas e tribos supersticiosas governam as estrelas, com crenças e costumes mais estranhos e intrigas mais grandiosas do que jamais se viu na história real. Naves espaciais, terminologia científica e alguns recursos tecnológicos à parte, é essencialmente um romance de fantasia. O fato de que o domínio de certas ciências é restrito a certos grupos fechados, que poderes paranormais tenham um papel de destaque e seu uso e funcionamento sigam regras arbitrárias e caprichosas indicam que tudo isso é magia disfarçada. Como entender de outra forma um universo no qual a ciência é capaz de alterar a ecologia de planetas inteiros e ressuscitar os mortos, mas a mulher de um poderoso corre o risco de morrer de parto?
Trata-se, em todo caso, de fantasia de primeira qualidade, muito mais densa em força dramática e inteligente nas intrigas e dos questionamentos éticos do que se costuma encontrar no gênero. E apesar de não pretender fazer uma previsão realista do futuro, em alguns momentos parece ter profetizado tão bem os problemas geopolíticos de hoje que se é tentado a acreditar nos poderes de presciência atribuídos ao melange, a droga do planeta Arrakis consumida pelos protagonistas que pode ser entendida como uma metáfora do petróleo, pois é a mercadoria-chave que torna possível os transportes e a civilização do seu universo.
Já nos anos 1960 (Duna é de 1964 e Messias de Duna de 1969, embora as sequências sejam dos anos 1970 e 1980), Herbert pareceu prever o papel central que o controle do petróleo e sua concentração no mundo árabe dariam ao Islã no século XXI. No primeiro livro, Paul Atreides, um nobre estrangeiro adotado por uma tribo de nômades do deserto inclinados ao fanatismo religioso, torna-se o líder de seu movimento, muito semelhante ao fundamentalismo islâmico em caráter e vocabulário (são fedaykin, ou seja, fedayyin, os que conduzem a Jihad), derruba um imperador Shaddam IV (apesar de Saddam Hussein ter chegado ao poder só em 1968), põe o mundo civilizado de joelhos e implanta uma espécie de califado universal, como sonhava Osama bin Laden.
Passando do aspecto profético ao literário, deve-se dizer, sem exagero, que há mais seriedade nos questionamentos éticos, mais complexidade nos estratagemas e mais senso de história e de tragédia em um capítulo de Messias de Duna do que em todo um volume das Crônicas de Gelo e Fogo de George R. R. Martin. Ao contrário da maioria das sequências de obras do gênero, que tendem a repetir o tom, as batalhas e as fórmulas do primeiro volume com pequenas variações de nomes e contexto, este livro é tão diferente do primeiro volume em ritmo e abordagem que poderia parecer de outro autor.
Em vez de um cenário de amplidão interestelar e batalhas épicas num planeta fantástico, a trama agora se concentra nos relativamente poucos personagens da família Atreides – que, vitoriosa em Duna, agora desfruta de um poder político e religioso absoluto e universal – e de uma intriga palaciana que visa derrubá-la. A mudança de enfoque permite passar a um tom mais subjetivo e intimista, desenvolver a personalidade dos personagens principais e explorar suas tensões e conflitos, ainda que estes possam ter consequências cósmicas.
Os poderes paranormais e proféticos do protagonista, Paul Atreides, o Imperador Muad’dib, são bem aproveitados para lhe dar consciência do destino trágico para o qual caminha e do qual não pode fugir sem concretizar alternativas muito piores para ele mesmo e para a humanidade. Deve-se advertir que a dimensão cada vez mais sobre-humana à qual ele e outros personagens importantes são elevados dificulta a identificação do leitor, reles mortal, com eles e seus dilemas transcendentes. É preciso assumir um ponto de vista entre o épico e o sagrado para se interessar sinceramente por essas figuras cujas motivações são mais complexas do que o poder e riqueza que já conquistaram em escala além da imaginação, e ao mesmo tempo uma abertura para o maravilhoso que não cessa de trazer novas surpresas, sempre no limite do aceitável sem quebrar o delicado pacto de verossimilhança com o leitor.
- por Antonio Luiz M. C. Costa, na Carta Capital
Seguindo sua linha de republicações de clássicos da ficção científica, a Editora Aleph, que já havia reeditado Duna de Frank Herbert (R$ 56, 544 págs.), agora relança também Messias de Duna (R$ 39, 216 págs.) o livro dois da saga – termo muito abusado pelo mercado editorial, mas neste caso bem aplicado, pois se trata da história de uma linhagem ao longo de várias gerações.
