segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

Filmes: "O LABIRINTO DO FAUNO"

AGORA, SEM DESCULPA

Qualidades da produção não conseguem esconder falta de profundidade dos personagens, excesso de violência, nojeiras e outros erros que o diretor Guillermo del Toro cometeu também em Hollywood

- por André Lux, ex-crítico-spam

É interessante como alguns cineastas ganham fama por um suposto talento atrás das câmeras que acaba nunca se materializando nos seus filmes. O mexicano Guillermo del Toro é um desses casos. Depois de uma curta carreira em seu país de origem, migrou para Hollywood cheio de moral e realizou alguns filmes que eram basicamente combinações de terror com história em quadrinhos (“Mutação”, “Blade 2” e “Hellboy”). Apesar de ficarem um pouco acima da média geral desse tipo de produção, possuíam falhas e exageros que prejudicavam o resultado final. Mas, a culpa disso era sempre colocada nos estúdios, que forçavam o diretor a apelar para excessos em detrimento do desenvolvimento e aprofundamento dos personagens.

Entra “O Labirinto do Fauno”, filme pessoal e independente do cineasta, realizado com o apoio de uma equipe formada totalmente por profissionais de sua confiança e sem interferência de executivos gananciosos. Teria tudo, portanto, para ser a sua obra redentora. Mas, que decepção, todos os erros e exageros cometidos nos filmes estadunidenses também estão presentes aqui: excesso de violência gráfica, insistência em filmar melecas e outras nojeiras e, maior dos pecados, falta de aprofundamento dos protagonistas.

É uma pena, pois a premissa inicial é muito interessante e poderia ter rendido um excelente conto de fadas gótico, realmente rico e repleto de nuances psicológicos. Sem dizer que o filme tem um desenho de produção primoroso, fotografia caprichada e uma trilha musical excepcional de Javier Navarrete (fiquem de olho, pois a exemplo de outros compositores estrangeiros, como Gustavo Santaolala, certamente vai fazer carreira em Hollywood, atualmente infestada por músicos horrendos). Infelizmente, tudo está a serviço de um roteiro capenga, que tenta misturar sem sucesso os delírios de uma menina carente com o drama de um pequeno grupo de guerrilheiros na Espanha fascista dos anos 1940, dominada pela ditadura sanguinária do general Franco. As duas aproximações nunca combinam, até porque as realidades tratadas não se cruzam.

Faltou ao diretor e roteirista tato para criar situações que humanizassem os personagens principais, que no final das contas ficam reduzidos a meras caricaturas sem profundidade e, por isso, se tornam desinteressantes à medida que a trama avança. O caso mais grave é o do capitão fascista, cuja loucura nunca é justificada, deixando o ator Sergi López livre para super-representar. Com isso, as cenas de torturas e de violência extrema proporcionadas por ele chocam só por serem explicitamente grotescas e repulsivas – o ponto mais baixo do filme dá-se quando ele costura a própria boca sem anestesia, coisa que nem o próprio Rambo fez sem sentir alguma dor! Sem dizer que uma guerrilheira jamais o deixaria escapar vivo de uma situação daquelas.

Outro erro foi não justificar direito os devaneios da menina, interpretada pela fraca Ivana Baquero. Ela já começa o filme vendo fadas, destruindo a vontade do cineasta de mostrar o mundo dos sonhos dela como sendo uma fuga da realidade brutal que a cerca. Se tivesse começado a inserir a parte irreal a partir, por exemplo, do momento que os problemas com sua mãe começam a acontecer, teria sido mais coerente com a proposta inicial. No final, o único personagem mais humano do filme é o médico do capitão que também ajuda os rebeldes. Seus conflitos e medos são o que existe de mais palpável, ao ponto de fazer a gente se lamentar quando sai de cena prematuramente.

Tenho visto alguns profissionais da opinião entoando loas ao filme, chamando-o de obra-prima e outros exageros. Novamente com medo de serem acusados de “não terem entendido a proposta do diretor”, estão julgando a obra pela sua pretensão e não pelo resultado final.

“O Labirinto do Fauno” é um filme interessante. Porém, não resiste a uma análise mais profunda e nunca chega a cumprir suas promessas. Nem mesmo a conclusão trágica consegue ter a força poética pretendida. O que é uma pena, levando-se em conta as qualidades da produção.

Enfim, depois de mais essa escorregada, quem sabe um dia Guillermo del Toro percebe que enfiar um monte de cenas nojentas em seus filmes vai apenas alienar justamente aquele espectador para o qual ele parece querer tanto mostrar seu valor? A esperança é a última que morre...

Cotação: * * 1/2