Os volumes desta série estão entre os textos mais interessantes da chamada New Wave (Nova Onda) que dominou a ficção científica dos EUA nos anos 1960 e 1970 e para muitos fãs é a melhor série do gênero em todos os tempos. A New Wave tendeu a especular sobre filosofia, política e ciências humanas, que os anglo-saxões chamam soft sciences e deu menos peso às hard sciences, à tecnologia e às ciências exatas e seu ethos, em contraste com a ficção científica “clássica” da Golden Age (Idade de Ouro) dos anos 1930 aos 1950, na qual se destacaram nomes como Arthur C. Clarke e Isaac Asimov.
Embora aborde as ciências naturais com propriedade ao menos no caso da ecologia, de resto a obra de Herbert corresponde bem ao paradigma da soft science fiction. Mesmo situado num futuro muito distante de guerras e impérios interestelares, o universo de Duna é moldado por poderes místicos e forças políticas e religiosas tradicionais. Não há robôs ou inteligências artificiais – suas funções são preenchidas por seres humanos treinados em fantásticas disciplinas mentais – nem a hegemonia da tecnocracia usual na Golden Age.
Soberanos, nobres, profetas e tribos supersticiosas governam as estrelas, com crenças e costumes mais estranhos e intrigas mais grandiosas do que jamais se viu na história real. Naves espaciais, terminologia científica e alguns recursos tecnológicos à parte, é essencialmente um romance de fantasia. O fato de que o domínio de certas ciências é restrito a certos grupos fechados, que poderes paranormais tenham um papel de destaque e seu uso e funcionamento sigam regras arbitrárias e caprichosas indicam que tudo isso é magia disfarçada. Como entender de outra forma um universo no qual a ciência é capaz de alterar a ecologia de planetas inteiros e ressuscitar os mortos, mas a mulher de um poderoso corre o risco de morrer de parto?
Trata-se, em todo caso, de fantasia de primeira qualidade, muito mais densa em força dramática e inteligente nas intrigas e dos questionamentos éticos do que se costuma encontrar no gênero. E apesar de não pretender fazer uma previsão realista do futuro, em alguns momentos parece ter profetizado tão bem os problemas geopolíticos de hoje que se é tentado a acreditar nos poderes de presciência atribuídos ao melange, a droga do planeta Arrakis consumida pelos protagonistas que pode ser entendida como uma metáfora do petróleo, pois é a mercadoria-chave que torna possível os transportes e a civilização do seu universo.
Já nos anos 1960 (Duna é de 1964 e Messias de Duna de 1969, embora as sequências sejam dos anos 1970 e 1980), Herbert pareceu prever o papel central que o controle do petróleo e sua concentração no mundo árabe dariam ao Islã no século XXI. No primeiro livro, Paul Atreides, um nobre estrangeiro adotado por uma tribo de nômades do deserto inclinados ao fanatismo religioso, torna-se o líder de seu movimento, muito semelhante ao fundamentalismo islâmico em caráter e vocabulário (são fedaykin, ou seja, fedayyin, os que conduzem a Jihad), derruba um imperador Shaddam IV (apesar de Saddam Hussein ter chegado ao poder só em 1968), põe o mundo civilizado de joelhos e implanta uma espécie de califado universal, como sonhava Osama bin Laden.
Passando do aspecto profético ao literário, deve-se dizer, sem exagero, que há mais seriedade nos questionamentos éticos, mais complexidade nos estratagemas e mais senso de história e de tragédia em um capítulo de Messias de Duna do que em todo um volume das Crônicas de Gelo e Fogo de George R. R. Martin. Ao contrário da maioria das sequências de obras do gênero, que tendem a repetir o tom, as batalhas e as fórmulas do primeiro volume com pequenas variações de nomes e contexto, este livro é tão diferente do primeiro volume em ritmo e abordagem que poderia parecer de outro autor.
Em vez de um cenário de amplidão interestelar e batalhas épicas num planeta fantástico, a trama agora se concentra nos relativamente poucos personagens da família Atreides – que, vitoriosa em Duna, agora desfruta de um poder político e religioso absoluto e universal – e de uma intriga palaciana que visa derrubá-la. A mudança de enfoque permite passar a um tom mais subjetivo e intimista, desenvolver a personalidade dos personagens principais e explorar suas tensões e conflitos, ainda que estes possam ter consequências cósmicas.
Os poderes paranormais e proféticos do protagonista, Paul Atreides, o Imperador Muad’dib, são bem aproveitados para lhe dar consciência do destino trágico para o qual caminha e do qual não pode fugir sem concretizar alternativas muito piores para ele mesmo e para a humanidade. Deve-se advertir que a dimensão cada vez mais sobre-humana à qual ele e outros personagens importantes são elevados dificulta a identificação do leitor, reles mortal, com eles e seus dilemas transcendentes. É preciso assumir um ponto de vista entre o épico e o sagrado para se interessar sinceramente por essas figuras cujas motivações são mais complexas do que o poder e riqueza que já conquistaram em escala além da imaginação, e ao mesmo tempo uma abertura para o maravilhoso que não cessa de trazer novas surpresas, sempre no limite do aceitável sem quebrar o delicado pacto de verossimilhança com o leitor.
quarta-feira, 6 de junho de 2012
Filmes: "Cidade de Deus"
O BRASIL QUE O BRASIL NÃO QUER VER
Nunca um filme retratou com tanta precisão o mundo dos "excluídos" , cuja proximidade e violência crescentes nos obrigam a encarar de frente a falência social do país
- por André Lux, crítico-spam
CIDADE DE DEUS é mais uma prova incontestável do talento e da força que existem no cinema brasileiro, geralmente reconhecido no resto do mundo mas ignorado por aqui. Nunca antes um filme retratou com tanta precisão o mundo dos "excluídos" que, levando-se em conta os dados mais recentes de organizações humanitárias, já chegam a cerca de 60% da população do Brasil. Pessoas sem futuro, sem esperança, totalmente marginalizadas por um sistema que não apenas as isola, mas também as reprime e caça como animais - mesmo que as políticas sociais inclusivas dos governos de esquerda de Lula e Dilma tenham trazido um pouco mais de dignidade a elas.
O filme de Fernando Meireles realmente merece todos os elogios que vem recebendo. É, antes de mais nada, tecnicamente estupendo, não fica devendo quase nada se comparado aos blockbusters holywoodianos: tem fotografia perfeita, montagem vigorosa e incrivelmente ágil, roteiro não-linear que faria inveja aos Tarantinos da vida e trilha sonora marcante (embora a mixagem do som ainda deixe um pouco a desejar, tornando os diálogos por vezes incompreensíveis). Mas sem dúvida o que mais impressiona é o elenco, composto praticamente todo por atores amadores, muitos representando papeis certamente bem próximos à realidade deles. Nunca o cinema nacional mostrou com tanta verdade a cultura dos "esquecidos" e o gingado de um povo que, mesmo sofrido, ainda consegue rir e ter prazer. Pela primeira vez podemos ouvir alguém dizendo "Seu filho da puta!" sem parecer estar declamando um poema de Camões.
Mas, o que mais choca e marca em CIDADE DE DEUS é a naturalidade com que os personagens interagem, agindo sempre acima de qualquer moral conhecida pela "sociedade oficial", trancafiada dentro de seus condomínios fechados cada vez mais cercados por altos muros e seguranças armados. Se no filme de Meireles a realidade violenta dos guetos e favelas é chocante, hoje em dia o medo é ainda maior, já que a distância entre esse mundo marginalizado e a nossa "bolha de ilusão" pequeno-burguesa fica cada vez mais estreita.
E é exatamente aí que reside a força de CIDADE DE DEUS, ao mostrar com riquesa de detalhes o desenvolvimento da violência e da marginalidade, exatamente de dentro para fora da própria sociedade. Os excluídos estão cada vez mais perto e sua opção pelo crime não é nada mais do que uma mera escolha lógica e plausível, coerente com a realidade de suas vidas. "Se o tráfico fosse considerado como um negócio normal, Zé Pequeno teria sido escolhido o 'homem-do-ano'", afirma Buscapé (Alexandre Rodrigues, que é o fio condutor de todo o filme) ao ver o sucesso financeiro do líder das bocas locais.
Sem fazer concessões e mostrando a violência com realismo impressionantes (mas sem excesso de sangue ou detalhes sórdidos), CIDADE DE DEUS peca apenas por não ir mais fundo na ferida, lembrando de mostrar a corrupção policial mas "esquecendo" de abordar justamente o elo mais importante nessa ignóbil cadeia de corrupção: o dos verdadeiros donos do pedaço, os grande "empresários" do tráfico cujas conexões fazem chegar a droga dentro das favelas. Talvez por medo de cutucar demais a onça com vara curta (ou por exigência dos próprios traficantes que, caso contrário, não permitiriam as filmagens in loco) temos a impressão que a droga e os pesados armamentos que usam "brotam" dentro da favela, sem maiores conseqüências. Esse é, talvez, o único ponto baixo do filme ou falha, se preferir. Outra reserva pode ser feita também em relação ao início, nos anos 60, que poderia ter sido enxugado fazendo a ação propriamente dita começar mais cedo.
Mas é pouco para tirar o caráter de importância e pertinência dessa obra, realizada com inacreditável competência e vigor. Alguns críticos acusam o filme de ser "descontextualizado", tratando a favela como um micro-cosmos alheio ao resto da sociedade. Bobagem. É exatamente isso que dá força ao filme: a visão de dentro, vista por quem vive lá. E se nos anos 1970 a favela era realmente algo praticamente deslocado do sistema, hoje ela o invade cada vez mais e com ferocidade crescentes. Ou seja: não tem mais como ignorar os "excluídos". Eles estã aí, na nossa porta. E não estão contentes.
Cotação: * * * * *
Nunca um filme retratou com tanta precisão o mundo dos "excluídos" , cuja proximidade e violência crescentes nos obrigam a encarar de frente a falência social do país
- por André Lux, crítico-spam
CIDADE DE DEUS é mais uma prova incontestável do talento e da força que existem no cinema brasileiro, geralmente reconhecido no resto do mundo mas ignorado por aqui. Nunca antes um filme retratou com tanta precisão o mundo dos "excluídos" que, levando-se em conta os dados mais recentes de organizações humanitárias, já chegam a cerca de 60% da população do Brasil. Pessoas sem futuro, sem esperança, totalmente marginalizadas por um sistema que não apenas as isola, mas também as reprime e caça como animais - mesmo que as políticas sociais inclusivas dos governos de esquerda de Lula e Dilma tenham trazido um pouco mais de dignidade a elas.
O filme de Fernando Meireles realmente merece todos os elogios que vem recebendo. É, antes de mais nada, tecnicamente estupendo, não fica devendo quase nada se comparado aos blockbusters holywoodianos: tem fotografia perfeita, montagem vigorosa e incrivelmente ágil, roteiro não-linear que faria inveja aos Tarantinos da vida e trilha sonora marcante (embora a mixagem do som ainda deixe um pouco a desejar, tornando os diálogos por vezes incompreensíveis). Mas sem dúvida o que mais impressiona é o elenco, composto praticamente todo por atores amadores, muitos representando papeis certamente bem próximos à realidade deles. Nunca o cinema nacional mostrou com tanta verdade a cultura dos "esquecidos" e o gingado de um povo que, mesmo sofrido, ainda consegue rir e ter prazer. Pela primeira vez podemos ouvir alguém dizendo "Seu filho da puta!" sem parecer estar declamando um poema de Camões.
Mas, o que mais choca e marca em CIDADE DE DEUS é a naturalidade com que os personagens interagem, agindo sempre acima de qualquer moral conhecida pela "sociedade oficial", trancafiada dentro de seus condomínios fechados cada vez mais cercados por altos muros e seguranças armados. Se no filme de Meireles a realidade violenta dos guetos e favelas é chocante, hoje em dia o medo é ainda maior, já que a distância entre esse mundo marginalizado e a nossa "bolha de ilusão" pequeno-burguesa fica cada vez mais estreita.
E é exatamente aí que reside a força de CIDADE DE DEUS, ao mostrar com riquesa de detalhes o desenvolvimento da violência e da marginalidade, exatamente de dentro para fora da própria sociedade. Os excluídos estão cada vez mais perto e sua opção pelo crime não é nada mais do que uma mera escolha lógica e plausível, coerente com a realidade de suas vidas. "Se o tráfico fosse considerado como um negócio normal, Zé Pequeno teria sido escolhido o 'homem-do-ano'", afirma Buscapé (Alexandre Rodrigues, que é o fio condutor de todo o filme) ao ver o sucesso financeiro do líder das bocas locais.
Sem fazer concessões e mostrando a violência com realismo impressionantes (mas sem excesso de sangue ou detalhes sórdidos), CIDADE DE DEUS peca apenas por não ir mais fundo na ferida, lembrando de mostrar a corrupção policial mas "esquecendo" de abordar justamente o elo mais importante nessa ignóbil cadeia de corrupção: o dos verdadeiros donos do pedaço, os grande "empresários" do tráfico cujas conexões fazem chegar a droga dentro das favelas. Talvez por medo de cutucar demais a onça com vara curta (ou por exigência dos próprios traficantes que, caso contrário, não permitiriam as filmagens in loco) temos a impressão que a droga e os pesados armamentos que usam "brotam" dentro da favela, sem maiores conseqüências. Esse é, talvez, o único ponto baixo do filme ou falha, se preferir. Outra reserva pode ser feita também em relação ao início, nos anos 60, que poderia ter sido enxugado fazendo a ação propriamente dita começar mais cedo.
Mas é pouco para tirar o caráter de importância e pertinência dessa obra, realizada com inacreditável competência e vigor. Alguns críticos acusam o filme de ser "descontextualizado", tratando a favela como um micro-cosmos alheio ao resto da sociedade. Bobagem. É exatamente isso que dá força ao filme: a visão de dentro, vista por quem vive lá. E se nos anos 1970 a favela era realmente algo praticamente deslocado do sistema, hoje ela o invade cada vez mais e com ferocidade crescentes. Ou seja: não tem mais como ignorar os "excluídos". Eles estã aí, na nossa porta. E não estão contentes.
Cotação: * * * * *